Estou contando um pouco da minha vida porque muitas pessoas aqui não me conhecem e eu sou absolutamente amadora. Sou uma observadora enorme e uma grande apaixonada pelo trabalho. Então, voltando a isso, eu senti, depois de crescer no meu trabalho e ir me resolvendo, vi que com uma parceira, uma mínima parcela da minha experiência profissional, eu podia devolver todos aqueles brinquedos, toda aquela infância que eu tive, água de pote, brinquedo de Vitalino, bruxa de pano. Larguei tudo isso e comecei a viajar, ir a Europa, para a Itália ver o design, a Dinamarca, e ficar impressionado com tudo isso. Tive, então, uma recaída – se pudesse falar nesses termos - voltei com uma paixão imensa e quero devolver, quero trabalhar pra essa gente. Sinto também que posso dar uma ajuda, não interferir – essa palavra difícil e forte – no trabalho de um artesão.
Quando me refiro a artesão, refiro-me àquele de tradição, um artesão popular, esse que vai estabelecer uma continuidade, não o artesão doméstico, aquele que fica por ele mesmo e vai cumprir somente os deveres com os familiares. Refiro-me a um artesão de tradição porque é o que passa de pai para filho e que vai ter continuidade. Isso é muito importante e por isso estou tentando fazer com que meus colegas arquitetos, designers e decoradores e tal se envolvam também e possam contribuir com uma pequena parcela desse trabalho. Inventei há pouco tempo, no MAC, uma exposição envolvendo 25 arquitetos e decoradores do Rio de Janeiro para que dentro de suas casas eles colocassem um artesão que já estava num processo degenerativo. Não me refiro ao artista popular; com este nós não temos o direito de nos envolver porque, como se dizia na Festa de Babete, “Um artista nunca é pobre”. Ele vai crescer por ele mesmo, ele tem a arte dele, mesmo que encontre dificuldades de mercado, ele vai conseguir sobreviver. Este trabalho foi interessante na medida em que esses arquitetos e designers passaram a se interessar pelo artesanato. Minha proposta era tirar esse artesão do anonimato e deixar o arquiteto no anonimato. Porque o que acontece sempre é que o artesão fica anônimo no trabalho de todos e o trabalho do decorador ou do arquiteto fica engrandecido por um trabalho que não é o dele, é de outro.
Eu gostaria muito que esse projeto fosse um projeto importante, que o Brasil inteiro pudesse se envolver, para que nós pudéssemos, nessa batalha, nessa luta que o SEBRAE vem travando – para surpresa minha, o Programa Artesanato Solidário está muito bem equipado com pessoas – mas que essa batalha continuasse, tivesse vários Renatos Imbroisis, várias Cláudias, várias Helenas, Lia Mônica, várias pessoas desse tipo que pudessem se envolver num trabalho grande, porque nós somos muito poucos.
Recentemente, estava montando um trabalho do SEBRAE em Vitória e a cada coisa que eu tirava da caixa, eu falava um palavrão, porque eram coisas terríveis, muito pior do que aquilo que eles faziam quando não sofriam interferência nenhuma. Essas interferências, de um modo geral, são sempre negativas. Primeiro porque absorve todo um gosto pessoal. Acho que, numa interferência, seu gosto não é válido, você tem que aproveitar o trabalho, a tecnologia, alguma coisa que vem se desenvolvendo e você desenvolver o trabalho de tal maneira que ele não perceba que você participou do trabalho, por exemplo, para não tirar a auto-estima dele, mas que valorize o trabalho a ponto de colocar o seu artesanato no mercado que possa ser vendido por preços corretos, porque eles fazem coisas tão baratas, tão baratas, que quando compro, me sinto roubando essas pessoas. Naturalmente, sinto que nessa equipe de trabalho que está aqui, todas as pessoas têm a mesma proposta, mas a minha é somente esta. Estou aqui como observadora, monto a exposição porque faz parte do meu trabalho, da minha atividade como arquiteta, mas na verdade eu tenho muito a ouvir de vocês, principalmente quando se trata do assunto da interferência. Tem um lado negativo da interferência que você, quando faz, interfere ligeiramente, esse trabalho vai ser ligado a uma classe social que pode comprar, mas tem a classe social deles que também gostaria de ter aquele trabalho. Não se pode esquecer que eles usufruem e precisam, eles gostam daquilo, daquela coisa que pra gente seria kitsch, ou de mau gosto. Essa palavra é terrível porque mau gosto é o gosto dos outros, o nosso é sempre bom gosto, todo mundo tem bom gosto. Então, tem também esse lado da população na qual você vai deixar um grande buraco, porque ela passa a fazer coisas de que não gosta. Mas nós precisamos exportar, precisamos vender, eles são absolutamente carentes e há um grande potencial brasileiro, tenho certeza.
Há pouco fizemos um trabalho de vinte minutos com as bordadeiras de Pernambuco. Algumas me ouviram, tiraram um pouco daquele exagero do bordado e deixaram só uma bainha aberta, uma coisa geométrica. Depois fizemos um bate-papo como este com as artesãs. Uma delas deu um depoimento que achei muito bonito. Ela disse: “Eu ouvi a Dra. Janete, algumas colegas minhas não ouviram. Olha, eu dormia no chão, já estou dormindo numa cama.” Isso em um mês. Quero iniciar aqui uma discussão sobre essa interferência, se ela é positiva ou negativa e em que ponto a gente pode trabalhar, em que ponto a gente pode agir. Gostaria que todos vocês pudessem acionar as pessoas, os arquitetos, os decoradores e designers, pessoas sensíveis, e não obrigatoriamente dessas profissões, a se envolver, a trabalhar nessa área, pois isso é que é fundamental.