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Design Solidário... - Jornal Valor

Publicado por A CASA em 29 de Junho de 2001


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 São Paulo Fashion Week apresenta resultado da parceria do estúdio com o trabalho do artesão. Em tempos de desenvolvimento sustentável, a moda passa por uma revolução do bem. O templo quase intocável de Patrícias e Maurícios agora abre as portas para Marias e Nazarés pela força do design solidário - um conceito que começou timidamente nos ateliês e promete arrebatar passarelas e vitrines nos próximos meses. A prova de fogo dessa nova tendência, que aposenta os paetês e promove os retalhos de tecido reciclado, rendas centenárias e nozinhos de organza feitos à mão, acontece no megaevento de moda, a São Paulo Fashion Week. É lá que Walter Rodrigues - o embaixador do glamour - e Carlos Miéle - o performer das passarelas - apresentam suas coleções primavera/verão, temporada 2001/2002, compostas por peças desenvolvidas em conjunto com comunidades de artesãs. É graças a iniciativas como essas que, hoje, o panorama do artesanato brasileiro começa a mudar e o sonho de uma vida digna, para os artistas populares, torna-se possível, com o trabalho de organizações e pessoas que, sem esperar pela ação das autoridades competentes, têm feito o que a sociedade chama de "sua parte " .A moda, com toda a pecha de elitista, distante da realidade, burguesa e afetada, tem dado exemplo nesse campo dominado por ONGs e entidades afins. Na costa do Piauí, mais precisamente na cidade de Ilha Grande, rendeiras da Associação do Morro da Mariana aumentam sua produção em 50% para dar conta de uma encomenda muito especial: peças para compor vestidos e tops da nova coleção de Walter Rodrigues.O encontro inusitado, e que fez Walter viajar cerca de 3 mil quilômetros - incluindo 6 horas sacolejantes num ônibus pinga-pinga entre carnaúbas e sob um sol escaldante -, foi organizado pelo Museu de Artes e Artefatos "A Casa" e aconteceu devido à paixão e obstinação pela tradição da arte popular aplicada à moda, da jovem curadora, de 29 anos, Suzana de Avellar - formada em moda, com mestrado em semiótica. Em Cerrita (PE), a idéia é recuperar a tradição, promover a capacitação de novos artesãos e a inserção dos produtos no mercado Convidada por Silvia Sasaoka - diretora de projetos do museu - e Renata Bueno Mellão - presidente da instituição - para tocar projetos de design solidário na área da moda, Suzana começou a pesquisar comunidades de artesãos pelo Brasil, inspirada, em parte, em outro projeto de design solidário desenvolvido no museu - em parceria com a Academia de Design de Eindhover, da Holanda, envolvendo artesãos de couro de Cerrita (cidade pernambucana, terra de Lampião e do gibão, o uniforme obrigatório do cangaceiro para enfrentar a rudeza da caatinga)."O trabalho em Cerrita visa recuperar a tradição, promovendo a capacitação de novos artesãos e a inserção dos produtos no mercado. Achei que era uma boa inspiração e fui atrás de alguma associação ou cooperativa que desenvolvesse um trabalho aplicado à moda, mas tivesse dificuldades em escoar a produção " , explica Suzana.As rendeiras de Ilha Grande chegaram até Suzana por indicação de Rosa de Viterbo, colaboradora do Sebrae no Piauí, e da pesquisadora Juliana Campos. "Entrei em contato com Walter Rodrigues que, imediatamente e sem ver nenhuma renda, aceitou participar", lembra Suzana. "Moda tem que ser mais que comércio e estar além da estética e da vaidade. Precisamos aproveitar esse grande movimento que ela provoca na mídia para ajudar pessoas e sanear as injustiças sociais", justifica Walter Rodrigues.Além de divulgar as admiradas rendas de bilro elaboradas por dona Maria do Socorro - presidente da associação das rendeiras - e suas colegas, a iniciativa levou à comunidade uma tecnologia em fios antes inacessível, ampliando as aplicações do trabalho. "Enviamos fios de seda pura e de viscose com elastano, desenvolvidos pela Círculo, diferentes dos que as rendeiras estavam acostumadas a trabalhar, que é o fio de algodão mercerizado e em geral branco", conta Rodrigues. "Depois de um tempo, recebi rendas feitas em rosa, verde, roxo e preto. Cores que, anteriormente, não faziam parte do universo de criação dessas rendeiras. Fiquei encantado e resolvi adaptar os desenhos das rendas aos vestidos de noite e tops que estava criando", esclarece o estilista.Ao todo, oito "looks" criados com as rendas de Ilha Grande irão desfilar na passarela. "Incorporei a renda nessa nova coleção, inspirada nos campônios europeus, porque acho que renda é requinte. E a do Piauí, universal", define Rodrigues.Do outro lado dessa ponte, a novidade fashion chamou a atenção da comunidade local - que passou a comprar mais das rendeiras -, do Sebrae - que entrou como intermediário na captação de recursos, agente e provedor de técnicas de administração - e inspirou as rendeiras, que, hoje, faturam 30% a mais e contam com o reforço de 25 novas profissionais para ajudar a atender a demanda."Esse trabalho com o Walter Rodrigues, além de aumentar os números da associação, fez nascer um sentimento de orgulho muito grande nas rendeiras. Todas elas, hoje, trabalham mais felizes", relata Maria do Socorro, que deve vir a São Paulo para acompanhar, junto com as colegas Nazaré e Fátima, o desfile de Walter na São Paulo Fashion Week.O que se vê nessa parceria do estilista com as rendeiras é o velho dito que prega ser melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. "Que o trabalho solidário torna uma empresa bem-vista no mercado, é fato. Só que também cumpre a função social. As feiras de artesanato espalhadas pelo Brasil mostram uma técnica invejável dos artesãos, mas falta uma certa qualificação. As parcerias ajudam a sanar essa deficiência. É uma maneira de resgatar as raízes com pitadas de contemporaneidade. E, se existe o marketing em torno dessa ajuda, que seja bem-vindo", analisa João Braga, professor de História da Moda no Senac e na Faculdade Santa Marcelina.Do Piauí para o Rio de Janeiro. As costureiras da Coopa-Roca - cooperativa que funciona há 20 anos na favela carioca da Rocinha -, que há um ano trabalham para Carlos Miéle, estilista da M.Officer, sentem na pele e no bolso os benefícios que podem trazer o conceito aplicado de "design solidário"."Antes da parceria, a cooperativa já havia apresentado seus trabalhos em países da Europa. Mas o trabalho para a M. Officer ajudou a dar vazão à produção. Hoje, peças Carlos Miéle/Coopa-Roca estão à venda em lojas como Barney's de Nova York, Browns, de Londres, Maria Luiza, de Paris, e Joyce, de Hong Kong", revela a coordenadora da Coopa-Roca, Maria Teresa Leal. No Piauí, rendeiras aumentam sua produção para entregar peças que vão compor vestidos e tops da coleção de Walter Rodrigues Segundo Tetê, como é conhecida, a parceria com Carlos Miéle foi fruto da exposição "Retalhar", que foi realizada no primeiro semestre de 2000 no Rio de Janeiro. Nela, o estilista foi apresentado à técnica de nozinhos e retalhos, desenvolvidas pela Coopa-Roca. "As mulheres da Favela da Rocinha, em sua maioria nordestinas, carregam a herança de lidar com essas técnicas, mas sempre as colocavam em prática em casa e não como uma atividade para complementar a renda familiar. Com a Coopa-Roca isso aconteceu e, a parceria com a M. Officer, fez isso crescer", comenta Tetê, que diz, ainda, que a cooperativa realiza trabalhos para o designer paulista Fernando Jaegger e luminárias para o arquiteto carioca João Maurício Pegorin.Realmente aumentou a produção, o faturamento e, principalmente, as expectativas de que o negócio continue crescendo. Segundo dados da cooperativa, o faturamento, em um ano, subiu 1500% e há cooperadas que chegam a ganhar R$ 1 mil por mês."Antes das parcerias, nossa produção mensal era de cem peças/mês. Hoje é de 500 peças/mês, em média. Éramos cerca de 16 cooperadas e hoje somos 80", diz Lucélia Carvalho, 24 anos, gerente de produção da Coopa-Roca, que largou o trabalho no comércio para se dedicar à cooperativa.Conhecido, odiado e adorado por sua irreverência não só por seus desfiles embalados por batuques afros, mas também pelas roupas que cria e suas atitudes, Carlos Miéle comenta a parceria com a Coopa-Roca usando um discurso de dar inveja à dona Ruth Cardoso e seus colegas da Comunidade Solidária."Meu trabalho sempre buscou refletir e discutir as questões sociais brasileiras. Meu objetivo maior é juntar os mundos desconectados: o elitismo da moda com a senzala; o 'blondie fake' das passarelas com a beleza índia; a tecnologia das empresas multinacionais com a falta de recursos da favela. Unir grandes empresas às costureiras da Rocinha é uma maneira, sim, de 'fazer a minha parte'", cutuca Miéle.Em sua terceira coleção em co-produção, de algumas peças, com a Coopa-Roca, Miéle - que lança, até o final do ano, o tecido tecnológico Alya Eco, desenvolvido em conjunto com a Rhodia a partir da reciclagem de garradas pet - está satisfeito. Mas avisa: "Não sou samaritano. Exijo muito das costureiras. Até porque é um trabalho feito para o mercado, comercial. Meu negócio é vender roupa. Não vejo problema em tornar rentável uma atividade que tem tradição e ainda vai ajudar a sustentar famílias. As relações comerciais são as que viabilizam os sonhos", idealiza.De olho na equação moda + artesanato = boa ação, os organizadores da Semana Barra Shopping de Estilo, no Rio de Janeiro, pegam carona nas iniciativas de Miéle, Walter Rodrigues e do Museu "A Casa" e apresentam o tema "A Moda Como Instrumento de Transformação Social". "Queremos mostrar que a moda não é apenas festa e que pode dar sua parcela de contribuição nas transformações tão necessárias ao país", analisa Eloysa Simão, da agência de eventos Dupla, responsável pela criação da semana. Nesta edição, segundo Eloysa, dividirão a passarela com grifes badaladas, como Maria Bonita, Totem, Lenny, Salinas, Frankie Amaury e Alice Tapajós, os trabalhos de projetos que têm o design solidário como alicerce. Entre eles a Amazon Life - empresa especializada na comercialização de produtos ecológicos e de extração sustentável, e dona da marca Treetap® de couro vegetal -, a Viva Rio - que lança, durante a Semana, sua etiqueta de comércio solidário, que agrega comunidades de costureiras e confecçôes de favelas e baixadas do Rio de Janeiro - e Modaxé - braço fashion do multimídia Projeto Axé, de Salvador, que forma jovens carentes para o mercado da moda. É a versão papo-cabeça e generosa do, às vezes, nada solidário mundinho fashion.
Fonte: Jornal Valor