Faça seu Login para que possamos configurar a navegação de acordo com as suas preferências.
Não está cadastrado?Clique aqui.

BIBLIOTECA

ARQUIVO:
COLEÇÕES
BIBLIOTECA
VIDEOTECA
EXPOSIÇÕES VIRTUAIS
SOCIOAMBIENTAL
A CASA E O MUNDO
Nido Campolongo

ENTREVISTA

NIDO CAMPOLONGO

Publicado por A CASA em 24 de Julho de 2009
Por Daniel Douek

Diminuir o texto Tamanho da letraAumentar o texto

"A estética é o ponto de transformação"

Nido Campolongo é cenógrafo, designer e artista plástico.




 

Em seu site, você utiliza a expressão “papel design” para descrever seu trabalho. O que isso significa?

O site é antigo e está sendo reformulado. O slogan “papel design” tinha a ver com o que eu fazia na época. Eu trabalhava essencialmente com papel e queria reforçar essa ideia, associando o meu nome ao papel e ao papelão. Vejo o “papel design” de uma forma bem abrangente: desde o papel tradicional como suporte para o design gráfico até áreas mais inusitadas, em que desenvolvo a minha pesquisa. Comecei como designer gráfico, trabalhando o papel na forma tradicional, e passei a realizar até projetos de mobiliário, iluminação e arquitetura. Quando falamos em papel, sempre pensamos na folha de papel. As pessoas nunca associam a ideia de papel ao tubo do papelão, ao tubete, materiais muito fortes e resistentes que nos permitem elaborar diversos projetos, substituindo a madeira ou algum outro material rígido. 

O que é a Galeria do Papel?

A Galeria do Papel era o local de exposições do “papel design”, voltado não só para o design, mas também para o desenho, para a pintura e para as artes plásticas – o papel utilizado como suporte para várias expressões artísticas. Fundei a Galeria do Papel em 1994 com a ideia de expor não só o meu trabalho, mas o de vários artistas que trabalhavam com esse material. Com o passar dos anos, isso acabou se perdendo, porque eu não tinha tempo de fazer um trabalho de marchand ou de curador e de me dedicar ao meu trabalho. Hoje, a galeria está para ser reaberta, não mais como Galeria do Papel, mas como estúdio Nido Campolongo, mostrando só o meu trabalho.

O que o levou a trabalhar com o papel e como sua trajetória profissional nessa área se desenvolveu até o presente momento?

Minha relação e convívio com o papel vêm desde a época em que eu era criança. Meu pai tinha uma tipografia, que era ao lado da minha casa, e eu gostava de ficar lá. Meu pai sempre me levou para o trabalho, até que comecei a me envolver com aquele ofício. Embora fosse uma tipografia pequena, havia meia dúzia de funcionários: meu pai era o tipógrafo, tinha o cortador, o rapaz que ficava imprimindo na máquina etc. 
Com 17 anos, comecei a elaborar uma linha de produtos. Desenvolvi embalagens e sacolas de papel que vendia para lojas e, assim, fui criando, dentro da tipografia do meu pai, uma identidade própria, um trabalho mais autoral. Naquela época, trabalhava muito para a moda, fazendo convites para coleções.
Fui evoluindo do design gráfico daquela época até hoje, momento em que passei a trabalhar com PET, pneus, embalagens de tetrapack, metal, sucata. Ainda hoje, minha matéria-prima principal é o papelão, mas tenho introduzido outros materiais. Não queria continuar sendo exclusivamente apresentado como uma pessoa ligada ao papel, porque não é só isso o que eu faço. Tenho uma pesquisa ligada à arte de maneira geral e ao design. Ter meu nome associado ao papel é um estigma bom, mas, nesse momento da minha vida, estou querendo ampliar.

Ao longo de sua trajetória, você buscou associar seu nome ao material papel. Neste momento, isso se transformou numa camisa de força?

Eu faço uma infinidade de coisas – agora mesmo eu estou fazendo uma exposição de pinturas e desenhos – e as pessoas sempre me apresentam ou me procuram como sendo “o cara do papel”. De repente, naquele momento, eu nem estou fazendo nada de papel. Ou posso até estar fazendo, não importa, mas gostaria que a lembrança do meu nome não estivesse tão ligada ao material “papel” e, sim, à ideia de artista e designer que tem o papel como matéria-prima predominante, mas que não se restringe a isso.

Você fez faculdade de engenharia civil, um curso sem tanta proximidade com a área das artes. Quais as contribuições que a engenharia trouxe ao seu trabalho?

Fiz engenharia civil durante algum tempo, mas nem cheguei a me formar. Apesar dessa relação com o trabalho do meu pai, tem um momento em que você questiona tudo, em que você quer ver as outras possibilidades. Meu pai queria que eu trabalhasse na tipografia, mas minha mãe ficava meio reticente: “ah, tem que fazer uma faculdade”, aquela coisa mais tradicional, mais acadêmica.
Queria fazer arquitetura, mas não passei no exame de linguagem arquitetônica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Eu também havia prestado engenharia, entrei e pensei: “quer saber, vou fazer engenharia”.
A engenharia trouxe muitas contribuições. Tem toda a questão da resistência dos materiais, a relação de quantidades entre outras coisas. Eu trabalho muito com matemática, e minha facilidade para as contas vem daquelas matérias básicas de matemática e física que eu tinha feito na faculdade. Quando larguei o curso, eu estava no quarto ano. O raciocínio matemático ajudou muito e, combinado com o pensamento mais criativo das artes plásticas, deu um resultado muito bom.

Você já desenvolveu projetos de ação socioambiental em comunidades carentes, hospitais e presídios. Qual a importância dessas ações em sua trajetória?

Meu trabalho com essas ONGs ou cooperativas e mesmo em instituições como um presídio é muito pontual, não é constante. Mas, em determinados projetos, quando posso, envolvo essas pessoas e grupos que estão excluídos e visam a inclusão social. Às vezes, combino o projeto do cliente, aquilo que lhe interessa, com o meu próprio projeto social. 
Há cerca de dois anos, fiz um projeto na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A princípio, não precisava envolver cooperativas de reciclagem ou ONGs, mas resolvi incluir. Levei para o projeto alguns produtos que já vinham sendo desenvolvidos nessas cooperativas, interferindo com o design, para, entre outras coisas, melhorar o acabamento. O cliente abraçou a ideia. Eram dez ambientes no espaço da Bienal do Ibirapuera e cada um era feito a partir de determinado material. Havia o ambiente da borracha, o de pneus, o de PET, o de papelão, o de banners. 
No caso do presídio, o projeto consistia na produção de embalagens de perfumes para a Natura. Envolvi o Carandiru e, com algumas outras ONGs, conseguimos trabalhar com os presos. Eram presos que estavam para sair, e o projeto é bacana justamente por promover a retomada da prática do trabalho e a reinserção no mercado.
Com as cooperativas, a interferência que faço consiste em agregar valor aos produtos que elas já fazem ou desenvolver novos produtos. Procuro introduzir outros materiais e técnicas, ou, aproveitando as técnicas, busco aprimorar o acabamento das peças. Uma peça tosca pode ter potencial para tornar-se uma peça sofisticada, desde que haja interferência de alguns materiais ou em alguma forma de fazer. 

Quais os desafios do trabalho com reciclagem?

Minha batalha na área de reciclagem e reaproveitamento é transformar resíduos em coisas bonitas e bem acabadas, e não em coisas novamente lixo, digamos assim. Vemos muito isso. Às vezes, uma transformação proveniente de um trabalho social resulta em um produto muito mal feito, que vira um lixo pior do que aquele que o originou. Aí, depois, você não sabe nem o que fazer com aquilo. Quando se dá um tratamento estético realmente expressivo, com qualidade, o público tem uma reação diferente, atinge muito mais gente. Um produto de qualidade é muito mais forte em termos de conscientização do que uma peça tosca. No meu ponto de vista, a estética é importantíssima, ela é o ponto de transformação. É pela estética que se consegue realizar um trabalho de reciclagem de fato.


Ao que parece, atualmente, momento em que o conceito de sustentabilidade adquiriu importância perante a opinião pública, grande parte do valor atribuído àquilo que é produzido a partir de reciclagem ou reaproveitamento está no fato de ter sido feito de maneira ecologicamente correta, sem necessidade de qualquer valor estético. 

Exatamente. Já vi situações paternalistas do tipo: “vamos comprar porque é de uma ONG, vamos ajudar”. Aí fica sempre aquela coisa de “ajuda”, “ajuda”, “ajuda” e não sai disso. Geralmente, quem ajuda é o patrono da história; quem recebe, não evolui. A evolução é obtida pelos desafios, pela busca de novos mercados, pela melhoria contínua da qualidade e do acabamento. É daí conseguimos resultados, senão, fica um círculo vicioso.

A partir do momento em que o projeto acaba, as ONGs e cooperativas costumam dar continuidade ao trabalho desenvolvido por você?

Algumas, sim; outras, não. Por exemplo, trabalhei com uma cooperativa ligada a pneus que poderia ter continuado o projeto da maneira como eu apresentei, mas preferiram não continuar. Posso encomendar um produto na forma que eu quiser, pontualmente, para um projeto ou outro, mas seria muito mais interessante para a própria ONG se eles continuassem a produzir daquele jeito que deu resultado. Muitas vezes, eles não conseguem absorver a importância disso. Às vezes, ainda preferem estar vinculados a uma relação paternalista do que a uma relação de desafio. É mais cômodo. Isso é muito delicado e tem que mudar.
Podemos ver uma postura diferente na COOPA-ROCA, por exemplo. Eles evoluíram e evoluem porque vão buscar qualidade, desafios, mercados. Além disso, há um pensamento único entre o designer, o líder da comunidade e as pessoas, ou seja, é um trabalho feito em conjunto. Tenho visto que, muitas vezes, o designer, a comunidade e o líder não falam a mesma língua. Enquanto o designer está fazendo o trabalho, parece que aquilo funciona. Depois, quando termina, se fragmenta de novo.
Vale lembrar que um trabalho como esse só continua se houver qualidade. Não só qualidade técnica, mas também qualidade de relacionamento com os clientes. É preciso inserir quem está à margem numa realidade de mercado. É difícil, mas quando falamos de design de produto tem que ser assim.

A COOPA-ROCA é liderada há mais de vinte anos pela Maria Teresa Leal (TT Leal). A figura do líder é necessária para que projetos como esse sejam bem-sucedidos?

A TT Leal  é a líder e é a designer também, ela tem a liderança e um senso estético muito apurado. Liderança é importante. O problema da liderança que não funciona é que, às vezes, o estrelismo desvirtua. Já vi situações em ONGs em que um ex-catador de papel que foi evoluindo dentro da organização, tendo se tornado presidente, virou estrela. É difícil falar com ele, ele não atende.
Outro problema é quando a liderança é muito centralizadora. A verdadeira liderança é aquela que consegue agregar outras pessoas e tomar decisões em conjunto. Uma liderança autoritária não é uma liderança verdadeira, é outro tipo de liderança que não funciona. E acontece muito isso.
Às vezes, há interesse econômico apenas de curto prazo. Então, as ações são sempre pontuais. Não se pensa muito no planejamento, no “plantar agora para colher depois”. 
É tudo muito complexo, porque estamos falando de gestão, de conceitos que se aprendem em um curso da FGV, com pessoas que saíram da rua. O designer faz parte da elite e também tem dificuldades de conduzir um projeto como esse, ele não é sociólogo. O designer trabalha com a questão da estética, que é a sua área, mas para que o projeto funcione não apenas no que se refere à estética, e sim em toda a questão econômica da gestão e na parte social, é necessário ter profissionais de várias áreas atuando em conjunto.

Como se define a autoria de uma peça produzida a partir de uma parceria entre designers e artesãos?

É uma pergunta interessante, porque isso é muito delicado. As partes têm que estar muito bem afinadas. Por exemplo, tem um grupo que faz um módulo de PET. Eu adorei a construção desse módulo, e o transformei em uma esfera para fazer uma luminária. Óbvio que a criação da luminária é minha, mas a peça é deles. Não seria correto eu produzir essa peça sem pagar royalties ou comprar o módulo deles. Vamos imaginar que eles não consigam produzir quinhentas luminárias numa determinada encomenda que eu faça. Mesmo assim, tenho a obrigação de pagar pelo uso desse módulo na peça que eu criei. 
Tudo isso tem que estar muito claro para que não haja confusão e para que ninguém se sinta lesado, o que quebraria toda a ideia de sustentabilidade, uma vez que as relações humanas são essenciais. Se você faz um projeto num cenário sustentável, não dá para ter esses problemas acontecendo. Não adianta apenas ter um resultado estético maravilhoso. A sustentabilidade se faz no todo, senão ela não existe.

Você cria produtos sustentáveis muito antes da atual febre da sustentabilidade. Como você enxerga essa emergência do sustentável?

É aquela coisa, a maioria das pessoas vai ao médico quando sente dor, ela não procura se antecipar. O que está acontecendo, hoje, é isso: o planeta está doente e as pessoas estão sentindo na pele o problema. Agora, vão começar a se mexer. 
Aqui no Brasil, estamos um pouco atrasados nessa questão. Desenvolvemos um design muito voltado à reciclagem, mas isso é recente. Podemos dizer que ele tomou fôlego a partir dos anos de 1980, dos Irmãos Campana para cá, mas nosso design tradicional era design em madeira, área em que temos designers consagrados. Em outros países, a questão da reciclagem já tem se desenvolvido há mais tempo.
Lógico que existe também a questão econômica. As empresas sabem que ser sustentável dá lucro e que sustentabilidade vende. Então, passa a haver uma preocupação não só com o meio ambiente, mas com o lucro. E isso ocorre desde grandes empresas, que transformam os meios de produção, até o design mais autoral, como o meu. Sou designer e artista plástico, mas 90% da demanda que eu tenho são nessa área da sustentabilidade. Isso é uma novidade. Até três ou quatro anos atrás, a demanda era pela estética, pelo meu design. Agora, as pessoas me chamam pela sustentabilidade e nem conhecem o lado estético do meu trabalho. Quando mostro, agrego valor e a coisa fica mais completa, mas a primeira demanda é a sustentabilidade, depois vem o resto.

Com a emergência da sustentabilidade, as formas de produção e os materiais utilizados adquirem proeminência em detrimento do conteúdo estético dos produtos?

Eu nunca penso primeiro na sustentabilidade, a sustentabilidade vem depois. Eventualmente, posso mudar o material, ou, se eu achar que não é o caso, não mudo. A peça tem sua qualidade estética e existe independente disso. A sustentabilidade eu posso agregar depois. É lógico que se eu tenho uma demanda de um produto sustentável, vou procurar agregar materiais e formas de produção sustentáveis, mas no meu processo normal de pesquisa, na maioria das vezes, minha preocupação é estética.

Quais as possibilidades e vantagens de se trabalhar com o papel e quais as dificuldades e limitações desse material?

Existem muitas fábricas fazendo papel e papelão no Brasil, e isso é uma vantagem. São Paulo oferece muitas possibilidades nessa área. À medida que fui pesquisando, percebi que o papel tem muito mais uso do que imaginamos, e sempre descubro algo novo. Quando eu visito fábricas de papel e papelão, acabo descobrindo que tem papel dentro de motor de carro ou dentro de caldeiras de navios, por exemplo. O papel é muito usado como isolante elétrico, estando presente também na indústria eletrônica. Há uma série de usos. Então, tem essa vantagem de ser um material que apresenta muitas possibilidades, podendo substituir outras matérias-primas. Além disso, não é um material caro. Em termos de técnica, pode-se trabalhar de forma gráfica ou com ele tridimensional, como se fosse madeira. É possível utilizar tanto aqueles instrumentos e materiais ligados ao papel tradicional, como aqueles ligados à marcenaria. É possível pegar um tubo de papelão e fazer um revestimento em papel com impressões tipográficas, é possível pintá-lo ou passar um verniz usado na madeira. São muitas as possibilidades, é um material muito rico. Sou suspeito para falar, porque tenho uma paixão por esse material.
Mas também precisamos ficar atentos às desvantagens: tem de saber usar. Cada folha de papel desperdiçada está causando um dano. As fábricas de papel estão ligadas às florestas artificiais, que têm um ciclo de sete anos e vão se renovando, mas, para fazer essa floresta, já houve um desmatamento. Por outro lado, se compararmos o uso de um tubo de papelão com o uso de uma tora madeira, acho que, ambientalmente, o tubo de papelão é mais saudável para o planeta, o impacto ambiental é muito menor. Então, tudo isso é muito relativo.
Usar papel reciclado é legal, porque há uma questão social e preservam-se as árvores, mas tem fábricas de papel reciclado mais poluentes do que as fábricas de papel comum, na questão de efluentes nos rios, por exemplo. Tudo isso é complexo. 
De qualquer forma, existem vantagens e desvantagens. No meu caso, vejo mais vantagens do que desvantagens.

Paixão, no sentido mais comum do termo, está muito ligada a sensações físicas que agem diretamente no corpo, envolvendo nossos sentidos. Você disse que tem uma paixão pelo papel. Como é a sua relação física com esse material?

Essa relação existe muito com o papel e, às vezes, com o papel ligado à tinta. Tenho uma paixão por livrarias. Livros são papeis misturados com tinta. Quando você abre o livro, você sente. Toda a livraria tem esse cheirinho gostoso. 
O papel me remete a algo aconchegante, acho que pelas lembranças da infância e da tipografia do meu pai. Lembro que, quando éramos crianças, eu e minha irmã gostávamos de pegar papel, colocar dentro de um saco até encher e ficar pulando em cima. Às vezes, era papel com tinta, às vezes, era só o papel mesmo, de sobra. E tinha aquele cheiro gostoso.
Eu também gosto do toque do papel. Mas o que mais me toca fisicamente é o visual. Quando vou a uma fábrica e vejo a forma como aqueles tubos de papel são organizados, dá até certa emoção, o coração fica acelerado, porque acabo tendo ideias. Uma vez, fui  a uma fábrica de papelão e tive a ideia de fazer uma cama e uma poltrona. Aí dá uma ansiedade, uma coisa de paixão mesmo, como um encontro com uma pessoa pela qual você está apaixonado. Você se emociona. Você vê aquilo e já imagina o que pode gerar. De certa forma, isso é a paixão: você vê a pessoa e imagina algo idealizado, você se apaixona pelo ideal que imaginou. É a mesma coisa. A diferença é que, no caso do papel, como não se trata de outra pessoa, como se trata de algo que não tem sentimentos, fica mais fácil realizar o seu projeto, porque depende só de você. A paixão com outra pessoa envolve dois, aí é mais complicado, você não tem o domínio. Aqui você tem.

Você realizou duas exposições importantes no SESC, onde apresentou uma casa feita de papel. Em que consistia esse projeto?

Quando falamos em casa de papel podemos estar nos referindo ao interior da casa ou à própria casa, à “escultura” da casa. Fiz as duas coisas. Primeiro, numa exposição chamada Brincadeiras de papel, no SESC Belenzinho, fui incumbido de fazer um loft. Fiz desde o piso até o forro, a cama, o mobiliário, tudo de papel. Chamava-se Casa do leitor. As pessoas vinham, entravam, deitavam. Foi um verdadeiro teste de resistência dos materiais. Aprendi muito com essa exposição, vi o que funcionava e o que não funcionava. Em três meses, dezoito mil pessoas visitaram, o que dá uma média de seis mil pessoas por mês. Tinha dias com quinhentas pessoas visitando. A quantidade de pessoas que sentavam na poltrona, que andavam no piso, que deitavam na cama era muito grande. Então, foi uma experiência bem interessante.
Depois, essa mesma exposição foi para o SESC Santo André, mas o espaço expositivo era menor. A casa tinha quase quatrocentos metros quadrados e, em Santo André, não havia esse espaço. Também não havia um local fechado. Lá, era tudo aberto, com um pé direito enorme. Não daria certo fazer a casa sem o mínimo de fechamento – seria uma exposição de móveis, não a Casa do leitor. Então, eu pensei: “ah, vou construir a casa, é uma boa oportunidade”. Propus para eles: “vocês não querem fazer uma oca?”. Levei essa ideia um dia depois de ficar olhando para uma mesa de papelão que eu tinha, quando tive a ideia de girá-la. Vista de cima, é uma mesa, mas se você virá-la para baixo, fica com a forma de semiesfera. Foi o que eu fiz, virei a mesa e disse: “aqui, já tem um protótipo de uma oca”. Eles toparam. 
Tudo isso foi em 2001. Agora, reeditei o projeto no evento Viva a Mata, do SOS Mata Atlântica. Tem mais qualidade, aprimorei o acabamento, mas ainda é uma construção cenográfica, não pode ficar sem cobertura. Estou em processo de fazer outra casa que possa sofrer a ação das intempéries sem precisar do toldo.

Atualmente, a virtualidade da internet tem modificado o mundo à nossa volta. Cartas foram substituídas por e-mails, jornais impressos estão investindo em seus próprios sites e até os livros começaram a ser digitalizados, transformando-se em e-books. O papel está em crise no mundo contemporâneo, cada vez mais virtual?

Não acho que o papel esteja em crise, pelo contrário. O Brasil é um dos maiores produtores de papel e essa produção cresce a cada ano. À medida que as novas tecnologias vão crescendo, vão aumentando outras ligadas  ao papel. Não vejo crise, acho que o papel está em alta.
Há muitas pessoas que, como eu, gostam de livrarias. Estão abrindo livrarias enormes. A Livraria Cultura e a Livraria da Vila são templos sempre lotados de pessoas comprando livros. O objeto livro é importante, como qualquer outro objeto que você precisa ter. A virtualidade, essa magia, não chega nem aos pés. Eu não gosto de ler quase nada no computador. Faço algumas pesquisas na internet, mas não consigo ficar lendo muito, me cansa, não é confortável. 
Tem também toda essa questão do design que está crescendo. Havia uma época em que eu não via ninguém fazendo design de papel. Hoje, não sou só eu, têm muitos fazendo no mundo inteiro. Conforme cresce o design de papel, cresce a produção, cresce o consumo. Então, eu acho que está em alta.