Quem atribuir à produção nordestina o caráter de Kitsch está errado. A integração do Kitsch (palavra alemã intraduzível), que junto com a “integração da estética do lixo” e da assim chamada “cultura de massa” (produtos industriais espúrios, T.V. deteriorante, cartazes de duplo significado, etc.), têm, na base, o aquiescer, o concordar supino a um statu-quo: o da civilização ocidental, com suas liberdades individualistas e sua estrutura econômica pós-capitalista. É uma adesão melancólica a um mundo que poderia não ser aceito se os homens que o aceitam decidissem não aceita-lo.
O verdadeiro sentido do Kitsch é o medo, medo da morte feita pelas donas de casa que amontoam, contra um fantasma, para não ter que enfrenta-lo, o dilúvio das pequenas ternuras familiares, a hipocrisia das rendinhas e dos coelhinhos pascais, das cortinas bordadas e dos enfeites, e lembranças de todos os tipos.
O Kitsch é irreversível, o verdadeiro Kitsch é inaproveitável, nunca passível de integração. Como o Kitsch político, o Kitsch nazista, inventado por Hitler, que também, anacronicamente, glorificava a vida na Alemanha ariana contra uma hipotética ameaça hebraica. Era também o medo da morte, a hipotética morte de uma Nação.
A Arte Popular, julgada Kitsch pela classe “culta”, nunca é Kitsch: mesmo em casos extremos, ela é perfeitamente reversível. O verdadeiro Kitsch não é do povo, é da burguesia e é irreversível.
A literatura de Cordel, sob uma aparente revolta e violência, apresenta, na realidade, uma falsa imagem do homem do Sertão do Nordeste – simples e bondosa. Assim como a cerâmica “figurativa”, aparentemente irônica, de Caruaru. O homem do Sertão que sorri com bondade dos “doutores”, das autoridades, das leis e dos “Senhores”, simplesmente não existe: é uma produção “bonitinha” que se repete ad usum dos visitantes, nacionais e estrangeiros, das feiras e dos mercados.
Por esta razão, não documentamos aqui as tão conhecidas gravuras de literatura de Cordel, nem dedicamos muito espaço à cerâmica de Caruaru.
Objetos de uso, utensílios da vida cotidiana. Os ex-votos são apresentados como objetos necessários e não como “esculturas”, as colchas são colchas, os panos com aplicações são “panos com aplicações”, a roupa colorida, roupa colorida, feita com as sobras de tecido, ainda com as marcas das grandes fábricas do Sul, que as mandam de caminhão para o Sertão do Nordeste.
A possível “carga” de arte desta produção necessária não é interpretada com os instrumentos da crítica de arte. É, como já dissemos, apenas uma documentação limitada da capacidade de sobrevivência do Povo Nordestino.
Um dia todos esses objetos desaparecerão.
Mas, a glorificação (especialmente no sul do país) já começou com os fifós, cerâmicas e latarias, enfeites das casas da classe média e alta. Vantagens econômicas (pequenas, existem intermediários) à parte, a totalidade coordenada e livre da produção nordestina acabou. (Lina Bo Bardi)
Texto cedido pelo Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, São Paulo, SP (www.institutobardi.com.br)
Texto inserido com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - Programa de Ação Cultural - 2008.