Estas notas não são uma alavanca para levantar a simpatia política nacional e internacional, nem quererem aproveitar a atualidade que o objeto pobre e marginalizado desfruta no campo da arte. Também não exaltam a aura estético-primitiva que sempre fascina a alta cultura.
Estas notas são apenas uma documentação. Dezesseis anos se passaram do fim de nossa tentativa de realizar (em condições excepcionalmente favoráveis) uma experiência popular direta.
No Nordeste, no Polígono da Sêca.
Hoje, no balanço da falência cultural, quando as premissas de toda uma cultura já respeitada atingem quase o ridículo, é preciso aceitar sem medo a verdade.
Nem todas as culturas são “ricas”, nem todas são herdeiras diretas de grandes sedimentações. Cavocar profundamente numa civilização, a mais simples, a mais pobre, chegar até suas raízes populares é compreender a história de um País. E um País em cuja base está a cultura do Povo é um País de enormes possibilidades.
Está fora de causa o folklore, que serve aos turistas e às “Senhoras” que acreditam na beneficência. Folklore é uma palavra que precisa ser eliminada, é uma classificação em “categorias”, própria da Grande Cultura central, para eliminar, colocando no devido lugar, incômodas e perigosas posições da cultura popular periférica.
Quando a produção popular se petrifica em folkore, as verdadeiras e suculentas raízes culturais de um País secam: é sinal de que “interesses” internos ou de importação tomaram o poder central, e as possibilidades de cultura autóctone são substituídas por “frases feitas”, pela “supina repetição” e pela definitiva sujeição a esquemas esvaziados. É o caso da Itália popular petrificada pelo Fascismo. Não foi o folklore que desapareceu – era a Alma Popular que ia embora.
Procurar com atenção as bases culturais de um País, (sejam quais forem: pobres, míseras, populares) quando reais, não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando, não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades.
Esta procura, realizada numa base rigorosamente científica, ridiculariza os romantismos populistas, as falsas tradições, todas as formas de enlanguescimento cultural, assim como as atitudes da tecnocracia ideológica.
É a rede de Che-Guevara, são os “buracos” e as flechas do Vietnã contra o requinte do mundo ocidental.
Em ’50 – ’60, começamos (éramos muitos) a procurar um caminho, um caminho pobre, que não fosse o da “consolação dos Gadgets”.
O que segue, textos e ilustrações, são trechos daquele caminho, que não tinha protagonistas individuais, mas uma única força coletiva.
Era o Nordeste.
Com certeza, a presença de alguns objetos de “sobrevivência desesperada” pode fazer sorrir o economista e o planejador que se “especializa”.
Mas é a observação atenta de pequenos cacos, fiapos, pequenas lascas e pequenos restos que torna possível reconstituir, nos milênios, a história das Civilizações.
O Desenho Industrial e a Arquitetura de um País baseados sobre o nada são nada. Num País que, sobre uma pseudo-arquitetura mais especulação-da-construção, sobre um “Pseudo-Industrial Design”, desfralda um pressuposto ingresso no convívio das grandes nações, essas notas querem ser um repensamento, não apenas para quem conhece o caminho, mas também para quem, em boa fé, pensou que o caminho aparentemente mais fácil fosse o caminho válido. (Lina Bo Bardi)
Texto cedido pelo Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, São Paulo, SP (www.institutobardi.com.br)