“A aliança é fundamental”
Renato Imbroisi é designer, tecelão e empreendedor carioca, e com o Sebrae faz projetos com artesãos por todo o país.
Como você avalia a situação do artesanato no país e sua relação com o design?
De 12 a 15 anos pra cá, o Sebrae e outras instituições iniciaram programas de grande aproximação do design com o artesanato. Por todo o Brasil, já se fizeram muitas ações nesse sentido, mas só o design não é a solução para o artesanato. A solução está muito mais em sanar problemas de gestão e organização das pessoas que produzem, das comunidades e dos artesãos individuais, do que no papel do designer no desenho. Claro que em certos casos a situação melhorou muito, acharam-se caminhos que não existiam. Em alguns lugares, com a entrada do design, estimulou-se muito mais o produzir do artesanato e de fazeres manuais, e se conceituaram determinados grupos ou foram descobertos caminho para eles. Criou-se um grande boom de pessoas querendo apoiar, estimular e trabalhar com o artesanato, mas é preciso solucionar esse problema maior de gestão. Não se absorve a quantidade de grupos que estão produzindo no mercado nacional, que está inchado, e, para atingir o mercado internacional, eles precisam se organizar muito mais. Nas comunidades mais próximas, se der algum problema, acaba-se consertando, a coisa fica um pouco mais fácil de solucionar. Imagine isso lá fora. Só de transportar, voltar e reorganizar tudo, queima-se a possibilidade de acerto.
Hoje, o maior problema é a organização e a gestão dos grupos. Estão surgindo vários designers que não trabalhavam com o artesanato e que estão entrando nessa área, fazendo coisas muito interessantes – novos designers, jovens ainda na universidade –, mas se conta nos dedos quem consegue sobreviver efetivamente só com o trabalho dessa produção. E quando isso acontece é mais nas grandes capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, porque no interior e, principalmente para quem já vivia disso dentro das suas condições, os problemas continuam.
Há um projeto desenvolvido em Santa Maria que, de acordo com você, não vingou por falta de liderança local. Falta organização nas comunidades para se dedicar ao artesanato? As comunidades valorizam a produção artesanal?
Fiz vários projetos em Santa Maria. Dois deles estão de pé, realmente sobrevivendo, e viraram referência para o Distrito Federal e para o país, assim como para os Sebraes de diversos Estados, que viram aquilo não só como um produto que deu muito certo, mas também como um produto que puxou o grupo em que já existia uma grande liderança. Mas depois começaram a surgir novos grupos concorrentes, com produtos de melhor qualidade. O preço era exatamente igual. Com isso, aquelas artesãs foram perdendo força no mercado. Elas tinham um grande comprador, que deixou a comunidade e partiu para outra que fazia um produto similar.
Quando o Sebrae me contratou para desenvolver linhas diferentes na região de Santa Maria, vários grupos faziam pano de prato com linhas diversas. Conhecendo todos eles e vendo que um está perdendo força e qualidade, o cliente parte para outro. Ganha quem tem mais qualidade, organização, e preço. Acho difícil manter essa chama acesa desde o começo, por isto falei que faz muita falta essa organização e esse controle de qualidade, de gestão. Vejo isso em muitos casos.
Ali, o problema não era o produto, que era muito bom no mercado nacional e internacional – as artesãs estavam comercializando o grosso da sua produção no mercado internacional. Faltou qualidade e organização, foi exatamente esse o problema. Aí um outro grupo prevaleceu e está empregando. Não é uma questão de falta de valorização do artesanato. Pelo contrário, ali as artesãs valorizam muito, entendem, estão muito ligadas. Estão sempre no mercado, participam de 10 feiras nacionais anuais: Curitiba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Alagoas, Mato Grosso. Elas circulam mesmo, são muito empreendedoras. A falha foi no controle de qualidade e na organização empresarial, a estruturação da contabilidade financeira.
É importante preparar as artesãs para o mercado? A formalização, a formação de associações, cooperativas ou pequenas empresas, deve ser incentivada?
Acho importante. O Sebrae dá esse suporte e investe nisso. Há consultores – o Balcão Sebrae – em todo o país. Mas, às vezes, a forma como isso é apresentado deixa dúvidas na cabeça das artesãs. Existe um estímulo muito grande para se formarem associações e cooperativas, mas a maioria dos grupos não tem esse perfil. O perfil é de pequenas empresárias ou de grupos de produção. Precisa-se, primeiro, ter muito bom conhecimento das pessoas que estão se juntando para trabalhar, e de qual vai ser a sua forma de trabalho. Escolhendo essa forma, aprendendo muito bem a escolher aonde se quer ir, então sim, deve-se formalizar, seja em associação, cooperativa, ou pequena empresa. Por onde vou, há vários exemplos de cooperativas que deram certo, que começaram como grupos de produção. Mas também há vários exemplos de pequenas empresárias agenciando grupos. E há ainda muito mais grupos na informalidade, mas neste caso não adianta, porque para eles chegarem a se formalizar, têm que passar por um período de experiência e saber, na prática, aonde querem chegar, qual o seu caminho. Acontece muito de montarem associações, pequenas empresas, mas elas não duram nem um ano. Portanto, é melhor trabalhar conhecendo o perfil, para seguir o caminho mais correto.
Em alguns casos, as artesãs aumentaram tanto a produção que tiveram que terceirizar a mão-de-obra. Como você avalia essa questão?
Acho ótimo. Se elas têm como terceirizar e dar emprego para outras pessoas, acho que é isto que o país está precisando: gerar renda. Mas tudo depende de como é realizado. Por exemplo, existem grupos que terceirizam parte da produção quando a demanda é muito maior do que conseguem produzir – ou seja, eles não mantêm a produção constante, mantêm a produção do núcleo e, em momentos esporádicos, terceirizam o que excede. Não tenho nada contra. O que não acho justo é o grupo montar uma associação, colocar isso no papel como uma forma de cooperativismo, enquanto que, na prática, algumas lideram, buscam mercado para elas, e repassam o dinheiro para as outras numa proporção muito menor, para continuarem no controle. O produto “X”, que vale R$10 e tem mão-de-obra de R$5, é repassado para uma terceira com mão-de-obra de R$2 ou R$3, porque há uma artesã que controla e detém parte do processo. Se isso é esclarecido, acho que não tem problema. O único problema é deixar as coisas obscuras, a comunidade se apresentar como uma associação quando, na verdade, o regime não é este, não é uma coisa transparente. Isso é o que acho ruim.
Objetos de capim dourado – material com o qual você trabalhou – tiveram, por muito tempo, uma produção restrita, constituindo, até mesmo, objetos de luxo. Agora se popularizaram e, atualmente, encontramos objetos de capim dourado em muitas barraquinhas de camelôs. Como você enxerga e avalia o caso dessa matéria-prima?
No caso do capim dourado, considero muito ruim. É bom quando o produto consegue atingir essas várias camadas sociais e, ao mesmo tempo, manter o valor, como foi o caso dos produtos de Santa Maria. Isso é muito raro de conseguir. Mas o capim dourado é uma matéria-prima preocupante. Sua extração faz parte de um processo muito perigoso dentro do ecossistema, da manutenção da flora local, de todo o aspecto de preservação do meio ambiente.
Fui o designer que atuou lá em 1998 – há muito tempo. Fiquei de 1998 a 2001 e deixei de ir nesses últimos sete anos. Na época, a realidade era outra, uma atividade ainda controlada, num mercado que tinha bom preço, que valorizava toda essa história. Não sei dizer hoje em dia, mas depois que o produto ficou mais popular, estimulou-se a produção e, como aquilo virou uma fonte de renda relativamente fácil, se espalhou muito rápido. É como o ouro. Na Serra Pelada, achou-se ouro e, pouco tempo depois, ele se esgotou. Ali se achou o capim dourado e logo aquilo vai acabar. É o uso desgovernado de uma matéria-prima, sem nenhum controle. Isso, a meu ver, vem acontecendo nesses sete anos, mas não sei o que estão fazendo agora para preservar, controlar e organizar aquele meio ambiente. Na época, a preocupação já era grande, porque o capim dá uma vez por ano, só brota depois da queima. Acredito que seria preciso preservar as comunidades onde aquilo nasceu.
A produção do capim dourado foi estimulada em vários outros pontos do Tocantins, mas, por outro lado, ele acabou sendo banalizado, porque surgiram vários desenhos que o deixaram um pouco popular demais. Não tenho nada contra um produto que atinja várias camadas sociais, mas o capim dourado perdeu o brilho com os materiais que se agregaram e ele. Por exemplo, quando fui trabalhar com outro grupo, o Flores do Cerrado, em Brasília, a matéria-prima natural dali era, por excelência, rica, nobre, espetacular – como é o caso do capim. Mas pelo fato de terem sido colocados produtos em cima dela – como tintas erradas e purpurina –, aquela matéria foi se camuflando e sumindo. No capim dourado, isso atrapalhou muito. Na época em que fiz o trabalho, era só o capim dourado, só a matéria-prima com formas que o valorizavam.
Você usa matérias-primas regionais, materiais reciclados, restos de outros materiais. Como é possível aliar estética, tradição, inclusão social e desenvolvimento sustentável na produção de objetos?
Conto nos dedos os projetos em que trabalhei em que isso é muito claro e bem organizado. Existem grupos no Sul, onde trabalhei por muitos anos, que trabalham com a matéria-prima local – no caso, a lã pura. Essa lã se transformou em produtos que atingiram várias camadas sociais e, num país quente, conseguiram furar a barreira e vender em mercados onde nunca se imaginaria, como o Nordeste. Esses grupos se mantêm muito fortes como uma cooperativa, muito bem organizados. O grosso da comunidade sobrevive desse trabalho – não tem outra fonte de renda, não existia outro trabalho na região – e é uma matéria-prima nobre, da região, que não agride o meio-ambiente, porque a lã tem uma tosquia por ano. Ali está tudo muito integrado, é um projeto de sucesso. Tenho outros exemplos, mas em que a matéria-prima não é a força total. Grupos de reciclagem, como no Distrito Federal, grupos que vêm atuando e comercializando também com essa transparência. Grupos fazendo crochê com tampinhas de Coca-Cola. Eles vendem muito mais para o mercado externo e vivem disso. Mas são casos diferente do Sul porque para eles a matéria-prima é de resíduo urbano.
Você trabalha bastante com o artesanato como atividade cultural, com o trabalho incorporado à vida da comunidade. Qual a importância de manter essa conexão entre o trabalho e a estrutura orgânica da vida da comunidade? Nesse aspecto, há diferenças entre trabalhar com comunidades rurais mais isoladas e comunidades urbanas?
Comecei na área rural. Consegui desenvolver meu trabalho e organizar minha vida e minha história na área rural durante esses 22 anos em que trabalho no interior de Minas Gerais. E fiz isso em várias regiões do Brasil. Na área urbana, o local onde tive maior sucesso e experiência foi o Distrito Federal. É onde tenho maior intimidade, trabalho com 25 comunidades. Como em tudo, temos que ter um foco de mercado, de conceito, de ideais, de pesquisa e de criação, e é isso o que tento buscar em cada uma delas. Dirigi vários grupos até achar este caminho. Qual o caminho desse grupo? Por que elas se juntaram? Qual o conceito? Onde elas querem chegar? Qual o mercado delas? Porque, às vezes, o mercado nem é tão amplo como imaginamos – que vá vender em Nova Iorque ou Londres –, vai vender ali ao lado mesmo, na própria região delas. Como achar esse produto, esse conceito, e fazer isso brilhar? Para isso, tenho que mergulhar profundamente na vida delas, saber o que querem da vida, o que querem com aquele trabalho, o que as satisfaz, o que as motivou, qual o fio condutor que faz uma ter a ver com a outra dentro de um grupo. Não vejo outra maneira de dar certo senão com todas trabalhando com o mesmo objetivo, o mesmo prazer, a mesma garra e o mesmo conforto. Esses exemplos que citei deram certo por este motivo, porque resultou em uma atividade muito verdadeira. Além do mais, quando a pessoa faz e acredita no produto, ela usa o que faz, incorpora aquilo, tem prazer em dá-lo de presente, em se vestir com aquilo, em decorar a casa com o que faz. Quando isso aparece, é porque a coisa está começando a funcionar.
Você tem falado sempre no feminino (“elas”, “as artesãs”, “as mulheres”). Há maior presença feminina no artesanato? Você costuma trabalhar mais com artesãs do que com artesãos? Quais as diferenças entre trabalhar com um ou outro público?
O grosso são mulheres mesmo. Como eu trabalho muito mais com o têxtil – e comecei sendo o próprio artesão –, essa área, de uma forma ou de outra, tem muito mais mulheres. Por isto meu trabalho tem um público mais feminino. Se eu estivesse atuando mais com marcenaria, talvez tivesse um público mais masculino. Mas, em muitos casos, tenho grupos masculinos. Na África mesmo, a maioria dos grupos são masculinos. Trabalho com um grupo de escultores de madeira que é 100% masculino. E são idênticas as preocupações e necessidades. Tudo o que falei vale tanto para um como para outro. Não sei dizer exatamente qual o percentual geral no país, se é mais feminino ou masculino, mas é até interessante saber nos cadastros, se existe uma pesquisa em relação a isso, acredito que sim.
Qual o papel do design num país de forte tradição artesanal?
Como eu venho de uma formação autodidata, tendo sido artesão, e de artesão me tornando designer, de designer me tornando consultor, e de consultor me tornando diretor, acho que o papel do design está muito ligado à pesquisa de mercado. Porque na hora em que o designer vai desenhar e criar o produto, ele tem que entender que mercado ele vai atingir, de que forma esse mercado vai ser atingido e como essa comunidade vai compreender e acreditar naquele desenho. Não conheço outra forma a não ser assim.
Tudo o que consegui de bons resultados, é porque eu sabia exatamente o foco de mercado, a maneira como o produto devia ser apresentado, o conceito. E, principalmente, porque passei isto com muita segurança para as artesãs. Essa segurança foi possível porque eu sentia que, nos grupos, o caminho que foi definido para cada uma delas era aquele. E quando elas entram nessa linha de pesquisa – de inovação, de organização, de qualidade, de um foco de mercado –, também começam a obter melhores resultados.
Na maioria das comunidades em que vou, as mulheres fazem um pouco de cada coisa, e com isso o produto não aparece. Não se tem uma perseverança de fazer um mesmo produto para que ele possa evoluir, melhorar, crescer e ser explorado até os seus limites, a partir da pesquisa de materiais, de qualidade, de técnicas.
Como fazer uma boa aliança entre designers e artesãos?
Essa é a aliança que acho fundamental. Um grande respeito e confiança mútua. Tem que haver uma excelente integração para que as coisas funcionem. Mas para isto acontecer não existe uma regrinha. Acho que comigo deu muito certo em alguns casos porque falo a mesma linguagem que elas, tenho as mesmas necessidades. Sei quais são os problemas que elas poderão enfrentar pelo desenho, pela qualidade do produto, pela organização, pela forma como vão atingir seu mercado. Converso bastante e elas sentem muita confiança. Esta é a maneira de abordar o artesão. É preciso domínio quando se tem 20, 30 pessoas, ou até muito mais, às vezes trabalho com 100 pessoas. Como manter aquela chama acesa o tempo inteiro? Isso faz parte da direção, que acabo exercendo muito mais do que me dedicando à criação do produto.
Em todos os projetos, sempre crio alguma parcela, mas hoje, em muitos deles, já não crio a coleção inteira. Quando o grupo é enorme, tenho vários designers trabalhando e pensando comigo. A confiança também é importante. Na minha trajetória, vivi na prática o que é produzir, comercializar, ter produto de qualidade, ter que inovar dentro de determinado prazo e estar o tempo todo no mercado. Como eu era o próprio tecelão, tinha que produzir, descobrir o meu mercado e descobrir como vender aquilo. Como foi assim que sobrevivi, consigo entender e explicar para elas como chegar lá. Você fez um produto de excelente qualidade e não conseguiu vender. Por quê? Porque não estava sendo exposto da maneira correta? Porque não estava sendo vendido para o público correto? Como chegar lá? Como furar essa barreira? Às vezes não vendeu na primeira ou na segunda feira porque o preço estava errado, ou porque o produto não era para aquele público. Se a pessoa estiver segura a respeito daquele material, tem que ir a fundo, até o fim, abaixar o preço para atingir aquele mercado, aumentar a produtividade, melhorar a qualidade, mudar a cor. É preciso fazer um estudo, e, às vezes, a coisa tem que ser muito rápida, imediata.
Até que ponto o designer pode intervir no trabalho dos artesãos? Como saber quando, em que e de que maneira intervir?
Os artesãos dão algumas dicas, mas na maioria das vezes, não é o artesão que pede para o designer falar. São raras as vezes em que se veem grupos com suporte financeiro para contratar um designer. Agora, três comunidades vão me pagar para que eu desenvolva os trabalhos. As comunidades vão pagar um percentual, e a instituição, outro.
São poucas as comunidades que têm essa fome, essa sede, de considerar o papel do designer importante. E na própria comunidade não há pessoas com a percepção, com o aprendizado, ou criativas o suficiente para inovar o tempo todo. Mas há casos em que a comunidade absorveu muito bem o papel e o conceito, como é a Lã Pura, no Sul. O grupo é composto por mais de 30 pessoas, mas duas das mulheres estão mais atentas ao processo de criação e ao conceito, elas entenderam muito bem a base. Na última participação na feira, elas fizeram por conta própria todas as inovações de desenho, as variantes dos caminhos. Se você vem com uma coleção de 30 peças com variantes de cor, elas lhe apresentam mais 30, porque em cima daquilo, ampliaram o olhar na mesma direção, ou até em direções complementares.
Cabe ao designer o papel de expandir o olhar, mas seu papel fundamental é o de fazer um bom produto. Como ele vai realizar isto depende de toda uma infra-estrutura, a estrutura física e a humana. Como essa estrutura vai entender? Ela está aberta para isso? Tem vontade, capacidade? Tenho um exemplo do Maranhão, onde fui a uma comunidade apresentar 30 produtos e fiz mais de 60, porque a comunidade foi me pedindo. Eu perguntava: “Tem mais alguma novidade?”, e elas me respondiam imediatamente. Eu dizia: “Acho que vocês podem chegar nisso, vamos abrir para uma outra parte da coleção?”. E elas atendiam. Fiquei 10 dias e, se tivesse ficado 20, teria mais variantes de produtos, porque elas me respondiam rápido, não só na produção, mas também na qualidade e na vontade, porque sabem que o mercado está atento a novidades, quer qualidade, bom desenho, então aproveitaram ao máximo.
Em seus trabalhos, pode-se dizer que há uma troca, ou seja, que você acrescenta algo ao trabalho dos artesãos, mas que também os artesãos acrescentam algo ao seu trabalho? É possível incentivar não só o design a ir até os artesãos, mas também promover uma valorização tal que possibilite o contrário? Você já fez trabalhos pessoais e com comunidades. Como você distingue o que é trabalho pessoal e o que é trabalho atribuído às comunidades?
A troca existe o tempo inteiro. Quando a coisa é só de um lado, fica pobre, não fica bom. Fica difícil até de lidar, você acaba cuidando demais e o artesão fica sem estímulo, você não consegue produzir, porque depende das mãos deles – não só das mãos, mas da vontade. É uma troca contínua, o que falei sobre entrar na intimidade e ser um pouco cúmplice. Essa cumplicidade com o outro é o que faz funcionar. Respeito demais o produto que desenvolvo para qualquer comunidade, tanto é que, cada vez mais, tenho investido mais nas consultorias e na direção do que na minha própria marca como produto.
Minha marca se mantém no interior de Minas Gerais, onde estamos nos dedicando mais a brindes. Não levo o que fiz como consultor para minha marca pessoal, nem faço a mesma coisa em duas ou mais comunidades, não uso o mesmo conceito. Preservo demais e enfatizo que temos que achar nossas identidades, nossas raízes, nossos ideais, nossa linha de conduta. E as artesãs buscam o designer, sim. Nesses últimos 10, 12 anos, fala-se muito no Brasil, através das instituições, da mídia, em debates e conferências, que o design soluciona tais problemas. As artesãs estão atentas, sabem o que é isso. No começo se falava em design e ninguém sabia o que era. Em parte, isto persiste, mas algumas artesãs já estão muito espertas, percebem a diferença, e pedem a presença do designer.
Você viajou o Brasil inteiro, conheceu artesãos em vários lugares, e diz que tentava fazer com que eles trocassem experiências entre si. Como você avalia esses diálogos? Que projetos surgiram a partir dessas trocas?
Isso aconteceu várias vezes. De oito anos pra cá, cada vez mais, tenho feito essa mescla de levar artesãos das comunidades de sucesso para outras que estão começando a achar seu caminho. Isso não só no Brasil, mas também em Moçambique, na Itália, ou até no Japão. Fiz esses intercâmbios de saberes. E as pessoas recebem muito bem, porque falam a mesma linguagem, têm as mesmas necessidades. E, principalmente, tenho feito isso para encurtar caminhos, porque se levo uma pessoa que passou por todas as dificuldades e ela explica para a outra como chegou ali, diminui certos atritos.