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A CASA E O MUNDO
Auresnede Pires Stephan (Prof. Eddy)

ENTREVISTA

AURESNEDE PIRES STEPHAN (PROF. EDDY)

Publicado por A CASA em 15 de Janeiro de 2010
Por Daniel Douek

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"Qual é a verdadeira contribuição do design em nossa sociedade?"

 

Auresnede Pires Stephan (prof. Eddy) é professor universitário e atua como consultor em projetos, curador e coordenador de prêmios e mostras de design.

 



Você é conhecido como “professor Eddy”. Qual a origem desse apelido?

Nos idos dos anos 60, período em que eu estudava no Cursinho Preparatório para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (CPFAU), na rua Maranhão, 620, tive o prazer de conhecer o hoje arquiteto e professor Carlos Eduardo Perrone, com o qual atuo no âmbito acadêmico na FAAP. Naquele período, em que eu ainda era adolescente, Perrone questionava constantemente a complexidade e estranheza do meu nome de batismo – Auresnede – que, por sinal, ele enfatizava com um acento mais agudo na penúltima sílaba: “Auresnéde”. Em determinadas aulas, ele sentava-se no fundo da sala e dizia, em tom de brincadeira, que, para facilitar, seria mais conveniente se o nome fosse devidamente encurtado para “Édi”, mas com um toque de sofisticação – daí a sua grafia passou a ser “Eddy”. Com o passar dos anos, adotamos o Eddy, com o acento agudo no Y final. Pensei que, terminado o cursinho, perderia o apelido do período anterior, e que o “Aures”, tão familiar, voltaria. No entanto, como vários colegas e amigos do cursinho também ingressaram no primeiro vestibular da FAAP, na recém-aberta Faculdade de Artes Plásticas, e como Eddy já era parte integrante do nosso cotidiano, acabei assumindo o apelido que, acredito, sintetizou e criou certa marca registrada. Auresnede Pires Stephan passou a ser uma designação apenas para documentos oficiais.

 

Nos últimos anos, o termo “design” se popularizou, abrangendo uma série de significados. Em sua visão, o que é design?

Em 1992, estávamos participando do 2o Encontro Nacional de Estudantes de Design na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Num final de tarde muito frio, próprio do Sul do Brasil, assisti à palestra do designer Gui Bonsiepe, um ícone do design que havia estudado em Ulm, foi professor dessa instituição nas décadas de 50 e 60 e, em seguida, atuou no Chile, Argentina e, finalmente, Brasil. Na ocasião, ele afirmou que o século XXI, ou seja, o século em que vivemos agora, seria o século do design.

Interessante analisar essa afirmação. No século XIX, tivemos o período das grandes invenções; no século XX, o desenvolvimento das ciências exatas, das engenharias, das novas tecnologias, junto com a criação dos mercados consumidores, o avanço tecnológico advindo das duas grandes guerras, somado às técnicas publicitárias que induziram milhões de pessoas às compras e ao modelo moderno de consumo. Surgiram, então, supermercados, shoppings e uma nova forma de comportamento social e econômico.

Verificamos, assim, que toda a ideologia da Bauhaus, primeira escola de design com o conceito socializante das décadas de 10 e 20 na Alemanha, é transformada pela escola norte-americana numa filosofia de vendas e marketing. Observamos, na verdade, duas escolas de design: uma na Europa pós-guerra, refletida por um design contido, que pode ser observado no Volkswagem ou no Fiat 500, que demonstrava o continente se reerguendo do caos instaurado pela Segunda Guerra Mundial; e, do outro lado do Atlântico, a dos Estados Unidos, que produzia veículos e os mais diversos produtos com formas exuberantes, entre eles Cadillacs e Impalas, demonstrando seu poder econômico, fruto da grande infraestrutura industrial do aço instalada para a produção de armamentos e equipamentos bélicos no período da guerra.

Nos dias de hoje, podemos observar que as estratégias de marketing, publicidade e propaganda, aliadas ao desenvolvimento das engenharias, permanecem como parte integrante do processo industrial. No entanto, a cada dia que passa, verificamos que os princípios e conceitos do design vão sendo impregnados nas empresas de micro, pequeno, médio e grande porte. Confirmando os prognósticos de Gui Bonsiepe, verificamos que, hoje, o conceito de design é disseminado em todas as áreas do conhecimento, seja administração, engenharia, marketing.

Cabe afirmar ainda que, caso as escolas de design não se atualizem frente aos avanços da tecnologia e das ciências, sem dúvida escolas de outros segmentos do conhecimento passarão a disseminar tais conceitos, como podemos perceber em instituições como o ITA e a FGV. Podemos observar que empresários e administradores, mesmo que ainda com as devidas distorções, já se utilizam da ferramenta design como um instrumento da inovação.

O design supre necessidades e cria novas necessidades em todos os segmentos humanos. Aqui seria importante ressaltar que todos os bens materiais ao seu redor possuem um desenho, mesmo que as pessoas nem percebam minuciosamente. Veja, essa mesa tem um design; essa cadeira tem um design; esse gravador tem um design. Claro que existe um design mais funcional, que atende necessidades básicas, e um design com função mais estética – aí adentramos o universo da forma e da função.

Se, por um lado, estamos vivendo o reinado do design, podemos constatar, no entanto, que vivemos um paradoxo em relação ao lixo que estamos acumulando. Até alguns anos atrás, o descarte era um luxo. Hoje, constamos que se transformou num dos grandes problemas da humanidade. Não podemos nos esquecer do avanço da tecnologia dos materiais compostos que, posteriormente, constituem mais uma incógnita no que se refere à sua decomposição química e física.

Acredito que vivemos um momento histórico complexo, que vai exigir de todos, e em particular do designer, uma nova postura ao desenvolver um projeto. No período das décadas de 50, 60 e 70, um determinado veículo sofria pequenas mudanças físicas e estruturais. Atualmente, temos novos veículos praticamente todos os dias e, com isso, sabemos que diante da necessidade de compra de qualquer acessório – um retrovisor, por exemplo – nem sempre se encontrará no distribuidor, pois seria impossível ele manter um estoque de todos os componentes. Assim, fica evidente que existe uma cadeia de produção e manutenção que nem sempre tem condições de atender os consumidores. Em jornais e revistas, podemos observar consumidores reclamando das empresas pela falta de peças e de mão de obra especializada. Por outro lado, somos bombardeados pelo lançamento de novos produtos e estímulos visuais que criam um grau de ansiedade para adquiri-los. São produtos com uma morte prematura já programada, que levam à frustração de um grande contingente de consumidores.

E aí, podemos interrogar: qual é a verdadeira função e a contribuição do design em nossa sociedade? Entendo que o design deve ser uma ferramenta que resolva problemas e necessidades humanas. No entanto, observo que grande parte dos estudantes e profissionais entende o design como um status de sofisticação e requinte. Vivemos, assim, um impasse: afinal, desenhar o que e para quem? Precisamos de fato desenvolver novos desenhos? Quem de fato resolve os problemas do nosso cotidiano? O designer reconhecido e que assina seus projetos ou o designer anônimo que, no seu dia a dia, desenha e constrói seu carrinho de pipoca?

 

Em geral, o conceito de design está muito associado ao conhecimento acadêmico envolvido no desenvolvimento de projetos. É preciso ampliar o conceito?

No meu entender, o mundo é muito mais amplo. Precisamos ter a sensibilidade de entender a cidade, suas necessidades básicas e entender o homem. Evidentemente, esse conceito quebra o paradigma de que o design começou pela Bauhaus. Nunca podemos esquecer que a escola foi um marco histórico no âmbito acadêmico que influenciou a cultura moderna e contemporânea, mas o homem sempre precisou resolver seus desafios para sobreviver. Aqui, gostaria de ressaltar a afirmação de Ivens Fontoura, um grande amigo e professor de design: antes de qualquer obra arquitetônica, o homem, na idade da pedra, frente a suas necessidades, já era um designer, produzindo o fogo e os primeiros artefatos da cozinha e da caça.

 

Você e citou o lixo como efeito colateral da produção industrial na escala atual. De que forma o design pode contribuir na solução de problemas como esse? No caso das embalagens, uma das maiores fontes de lixo atual, não se poderia pensar num invólucro integrado ao próprio produto, que seja consumido junto com ele, por exemplo?

A embalagem é um dos fatores básicos na estrutura dos produtos, tanto no que diz respeito à proteção, como no transporte ou na promoção de vendas nos pontos de comercialização. A embalagem movimenta uma cadeia de profissionais, empresas e materiais na ordem de bilhões de reais e, sem dúvida, pelo crescimento das metrópoles e dos grandes centros urbanos, é peça fundamental no grande quebra-cabeça da distribuição dos produtos, grande parte deles no segmento da alimentação. Por um lado, ela resolve uma série de problemas, mas também cria outros, como a degradação em nossas cidades. Evidentemente, muitas vezes tal degradação é causada pela falta de educação dos habitantes desses espaços.

Acredito que os modelos ideais de embalagens, principalmente no que se refere a seus ciclos de vida, encontram-se na natureza, que tão bem administra o universo das frutas como laranjas e bananas, por exemplo. A natureza é intocável, ela conhece as soluções efetivamente coerentes.

O homem, ao desenhar um produto, encontra grandes desafios. Não podemos esquecer que existem sistemas já implantados que envolvem benefícios financeiros, comerciais, industriais e políticos que, grande parte das vezes, dificultam a intervenção dos designers. Por outro lado, precisamos caminhar junto ao desenvolvimento científico, pois ele dará subsídios para a tecnologia.

Vivemos um momento histórico desafiador. Precisamos desenhar e redesenhar tudo que está ao nosso redor, uma vez que, infelizmente, está patente que grande parte dos projetos desenvolvidos não apresenta as soluções mais convincentes. Essa semana, no suplemento Agrícola do jornal O Estado de São Paulo, foi veiculada uma matéria sobre embalagens envolvendo o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Através de seu departamento de design, esses institutos estão desenvolvendo estudos no universo de embalagens para transporte de produtos hortifrutícolas. É um trabalho complexo, pois exige um estudo profundo de toda a cadeia produtiva, envolvendo desde a plantação, o transporte, a distribuição até a chegada à casa do consumidor. Ficou constatado a perda de grandes porcentagens dos produtos cultivados e que o uso da matéria-prima plástica nos pequenos containers é ainda o que melhor atende às necessidades no transporte e distribuição. Ou seja, a possível mudança para outros materiais exigirá uma pesquisa profunda, sem uma data determinada para sua implantação.

Por outro lado, não podemos esquecer que existe o comportamento cultural dos produtores, distribuidores e do consumidor final, já acostumados a determinados procedimentos arraigados pela tradição. É o caso de nossas feiras livres, por exemplo, uma concepção medieval que permanece viva nas grandes metrópoles. Suas barracas têm como matéria-prima construtiva a madeira. Por suas qualidades físicas e pela tradição de uso, creio que seria quase impossível demover os feirantes do seu uso, pois já é parte de uma cultura. Enquanto houver feira, 90% das barracas serão de madeira, por ser uma estrutura já consagrada durante séculos.

Dessa forma, fica evidente que, ao desenhar um produto, necessariamente precisamos equacionar desafios de ordem cultural, antropológica, comportamental e tecnológica. A princípio, quando formulamos um determinado briefing, tudo parece fácil e temos o controle do processo. No entanto, ao nos defrontarmos com a realidade, verificamos que os problemas não são apenas epidérmicos, mas exigem um criterioso estudo em suas raízes. Aí está o desafio do design.

O design é compreendido por um contingente muito grande da população como uma produção puramente formal e estética, esquecendo-se que o verdadeiro design é aquele que parte da cadeia produtiva e está em todas as etapas de um produto. O design não é aquele que “ilude” o consumidor, não é simplesmente um sketch, uma ilustração que nos cria apenas um sonho. O verdadeiro design é o que traz consigo uma boa estrutura, que nos faz pensar, que nos instiga, que traz em suas entranhas algo efetivamente diferenciado.

 

Recentemente, você organizou o livro 10 cases do design brasileiro (Vol. 1, São Paulo: Editora Blücher, 2008) e publicou um artigo no livro Um olhar sobre o design brasileiro (Joice Joppert Leal (org.), São Paulo: Objeto Brasil – Instituto Uniemp – Imprensa Oficial do Estado, 2002). Os dois livros falam em “design brasileiro”. Em que consiste a identidade do design brasileiro?

O Brasil, na verdade, está em busca dessa identidade. Para isso, inevitavelmente, precisamos recorrer à história desse país-continente e sua complexa miscigenação de portugueses, índios, negros, holandeses, italianos, espanhóis, alemães, japoneses entre outros. Além disso, à influência norte-americana no pós-guerra, que nos legou, a partir do final da década de 40, toda uma cultura material. Na verdade, somos um grande caldo, com ingredientes desde a época do descobrimento somados a outros que foram e estão sendo agregados no decorrer dos séculos.

Vamos, aqui, ater-nos ao conceito de “indústria brasileira”. O que seria a indústria genuinamente nacional senão aquelas aqui implantadas a partir dos modelos europeu e norte-americano? Temos, sim, uma indústria local, mas com produtos reproduzidos e já testados em suas matrizes. Durante muitos séculos, permanecemos isolados frente às limitações impostas por Portugal, que impedia a colônia de produzir qualquer coisa industrialmente. Passados os anos, através de políticas desenvolvimentistas, abriu-se o capital para que grandes multinacionais aqui se instalassem. Não caminhamos, fomos obrigados a marchar e correr para não perdermos o bonde da história. A partir das últimas décadas, podemos visualizar o esforço de empresários e empreendedores que, atentos, começaram a investir e qualificar seus produtos pela exigência local e pelas exigências no âmbito da exportação.

Não temos um passado, como a Europa, e não sabemos com clareza o que será o amanhã, mas estamos, até certo ponto, livres de amarras, o que nos possibilita acertar e a errar como jovens que somos. No ano passado, participei de um seminário em Bento Gonçalves e perguntaram a uma crítica italiana: “como é que vocês europeus veem o design brasileiro?”. A resposta foi a seguinte: “ele é jovem, adolescente, e os adolescentes não sabem que caminho vão seguir, apresentam uma série de incertezas e inseguranças, mas experimentam, acertando e errando”. Ela também afirmou que quando via produtos brasileiros expostos na Itália, os achava vigorosos, alegres, descontraídos e de um colorido muito peculiar. Como podemos concluir, esses são alguns fatores que podem ser levados em consideração para responder à sua pergunta: a descontração, o colorido, o experimental em materiais naturais.

Para desenvolver um estudo científico deste DNA do design brasileiro precisaríamos, necessariamente, classificar nossos produtos em diversas categorias, tais como eletroeletrônicos, artesanais, moveleiro, cerâmico, joalheria, definir em que região ou regiões eles são desenvolvidos e buscar as características antropológicas daquelas populações. Existe a necessidade de se desenvolver uma avaliação cuidadosa nas categorias de produtos, a comparação histórica e iconográfica, as mudanças que ocorreram no decorrer dos anos e a mudança no comportamento do homem. Precisamos entender que na região Sul e, mais precisamente, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, há a forte influência italiana e alemã, o que potencializa a cultura industrial e, consequentemente, o design, pois eles já trouxeram da sua terra natal os ingredientes básicos da tecnologia.

No decorrer desses últimos sessenta anos, estamos vivendo uma fase embrionária em que podemos delinear o florescimento de autores nacionais, entre eles Sérgio Rodrigues, que já é um clássico contemporâneo – evidentemente, atingindo uma classe social que apresenta condições de adquirir móveis na faixa de R$ 5.000,00 a R$ 20.000,00. Temos, hoje, um contingente de profissionais despontando e dando a sua contribuição em seus estúdios e nos departamentos das várias empresas. Valeria, aqui, destacar o trabalho de Marcelo Rosenbaum, que efetivamente vem desenvolvendo projetos que trazem consigo as influências da identidade brasileira no âmbito da faiança e do mobiliário. Não podemos esquecer que, ao lado de um designer bem-sucedido, precisamos ter empreendedores que assumam o compromisso comercial e industrial, tudo isso somado sempre a uma equipe de profissionais competentes em todas as áreas, sejam elas de produção, distribuição ou vendas.

 

O livro 10 cases do design brasileiro é apresentado como um “testemunho do que é ‘fazer design’ no nosso país, um desafio que necessita da compreensão e colaboração de empresários, fornecedores e consumidores”. A ideia era mostrar que o design envolve essa totalidade?

Exatamente. Nós afirmamos: “Ah! Eu sou designer”. Tudo bem, se você desenha, representa com qualidade, realiza uma boa ilustração, faz um bom rendering. Excelente. Mas a complexidade do design está em transformar aquela representação gráfica em algo que efetivamente possa ser transformado num produto industrializado. É preciso entender que a percepção do empresário, além daquela representação gráfica, está calcada na viabilidade econômica do projeto. Se estiver vendendo, atendendo aos anseios do consumidor e, somado a isso, a concepção de design trouxe novos atributos ao bem de consumo, sem dúvida o projeto obteve êxito.

Precisamos entender também que existe uma diferença acentuada entre industrial, empresário e empreendedor. Um industrial é proprietário de um determinado patrimônio, seja ele um galpão, máquinas, além de profissionais qualificados. Ele começa a produzir um determinado produto, o mesmo é bem aceito no mercado e, com isso, ele vai ganhando projeção e enriquecendo, sem nunca investir em novos produtos – às vezes, puramente copia os existentes. No entanto, a cada dia que passa, o mercado torna-se mais exigente e, gradativamente, o industrial começa a sentir que seus produtos não competem mais com os seus concorrentes. Como nunca investiu nem procurou novas alternativas, vai perdendo seu espaço no mercado. O empresário atento acompanha as mudanças do mercado, procura assessores e profissionais competentes, administrando e sempre antevendo o amanhã, pois sabe muito bem que repetir o modelo abrirá caminhos para outros aperfeiçoarem seus produtos e assumirem a liderança. O empreendedor é aquele que, muitas vezes, nem possui um determinado patrimônio físico, mas tem a capacidade de prospectar novos horizontes, avaliar novas tendências e sabe cuidadosamente administrar novos produtos.

É evidente que, nesse contexto, existe o investimento, a prospecção de novos mercados, o momento político, entre outros fatores. Não podemos esquecer que são operações de risco, pois alguém pode investir muito num determinado período e, quando o produto for lançado, seus concorrentes o copiam, alterando apenas algumas características formais. Nesse momento, pode pairar a grande dúvida: “vou investir esses recursos econômicos? Qual será a segurança do retorno com dividendos?”.

Todos esses fatores e outros mais precisam ser levados em consideração quando pretendemos atuar em design. Precisamos levar em consideração um grande número de incógnitas para resolver determinados problemas. Por exemplo, se alguém vai criar uma mesa, irá desenvolver desenhos e protótipos, seguindo, assim, a metodologia clássica do design. Em determinado ponto do processo, porém, será necessário conceber uma linha de produção, fornecedores, profissionais competentes, um grande sistema de distribuição e, para isso, é preciso logística.

Essa é a preocupação que eu tenho na coordenação dessa coletânea de livros que pretende resgatar as várias facetas do designer brasileiro, algumas vezes atuando junto a pequenas, médias e grandes empresas ou, então, como um pesquisador em seus projetos experimentais.

 

No curso de Moda da Faculdade Santa Marcelina, você ministra a disciplina Comunicação Visual do Produto. Qual a importância de associar uma marca a determinado produto?

Nessa disciplina, desenvolvemos junto ao corpo discente o interesse de integrar os conceitos de branding no âmbito da indústria da moda. Estabelecemos a integração entre a disciplina de Negócios de Informática e de Comunicação Visual de maneira a definir o que seja o conceito de marca pelo universo dos vários segmentos do mercado, seja ele voltado às classes C e D, através de empresas como a Renner, Pernambucanas, Riachuelo e C&A, ou aqueles que atendem a classe A, através de empresas como Louis Vuitton, H.Stern, Rosa Okubo. Pretendemos desenvolver uma percepção aguçada para que os jovens designers entendam a complexidade de uma empresa, pois não basta simplesmente construir uma loja, é preciso compreender o complexo sistema de vendas, a construção de uma marca, que exige o cuidado ao definir esse naming, a tipografia, o signo ou símbolo que definirá a personalidade da empresa.

 

Em que medida o design é reflexo dos valores sociais e em que medida ele ajuda a formá-los?

O design reflete e propõe ininterruptamente, ele é parte integrante desse mecanismo. Funciona como mola propulsora: ele avança, traz a novidade e, simultaneamente, absorve tudo aquilo que a sociedade produz e consome. Na verdade, são vasos comunicantes, um sistema interligado e interdependente, e é a esse processo contínuo e ininterrupto que os profissionais precisam estar atentos.

O designer seria, metaforicamente, um jogador que sabe articular as peças de um grande quebra-cabeça. As peças poderiam ser consideradas como um público-alvo em potencial, uma estrutura empresarial e a tecnologia existente, somado, evidentemente, aos profissionais. O design reflete e conduz o jogo e, em seguida, é conduzido. Nesse complexo desafio, sem dúvida precisamos entender as regras do jogo e, se necessário, criar novas regras, dependendo do momento. Os maiores sucessos de grandes designers e empresas ocorreram quando as regras foram subvertidas. Quando todos vão pelo mesmo caminho, não é interessante subverter essa ordem e percorrer o caminho inverso ou procurar um atalho?

No meu entender, o designer é aquele que quebra as regras, incita novas alternativas, estabelece dúvidas, causa surpresa, questiona e antecipa novos caminhos e novos comportamentos, sempre respaldado com argumentos bem fundamentados aliados à viabilidade industrial, ou criando, em equipe, essa viabilidade.

 

Você costuma integrar o júri de inúmeros concursos de design pelo país, tendo se tornado quase um jurado profissional. Considerando prêmios de design como termômetros do que está sendo produzido, como você avalia a atual produção brasileira?

Vejo com bons olhos, mas também entendendo que os prêmios não são o único termômetro para se avaliar o estado do design. Observamos, hoje, um número bastante expressivo de concursos, prêmios e as mais variadas promoções nesse sentido. O número de concorrentes vem aumentando ano a ano de forma significativa. Hoje, algumas promoções dessa natureza já atingem, em média, duzentos, trezentos ou até mil concorrentes, compreendendo inscrições de países sul-americanos e europeus. No entanto, ao final da avaliação das comissões, geralmente temos um número aproximado de dez a vinte produtos ou projetos que apresentam soluções ou propostas inovadoras.

Entre outras experiências nesse setor, tem uma que considero muito especial, que é o Prêmio House & Gift de Design, que já está consolidado e chega à sua 11a edição em 2010. Uma promoção que vem crescendo tanto no aspecto de quantidade como no de qualidade. Graças ao patrocínio e à postura determinada do Grupo Grafite, temos observado que, ano a ano, as empresas e os profissionais já utilizam a premiação como ferramenta diferenciadora no mercado.

Prêmio Design MCB, Prêmio Salão Design Movelsul, Prêmio Alcoa de Inovação em Alumínio, Concurso Arquitetando Design Docol, Prêmio Brasileiro de Embalagem Embanews, Prêmio ABRE da Embalagem Brasileira, Prêmio EmbalagemMarca, Prêmio IDEA/Brasil, AuDITIONS, da Anglo-Golden Ashanti, Prêmio Desgin da Abimóvel, Prêmio Planeta CASA refletem o alto nível de profissionais, escritórios e empresas brasileiras.

Alguns segmentos, tais como os de plástico, eletroeletrônicos e equipamentos hospitalares demonstram altíssima qualidade. Nesses segmentos, podemos nos orgulhar do Hospital Sarah Kubistchek através da Fundação Pioneiras, da Cozza, da Martplast e um sem número de empresas. Muitas empresas brasileiras conquistam premiações internacionais sejam elas na Alemanha ou nos Estados Unidos. Enfrentando os mais diversos desafios, creio que já alcançamos uma posição de destaque na América Latina.

Grande parte dos brasileiros não tem a dimensão da produção e da criatividade em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraíba, que hoje apresentam resultados extraordinários. Evidentemente, um grande número de participantes dessas promoções não apresenta um bom nível de qualidade criativa, muitas vezes pela forma que interpretam os regulamentos ou pela entrega de projetos que não foram devidamente pesquisados. Sabemos que ainda há muito que fazer, mas precisamos dar o devido crédito a todos aqueles que, lutando no seu dia a dia, são os heróis, grande parte das vezes desconhecidos, do design brasileiro.

No contexto acadêmico, não podemos esquecer que o Brasil oferece entre cursos tecnológicos, bacharelados em design de produto, de moda, têxtil, de interiores, gráfico e digital, um número surpreendente de 550 cursos aproximadamente. Isso projeta um contingente de, no mínimo, 70 mil estudantes na área, e creio que uma porcentagem de 80% dificilmente será absorvida pelo mercado. O número de escolas que se proliferam no mundo, seja em países ocidentais ou orientais, é praticamente o mesmo, o que nos exige uma reflexão sobre essa formação. Apesar desse número expressivo de estudantes, vários escritórios e estúdios sentem dificuldades em selecionar futuros profissionais pela falta de pré-requisitos para assumir o cargo de estagiário ou trainee. São paradoxos da nossa sociedade com um grande contingente humano, mas limitado na sua capacidade. Apesar disso, podemos observar de maneira otimista em todos os sentidos o número de profissionais e escritórios no setor.

 

O que a vasta experiência como membro de júris lhe ensinou? De maneira geral, qual o segredo para que os produtos se saiam bem no julgamento? O que se pode dizer a respeito dos bastidores dessas avaliações?

É evidente que, no percurso da minha vida, participando como membro de júris desde 1972 até a presente data, vai se adquirindo uma grande experiência. Aprende-se a entender os mecanismos e as regras do jogo.

Uma situação comum que ocorre está relacionada à condição de anonimato do participante, ou seja, num determinado regulamento condiciona-se o participante a não declarar o seu nome. No entanto, se quem se inscreve é o Sérgio Rodrigues, a Marcopolo ou a Cozza é hilário, pois o júri de profissionais inevitavelmente conhece o autor do produto.

Um fator importante é o tempo que o júri precisa despender nas sessões de avaliação. O cansaço após uma jornada de um ou dois dias de trabalho estafante pode fazer com que determinados produtos ou projetos sejam “esquecidos” ou relegados a um segundo plano. Podem ocorrer erros ou pontos de vista discordantes entre os membros – nem sempre um produto premiado foi votado de uma forma unânime.

Um exemplo marcante, em que o júri foi unânime, foi no Prêmio Design MCB com a máquina de lavar roupa que, por sinal, faz parte do primeiro volume do livro 10 cases do design brasileiro. O conceito da embalagem e a fácil montagem da máquina, que no seu transporte ocupa um pequeno volume cúbico, demonstraram a versatilidade da proposta. Esse é produto que não exige um grande discurso, ele “fala por si”.

No mesmo prêmio, em determinado ano, o projeto da Poltrona Diz, de Sérgio Rodrigues, foi unânime, não pela trajetória do autor, um ícone do design, mas pelo fato de que não existia nenhum produto que conseguisse, naquela categoria, a qualidade e o requinte no seu desenho. Cabe aqui destacar que, no âmbito da avaliação, é de fundamental importância que cada categoria de produto seja analisada de formas distintas, ou seja, alguns mais pela tecnologia, outros pelos materiais, outros pelo aspecto industrial, outros pelo aspecto visual.

Em relação ao processo de avaliação do produto em si, vale, sem dúvida alguma, o impacto inicial, o diferencial estético e funcional e a qualidade da apresentação. Num segundo momento, a comissão julgadora deverá debater sobre os prós e os contras do projeto e atentar para as normas do regulamento em vigor. Sem dúvida, a seleção e a premiação são momentos de tensão e de adrenalina muito alta, pois, muitas vezes, uma pequena observação de um dos membros do júri ganha uma importância fundamental para determinados projetos. Não podemos nunca esquecer que vários fatores nos atraem e nos envolvem: o conforto, uma experiência vivida com o produto ou similar, a qualidade, as cores e a solução técnica. Nesse processo, a leitura do memorial descritivo é a forma de esgotarmos todos os recursos para uma definição final da premiação. É o momento em que o autor “defende” sua proposta literariamente. Esse processo, somado ao nível de formação do júri e o alto nível das discussões, é que possibilita a credibilidade do resultado final.

Nos prêmios de design, é importante que os concorrentes tenham um cuidado muito especial ao desenvolver seus projetos, avaliando se de fato o produto apresentado tem um diferencial e uma novidade na sua concepção. Verificamos que, principalmente no segmento estudantil, muitas vezes a proposta, aparentemente nova, já foi desenvolvida nos anos 20, 30, 40, 50, 60. Pela falta de pesquisa e de levantamentos mais criteriosos, o participante acredita que inovou.

De qualquer forma, “viver” uma sessão de avaliação de um prêmio é construir um pouco da história do design; é participar de uma aula, somada à grande responsabilidade de premiar e, com isso, atestar a qualidade de um projeto desenvolvido pelas empresas e profissionais que, grande parte das vezes, transforma essas promoções em parte integrante da sua escalada e status da sua vida. Observamos isso principalmente nas noites de premiação, quando o sorriso e os olhos vibram de emoção – na verdade, o coroamento de um esforço imenso.

 

É uma grande responsabilidade.

Entendo sua exclamação. Como membros de júri, precisamos ser discretos e cuidadosos em todos os sentidos, pois estamos o tempo todo trabalhando com os sentimentos humanos. Veja a responsabilidade que é julgar um quesito de Carnaval. Você está avaliando o trabalho de uma grande comunidade ao longo de um ano inteiro – embora o desfile dure apenas sessenta minutos. A paixão, o suor, a disputa dessa gente, exige do jurado uma atenção muito especial. A forma de avaliar é, principalmente, com muito respeito, anotando os possíveis erros cometidos, mas nunca no sentido de rebaixar e desclassificar. Esse é o motivo das notas estabelecidas irem de 8 a 10.

 

O que é necessário para que um produto seja considerado bom em termos de design?

Necessariamente, a estética do produto tem de agradar o consumidor. Evidentemente, este não é o único, mas é um componente fundamental. É aquilo que podemos considerar como a poética do produto. Quando você olha, ele traz uma poesia pela sua forma, cores, equilíbrio, harmonia e textura. Seria um pouco de surpresa e encantamento – ele passa a você uma história. Outro aspecto fundamental é o da sua viabilidade construtiva e econômica aliada aos aspectos ergonômicos que estabelecem um diálogo com o usuário ou o consumidor.

Numa análise mais apurada, quando verificamos que, além desses fatores, o produto atende certos princípios tais como o da sustentabilidade, que sua cadeia produtiva tem coerência frente ao complexo desafio da ecologia etc., tudo isso demonstra que o designer, a equipe de projeto e a empresa de fato assumiram um compromisso no universo do design.

No meu ponto de vista, o design é responsabilidade de todos, sejam jornalistas, quando desenvolvem uma matéria ou artigo do setor, consumidores, que avaliam com critérios sua aquisição, antropólogos, que estudam o comportamento humano, cientistas sociais, engenheiros etc. Sintetizando, design é uma filosofia de vida no âmbito do mundo material e do nosso cotidiano.

 

É importante que se crie uma consciência sobre o design?

Sem dúvida alguma. Seria, na verdade, criar uma consciência sobre o consumo. Desde a revolução industrial, há uma corrida constante pela compra de bens, muitas vezes sem que o consumidor saiba como estabelecer prioridades ou o valor de uso e simbólico daquele produto em si.

Vivemos um momento histórico complexo, em que a velocidade pelas novidades é constante e, geralmente, acaba frustrando os compradores. A cultura do consumo, aliada às ferramentas de marketing de condicionamento humano, transforma os cidadãos em eternos reféns do sistema implantado. Vivemos o tempo de uma cegueira aliada a uma falta de valores na sociedade que, assim, nos leva a adquirir produtos por um prazer passageiro e fugaz, sem que se saiba o porquê daquela ação.
É chegada a hora de avaliarmos com mais atenção o mundo que nos cerca e estabelecermos um novo grau de reflexão, procurando, assim, definir novos paradigmas do design que atendam as verdadeiras necessidades do homem.