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A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

MARISA OTA

Publicado por A CASA em 10 de Fevereiro de 2009
Por Daniel Douek

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“Já passou essa fase de se comprar um trabalho para ajudar uma comunidade, ele tem que ser bom”

 

Marisa Ota é especialista em design, curadora, designer gráfica e organizadora da Paralela Gift.

 



 

Com surgiu a Paralela Gift?

A Paralela tem uma história interessante. Eu nem sei se ela se lembra disto, mas a Renata Mellão me chamou para viabilizar comercialmente um projeto do museu A CASA, o Design Solidário, e esse foi um empurrão para começar a Paralela. Ela é responsável pela Paralela. Acho que foi um empurrão que deu certo. De um pequeno evento, de um projeto da Renata, crescemos para o circuito Vila Madalena. Convocávamos os ateliês dentro da Vila e fazíamos um circuito: colocávamos vans para visitarem esses ateliês e montávamos um espaço para os designers de fora, para quem não tinha um ateliê na Vila. Isso foi uma coisa divertida, mas muito pouco prática. Precisávamos de algo mais prático porque os lojistas que vêm para São Paulo têm pouco tempo. Então, acabamos juntando todo esse povo em um lugar só, o MUBE. Juntamos a Paralela com a OFF, que era da Daniela Cecchini, e montamos a Craft Design, que continua até hoje.

Acabei saindo da Craft e continuando com a Paralela, que sempre foi Paralela, e agora ela é um evento mais – como é que eu posso dizer? – voltado para autores, cada vez mais voltado para produtos de autor. Acredito que esta seja uma característica muito forte, os produtos de autor. São produtos assinados. Acho que hoje não temos produtos importados, não estou me lembrando de nenhum. Se não forem todos, em sua grande maioria são produtos de autores brasileiros.

 

Você fala em ‘produtos de autor’. Há alguma tendência no mercado de se buscar produtos mais exclusivos, ‘assinados’? Por que esse foco no autor?

O autor não tinha um espaço em que pudesse mostrar o seu trabalho. As grandes feiras acabam massificando, não se consegue apresentar adequadamente.

Fazemos uma feira pensando em termos mais expositivos, porque juntamos pessoas com certa linguagem comum, damos uma orientação em termos de montagem, isto é, tentamos fazer algo um pouco mais diferenciado ao incentivar alguns produtos que acreditamos serem mais assertivos no mercado. Alguns, por estarem mais perto ou por nos procurarem, recebem uma orientação maior. Outros já dominam o mercado, não precisam de orientação nenhuma. Mas acho que é isto: eles não tinham um lugar onde pudessem expor os seus produtos.

 

Esse ano a Paralela está saindo do Instituto Tomie Ohtake e indo para a Bienal. Quais as expectativas desta mudança?

Saímos de um espaço onde havia cinco andares e estamos indo para um plano. Acreditamos que isso facilitará a visitação. A expectativa é sempre a de atendermos melhor o público e que tenhamos uma feira linda, como sempre. Vamos ver o que vai dar. Acho que estamos apostando em uma época difícil, de crise, mas acredito que, quanto mais difícil for, mais instigante é de se trabalhar. Vamos ver. A expectativa é esta. O prédio também inspira – como o Tomie inspirava – e esta é outra referência. Acho que estamos em um bom caminho. Meu medo era sair do Tomie e ficar sem ter um lugar à altura para ir, porque ali éramos muitíssimo bem acolhidos. Está sendo um desafio. O espaço é maior, com grandes desafios.

 

Existe um processo de seleção de participantes? Como ele é feito?

Existe. Procuramos sempre colocar produtos de qualidade, de pessoas que conseguem atender o mercado. Existe um critério de qualidade. Às vezes somos chatos na escolha, mas tem que haver um critério ou não precisaria ter curadoria. É uma escolha, temos que manter um padrão de qualidade. Acho que a feira é bacana por isso.

 

Vocês vão atrás dos participantes, eles vêm até vocês ou acontecem as duas coisas?

Hoje acho que é um pouco de tudo. Procuramos, garimpamos, às vezes recebemos indicações. Atualmente estamos com algumas parcerias. Também quero apoiar alguns projetos. Apoiamos o Café Aprendiz. Há também o pessoal do Design OK, que é uma experiência nova, uma ideia muito interessante. Eles nos procuraram. É um grupo que está se formando, muito jovem, muito novo. Ainda é bem pequenininho, mas está combatendo a cópia, concedendo um selo de autenticidade, então damos uma força. Além disto, estamos com o Grupo Orca, que também trabalha com sustentabilidade, e tem uma parceria com o Pedro Petry. Apoiamos, ainda, a Belas Artes, dando uma força para os alunos. Assim sempre tentamos fazer um caminho de mão dupla: pegamos de um lado e oferecemos do outro. Prestamos serviços, passamos o recado.

 

[Ao abrir o computador e mostrar uma das peças que estariam na feira]

Não sei dizer se isto é design ou não. Quando falo “feira de design”, não é bem assim. São pessoas incríveis, são pessoas. Quando você pergunta “O que o mercado quer?”, acho que tudo vale. Vale um trabalho lindo desses, como vale um trabalho em série.

Temos uma produção industrial muito precária, a não ser em plástico, que acho que funciona, mas é muito pouco, muito pouco. Então me parece que nossa produção é semi-industrializada. Às vezes, uma parte é industrializada, outra não. Há pessoas que trabalham com corte a laser para dobrar a chapa não sei onde, é um mix de coisas, mas eles vão se virando e conseguem resultados incríveis. O que estou querendo fazer é isto: uma mostra de pessoas apresentando uma outra faceta da cultura material, do produto. Haverá um pouco de mobiliário, mas a feira vai se constituir de um mix de produtos: cerâmica, papel machê, vidro... É isto.

 

A Paralela é semestral. Seis meses é tempo suficiente para os expositores renovarem sua produção de modo a apresentar novidades a cada feira?

Você acha que é muito rápido? É, é. Tem muita reclamação. De certa forma, acho que incentiva o designer a correr, é um estímulo ou, sei lá, o mercado exige. Nem tudo dá para se fazer. Não se faz uma coleção, como acontece com as roupas na Fashion Week, que é uma coleção imensa, uma coisa desgastante, não é isto. Não é isto, mas acho que existe uma coleção sim, uns mais, outros menos, mas todo o semestre há uma coleção nova. Todos lançam alguma coisa.

 

Muita gente reclama desse ritmo alucinante, louco. Entre os estilistas isso tem acontecido cada vez mais.

Mas acho que com todo mundo. Eu nem sei se a feira comporta ser feita duas vezes por ano. Acho que é uma loucura, mas no primeiro semestre nos concentramos um pouco mais em um aspecto voltado para a casa, na decoração, no mobiliário, e, no segundo semestre, em alguma coisa um pouco menor, ligada ao Natal, peças menores. Não sei se isto é uma regra, mas acredito que funcione mais ou menos assim.

 

E, por outro lado, os produtores têm a necessidade de vender.

Exatamente. Se não estiverem na feira, perdem o timing. Existe o tempo da venda. Tem que pegar o consumidor querendo comprar, é importante estar na feira. É uma atitude comercial.

 

É possível falar em uma cara própria do design brasileiro? Existe uma coisa que seja o “objeto brasileiro”?

Não sei se o design tem essa cara. A coisa toda ficou muito globalizada, é difícil falar isso. Acho que existe uma arte popular; ali sim tem um componente muito forte da própria cultura, mas o design brasileiro é muito misturado, tem várias nuances, tem o bordado, misturado com algo do mobiliário... Acho que ele é muito rico, é uma mistura de coisas. Não sei dizer, não sei. Uma sandália Havaianas, por exemplo. Você pode dizer que aquele é um design brasileiro? Não sei. Pode ser. Nem sei quem foi que criou a sandália Havaianas. Sei que ela é famosíssima, mas não sei quem desenhou. Acho que somos ricos nessa história do bordado, de um resgate do fazer, mas, “identidade”? “A cara brasileira”? Não sei dizer. Tem muita coisa, tem muita mistura, japoneses, chineses, coreanos, alemães, um mix de coisas. O Brasil é rico nisso.

 

De modo geral, o que é necessário em um produto para que ele seja bem aceito no mercado? Beleza estética? Qualidade? Exclusividade? Algum compromisso social ou ambiental na forma como foi produzido?

Não existe um motivo isolado, é um conjunto de coisas. Não dá para você comprar um trabalho só porque ele foi feito em uma comunidade. Já passou essa fase de se comprar um produto para ajudar uma comunidade, ele tem que ser bom. Ou tem que ter algum outro componente que seja afetivo, estético, prático. Uma série de coisas, um conjunto cada vez maior: a estética, o acabamento, a função. O produto precisa funcionar ou, se a função dele for realmente enfeitar, tudo bem, ele tem que cumprir esse papel. O design é isto: ele tem um projeto, ele é projetado, tem que ter uma finalidade. Não é feito por si só, senão vira arte, é feito para alguém ou para uma função. Ele não é feito para si, mas para o outro.

 

É importante associar idéias aos produtos como, por exemplo, a questão da sustentabilidade, de modo a agregar valor?

Essa questão é cada vez mais importante, é super importante. Mas, “agregar valor”? Acho que já é um compromisso nosso, não sei se é um diferencial. É uma questão que já deveria estar lá, fazer parte. É nossa contribuição.

 

O mercado não é estático, vai mudando ao longo do tempo. Você já está nessa área há anos. Quais as principais mudanças que ocorreram no mercado brasileiro? Que tipos de objetos eram aceitos e perderam o seu prestígio e vice-versa?

Acho que o trabalho artesanal entrou com uma força muito grande. As pessoas estão valorizando cada vez mais uma coisa feita... não sei se feita a mão, mas o trabalho artesanal, esse apuro. Sua qualidade está cada vez melhor, mudou muito. Na feira mesmo ele tem uma presença muito forte. Começou pequena, mas teve um boom. A Paralela absorve bastante esses trabalhos de comunidades, esses trabalhos de capacitação, é uma coisa bem importante.

Hoje, estamos abrindo um espaço para o mobiliário. Não sei que efeito ele vai ter. Não é tão ligado a esse trabalho pequeno, minucioso, do artesanato. Existe aí um outro ofício, o do artesão que trabalha com a madeira. É uma mescla de ferramentas com habilidade manual, uma junção das duas. Vamos ver. O mobiliário vai ser um outro caminho e estou aqui para conferir o que vai acontecer.

 

Atualmente, percebe-se a emergência de movimentos em prol de uma desaceleração na produção e no consumo, de modo a preservar o meio ambiente. Como você enxerga isso? Como conciliar essa desaceleração com a necessidade de vender dos produtores?

Pergunta difícil, mas acho que é isso mesmo. As pessoas estão consumindo menos, estão mais preocupadas em consumir direito, em ser um consumo consciente, existe essa preocupação. Hoje eu até estava conversando com um amigo e estávamos questionando: “Será que vale mais a pena comprar muitas coisas ou uma coisa especial?”. E, cada vez mais, as pessoas estão tentando comprar menos, escolher bem, escolher o que quer de fato. Não sei se é uma tendência. Tenho uma preocupação com isso, não sei o que vai ser, porque esse consumo desenfreado está levando para um outro caminho, um caminho complicado. Acho que neste ano teremos um desafio. Vamos ver qual vai ser o resultado.

 

Inúmeros projetos em que designers vão trabalhar com artesãos enfrentam a mesma dificuldade: problemas na hora de vender, de apresentar ao mercado. Isso é uma coisa muito recorrente. O que acontece?

Posso falar pontualmente sobre uma coisa que aconteceu em um projeto. Houve uma coleção que não vendeu muito bem, os clientes não apareceram. Não sei ao certo por quê, mas vendeu-se pouco. E o que aconteceu? As artesãs voltaram para casa e resolveram fazer o pós-venda: ligar para o cliente, querendo saber o que tinha acontecido, se não havia interesse em conhecer a coleção, e conseguiram dar a volta por cima.

É preciso ser pró-ativo para vender. Venda é uma coisa muito séria. Tem que haver um planejamento. Não aconteceu o esperado? O cliente não veio? Tem que ir atrás do cliente. Acho que existe algo pontual nesse projeto.

No caso do projeto Design Solidário, o grande problema era a produção, não era o cliente. A produção não tinha um padrão de qualidade ou não tinha quem se interessasse. É um processo demorado, não é imediato. Para você ser entendido dentro do mercado, tem que estar sempre presente, estar lá em todos os semestres, com uma produção nova, com alguma novidade. Tem que haver esse empenho. Acho que as comunidades funcionam assim: têm um investimento e, se não vendem, desistem. Não há essa vontade de ir além, de questionar “Onde é que está o erro desse produto?”, arrumá-lo, recolocá-lo no mercado.

Quando existe um líder, isso dá certo. Percebe-se isso por algumas associações que dão certo, mesmo as que expõem na Paralela. Elas são filhotes do Sebrae e, hoje, são independentes. Estão presentes em todas as feiras. Quando você liga para uma das artesãs e diz: “Olha, você me mandou uma peça que não ficou boa”, ela quer escutar, quer saber como fazer, liga para perguntar, ou seja, elas são ativas, estão ali, sobrevivem desse trabalho. Então não é uma coisa generalizada, cada caso é um caso.

Se a pessoa ficar esperando pelo pedido, isso nunca vai acontecer, tem que ir atrás e entender por que o produto dela não está vendendo. O mercado é aberto. São Paulo é uma maravilha nesse sentido, acolhe quem quer trabalhar. Não estou dizendo que algumas não queiram trabalhar, mas acho que, de repente, nem sabem como. É preciso haver uma pessoa que oriente isso: “Vamos montar uma coleção”, “Vamos fazer isso”, “Ah, não vendeu? Será que é a cor? O que será que é?”.

Uma feira é interessante porque, quando se está atendendo, você vê o consumidor ali, e descobre o que ele gosta e o que ele não gosta. Uma feira é muito legal, você vê o que acontece. “Ah, alguém vendeu. O que ele vendeu? Por que eu não vendi? Está caro?” Se o produto estiver caro, então é um produto errado. “Ah, mas eu não consigo produzi-lo mais barato”. Então ele não serve. É preciso fazer alguma coisa para ele atingir um preço razoável, realizar pequenas modificações. De repente, ao mudar um pouco o tamanho, ele passa a valer aquilo. Não sei se é intuitivo, mas é um exercício do fazer que é importante. Não estou muito envolvida com as comunidades, conheço poucas, as que estão perto de mim. Como tenho a loja no Instituto Tomie Ohtake, tenho um pouco mais de facilidade para entender o que acontece. Houve uma vez um projeto super interessante, acho que no Sul, mas o que houve com esse projeto? Não mantinha uma qualidade, chegava tudo mal feito. Nesse caso o cliente não pede mais mesmo, desiste. Então são vários fatores. Não é que não dê certo, dá certo sim, mas é preciso empenho. É meio por aí. Há muita reclamação, mas é preciso entender os motivos.

 

Existe também a questão do momento do mercado?

É uma questão de acertar na coleção. Às vezes você dá uma bola dentro e vende muito, porque o preço estava certo, o momento era o certo, etc. Às vezes é isso, mas às vezes é questão de querer. Há caminho para todos. São Paulo é muito acolhedor neste sentido. Agora vamos ver, o mercado está super recessivo, estou em grande expectativa. Todos estão, eu acho, todos.