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A CASA E O MUNDO

ARTIGO

APROXIMAÇÃO ENTRE DESIGN E ARTESANATO NO BRASIL. CONCEITOS E AÇÕES DE LINA BO BARDI E ALOÍSIO MAGALHÃES

Publicado por A CASA em 29 de Abril de 2009
Por Tania de Paula

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Paula, Tânia Cristina de; master; Universidade de São Paulo

depaulatania@uol.com.br


Resumo

Este trabalho tem como finalidade apresentar a aproximação entre o design e o artesanato que ocorreu no Brasil através das idéias e ações pioneiras desenvolvidas pela arquiteta Lina Bo Bardi no MAMB/Museu de Arte Moderna da Bahia e no MAP/Museu de Arte Popular no período de 1958 a 1964, e pela atuação do designer Aloísio Magalhães na área da cultura do governo federal no período de 1975 a 1982. Mais especificamente, este trabalho pretende analisar como Lina e Aloísio trataram as questões da cultura popular e do produto artesanal como referência a um produto contemporâneo portador de uma identidade nacional. 

Palavras Chave: design; artesanato; identidade cultural.





Introdução

Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães foram pioneiros da reflexão sobre o artesanato como cultura nacional e sobre a aproximação deste ao design. Profissionais de vanguarda, refletiram esta formação nas suas atuações. Ambos fundaram centros de referência cultural, investigaram, documentaram e divulgaram a cultura popular brasileira, refletiram sobre o passado e a preservação do patrimônio nacional e dos bens culturais, participaram da estruturação de escolas de desenho industrial e idealizaram um desenvolvimento sócio-político-econômico de acordo com as necessidades reais do país e suas raízes culturais.

 

Metodologia

A análise foi realizada principalmente através dos livros: Tempos de Grossura: o design no impasse, que testemunha o período em que Lina Bo Bardi trabalhou no Nordeste e  E Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil, que conta a trajetória de Aloísio Magalhães nos organismos federais de cultura. Este artigo foi baseado na monografia desenvolvida para a disciplina de História Social do Design cursada como aluno especial na FAU-USP e é parte integrante da pesquisa para dissertação de mestrado.


O design de Lina Bo Bardi e a tradição artesanal brasileira

A arquiteta italiana Lina Bo Bardi (1914  - 1992) veio para o Brasil em 1946 e trouxe consigo a experiência do design italiano desenvolvido a partir de habilidades e tradições artesanais. Foi pioneira em debater o desenho industrial em contraposição a produtos proveniente da cultura popular brasileira. A cadeira Tripé, inspirada na rede de dormir, pode ser considerada uma peça de mobiliário moderno que incorpora características locais e resgata aspectos da tradição popular. Adotou em seus projetos soluções vernaculares que optam por simplicidade construtiva como o mobiliário projetado para o teatro, áreas de lazer e restaurante do SESC Pompéia em São Paulo e a cadeira girafa em parceria com Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki para a Casa do Benin em Salvador.


“Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir das habilidades que estão na mão do povo, do olhar da gente com originalidade”. (Darcy Ribeiro; BARDI, 1994, 4ª capa)

 

Aloísio Magalhães e a identidade cultural brasileira

Aloísio Magalhães, (1927 - 1982) foi pioneiro do design gráfico no Brasil. Em 1960 fundou no Rio de Janeiro o mais importante escritório de design do país onde desenvolveu projetos para grandes empresas privadas e estatais.

 

Entre 1975 e 1982, Aloísio desenvolveu uma política cultural em busca de indicadores para um desenvolvimento harmonioso e autenticamente brasileiro. A sua atuação abrangeu quase todas as áreas da cultura e suas ações simbolizaram a intenção do Brasil em defender seu patrimônio cultural.

 

“Nosso objetivo é estudar as formas de vida e atividades pré-industriais brasileiras que estão desaparecendo, documentá-las e, numa outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se.” (MAGALHAES, 1997, p. 116-117)

 

Conceitos e ações de Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães

Apesar de atuarem em momentos diferentes, é possível identificar mais pontos comuns do que diferenças entre as ações de Lina Bo Bardi e as de Aloísio Magalhães.

 

Lina Bo Bardi transferiu-se para a Bahia em 1958 convidada pelo governador Juracy Magalhães para criar e dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia/MAMB. Com apoio da SUDENE, criada em 1959, através de Celso Furtado, a Bahia se apresentou como uma oportunidade para a construção de um projeto de modernização cultural. (FERRAZ, 1993, p.161) A arquiteta acreditava que a cultura nordestina tinha potencialidades para o desenvolvimento de um desenho industrial nacional, que era preciso documentá-la, pois seria descaracterizado pela urbanização e pela industrialização. (BARDI, 1994, p.20-24) Em 1964, o seu projeto cultural foi interrompido pelo governo militar, por ser considerado subversivo.

 

A partir de conversas entre Aloísio Magalhães, o Ministro Severo Gomes e o Embaixador Wladimir Murtinho sobre o desenvolvimento econômico em curso no Brasil, sobre a preservação dos valores da formação cultural no país e sobre o papel do desenho industrial na formação de uma identidade própria para o produto nacional foi criado, em 1975, o Centro Nacional de Referência Cultural/CNRC. Aloísio morreu prematuramente em 1982, exercendo o cargo de Secretário da Cultura do MEC. (LEITE, 2003, p. 221-230)

 

Ambos criticaram o modelo sócio-econômico adotado pelo Brasil. Lina afirmava que a importação de um modelo falido não permitiria que no país fosse desenvolvida uma cultura autóctone e Aloísio constatou que os modelos norte-americano e europeu provocaram a diminuição de “caracteres próprios das culturas”.

 

Eles também concordaram que o resgate e a valorização da cultura eram responsabilidade social de todos. Lina convocou artistas a buscar inspiração na riqueza antropológica do país e Aloísio queria que os profissionais conhecessem a heterogeneidade cultural para poder atingir um desenvolvimento que fosse harmonioso e democrático.

 

A arquiteta organizou dentro do Museu de Arte Popular do Unhão o Centro de Estudos sobre o Trabalho Artesanal/CETA com o objetivo de inventariar as manifestações da manufatura popular do Nordeste. Neste trabalho destaca o valor da produção útil sem características folclóricas. Em 1962, idealizou a Escola de Desenho Industrial e Artesanato, que previa o resgate da herança cultural tradicional popular e a promoção de troca de experiências e integração entre alunos universitários e mestres artesãos. O projeto enfatizava a importância social da ocupação de mão de obra, do aproveitamento de resíduo industrial e da diversificação da economia. Apesar de ter conexões com os princípios da Bauhaus  estava inspirada no modelo de industrialização italiana baseado em pequenas empresas. Este projeto nunca se realizou. (PEREIRA, 2005)

 

Aloísio, participou da criação da Escola Superior de Desenho Industrial/ESDI no Rio de Janeiro (1963), baseada no rigor da escola suíça alemã. Em 1977, em debate realizado na comemoração dos 15 anos da escola, propôs repensar as bases do pensamento racionalista e buscar um design enriquecido por um conjunto mais amplo e sutil de valores. (MAGALHAES, 1998)

 

O Centro Nacional de Referência Cultural/CNRC, idealizado por Aloísio, pretendia revelar a diversidade da cultura brasileira e documentar e dinamizar referências contidas no saber popular. O programa de Artesanato tinha como propósito conhecer os processos de produção, comercialização e consumo; as matérias primas e as técnicas artesanais. A intenção era ir além do conhecimento, era possibilitar a continuidade daquele processo. (LEITE, 2003, p.237)

 

A partir de definições diferentes sobre o artesanato Lina e Aloísio afirmaram não ocorrer artesanato no Brasil, porém, concordaram que o fazer artesanal brasileiro continha muita invenção e possibilidades criativas originais. Ela definiu este fazer como “pré-artesanato” (BARDI, 1994, p.28): produção artesanal popular, útil, necessária, de uso cotidiano e dotado de força lúdica. Ele definiu como “pré-design”: uma disponibilidade para o fazer com alto índice de  invenção (Figura 7), um fazer tecnológico e desta maneira coloca o artesão como um designer em potencial. (MAGALHÃES, 1997, p.181)

 

Eles assumiram posturas distintas quanto aos modelos de intervenção e a aproximação entre o design e o artesanato no Brasil. 

 

Lina partiu de uma concepção da cultura como elemento vivo e em evolução, ela acreditava que a transformação da tradição seria inevitável. A Escola de Desenho Industrial e Artesanato propunha um intenso relacionamento entre o designer e o artesão, inclusive retirando o artesão do seu tradicional local de trabalho, o que modificaria radicalmente a tradição da sua produção. Ela dizia que seria inevitável a industrialização, e que as manifestações populares iriam desaparecer, por isso idealizou o Museu de Arte Popular/MAP como ponte entre a modernização da sociedade e a sua identidade cultural e a Escola de Desenho Industrial e Artesanato como um modelo de desenvolvimento político e econômico com raízes nacionais. 

 

Aloísio, também rejeitou as idéias de preservação estática, no entanto, propôs uma intervenção mais cuidadosa. Acreditava que a inserção no mercado comercial do produto artesanal deveria, necessariamente ser através de análise profunda de cada caso e avaliação de qual deveria ser a continuidade para aquele processo. As intervenções deveriam ser de melhoria do processo e do produto e as mudanças apenas de aceleração do processo evolutivo. As intervenções não poderiam inibir o potencial dos artesãos, deveriam valorizar a expressão e ajudá-los a formular uma trajetória própria. 

 

As reflexões, projetos e pesquisas desenvolvidas por Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães tiveram papel fundamental na valorização da cultura brasileira e são hoje referência para o desenvolvimento do design nacional com identidade própria além de servir de base para vários programas de ensino do país. 

 

Referências

 

BARDI, L. B. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1980. (coordenação editorial: SUZUKI, Marcelo, 1994)

 

FERRAZ, M. C. (org). Lina Bo Bardi. São Paulo: Empresa das Artes: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993.

 

LEITE, J. de S. (org.). A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva, 2003.

 

MAGALHÃES, A.  E Triunfo ?: a questão dos bens culturais no Brasil / Aloísio Magalhães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Roberto Marinho, 1997.

 

MAGALHÃES, A. O que o desenho industrial pode fazer pelo país? Revista Arcos, Rio de Janeiro, vol. I, nº único, p.8-13, 1998.

 

PEREIRA, J. A.; ANELLI, L. S. Uma Escola de Desenho Industrial referenciada no lastro do pré-artesanato: Lina Bo Bardi e o Museu do Solar do Unhão na Bahia. Revista Design em Foco, Salvador, ano/vol. II, nº 2, p. 17-27, jul./dez. 2005.

 

 

 

FONTE: “Anais do Oitavo Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design 2008”

 

 

Texto inserido com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - Programa de Ação Cultural - 2008.