Linhas cruas abraçam apaixonadas feixes de arames de cobre. Finas varetas de bambu estruturam mandalas revestidas com fitas de retalhos. Rolinhos de palha de milho se aconchegam num tramado de lã. Fibras vegetais relaxadas deixam transparecer os brilhos retorcidos dos fios de latão, que, por entre a urdidura de algodão colorido, cantam...
Estamos no Tissume. Aqui, tudo isso é natural!
A empatia com o trabalho da Mercedes é imediata. O prazer de ver e tocar se instala antes que qualquer raciocínio se interponha. As histórias que vêm depois são brindes a esse primeiro momento. O sonho é o objeto de sua arte. Quanto a isso não há concessão. Das antigas artesãs de Goiás aprendeu o domínio dos teares; dos traços do seu mundo interno, ela deixa brotar as formas.
Com uma base sólida de conhecimento do tear tradicional, aprendida das últimas tecedeiras da geração anterior à chegada dos tecidos industrializados, Mercedes desenvolveu seu campo de experimentação empunhando o “tiçume” como objeto de trabalho e instrumento de afirmação de identidade cultural. Ela fez sua parte no esforço de reimplantar o tear em Pirenópolis, preservando as técnicas e qualificando novas artesãs.
Desde cedo incorporou em seus trabalhos retalhos da indústria de confecções, buscando explorar o “efeito-demonstração” contra o desperdício e também, criando novas texturas. No galpão das tecedeiras, o gestual ancestral associado ao manuseio do antigo e pesado tear de madeira segura o tempo e eterniza a memória, mas o frescor das novas idéias exala conteporaneidade. A inspiração poderá vir das cores do cerrado, da natureza profunda dos materiais ou de padrões da tradição têxtil regional; a expiração sempre reportará o nosso tempo.
No seu caminhar, Mercedes construiu um roteiro próprio, pessoal, onde persiste em plantar novos desafios. Afinal, quem trabalha com o sonho, não se permite acomodar.
No Tissume, onde ela vive mergulhada na lida com montanhas de linhas, retalhos, arames, fibras, teares e muitas idéias, não espere encontrar o óbvio.