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A CASA E O MUNDO


ENTREVISTA

MARTA MARIA MENDES E PAULO SÉRGIO BRITO FRANZOSI (SEBRAE-SP)

Publicado por A CASA em 16 de Janeiro de 2009
Por Daniel Douek

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"Os dois agregam valor ao produto, tanto o artesão dizer que o produto tem a participação de um designer, como o designer falar que o produto tem a participação do artesão"

 

Marta Maria Mendes é Coordenadora Estadual de Artesanato do Sebrae-SP e Paulo Sérgio Brito Franzosi é designer e coordenador do programa Sebrae-SP de desgin.

 



 

Paulo Sérgio: Eu sou um designer, nós temos um programa de design dentro da unidade de tecnologia do SEBRAE, e a gente trabalha para o artesanato e não com o artesanato. Quem trabalha com o artesanato e conhece as comunidades, conhece as necessidades, conhece as carências, é a Marta. O que eu provenho são soluções para a Marta melhorar o produto dela, de determinada comunidade. Então a Marta tem uma necessidade que é...

Marta: Desenvolvimento de produtos com maior valor agregado, com identidade. Produtos mais adequados ao mercado.

Paulo Sérgio: Então a nossa área de tecnologia, através do programa de design, oferece para ela essa consultoria de especialistas do nosso banco de instituições credenciadas, para ir à comunidade, fazer o diagnóstico e, em cima do diagnóstico, fazer a devolutiva e fazer clínicas, oficinas, com esses artesãos. Não ensinando eles a fazer, porque eles sabem, mas oferecendo propostas de novos produtos.

Marta: A gente fala muito que, na verdade, ele não vai lá ensinar ou levar uma ficha técnica pronta. É uma parceria. A gente até brinca que é o “designer responsável”. Porque não é o designer indo à comunidade e falando “olha, a partir de hoje vocês vão fazer dessa forma”, que isso vai internalizar essa criação e os caras vão fazer novamente depois que o designer sair. Então a idéia é que seja uma parceria entre designer e artesão, que o saber de um influencie o saber do outro, e isso gere um novo produto.

Paulo Sérgio: Por que a gente fala em designer responsável? Porque essa pessoa não pode falar assim: “tudo o que vocês fazem aqui não é atrativo para o mercado. Eu vou ensinar coisas novas para vocês”. Se esse designer passa e fala “olha, você desenvolve isso, aquilo e aquilo”, o artesão pode até desenvolver e vender aquilo, mas daqui a seis meses, o mercado já não quer mais consumir aquelas peças. Aí o artesão não sabe desenvolver, tem que chamar de novo essa pessoa para ajudá-lo a fazer. O que a gente faz é dar elementos para que aquela pessoa possa pensar em novos produtos de forma que, daqui a seis meses, se o mercado necessitar de novos modelos, com o aprendizado que ele teve e com a experiência que ele tem, ele consegue desenvolver um novo produto.

 

Antes do início da entrevista, estávamos falando na Janete Costa. Ela falava muito do “interferir sem ferir”.

Marta: É, que é essa inserção realmente responsável, do design no artesanato. Porque ela deve ser dessa forma. Entenda que grande parte dos artesãos são de comunidades bastante carentes, não tem instrução, não tem formação nenhuma, e aí o doutor da cidade, quer dizer, tudo o que está fora, é mais interessante do que o conhecimento dele. É incrível que quando você chega numa comunidade de artesãos e fala: “o que é que tem de diferente aqui? Qual é a sua cultura?”, eles respondem: “ah, aqui a gente não tem cultura, é tudo caboclo”. E não percebem que o saber fazer deles, que os hábitos, os costumes, tudo isso é cultura. Então, quando chega alguém que tem mais conhecimento,  ele precisa ter essa característica, que eu acho que a Janete tinha, e que um monte de designers que trabalham com a gente e conhecem o artesanato tem. É preciso ter essa responsabilidade com o conhecimento daquela comunidade. E, realmente, levar informações, trocar com eles, e não impor o seu gosto, o gosto do mercado, que nem sempre se adéqua. É lógico que informação é importante, é preciso levar informações que não chegam ao artesão. Por exemplo, um artesão não usa jogo americano. Ele tem aquelas mesinhas quadradas, ele usa aquela toalha. Então ele não sabe que é interessante para o mercado um jogo americano. E é isso que o designer vai trazer para ele, essa informação, essa atualização, o que é tendência, quais são as cores que estão na moda agora. Ele sabe de uma forma...

Paulo Sérgio: Do olhar.

Marta: É, ele sabe do olhar. Até a gente tem um trabalho que é a educação do olhar para o artesão. O design também tem esse papel de ampliar esse olhar. Fazer com que ele olhe o entorno, valorize esse entorno, e consiga tirar desse entorno a inspiração para criar novos produtos. E isso é um trabalho que a gente faz com o design.

Paulo Sérgio: E a gente percebe também que o design lucra com essa interatividade. Porque na hora que o designer vai até um artesão de cerâmica ou de cestaria, ele aprende essa técnica artesanal e essa técnica artesanal pode influenciar em um novo produto dele. Não necessariamente uma cesta ou uma bandeja, mas uma cadeira. O entrelaçar de uma trama de palha pode influenciar na criação de uma cadeira. Quer dizer, essa técnica do fazer artesanal pode inspirá-lo no desenvolvimento de um produto que não é, necessariamente, um produto que ele aprendeu lá.

Quer dizer, é uma coisa de mão dupla.

Marta: É, é uma troca mesmo.

Paulo Sérgio: De mão dupla. A troca que o designer recebe é a sua hora técnica. Ele foi lá e recebe um valor por isso. Mas o valor que ficou, o conhecimento que ele adquiriu dessa experiência ímpar, é muito maior. Porque ele aprendeu um novo tipo de processo que ele pode aplicar no jeito de desenvolver o produto dele. Muitas vezes, a pessoa que vai a uma comunidade trabalhar com uma técnica artesanal não faz artesanato, ela faz móveis, faz luminárias, faz objetos de casa, objetos de decoração. Mas ela pode aplicar aquela experiência do fazer no processo de produção do novo produto dele. Isso é bem um trabalho de mão dupla.

Marta: É, e acontece bastante. Tem uma designer que faz móveis, cadeiras. Ela mora na Espanha e, de repente, ela viu uma técnica artesanal interessante que era um amarrado e ela estava procurando, pensando em possibilidades de como ela faria o assento dessa cadeira dela. Aí ela falou “É aqui. Eu não preciso ir buscar, criar coisas novas”. Ela mudou o material e hoje elas têm uma parceria: ela manda fazer o assento trançado da cadeira em Bariri, no interior de São Paulo. Essa cadeira já foi premiada. E acho que, a respeito dessa responsabilidade do designer, é legal também saber que aquilo é fruto de uma criação conjunta.

Paulo Sérgio: É, isso é importante.

Marta: Então, é preciso dar o crédito à parte que cabe do artesão e valorizar essa troca.

Paulo Sérgio: Isso é uma questão que a gente insiste muito, tanto do ponto de vista do design quanto do artesanato. O designer está lá, fazendo a sua intervenção, ele foi contratado para isso, mas o produto é do artesão. Porque ele não faz o produto, ele dá formas para o artesão fazer produtos diferenciados e produtos que tenham uma aceitação melhor no mercado. Mas o produto não é do fulano, do designer, o produto é do artesão. O designer fez uma intervenção, fez uma adaptação, uma modernização, ajudou o artesão a inovar. Esse é o papel. Mas não é o produto dele. Ele faz aquilo como uma forma de consultoria, ele está lá fazendo uma consultoria. É um produto que ele ajudou a criar, ele não fez. Porque se ele chegasse e dissesse “olha, então você vai fazer isso, você vai fazer aquilo”, ele simplesmente pegou um desenho e mandou o artesão fazer. Quando ele vai embora, o artesão não sabe mais fazer nada novo. Não é isso o que a gente quer.

Marta: É. Por exemplo, essa cadeira, ela criou toda a armação e ela decidiu qual seria a trama que os artesãos fazem que ela utilizaria. Então ela definiu metragem, o tamanho daquela trama, como ela deveria ser feita e que tipo de material. Ela poderia dizer, como designer, que a criação é dela, e é realmente, o trabalho está lá com o nome dela. Mas, nesse caso, ela dá o crédito para aquela comunidade. Porque a técnica é ancestral, aquele trançado é ancestral, tem mais de 200 anos que aquela comunidade faz aquela técnica. Então eu acredito também que é uma questão de valorizar o trabalho do designer quando ele coloca que aquilo foi feito por um artesão, que ele foi buscar, que ele descobriu.

Paulo Sérgio: E aí mais uma coisa de mão dupla que a gente tem. Da mesma forma que um artesão pode pensar “esse meu produto foi feito com a participação da designer ou do designer tal”, o designer pode falar o seguinte: “o meu produto tem a participação da comunidade de artesãos tal”. Então é uma mão dupla muito interessante, os dois agregam valor ao produto, tanto o artesão dizer que o produto tem a participação de um designer, como o designer falar que o produto tem a participação do artesão.

Marta: E é um namoro que dá certo. Os artesãos têm um prazer enorme em falar isso! Muitas vezes, eles colocam o nome do designer no produto. Têm “colheres Lars”, “bolsa Fabíola”, “luminária Baba Vacaro”. Quer dizer, é a paixão deles. Não é que o designer falou “olha, vai ser isso”. Não, “é nosso”. Então como o produto continua sendo deles, quando eles nomeiam o produto eles dão o nome da pessoa. Então é muito bonito.

Paulo Sérgio: É o músico. O músico é assim. Quando ele faz uma música ele coloca o nome da pessoa que ele gosta, que ele está envolvido, do ambiente dele. E também é interessante o resgate cultural que o artesanato e o design dão em certos locais, como é o caso da palha de milho de Olímpia. Você sabe melhor do que eu contar isso aí.

Marta: O que acontece com o artesanato é que ele vai se perdendo com o tempo. Por quê? Porque não era uma atividade valorizada, lucrativa. Então é lógico que, por exemplo, se eu sou mãe e cuidei dos meus filhos fazendo crochê, eu quero que ele siga outro caminho. Então eu não vou ensinar e repassar para eles essa técnica.

Paulo Sérgio: “Eu quero que ele seja doutor”

Marta: “Você não precisa aprender porque você vai ser outra coisa”. E vai se perdendo por coisa disso. Então no SEBRAE a gente tem um trabalho de resgate dessas técnicas que foram desaparecendo. Por exemplo, no caso de Olímpia, nós tínhamos um grupo de mulheres que queriam fazer um trabalho de artesanato. Elas já faziam algumas coisas...

Paulo Sérgio: Olímpia é uma cidade perto de São José do Rio Preto.

Marta: É. Capital nacional do folclore. E tem um museu do folclore em Olímpia. Mas o que acontece? Não existia uma técnica lá, eles não conseguiram definir uma técnica que seja propriamente de Olímpia. Até o momento em que a gente foi no museu do folclore. Lá havia um chapéu feito por uma artesã que morreu há dez anos, um chapéu de palha, com um trançado diferente de todos os trançados que a gente viu no Brasil inteiro. Parece um origami. É um trançado chamado trançado estrela. Era um chapéu velinho, que tem a foto da artesã e tal. Outra artesã fez uma restauração dessa peça. E, quando ela restaurou, ela descobriu como fazia. O que o SEBRAE fez? Nós contratamos essa artesã para que ela, como mestre que era, ensinasse aquela comunidade como fazer esse produto, resgatar essa técnica.

Paulo Sérgio: Repassasse esse conhecimento, repassasse essa técnica.

Marta: A partir do momento em que ela repassou a técnica nós trouxemos uma designer que atualizou a linha de produtos, porque ninguém mais usa chapéu. Principalmente aquele chapéu de palha ali que era uma construção extremamente difícil e tal. Ou seja, naquele momento era impossível colocar aquilo no mercado. Então a designer foi lá e atualizou. Usou o mesmo trançado para criar produtos mais novos. Agora elas têm um produto que dá para negociar no mercado, conseguem se manter com aquela produção e repassam para as filhas porque elas estão se mantendo com isso, elas foram valorizadas.

Paulo Sérgio: Ainda hoje, Marta?

Marta: Sim. Elas estão trabalhando, elas ganharam um prêmio da House & Gift Fair de artesanato e aí é legal porque ganha o designer e o artesão que, na verdade, entrou no lugar da indústria. Porque lá ganha a indústria e o designer. E vieram receber felizes da vida um prêmio de design. Elas nem tinha idéia do que era isso. Mas por quê receberam também o prêmio? Porque é uma confecção conjunta.

Paulo Sérgio: Essa questão de premiar tanto do designer quanto a empresa ou o artesão é uma coisa muito interessante. Porque às vezes o produto que está ali sendo julgado, sendo premiado, é o produto elaborado, criado e concebido pelo designer. Mas quem executou, quem deu a técnica, quem ajudou a fazer, foi o artesão. E, muitas vezes, se não houvesse essa troca não seria aquele produto.

A gente tem em Registro um grupo de produtores de junco que desenvolvem produtos que são aquelas esteiras de praia e calçados, basicamente.

Marta: Uma informação importante também é que é o único produtor de junco nas Américas. A gente nem tem noção. Aquelas esteiras que você compra lá na praia, são sempre do mesmo lugar.

Paulo Sérgio: Eu sempre digo que da Patagônia ao Alasca o único lugar em que se cultiva o junco é Registro. E eles fazem aquelas esteiras. E o que acontecia? Eles faziam as esteiras e deixavam lá para vender em novembro e ninguém aparecia. Em junho apareciam os grandes do mercado e falavam assim: “quanto custa?”, “tanto”, “ah, eu pago 50%”, “ah, mas o meu preço não é esse”, “eu pago 50%”. Eles tinham que vender e vendiam o produto por menos. Quando chegava em dezembro, esses grandes compradores não iam mais, então os produtores iam até as lojas da praia do litoral, do Paraná, de São Paulo. Aí eles perceberam que ficavam um pouco reféns desse mercado comprador. Eles falaram assim: “não, eu vou ter esse produto que eu desenvolvo, que são esteiras, no modelo que eu sei fazer, e vou querer desenvolver novos produtos para vender quando eu estiver na entressafra. Então, se o grande comprador quiser vir aqui em julho eu não vou vender a esteira, só vou vender os novos produtos”. E aí a gente fez um trabalho com esse grupo, que não era um grupo tão homogêneo...

Marta: Na verdade ele não é um grupo cooperativo. Eram empresas individuais que trabalhavam em um mesmo local. Mas eles se viam como concorrentes e não como um grupo que poderia crescer muito mais junto. Então a gente foi fazer um trabalho de cooperação para aumentar a produção, para comprar conjuntamente, uma série de vantagens que você tem quando você trabalha em conjunto.

Paulo Sérgio: Eu que fui fazer a primeira apresentação que teve para esse grupo. Tinha oito pessoas. Eu vi um certo ambiente nessa reunião, um ambiente mais calmo, sério. Um ano depois eu voltei nesse lugar, Registro, e fui ver a designer fazer um trabalho com esses artesãos, com esses produtores artesanais. Era hora do lanche e eles estavam sentados, todos, conversando e brincando. Então eu já percebi que esse novo trabalho trouxe uma dimensão de parceria e cooperativismo muito grande, coisa que um ano atrás não tinha. Eles eram realmente competidores, um competia com o outro. A partir desse novo trabalho eles criaram uma nova empresa para desenvolver só aquele tipo de trabalho. Hoje mesmo eu falei com Registro e parece que o resultado é muito bom.

Marta: Porque o que acontece? Primeiro, aqueles chinelinhos de praia, aqueles chinelinhos japoneses, são importados do Japão com custo, você sabe, mínimo. Então eles enfrentam, além dessa dificuldade, a competição desse produto. Havia ali a necessidade de criar uma linha de produtos diferenciada, com maior valor agregado, que tivesse uma cara mais moderna, que pudesse ser utilizado em um SPA ao invés de ser utilizado na praia, chinelos que pudessem ser usados na cidade...

Paulo Sérgio: Chapéus.

Marta: Coisas de moda, bolsas, que é lógico que tem maior valor agregado.

Paulo Sérgio: Almofadas.

Marta: Almofadas diferenciadas. Para que eles pudesse também sair daquele patamar que já estavam acostumados

Paulo Sérgio: De objetos de praia

Marta: E pular para outro patamar, onde eles pudessem ter outro tipo de compradores, que não sejam as grandes lojas e magazines, mas também ampliar esse banco de clientes. E aí realmente essa mudança foi interessante. E quando eles percebem isso, que para isso, para atingir esse patamar, eles tem que trabalhar juntos, é um gol.

Paulo Sérgio: Que isso dá dinheiro, que isso é um bom negócio. O empresário em si tem o seu projeto. Ele quer inovar? Ele quer inovar. Mas ele vai inovar se ele percebe que isso vai dar dinheiro. Então a hora que ele vê que vai dar dinheiro a coisa acontece.

Marta: Eu brinco que a designer é psicóloga também. Porque a partir de uma linha única você começa a trabalhar esse comportamento cooperativo. Então o que aconteceu? Eles já tinham feito todo um trabalho de cooperação e, quando essa linha de produtos foi apresentada, eles mesmos decidiram montar um espaço em conjunto para produzir essa linha. Essa linha é a linha de todos. Não é mais a linha de um ou de outro, é a linha de todos. Então eles criaram um novo espaço, fora das suas fábricas, só para produzir essa linha, onde cada um contribui com um pouco.

Paulo Sérgio: E essa questão já saiu em revista, saiu em televisão, saiu em livro. É uma proposta diferenciada de trabalho. São produtores artesanais. É um tipo de produto que você desenvolve artesanalmente. Mas eles têm CNPJ, tem empresa, tem empregados.

Marta: São sete empresas juntas. O que eu acho interessante também é a questão da auto-estima. A partir do momento em que você vai lá, apresenta esse produto, o mercado acha interessante, aí uma revista vai e faz uma entrevista, isso para eles é tão importante porque vai melhorando. Ele fala assim “eu sou empresário, eu tenho esse valor”. E isso vai se ampliando, até para a própria comunidade. Então ao invés de precisarem ser ajudados ou “ai, eu preciso disso”, hoje eles ajudam a comunidade. Quer dizer, “olha, eu sei como fazer”. Quando falam de Registro, eles não estão ajudando só o grupo de junco, mas eles estão fomentando o turismo em de Registro, eles estão fomentando uma série de outras atividades. Então a auto-estima é importante.

Paulo Sérgio: Uma coisa que está há tanto tempo lá em Registro que pode até ser um mote para você fazer uma visita ao local. “Eu vou a Registro porque lá eu encontro artesanato diferenciado, um produto artesanal diferenciado”. Então até incentiva a questão do turismo e a questão da cultura também.

Marta: Outra coisa que é interessante com relação à cultura, design e artesanato é a iconografia. A gente tem uma estratégia aqui no Programa de Artesanato de tratar cada coisa de acordo com o que é. Por exemplo, a interferência não existe na arte popular, porque são mestres. O que pode ser feito? A valorização desses artesãos, a colocação deles em exposições ou mostras que valorizam essa arte. Mas é arte e não pode ser mexida.

Paulo Sérgio: E tem um monte de gente fazendo a mesma coisa que o artista. Toda a coletividade acaba fazendo o mesmo trabalho do que ele porque ele tem sucesso, tem nome.

Marta: Não há como você fazer algum tipo de interferência nesse artista. Então o SEBRAE não interfere. Nossa interferência nesse caso, a estratégia para esse cara, é a valorização da atividade, através de exposições, nós os convidamos quando nós temos algum evento. Na feira do empreendedor, ele vai expor os seus produtos. Ele é um artista. Agora, para o artesanato, a gente tem um trabalho sim porque o artesanato pode sofrer alguma intervenção. É lógico que sempre respeitando a cultura local, mas algumas intervenções que agreguem um pouco de valor, pode ser uma embalagem, a forma. Mas sempre dessa forma que a gente comentou, com a inserção responsável do designer e trabalhando em conjunto, nunca interferindo e ferindo, como diria a Janete. Mas, com o trabalho manual, que é um tipo de trabalho que é comum, genérico, que tem em todo lugar, a gente tem que tomar um outro cuidado, tem uma outra estratégia que é agregar valor a isso, trazer uma identidade para aquele trabalho. O crochê, por exemplo, é um trabalho manual. Ele é feito no Brasil inteiro, então você não consegue identificar nenhuma especificidade. O que é importante para o artesanato? Você conseguir identificar de onde vem aquilo, a história que ele me conta. “Faz parte de qual cultura?” O trabalho manual não tem isso porque, no caso o crochê, pode ser feito aqui, em Minas Gerais, em Alagoas, em qualquer lugar. Você não tem identidade. Então a gente tem feito um trabalho agora, em parceria com o turismo e com a área de design, que é inserir essa identidade no trabalho manual. Nós temos alguns grupos formados, por exemplo, por uma pessoa que faz pintura em pano de prato, outra que faz papel artesanal, objetos de madeira. O que a gente vai buscar? O trabalho de iconografia é dessa forma: nós fazemos o diagnóstico daquele grupo, vemos o estágio em que ele está. Aí a proposta é fazer um levantamento do que tem na região que faz parte daquela cultura, os ícones culturais daquela região. Nós fizemos isso agora em São Roque. E esses ícones não somos nós que vamos levar, você vai tirar do próprio grupo. “O que tem de diferente aqui?” E é incrível que eles, às vezes, não lembram. Nós fizemos um em São Carlos, em que a gente chegou e falou assim: “gente, o que tem em São Carlos?” “ah, São Carlos não tem nada”. Aí nós saímos para visitar a cidade e fotografar. São Carlos foi fundado pelo conde de pinhal, tem uma história linda, tem uma fazenda maravilhosa. O pinheiro mais antigo de São Carlos está no quintal da casa do artesão. Eles não sabiam. A casa do lado é uma casa que tem quase duzentos anos, que vai virar um museu. Na casa do artesão mesmo, o piso todo é de ladrilho hidráulico de séculos atrás, todo o material de ferro, os portões, tudo, é um trabalho antigo e bonito. Aí mostramos as fotografias e eles: “nossa, onde é isso?”, “aqui na frente”, “ah, porque eu quero usar essa rosa de ferro no meu produto”. “Onde vocês acharam isso?”, “no portão da frente da casa do artesão”.

Paulo Sérgio: Através dos objetos de arquitetura, de natureza, dos monumentos antigos, você percebe a cidade e ganha inspiração. Como é que você vai trabalhar o grupo que desenvolve, por exemplo, pano de prato, madeira, cerâmica? É muito variável, não tem uma técnica. Você não pode falar “a técnica é essa, vamos desenvolver”. Então você desenvolve através de ícones.

Marta: É, de uma identidade. Você poder dar uma oportunidade deles inserirem uma identidade. Lá em São Roque, por exemplo, todo o levantamento foi feito com as informações deles, tudo foi fotografado. O artesão que faz papel passou a usar como referência a textura e a cor da alcachofra. E aí ele tem uma história para contar daquele papel. “O papel é feito dessa forma porque aqui é a maior produção de alcachofra”. O vinho, a uva, estilizada, virou um ícone para usar na madeira quando você vai lavrar. Em tudo se criou uma identidade. Fora que eles criaram uma identidade deles. O designer foi lá e falou “vamos criar todo o processo de identidade visual do artesanato de São Roque”. Era pulverizado, cada um fazia uma coisa e aí havia uma competição: “eu sou o melhor”, “não, eu sou o melhor”, “eu sou o melhor”, “eu faço” “eu sou do grupo tal”, “eu sou do grupo X”, “eu sou do grupo da prefeitura”, “eu sou do grupo da assistência social”. Então cada um queria o seu. E aí a gente propôs para eles uma identidade única do artesanato de São Roque. E aí eles fizeram isso, fizeram toda a papelaria, fizeram os aventais, tudo com a identidade de São Roque. Hoje eles criaram um manual de utilização da identidade do artesanato de São Roque. Só pode usar a marca artesanato de São Roque quem atender os critérios estabelecidos por eles. Então não entra qualquer coisa. Não vem a 25 de março comprar coisinhas para levar para lá porque não vai levar o nome “artesanato de São Roque”. Hoje eles são donos da marca. A auto-estima deles foi lá em cima. Os produtos melhoraram muito. E, a partir do momento em que os produtos melhoraram, o círculo turístico convidou-os para fazer parte. “Agora vocês têm produtos que falam a minha linguagem. O turista que vem aqui hoje vai encontrar um produto que materialize a experiência que ele viveu no meu hotel, no meu restaurante”. O trabalho de iconografia é isso, você vai fazer esse levantamento e, junto com o design, você vai interpretar isso no produto.

Paulo Sérgio: O que a gente acha interessante é que esse trabalho de icnografia, junto com esse manual, junto com esse trabalho de design, fez com que essas pessoas que eram tão díspares – “eu sou da prefeitura”, “eu sou da assistência social” – se unissem em torno de uma marca, uma coisa tão imaterial. Eles se pegaram nisso e falaram “essa é a bandeira que a gente vai seguir, essa é a nossa marca”. Então o entrosamento, que era tão difícil de fazer aconteceu. E não é nem com o produto, é com uma marca. “Eu falo parte de uma coisa maior”. Então o artesão já se sente mais integrado a esse grupo de profissionais.

Marta: É lógico que essa marca não foi trazida de fora. Os artesãos participaram, eles discutiram, eles fizeram. O design foi lá e interferiu: “vocês não acham que isso é interessante?”, “vocês viram isso?”, porque também tem aquela coisa do olhar, até o momento em que eles decidiram e foi criado dessa forma. O designer gráfico foi lá e materializou aquilo que eles queriam. Isso dá uma identidade para o grupo. É um trabalho importante do design.

Paulo Sérgio: Tanto do ponto de vista do design com as empresas, de comércio ou serviços, como o artesanato, a gente desenvolveu aqui dentro um curso de gestão empresarial. Um curso de gestão empresarial de gestão para o artesanato e um curso de gestão empresarial para gestão do design. É um curso de vinte horas. Qual o objetivo desse curso? O objetivo desse curso, que é dado por um designer para os pequenos empresários que querem conhecer um pouco do que se trata o design, é o seguinte: a gente quer que no final eles entendam o que é o design, a importância do design, para que eles possam poder contratar um profissional de design, encomendar a sua necessidade, poder fazer a sua encomenda certa e, na hora do designer entregar o resultado, o projeto pronto, ele saber avaliar se aquilo é realmente o que ele pediu, se aquilo é realmente um projeto de design. A gente fala isso porque em nenhum momento a gente quer que a pessoa fale assim: “ah, eu sou um designer e fiz um curso no SEBRAE”, não é esse o objetivo. O objetivo é o empresário fazer esse curso para ele entender a importância do design e até mesmo, quem sabe, fazer dentro da sua empresa uma gestão focada em design.

Marta: Esse é o foco do SEBRAE. Voltando àquela coisa: o SEBRAE é realmente o desenvolvimento do micro e pequeno empresário. E a gente sabe o que é importante.

Paulo Sérgio: E o curso de gestão de artesanato está bem próximo disso.

Marta: É. Eu trabalho no desenvolvimento desse segmento, na profissionalização, porque a gente acredita que eles têm que saber gerir o seu negócio. E acho que o design também tem que saber gerir o negócio. E a gente criou esse curso de gestão empresarial voltado só para o artesanato. Por quê? Porque ele é diferenciado, os conceitos são todos ilustrados, é uma forma dele aprender a formar um preço, a gerir o negócio, ter qualidade, mas que não violente a sua cultura. Por quê? Porque grande parte deles vivem em alguns bolsões de pobreza aqui em São Paulo e são realmente semi-analfabetos. Outros não. Mas nos bolsões é complicado. Então a gente tinha que ilustrar esses conceitos para eles. E a gente fez todo um trabalho de customização, para o artesão, desses cursos que o SEBRAE já aplica para qualquer empresário. O que eu acho interessante, que o Paulo coloca, é que uma das ferramentas de gestão importante, e que eu acho que começou agora, é o design. Você precisa dessa gestão estratégica. E o designer não é importante só para desenvolver o produto final. Ele tem que fazer o começo do processo, e isso que é a questão do conhecimento que esse curso de gestão estratégica do design passa para o empresário.

Paulo Sérgio: Não adianta fazer uma cadeira diferenciada, inovadora, se na hora de colocar no mercado eu não consigo transmitir isso, se eu não consigo fazer uma etiqueta diferenciada, se eu não consigo fazer uma embalagem diferenciada, se a loja em que eu vou expor não tem esse ambiente diferenciado, se a comunicação que eu faço, seja impressa, digital ou via rádio, não expressa isso. Quer dizer, eu fiz todo um trabalho de design, mas ele parou na cadeira. Eu não fiz uma gestão do design. Então eu faço esse trabalho e ele tem muitas chances de não obter sucesso, porque eu só trabalhei com um elo dessa cadeira. Eu não trabalhei com a questão da mídia, da comunicação, da promoção, do layout, da loja onde está inserido, até do banner da loja, do logotipo da loja, do jeito de expor os produtos nessa loja, para valorizar essa cadeira. Então quando a gente fala de gestão, o que a gente está propondo para o empresário é que seja um foco dele, que ele acorde pela manhã e, até ele ir dormir, ele pense: “como eu vou inovar a minha empresa hoje? Como eu vou fazer?”. Uma cadeira, um produto, ele pode inovar, mas não é só o produto. É a mesma coisa com a questão do artesanato. Não adianta nada apenas ter um produto interessante. Por exemplo, eu lembro que uma época nós fizemos um trabalho, na região do Vale do Ribeira, de embalagens com polpa da bananeira. E era o seguinte: existia uma feira de artesanato na região em que as pessoas compravam o produto e o artesão embalava aquilo no jornal e colocava dentro de uma sacola de supermercado, uma sacola usada, de plástico. E a pessoa levava aquilo – é artesanato, bacana, bonito – dentro dessa sacola. Não transmitia uma mensagem de que é um produto diferenciado, um produto daquela região. Então nós fizemos um trabalho junto com o SEBRAE da região, junto com a associação comercial, junto com o fundo de solidariedade social da prefeitura, para fazer o quê? Para a gente criar uma embalagem através da polpa da bananeira. Na cidade tinha uma fábrica de doces de banana. Como é que você faz com a banana? Você corta o cacho de banana e corta o pseudocaule. Não sai só o cacho da banana. É preciso cortar o caule para nascer novamente a banana, o fruto. E aquilo é um entulho. Imagina você tirar um cacho de banana, tirar toda a casca da banana, agora imagina o pseudocaule junto. E ele interferia no solo. Os parceiros da cidade tinham um trabalho de fazer papel reciclado, papel dessa polpa.

Marta: Teve um trabalho lá da ESALC que ensinou isso. ESALC é escola de agricultura e, tendo em vista que era necessário eliminar ou reaproveitar esse pseudocaule, as prefeituras locais do Vale fizeram um trabalho com a ESALC de transformação disso em diversos produtos. Eu não sei a quantidade exata, mas acho que você tira do pseudocaule umas seis fibras diferenciadas. Elas têm nomes diferenciados, porque a cada nível dela você tem uma fibra diferente. Então você tem a branquinha que é uma fibra mais lisa, tem o coração do pseudocaule que é uma fibra que pode ser até lavada, que pode ser usada na moda, a rendinha, que parece uma renda, que pode ser utilizada de outra forma. Eles também começaram trabalhos de tear com tecelagem com a fibra da bananeira. A ESALC ensinou isso para eles e também a elaboração de papel artesanal com a fibra de bananeira para aproveitar esse pseudocaule e gerar renda para aquelas comunidades. Nós chegamos um tempo depois e começamos a trabalhar com esses grupos que já faziam, já conheciam a técnica.

Paulo Sérgio: Um dos subprodutos disso era o papel artesanal, e o que a gente percebeu é que eles usavam esse papel artesanal de modo errado. Porque eles começaram a fazer cartãozinho de visita para não sei o que, papel de embrulho, de presente. Aí a gente fez até um projeto com uma universidade para desenvolver novas embalagens para esse grupo. Fizemos um concurso com uma universidade e a idéia era, a partir dessa matéria-prima, desenvolver propostas de embalagens. Mas não a proposta era fazer uma embalagem que pudesse ser desenvolvida pelos artesãos, para esse grupo de mulheres fizesse a embalagem e vendesse para os artesãos. Assim, na hora deles venderem o produto, não iriam mais embalar em um jornal e colocar em um saquinho plástico, iriam embalar no papel reciclado da bananeira, que tem a ver com a cultura dele, e colocar dentro de uma sacola – havia alguns modelos de sacola. Quando ele entregasse para a pessoa de fora, ela não levaria simplesmente o artesanato, ela levaria toda uma vivência de ter estado naquela cidade, a questão da banana – aquela região é uma região em serra de ecologia, de sustentabilidade. Então esse é um trabalho que a gente gostou muito de fazer.

Marta: Existiam várias necessidades. Você tinha uma produção artesanal, mas você tinha também uma produção de doces, tinha uma produção de pequenas indústrias familiares e que precisavam valorizar o seu produto. O que você faz com o doce? Nada. É na embalagem que você vai trabalhar, porque o sabor do doce já está lá. No artesanato, também. Como carregar aquelas panelas pretas que elas fazem? Então a proposta foi usar artesãos para fazer embalagens, tanto para indústrias, quanto para artesãos. Quer dizer, criar uma dinâmica que fique na própria localidade, não trazer nada de fora.

Paulo Sérgio: Criar uma rede, valorizando o que eles têm ali.

Marta: Exatamente. Aí houve uma parceria para criar um concurso com os alunos da Belas Artes. A proposta foi essa: vamos criar embalagens para os produtos que saem do Vale do Ribeira. Mas com produtores do próprio Vale, não vamos trazer nada de fora.

Paulo Sérgio: E a gente não usava essa questão de iconografia. Você vê que já era um viés.

Marta: Valorizar a cultura local sempre foi a nossa prioridade, mas o que é interessante é criar essa dinâmica comercial, essa economia, usar os produtores da própria localidade. É sempre aquela troca que eu acho interessante: os alunos se apaixonam pelos produtores e os produtores se apaixonam pelos alunos.

Paulo Sérgio: E ganharam um prêmio internacional. Não ganharam um prêmio na Itália, uma menina? Eu não me lembro com o que foi.

Marta: Com aquelas embalagens que ela desenvolveu. Ela pediu nossa autorização, porque na verdade eles cederam os direitos para os artesãos e ensinaram os artesãos a produzir a embalagem. Por quê? Porque não é só você fazer. É lógico que aqui na Belas Artes você tem todos os recursos, agora essa é também uma preocupação do concurso: “vocês vão ter que pensar em um produto que eles possam produzir lá com o equipamento que eles têm”. Então essa foi uma preocupação dos alunos e fizeram isso, foram lá e replicaram para os artesãos. E é engraçado que isso gerou outras coisas. Por exemplo, uma das sacolas que era para abrir e fechar, virou uma luminária. Porque o artesão achou que era mais interessante como luminária.

Paulo Sérgio: Quando o cara chegasse em casa, ele não ia jogar fora a sacola ele fazia ‘assim’ e virava uma luminária. Foi até um brinde nosso, não foi?

Marta: Foi. Então aquilo evoluiu e essa troca é super importante. Outra coisa que é muito legal é que esses designers, esses novos designers, que nunca tinham tido contato com essa cultura ou com o artesanato que, às vezes, faz parte da cultura que eles não reconhecem. Muitas vezes você chega e fala assim, “minha avó tinha isso”, só que na hora de produzir você não lembra. É bonito quando está lá fora. E aí eles tiveram contato com isso e hoje isso influenciou a produção deles. Por exemplo, essa menina que apresentou um produto e ganhou um prêmio é porque ela utilizou o artesanato, o saber-fazer daquela comunidade e criou uma nova produção. Hoje, isso acontece muito com os designers que a gente trabalhou na universidade e também com aqueles que a gente trabalhou na moda. No artesanato de São Paulo, nós fizemos um trabalho com moda, com novos estilistas. Design de moda. Por quê? A idéia é que eles entendam que existe esse potencial também no artesanato para a produção que eles vão criar posteriormente.

Paulo Sérgio: Mais ou menos o que A CASA fez com o Walter Rodrigues, em Morros da Mariana, no Piauí. Que depois foi para o Fashion Week.

Marta: Nós fizemos esse trabalho com o Walter Rodrigues que teve parceria com A CASA. Exatamente desse trabalho que surgiu a fábrica Morumbi Fashion que a gente fez, Walter Rodrigues, SEBRAE-SP, o Shopping Morumbi e a Faculdade Santa Marcelina. Foram três edições onde, durante os quatro anos de curso, eram selecionados os quinze melhores alunos. Esses quinze melhores alunos recebiam no último ano uma missão do Walter. Eles vinham até o SEBRAE com o Walter, nós apresentávamos toda a produção artesanal do estado para eles e o Walter passava uma lição de casa, um trabalho, que era desenvolver uma coleção ou protótipos de produtos de moda com artesanato. Acessórios e joalheria. O que acontecia? Esses quinze iam às comunidades, trocavam essa experiência com os artesãos, criavam um protótipo, apresentavam para um júri e, desses, eram selecionados cinco novos estilistas. Assim que eles terminavam a faculdade eles eram selecionados e tinham um ano de patrocínio do Shopping Morumbi para criar duas coleções, que desfilaram no Jóquei Clube e no próprio Morumbi. Eles contavam com a tutela, com o acompanhamento, do Walter Rodrigues na criação dessas duas coleções. Então você imagina um novo estilista que, saindo da faculdade, que não tem idéia do que vai fazer, ganha o patrocínio para criar duas coleções, isto é, para comprar tecidos. Havia parceiros como a Professional Editora, que trazia Santa Constância e um monte de gente para ajudar. O Walter fazia a curadoria o tempo todo, orientando, falando: “olha, como você está pensando a sua coleção? Vai por aqui que é legal”, durante um ano. Hoje eles estão na Cori, hoje eles estão no Alexandre Herchcovitch, hoje eles estão trabalhando com todo mundo. Isso é um ganho para eles. E qual o ganho para o artesanato? Eles usam artesanato nas suas coleções. Eles conhecem o artesanato e sabem que é possível usar o artesanato na coleção. Então de repente eu recebo uma ligação aqui, depois de três anos de projeto, de uma estilista que está trabalhando com o Herchcovitch e quer saber: “onde eu compro chapéu de palha? Porque eu lembro que tem um chapéu de palha interessante no artesanato”. O Herchcovitch quer usar chapéu de palha. Ela não vai buscar na índia, na indonésia, ela vai buscar no artesanato brasileiro. Então isso que é interessante. Essa troca e essa formação, ajudar essas pessoas que estão de formando, esses novos designers.

Paulo Sérgio: É um novo olhar. Porque hoje em dia você já tem esses profissionais. O que a gente quer? A gente precisa inovar. O que é inovar? Fazer alguma coisa que ninguém fez. Ou então inserir alguma novidade no processo, no produto, alguma coisa que agregue valor. Agregue valor seja para a equipe que desenvolveu, seja para a empresa, seja para o mercado, seja para o consumidor. Esses novos designers, através dessa parceria com o artesanato, olhando o jeito de fazer, olhando o processo, podem trazer mil novidades que hoje não tem. Porque hoje o que a gente vê é mais do mesmo. Você acaba vendo peças interessantes, mas você não vê nada que seja realmente diferenciado. Se esses novos profissionais que tem hoje no mercado, ao invés de ir para a indústria imediatamente, pudessem fazer uma passagem por essa pesquisa de artesanato, seria muito interessante. Mais ou menos o que o [Alex] Atala fez com comida – ele viajou o Brasil inteiro pegando temperos, pegando comidas. Quando ele chega no restaurante dele, ele vai ter temperos diferenciados de todos os restaurantes. Quer dizer, o cara está inovando. Por que eu vou no restaurante de um chef “tal”? Porque ele tem produtos diferenciados. Por que esse designer, por que aquela comunidade, por que aquele profissional, se destacam? Porque eles sabem trabalhar com processos diferentes. Foi aquilo que eu falei no começo: a parceria é legal porque, do mesmo modo que o designer doa a sua experiência de mercados, de tendências, de processos, o profissional de artesanato, com o seu jeito de trabalhar, de criar, ajuda o próprio designer a ter inspiração nova para desenvolver os seus produtos. A troca de inspirações é fantástica.

Marta: Você lembra das jóias?

Paulo Sérgio: Ah, isso foi bárbaro. Maravilhoso.

Marta: Nós fizemos um trabalho com jóias porque a joalheria sempre esteve pautada na Itália, na joalheria italiana. A inspiração é sempre européia, no barroco, e o que a gente propôs?

Paulo Sérgio: Jóias do artesanato paulista.

Marta: Jóias do artesanato paulista, em parceria com o BGM. Nós tivemos 18 designers de jóias selecionados para trabalhar com 18 comunidades, 18 técnicas artesanais. E aí, essa mesma coisa da interação: eles criaram jóias usando como inspiração às vezes ou até como matéria-prima...

Paulo Sérgio: Não o artesanato, mas o fazer.

Marta: O saber-fazer, a técnica artesanal.

Paulo Sérgio: Eu me lembro até hoje, perfeitamente, uma peça que eu achei a mais bonita. Era um brinco, havia uma pulseira também, mas eu me lembro do brinco, que tinha uma pedra ônix escura, preta, um tipo de um carvão que o desenho dele era um fuxico. Então, quer dizer, a designer que fez aquela peça se inspirou nas mulheres que fazem fuxico. Ela fez uma peça de jóia, cara, exclusiva, inspirada no fazer artesanal. Não é no artesanato. É na técnica artesanal. É fantástico. Não sei se tem mais exemplos...

Paulo Sérgio: Tem. Elas criaram esses produtos e teve um bracelete maravilhoso com fibra de bananeira e com bastonetes de esmeraldas e rubis e drosófilas de diamantes. Por quê? Porque, na verdade, a bananeira tem drosófilas, e aí vai, aí se criou essa peça também. Por exemplo, nós tivemos a sorte de ter uma designer que era judia e que, de repente, incrível a coincidência, mas a comunidade que ela caiu – na verdade ela escolheu – foi uma comunidade que fazia um trançado, que é indígena, de taquara. E quando você olha aquele trançado, se você corta as pontas dele, é uma estrela de David. Ela reconheceu e falou: “nossa, que bom isso”. Ela criou várias estrelas de David com o brilhante na ponta, mas já usando esse trançado. Ela falou assim “olha aqui, eu achei o meu caminho”. Isso foi uma criação muito interessante e essas jóias foram apresentadas para a indústria joalheira. O artesanato recebeu informações interessantes desses designers. Por exemplo, eu tive uma comunidade que fazia um fio super grosso, fazia um trançado de arame. E a designer de jóias que trabalhou com eles pediu para trabalharem com um fio mais fino, porque ela iria trabalhar com prata e é lógico que você não pode trabalhar naquela grossura com prata. E criou com eles o trabalho que eles faziam com um fio bem mais fino. Depois que ela saiu de lá, eles não iam usar prata, mas eles usaram o mesmo fio de arame fininho e fizeram um conjunto de escritório maravilhoso, muito mais fino, muito mais elegante. Por quê? Porque estavam usando um fio mais fino, a peça ficou mais interessante. Quer dizer, eles já internalizaram o conhecimento, já colocaram na sua criação e já criaram produtos diferenciados. E ficou ali a marca dela. Assim como ela também criou produtos interessantes. Então a gente estava trabalhando nessa ponta dos designers, do artesanato, e também da indústria. Porque a indústria de jóias precisa se inovar. Ela precisa ter outras inspirações. Vamos sair do externo e vamos procurar dentro da nossa cultura algo que seja interessante.

Paulo Sérgio: Essa exposição foi feita na feira de jóias do Hotel Transamérica, a Feninjer

Marta: A Feninjer, que é a maior feira de jóias do Brasil.

Paulo Sérgio: O objetivo era justamente fazer com que as indústrias joalheiras percebessem a importância que tem a inspiração brasileira como uma forma de inovar.

Marta: E aumentando a competitividade. Eles precisam ser competitivos, e não é sendo iguais, é inovando, é trazendo.

Paulo Sérgio: O Programa de Design oferece soluções para a demanda que ela tem. Ela tem a demanda, que são os artesãos, e a gente tem as soluções, que são os parceiros e os designers, para poder atuar e resolver o problema. Eu trabalho para o artesanato, não com o artesanato.

Marta: Mas você também trabalha para a indústria. O que a gente fez aqui foi juntar todos, nós juntamos artesanato, indústria e design. Quer dizer, você beneficia as duas pontas. Você tem apresentado para a indústria joalheira possibilidades de inovação da sua produção. Foi engraçado isso, porque nós fizemos isso na Feninjer, depois nos fizemos isso pelo interior

Paulo Sérgio: Foi uma exposição itinerante, passamos por seis lugares.

Marta: Trabalhamos também com uma outra ponta, que é o consumidor. Porque a gente queria despertar o desejo do consumidor por um produto diferenciado. Então nada mais interessante do que você expor aquelas peças para o consumidor final. Porque ele que vai alimentar isso, ele que vai buscar dentro da indústria esse tipo de peça. Você precisa trabalhar essa questão também. Então a gente trabalhou o consumidor fazendo exposições em shoppings de grande circulação, shoppings interessantes no interior do estado e dentro de uma feira de jóias lá em São José do Rio Preto.

Paulo Sérgio: São José do Rio Preto, Campinas, Sorocaba.

Marta: O que acontece? Um ano depois, quando você vai à Feninjer, a gente teve a surpresa de ver muitas peças de jóias inspiradas na cultura brasileira. Você tinha não só o mapinha – na verdade acho que é uma interpretação superficial da iconografia brasileira, ter uma bandeira do Brasil. Tem muito mais coisa no Brasil do que a bandeira.

Paulo Sérgio: Mas foi um conceito novo.

Marta: Você vê, por exemplo, jóias que retratam a fauna, a flora brasileira. A flora da própria localidade onde é produzida, como São José do Rio Preto. Eles foram buscar lá, alguns elementos da identidade da sua produção. E isso declina de tal forma que você vê na indústria de jóias e, um ano depois, você vê na ‘folhado a ouro’. Um designer criou um medalhão que parecia a trama do crochê. Um ano e meio depois, eu estava fazendo um passeio na 25 de março, entro em uma loja e o que aparece? Uma bijuteria com a mesma trama! Eu falei “gente, que incrível isso. Um ano e meio atrás a gente criou em ouro aquilo ali e hoje a indústria de semi-jóias está fazendo isso”. Quer dizer, olha como se propaga. E é interessante que aumenta o trabalho para todo mundo. Eu fiquei impressionada. Eu falei: “essa jóia eu já vi!”. Até a cópia é alimentada por essa inovação.

Paulo Sérgio: Até a cópia, exatamente. É a questão do desfile de moda. É a tendência de ruptura. Então o que eu acho que a gente fez nessa Feninjer foi apresentar uma questão de ruptura mesmo, uma tendência de ruptura. Foi apresentada essa nova possibilidade, esse novo olhar, do empresário, e até mesmo do designer, e teve um resultado bom, o resultado foi espetacular.

Marta: E é engraçado a surpresa do próprio designer ao olhar aquilo e falar, “nossa, como é isso? Eu não sabia que podia me inspirar nisso”. Teve gente, lógico, que adorou e continua fazendo. E é legal que eles continuam usando e continuam se comunicando com os artesãos e às vezes inserem algum produto artesanal agregado, aí passaram a usar não só a técnica, mas a própria produção, adequar isso à jóia deles. Assim como nas coleções, cada vez mais você tem mais o produto artesanal e menos só a inspiração. É uma parceria que vai se criando com o tempo. Eu acho muito interessante.

Há alguns relatos de tentativas de intervenção em que artesãos não desejam mudar sua produção. Por exemplo, um artesão que faz pirâmides e recebe a sugestão de que é mais interessante que ele use motivos de sua região. Ou uma artesã nordestina que recebe a sugestão de fazer bonecas sertanejas, mas ela não quer fazer. O sertanejo, para ela, não é interessante. É interessante para o turista. Não há um certo descompasso entre aquilo que os artesãos estão produzindo e aquilo que nós gostaríamos que fosse produzido e os incentivamos a produzir? Como vocês lidam com isso?

Marta: Olha, a gente também não pode ir sempre pela poesia, você tem que vender o seu produto. Se ele está vendendo pirâmide, ele pode continuar vendendo pirâmide. Quem nos procura é porque não está conseguindo sobreviver daquilo. E aí a gente não vai, de forma alguma, impor o gosto. É isso que eu falo que é essa inserção responsável: não é impor o gosto, mas buscar ali o que o mercado está querendo, adequar isso ao que o artesão quer fazer e criar um produto que tenha essa condição de ser inserido no mercado. Porque assim, “eu gosto de fazer pirâmide”. Tudo bem, maravilha. Está vendendo? Faça. Agora, ele só vai parar de produzir pirâmides quando ninguém comprar. E é isso o que acontece na maioria dos lugares: “eu estou fazendo coisas que estão fora da minha realidade”. Essa coisa do boneco sertanejo eu não sei como é, mas eu vejo aqui, por exemplo, com relação a pano de prato, dos trabalhos manuais. “Eu gosto de pintar morango”.

Paulo Sérgio: “Tulipas”. Minha mãe pinta tulipas no pano de prato.

Marta: Tulipas, também. Por quê? Porque não existe a valorização do local onde o artesão reside. Então antes de você impor: “olha, não pinta tulipa não” ou “não pinta morango, não”, você tem que fazer trabalho de valorizar o local onde ele vive. Mostrar o quanto é importante, o quanto aquilo influenciou a vida dele. Resgatar esses valores. E isso você só faz trabalhando diretamente com eles. Então a artesã vai pintar tulipas porque a Ana Maria Braga disse que é interessante pintar tulipas. É interessante lá para a Holanda. O comprador dela chega e fala: “eu quero alguma coisa que me fale de você”. E o que fala de você, a não ser o lugar onde você vive, a sua forma de fazer as coisas? Eles não percebem isso. Quando você percebe a questão da auto-estima e de você valorizar o local onde ele vive, a cultura desse artesão, ele tem orgulho de apresentar aquilo para fora.

Paulo Sérgio: E esse é o papel dos designers. Quando eles visitam determinada comunidade, há algumas regras básicas que a gente dá. A primeira é se adequar ao nível de entendimento dos profissionais. Não adianta ele vir com a cultura dele lá na Paulista para sentar lá no bar do Ribeiro... O designer precisa baixar a bola. Para chegar lá e poder transmitir e poder receber também. Ele está lá para resolver um problema daquelas pessoas, propor uma solução. Então ele tem que descer ao nível de poder entender e começar a valorizar o trabalho que a comunidade faz. Porque não existe técnica artesanal ruim ou mal feita. Existem técnicas artesanais em que os processos podem ser melhorados e os produtos adequados. Mas a técnica artesanal é aquela, é única. O que existe é aquela pessoa integrar valorização, como teve em Ribeira do papel da banana, identificando que existe determinada coisa ali que pode ser vendida e transformar isso em produtos adequados para o mercado. Porque é o seguinte: se eu for até um lugar e vejo que aquele pano de prato eu encontro de Porto Alegre ao Maranhão, eu não vou comprar naquela cidade. Eu compro na 25 de março, por exemplo.

Marta: Eu acho que, melhor ainda, não existe produto artesanal feio.

Paulo Sérgio: Não existe.

Marta: Porque fruto da criação não é feio. Não existe isso.

Paulo Sérgio: E o designer não está lá para deixar bonito. O designer está lá para adequar aquele produto ao mercado. Então, por exemplo, o mercado não compra uma tigela de 60 x 30 cm, mas ele pode comprar uma de 20 x 15 cm. O designer faz essa tradução.

Marta: Interpreta. Eu acho que o papel dele é de informação. De conhecimento do artesão mesmo. Eu não acredito que exista produto artesanal feio. É fruto da criação, não é feio. Mas é uma questão de informação. Informação que vá manter aquela produção, que vai ajudar o artesão a se manter naquela profissão. Eu escutei algumas vezes do pessoal do folclore que existe uma interferência que é negativa, que você não pode transformar uma toalha. Sobre esse exemplo que você está me falando, uma vez eu escutei o seguinte: em uma comunidade é produzida uma tolha gigante, de renda, que leva três meses para uma mulher fazer e custa R$5.000,00. Qual foi a interferência feita nesse caso? “Gente, vamos fazer um jogo americano, ou senão uma bolsa que tenha maior valor?” Porque você sabe que produtos de moda têm mais valor, uma bolsa tem mais valor do que uma coisa utilitária. O que é objeto de desejo tem mais valor. Então, “vamos fazer uma bolsa, vamos usar essa técnica, sem mudar a estrutura, fazer um jogo americano”. E aí o que acontece? Eles respondem: “ah, eu gosto de fazer toalha”. “Ótimo que você gosta de fazer toalha, entenda que você vai vender uma toalha a cada três meses, quando vender a R$5.000,00”. Eu não tenho condições de comprar uma toalha a R$5.000,00. Eu não colocaria na minha mesa uma toalha de R$5.000,00 porque não faz parte do meu nível de vida. Deve ter alguém compre. É claro que cada produto tem o seu mercado e tem o seu consumidor. Mas é claro para a gente que ela não vai sobreviver disso. A gente faz um convite: “vamos tentar?”. A gente não quer que ela deixe de fazer a toalha, nunca. Esse cara que faz a pirâmide não deve deixar de fazer a pirâmide. Se ele está vendendo ele não vai deixar mesmo. Agora, se ele não está vendendo e está morrendo de fome fazendo pirâmide, eu digo: “meu filho, é seu prazer? Faça por prazer as pirâmides, mas se você quiser ter um negócio e ter renda com isso, vamos tentar pensar em outras coisas? Vamos mudar um pouquinho?”. Então a gente não quer que ela deixe de fazer a toalha, porque a toalha é tradição. A bisavó dela fazia toalha e é uma questão cultural, ela faz e acho lindo. Mas ela não sobrevive daquilo. Ela morre de fome. Ela depende de programas de governo. Que absurdo é esse? Um país em que a pessoa depende de programa de governo para ter a sua renda. É uma cultura que é subsidiada. Não pode. Então a gente faz esse processo de adequar. Tentar adequar para que ela tenha um mercado e consiga sobreviver daquilo, se sinta valorizada e tenha tempo para fazer sua toalha da melhor forma. Então eu acho que não existe esse vácuo, não. Porque esse trabalho é muito bem pensando. E a gente convida, não impõe.

Paulo Sérgio: Há um outro exemplo disso aí. Uma vez nós fizemos um trabalho em Caraguatatuba, uma clínica de design para o artesanato, que trazia alguns artesãos da cidade, filiados ao movimento social lá, para poder mostrar o que era o design e como o design poderia se inserir no contexto do artesanato. Não existe uma política, um programa de design com métodos, com regras. Nós fizemos uma clínica lá.

Marta: Foi um piloto para a gente saber como era.

Paulo Sérgio: Um piloto para saber qual era a sensação. Então tinha um senhor que fazia peixes pequenininhos, outras pessoas também, e tinha um outro que entrou, um artista famoso da cidade, e falou: “quero ver o que vocês vão fazer aqui. Não estou vendo vocês ensinarem a fazer design. O que vocês estão ensinando?”, “a gente está vendo o projeto deles para entender o que eles fazem”. E a designer que foi estava dando dicas, como a gente faz hoje: “porque você está fazendo o peixinho pelo peixinho? Porque você não insere esse peixinho que você sabe fazer bem na bandeja que aquela pessoa está fazendo”. Então ela começou a articular uma relação entre eles. Algo que aquela pessoa que fazia o peixinho muito simpático poderia fazer. Esse artesão que criticou não era um artesão, era um artista. E não era um artista popular, era um artista plástico. No final ele falou assim: “eu vendo o meu. Vocês estão ensinando isso aqui, é uma concorrência. Esse camarada aqui vende o peixe aqui na feira hippie. Eu vendo o meu peixe para a princesa da Suécia, que esteve aqui e comprou. Na casa do Clodoviu tem o meu peixe”. É um peixe bonito, estiloso, é uma escultura. Ele era um escultor, era um artista plástico. Eu falei assim: “meu amigo, você vende o seu peixe, quanto custa? R$3.000,00”, na época, faz quase dez anos, “você consegue viver com esse peixe por três meses. Esse camarada aqui precisa vender pelo menos trinta peixinhos por semana para viver. Então é diferente. Eu preciso adequar essa pessoa aqui a poder vender para esse mercado”. Porque a pessoa que vem aqui e compra o peixinho, nas próximas férias não vai comprar outro peixinho. Ele já perdeu um cliente. Agora, se ele fez um peixinho para essas férias e nas próximas férias ele inovou e tem uma bandeja com peixinho, tem outra peça, até com esse peixinho mesmo, ele está gerando outras formas de sobreviver. Quer dizer, a pessoa que volta pode comprar um outro produto. Então isso é um pouco do que a gente faz.

Pode-se de dizer que o trabalho do SEBRAE nas diversas regiões do Brasil, muitas vezes com os mesmos consultores, gerou uma certa homogeneização nos produtos artesanais brasileiros? Essa é uma crítica que apareceu em uma de nossas entrevistas.

Marta: Bom, o Programa de Artesanato tem 11 anos já e, como em todo processo novo, eu acho que é um processo de aprendizado. Eu não nego que foram cometidos erros, sim. Com tudo o que a gente construiu até agora a gente foi aprendendo também. Eu acho que 10 anos atrás houve interferências desastrosas de designers, porque ainda não se tinha essa noção. Até promovidas pelo próprio SEBRAE, a gente tem exemplos de algumas coisas que aconteceram. Agora, quando a gente fala em design e artesanato, o trabalho que a gente tem feito é exatamente esse que eu estou te falando. É impossível você criar produtos iguais. Por quê? Porque na verdade o trabalho que o SEBRAE faz em relação a design e artesanato parte do pressuposto de que a criação é conjunta. Então cada comunidade é diferente. Cada comunidade está inserida no seu ambiente, tem a sua técnica, as suas pessoas. Então o designer nunca vai conseguir reproduzir o mesmo produto. Vamos supor que a gente cria uma linha de luminárias. Uma luminária feita aqui, por essas mulheres de São Pedro que fazem com bagaço de cana, vai ser completamente diferente da luminária feita no município vizinho que também trabalha com bagaço de cana com outra técnica, com outra inspiração e com outro ambiente. O cara que faz um trabalho na praia, com um artesão da praia, pode usar até a mesma matéria-prima, mas a inspiração dele é outra, a inspiração daquele artesão é outra. Então é difícil, porque nessa composição, o designer pode ser o mesmo, mas a comunidade não é. E quando você tem esse respeito pela cultura daquela comunidade, pela cultura daquele artesão, você nunca vai conseguir fazer um produto igual.

Paulo Sérgio: Concordo plenamente. Exatamente as minhas palavras são essas. Porque quando você faz essa interação e o designer vai lá, geralmente ele se apaixona pelo que ele está vendo. Em qualquer lugar. Porque ele vê que é uma arte diferenciada o que está ali. Você pode pegar um designer como Lars, Fabíola, Renato Imbroisi, Paula Dib, uma série de outros, que vai fazer uma intervenção. Eu não acho que o resultado sejam produtos homogêneos, eu não acho. Não é objeto do designer chegar lá e fazer homogeneidade, o objeto deles é fazer produtos diferenciados. E eu sempre vejo produtos diferenciados. O que acontece é que as técnicas são parecidas. Eu sinto que esse volume de profissionais não é fechado. “Ah, a gente só trabalha com dez, quinze, vinte, trinta”. Não é isso. Nós temos um edital aberto para consultores e as pessoas podem se credenciar.

Marta: E não existem designers assim: “ah, a especialidade daquele designer é mobiliário a do outro é outra”. Eu não quero saber a especialidade que ele tem como designer, eu quero que ele vá trabalhar com a comunidade. Então o designer que é especialista em madeira, que só faz trabalhos maravilhosos em madeira, vai trabalhar com fibra de banana.

Paulo Sérgio: E antes dele ir lá ele passa por uma metodologia nossa. Ele não vai lá assim: “olha, vai lá”. Existe todo um trabalho.

Marta: Uma preparação dele.

Paulo Sérgio: Uma preparação muito boa.

Marta: Para que ele entenda também que é esse o processo que a gente está propondo, que é essa inserção responsável. Que a gente não está contratando um designer para a indústria, onde o cara não vai interferir em nada, que ele produz daquela forma, que ele corta a madeira daquele jeito. O que a gente está falando é de uma cultura local. O artesão produz aquilo porque tem um motivo para ele produzir daquela forma. Ele aprendeu daquela forma. E, em qualquer interferência que seja feita, o fazer do artesão tem que ser respeitado. Por exemplo, a gente nunca vai ter um trabalho de design, de intervenção, nas figureiras de Taubaté, que é arte popular. O produto quebra, o produto esfarela. Por quê? Porque as peças não são queimadas. Mas tem um motivo para não queimar aquelas figuras: você não queima santo! Elas eram santeiras e santo você não põe no fogo. Como eu, designer, que não conheço essa estrutura chego lá e falo “precisa por no fogo”? Não gente. “Isso não pode. É pecado queimar santo”. Faz parte da cultura delas. Agora, todas as outras peças que são feitas, as trabalhadeiras, os pavões, você pode queimar. Se eu não tiver esse conhecimento, se eu não tiver esse respeito por essa cultura, aí sim é uma intervenção danosa. Porque eu vou falar: “vocês tem que queimar essa Nossa Senhora”. Gente, a avó, a bisavó, a trisavó dela, falou que não pode queimar santo. Porque é pecado. Agora, “as trabalhadeiras ela nunca falou nada. Então eu posso queimar”. O que acontece? Eu vou ter uma cerâmica com uma queima e elas estão fazendo isso naturalmente. Agora, pergunta para elas se elas vão queimar algum santo. Não. Mas as trabalhadeiras tudo bem. Elas fizeram esse processo. “Ai, como que eu queimo? As trabalhadeiras eu posso queimar, o pavão eu posso queimar, porque não é santo. E aí eu vou dar mais durabilidade e meu cliente não vai reclamar que está chegando quebrado”. Elas escutam essa reclamação e elas têm essa necessidade. “Olha, está chegando quebrado”. Qual a intervenção que você pode fazer? Então é isso o que eu acho, é esse respeito mesmo.

Paulo Sérgio: Uma intervenção de tecnologia no processo do cozimento da massa. Isso pode ser feito.

Marta: Exato. Quando você tem respeito pela cultura você pode fazer. E outra coisa: esse designer de madeira vai lá trabalhar com fibra. Ele vai ter que aprender o que é trabalhar com fibra. Então ele está ali muito mais para aprender e para direcionar o trabalho das pessoas. O que ele faz? Eu já vi designer trabalhando que fala: “então ta, me apresenta as suas idéias”. E a primeira coisa que ele faz é passar por um processo aqui, a gente faz uma capacitação para que ele entenda esse processo que a gente está falando, o que a gente espera dele. E, quando ele chega lá, ele vai perguntar o que eles já fazem. “Como é?”. Eles têm idéias pra caramba. Artesão é criativo demais. Então eles trazem um monte de coisas. Agora, há uma diferença entre você fazer um porta celular que caiba um celular e um porta celular que não caiba um celular, porque o cara não usa, mas ele faz um porta celular.

Paulo Sérgio: Ou porque é só para aquele modelo que ele tem, que tem vinte anos, e o nosso não entra.

Marta: É, um PT 550, um Motorola, aquele grandão. Cabe aquele. Custa o designer apresentar um nova possibilidade? Isso é uma interferência danosa? Não. “Olha gente, você já foi na loja tal, você já viu que tem um menorzinho? Olha o meu”. “Poxa, o seu é diferente, vou fazer”.

Paulo Sérgio: É por isso que há essa triagem desses profissionais designers. E eles passam por um curso nosso, um repasse de metodologia do programa, que não é tão rápido. São dois dias, alguma coisa assim, e há todo um repasse de orientações ao chegar na comunidade: não ter que fazer pela pessoa, ter que ajudá-lo a desenvolver; não dizer “faça uma cadeira, faça uma bandeja”, dizer: “porque não fazer uma cadeira? Você já pensou em fazer uma bandeja? Você já pensou em desenvolver uma linha, uma coleção, em que a bandeja pode ser um modelo?”, isso pode ser.

Agora, uma outra coisa também é a seguinte: essa questão do programa, pelo menos do programa de design, que a gente lançou há dez anos, era trazer o design para as indústrias, para o comércio, para o artesanato. A gente trouxe e a gente fez. A gente fez um programa a nível nacional com todo esse trabalho pelo país inteiro. Só que um programa tem um tempo de vida, de começar e de terminar. A gente não acha que, pelo fato de termos lançado um programa, ele deva durar 20, 30, 40 anos. Pelo menos a parte do design. Então hoje eu vejo que, mesmo se a gente não fizer, a gente percebe que outras instituições, principalmente aqui em São Paulo, estão fazendo. Vocês estão fazendo. E é isso o que a gente queria. O que a gente queria era provocar uma onda, uma certa revolução, onde o design poderia ser um elemento de diversificação. E a gente conseguiu algumas coisas. Por exemplo, hoje vocês são um lugar que desenvolve design, que tem uma cultura de design e de artesanato. Tem outros institutos que fazem também. Então, se a gente não fizer, tudo bem. A gente já fez um pedaço que era estimular isso. A gente já deu um passo bem grande, bem largo, de trazer. Hoje, eu vejo que em todos os meus trinta escritórios do SEBRAE, o pessoal sabe o que é design. O pessoal encomenda: “eu preciso disso”, uma encomenda de design. Nós temos um número muito crescente. Só aqui em São Paulo, pelo centro de São Paulo, são mais de 400 atendimentos anuais. Só aqui. E nós temos outros parceiros. Então o que a gente vê é que a gente trouxe essa questão do design para deixar para as pessoas. A gente foi buscar uma coisa que era um pouco de elite, o design nas lojas, e desmistificou. Desmistificou a questão da elite, que era na Al. Gabriel Monteiro da Silva e trouxe para o artesanato.

Marta: E a gente fez o contrário. A gente desmistificou a história de que o lugar do artesanato é só nas casas de praia e na casa de campo. A gente está falando que o artesanato pode estar na Al. Gabriel Monteiro da Silva! A gente fez o caminho contrário.

Paulo Sérgio: E isso é interessante. É aquilo que eu te falei: é a troca. Aqui é uma coisa bem de troca, bem junta. Eu quis desmistificar que o design era uma coisa cara, rica, que era para a elite, que era uma coisa principalmente para as indústrias de ponta. A gente trouxe e traz hoje em dia. Hoje em dia, a gente desenvolve embalagens para amendoinzinho. Esse amendoinzinho que tem a casquinha branca. A gente faz isso. Quer dizer, uma das coisas que a gente faz. Desenvolve embalagens para isso. E aí alguém fala assim: “ah, mas o designer fazendo isso não tira o mercado dos profissionais?”. Não, porque eu estou estimulando um mercado que não existia. “Você quer desenvolver uma embalagem para o camarada que está lá em Pirituba e faz ovinho de amendoim?” “Ah, não, para esse cara não. Eu quero desenvolver para a Nestlé”. Então o que eu fiz? A Nestlé já fazia há muito tempo e continua fazendo. Mas esse cara lá de Pirituba...

Marta: Nunca pensou que precisava de um designer para fazer isso.

 Paulo Sérgio: E ele nunca pensou que pudesse aumentar em 30% as vendas só por causa de uma embalagem. Então à medida que eu ofereci, que eu levei esse designer para dentro de uma empresa, ele transformou uma embalagem e essa embalagem vende 30% mais, aquele empresário sabe que design é negócio e que design dá lucro. É isso que a gente quis fazer quando criou esse programa: trazer, desmistificar a idéia de que o design que é um objeto de reverência. O design é um meio para se fazer um produto melhor. Então aquele ovinho vende 30% mais porque o consumidor, ao comprar, percebe que aquele ovinho, que é o mesmo, é melhor. E a embalagem traduz essa melhoria. Hoje, o design já está inserido no SEBRAE e já está inserido na sociedade empresarial. Tiveram vários prêmios...

Marta: Micro e pequenos empresários ganhando prêmios

Paulo Sérgio: Isso. Micro e pequenos empresários ganhando prêmios na Alemanha. O Brasil é um dos países que mais tem ganhado ultimamente. Então a gente percebeu que todo esse esforço que a gente está fazendo há dez anos já tem resultado. Se por acaso um dia – a gente não vai deixar de fazer porque a gente já está inserido aqui dentro – a gente deixar o lado promocional, de divulgação, isso já está inserido aqui. O meu cliente, o micro e pequeno empresário, já sabe que tem o design e que o SEBRAE pode ajudá-lo. O que eu quis dizer é isso: a gente criou uma onda e essa onde está se propagando. E o que a gente quer é isso mesmo, que não fique entre a gente. O que a gente queria era fazer com que outros se aproximem, façam e divulguem.

Marta: A gente [do artesanato] tem um longo caminho ainda. E temos o mesmo tempo de programa. Vocês têm 10 anos e a gente também. Quer dizer, dez anos atrás, quem falava de design na micro e pequena empresa? Qual micro ou pequeno empresário falava em design?

Paulo Sérgio: Falavam se fosse em um ambiente fazer uma sensibilização. Hoje, eles procuram.

Marta: E em artesanato? Quem falava há dez anos? O artesanato como uma possibilidade, como um negócio, quem falava? Casa Cor apresentava artesanato. Quem usava artesanato há dez anos?

Paulo Sérgio: Hoje em dia o artesanato vai até como brinde. Veio o príncipe herdeiro do Japão e foi feita uma caixa artesanal para dar para ele. E os arquitetos. Porque o arquiteto começou a utilizar o artesanato em seus projetos? Porque não era um artesanato tradicional. Era o fazer artesanal, porém com uma padronização de produto de mercado contemporâneo. Está certo isso? O designer traduzir isso. Se o arquiteto fosse lá, imagino eu, comprar um produto pelo simples fato de ser artesanato, ele não iria comprar. Mas aquele produto do fazer artesanal, tendo uma formatação, um uso moderno, fica mais interessante. Por exemplo, a toalha que você falou. De repente ele não queria a toalha porque a mesa que ele tem é de vidro, muito bonita, e ele não quer colocar uma toalha por mais maravilhosa que seja. Mas um jogo americano, para poder mostrar o jogo americano e a mesa de vidro, ele usa.

No que se refere à questão do design e artesanato, quais as peculiaridades dos trabalhos do SEBRAE em grandes metrópoles como São Paulo?

Marta: Artesanato urbano se chama artesanato conceitual para a gente. É feito por designers, artistas plásticos. O que acontece aqui em São Paulo é a Vila Madalena, por exemplo, aqueles ateliês de artistas. O artesanato conceitual é feito por alguém que tem uma formação. Então, por exemplo, você vai ter ali na Vila Madalena um designer, um estilista ou alguém que faz um trabalho artesanal, cria luminárias, etc. Eles não precisam do SEBRAE para criar produtos. Eles precisam para a gestão do seu negócio. Agora, você tem sim artesanato, grupos de artesãos da capital, que tem aquela coisa do trabalho manual. A mesma coisa que é feita no interior com relação ao trabalho manual, é feita com esses grupos. É trazer essas referências. Então, por exemplo, a gente tem um trabalho com a cooperativa do Butantã, em que cada um fazia uma coisa, e faziam de tudo, mas sem uma identidade, sem uma linha, sem um conceito. Então a gente foi buscar com eles a mesma referência. Eles têm um trabalho de papelaria, aí eles começaram a inserir nesse trabalho de papelaria os ícones da cidade de São Paulo. Eu acho que a produção é definida a partir do mercado que você tem. Se o mercado é de turismo, o que você vai trabalhar? Você vai trabalhar um produto com características folclóricas mais interessantes. Você vai fazer uma luminária e, quando você for fazer a peça, você vai usar referências mais fortes da iconografia. Como o foco deles no primeiro momento eram os turistas, a luminária que eles fizeram foi inspirada em uma luminária encontrada lá em São Bento. Eles faziam luminárias, só que eles nunca pensaram em fazer a luminária igual aquela de São Bento ou usando alguma coisa daquilo. A hora em que eles fizeram isso, foi ótimo. O outro fazia uma caixinha de guardar fitas de vídeo. E, de repente, quando você propõe para ele utilizar referências de São Paulo, ele fez essa mesma caixinha com as duas colunas do MASP. Então ele faz uma caixa, que era a que ele fazia, só que as duas partes do lado são vermelhas. É o MASP! No meio, você põe as fitas. É incrível. É maravilhoso. As faixas dos vidros são os espaços para você por as fitas.

Paulo Sérgio: E houve um trabalho de iconografia para mostrar isso a ele?

Marta: Teve. Teve um trabalho de levantamento iconográfico, mas a solução é dele. Aí você cria produtos realmente com a cara de São Paulo. Agora, com esse artesanato conceitual, aí é outro tipo de estratégia, porque as pessoas que fazem esse trabalho já são designers ou artistas. O que a gente vai investir neles é com relação à gestão mesmo.

Paulo Sérgio: Do ponto de vista do design é a mesma coisa. A gente teve um projeto ano passado em que a gente fez clínicas de capacitação, de gestão, fluxos de negócio, questões de advogado, know-how, royalties. O que a gente ofereceu para o cara? A gente não ofereceu “como desenhar, como ser designer”. Mas ofereceu como fazer a gestão do seu pequeno negócio.

Marta: Eu acho que é uma das coisas que a gente precisa vender. Artesanato é negócio, é uma empresa como outra qualquer e o designer também é um empresário. E a gente tem que trabalhar a questão da gestão com todos eles. Porque eu posso ser um bom criador, mas se eu não souber vender o meu produto, não souber colocar um preço no meu produto, não adianta. Eu vou ser só criador e vou morrer de fome sendo criador.

 

Entrevista inserida com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - Programa de Ação Cultural - 2008.