"Qual é a verdadeira contribuição do design em nossa sociedade?"
Auresnede Pires Stephan (prof. Eddy) é professor universitário e atua como consultor em projetos, curador e coordenador de prêmios e mostras de design.
Você é conhecido como “professor Eddy”.
Qual a origem desse apelido?
Nos idos dos anos 60, período em que eu
estudava no Cursinho Preparatório para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (CPFAU),
na rua Maranhão, 620, tive o prazer de conhecer o hoje arquiteto e professor
Carlos Eduardo Perrone, com o qual atuo no âmbito acadêmico na FAAP. Naquele
período, em que eu ainda era adolescente, Perrone questionava constantemente a
complexidade e estranheza do meu nome de batismo – Auresnede – que, por sinal,
ele enfatizava com um acento mais agudo na penúltima sílaba: “Auresnéde”. Em
determinadas aulas, ele sentava-se no fundo da sala e dizia, em tom de
brincadeira, que, para facilitar, seria mais conveniente se o nome fosse
devidamente encurtado para “Édi”, mas com um toque de sofisticação – daí a sua
grafia passou a ser “Eddy”. Com o passar dos anos, adotamos o Eddy, com o
acento agudo no Y final. Pensei que, terminado o cursinho, perderia o apelido
do período anterior, e que o “Aures”, tão familiar, voltaria. No entanto, como
vários colegas e amigos do cursinho também ingressaram no primeiro vestibular
da FAAP, na recém-aberta Faculdade de Artes Plásticas, e como Eddy já era parte
integrante do nosso cotidiano, acabei assumindo o apelido que, acredito,
sintetizou e criou certa marca registrada. Auresnede Pires Stephan passou a ser
uma designação apenas para documentos oficiais.
Nos últimos anos, o termo “design” se
popularizou, abrangendo uma série de significados. Em sua visão, o que é
design?
Em 1992, estávamos participando do 2o
Encontro Nacional de Estudantes de Design na Universidade Federal de Santa
Maria, no Rio Grande do Sul. Num final de tarde muito frio, próprio do Sul do
Brasil, assisti à palestra do designer Gui Bonsiepe, um ícone do design que
havia estudado em Ulm, foi professor dessa instituição nas décadas de 50 e 60
e, em seguida, atuou no Chile, Argentina e, finalmente, Brasil. Na ocasião, ele
afirmou que o século XXI, ou seja, o século em que vivemos agora, seria o século
do design.
Interessante analisar essa afirmação. No
século XIX, tivemos o período das grandes invenções; no século XX, o
desenvolvimento das ciências exatas, das engenharias, das novas tecnologias,
junto com a criação dos mercados consumidores, o avanço tecnológico advindo das
duas grandes guerras, somado às técnicas publicitárias que induziram milhões de
pessoas às compras e ao modelo moderno de consumo. Surgiram, então,
supermercados, shoppings e uma nova forma de comportamento social e econômico.
Verificamos, assim, que toda a
ideologia da Bauhaus, primeira escola de design com o conceito socializante das
décadas de 10 e 20 na Alemanha, é transformada pela escola norte-americana numa
filosofia de vendas e marketing. Observamos, na verdade, duas escolas de
design: uma na Europa pós-guerra, refletida por um design contido, que pode ser
observado no Volkswagem ou no Fiat 500, que demonstrava o continente se
reerguendo do caos instaurado pela Segunda Guerra Mundial; e, do outro lado do
Atlântico, a dos Estados Unidos, que produzia veículos e os mais diversos
produtos com formas exuberantes, entre eles Cadillacs e Impalas, demonstrando
seu poder econômico, fruto da grande infraestrutura industrial do aço instalada
para a produção de armamentos e equipamentos bélicos no período da guerra.
Nos dias de hoje, podemos observar que
as estratégias de marketing, publicidade e propaganda, aliadas ao
desenvolvimento das engenharias, permanecem como parte integrante do processo
industrial. No entanto, a cada dia que passa, verificamos que os princípios e
conceitos do design vão sendo impregnados nas empresas de micro, pequeno, médio
e grande porte. Confirmando os prognósticos de Gui Bonsiepe, verificamos que,
hoje, o conceito de design é disseminado em todas as áreas do conhecimento,
seja administração, engenharia, marketing.
Cabe afirmar ainda que, caso as escolas
de design não se atualizem frente aos avanços da tecnologia e das ciências, sem
dúvida escolas de outros segmentos do conhecimento passarão a disseminar tais
conceitos, como podemos perceber em instituições como o ITA e a FGV. Podemos observar
que empresários e administradores, mesmo que ainda com as devidas distorções,
já se utilizam da ferramenta design como um instrumento da inovação.
O design supre necessidades e cria
novas necessidades em todos os segmentos humanos. Aqui seria importante
ressaltar que todos os bens materiais ao seu redor possuem um desenho, mesmo
que as pessoas nem percebam minuciosamente. Veja, essa mesa tem um design; essa
cadeira tem um design; esse gravador tem um design. Claro que existe um design
mais funcional, que atende necessidades básicas, e um design com função mais
estética – aí adentramos o universo da forma e da função.
Se, por um lado, estamos vivendo o
reinado do design, podemos constatar, no entanto, que vivemos um paradoxo em
relação ao lixo que estamos acumulando. Até alguns anos atrás, o descarte era um
luxo. Hoje, constamos que se transformou num dos grandes problemas da
humanidade. Não podemos nos esquecer do avanço da tecnologia dos materiais
compostos que, posteriormente, constituem mais uma incógnita no que se refere à
sua decomposição química e física.
Acredito que vivemos um momento
histórico complexo, que vai exigir de todos, e em particular do designer, uma
nova postura ao desenvolver um projeto. No período das décadas de 50, 60 e 70,
um determinado veículo sofria pequenas mudanças físicas e estruturais. Atualmente,
temos novos veículos praticamente todos os dias e, com isso, sabemos que diante
da necessidade de compra de qualquer acessório – um retrovisor, por exemplo –
nem sempre se encontrará no distribuidor, pois seria impossível ele manter um
estoque de todos os componentes. Assim, fica evidente que existe uma cadeia de
produção e manutenção que nem sempre tem condições de atender os consumidores. Em
jornais e revistas, podemos observar consumidores reclamando das empresas pela
falta de peças e de mão de obra especializada. Por outro lado, somos
bombardeados pelo lançamento de novos produtos e estímulos visuais que criam um
grau de ansiedade para adquiri-los. São produtos com uma morte prematura já
programada, que levam à frustração de um grande contingente de consumidores.
E aí, podemos interrogar: qual é a
verdadeira função e a contribuição do design em nossa sociedade? Entendo que o
design deve ser uma ferramenta que resolva problemas e necessidades humanas. No
entanto, observo que grande parte dos estudantes e profissionais entende o
design como um status de sofisticação e requinte. Vivemos, assim, um impasse:
afinal, desenhar o que e para quem? Precisamos de fato desenvolver novos
desenhos? Quem de fato resolve os problemas do nosso cotidiano? O designer
reconhecido e que assina seus projetos ou o designer anônimo que, no seu dia a
dia, desenha e constrói seu carrinho de pipoca?
Em geral, o conceito de design está
muito associado ao conhecimento acadêmico envolvido no desenvolvimento de
projetos. É preciso ampliar o conceito?
No meu entender, o mundo é muito mais
amplo. Precisamos ter a sensibilidade de entender a cidade, suas necessidades
básicas e entender o homem. Evidentemente, esse conceito quebra o paradigma de que
o design começou pela Bauhaus. Nunca podemos esquecer que a escola foi um marco
histórico no âmbito acadêmico que influenciou a cultura moderna e
contemporânea, mas o homem sempre precisou resolver seus desafios para
sobreviver. Aqui, gostaria de ressaltar a afirmação de Ivens Fontoura, um grande
amigo e professor de design: antes de qualquer obra arquitetônica, o homem, na
idade da pedra, frente a suas necessidades, já era um designer, produzindo o
fogo e os primeiros artefatos da cozinha e da caça.
Você e citou o lixo como efeito
colateral da produção industrial na escala atual. De que forma o design pode
contribuir na solução de problemas como esse? No caso das embalagens, uma das
maiores fontes de lixo atual, não se poderia pensar num invólucro integrado ao
próprio produto, que seja consumido junto com ele, por exemplo?
A embalagem é um dos fatores básicos na
estrutura dos produtos, tanto no que diz respeito à proteção, como no
transporte ou na promoção de vendas nos pontos de comercialização. A embalagem
movimenta uma cadeia de profissionais, empresas e materiais na ordem de bilhões
de reais e, sem dúvida, pelo crescimento das metrópoles e dos grandes centros
urbanos, é peça fundamental no grande quebra-cabeça da distribuição dos
produtos, grande parte deles no segmento da alimentação. Por um lado, ela
resolve uma série de problemas, mas também cria outros, como a degradação em
nossas cidades. Evidentemente, muitas vezes tal degradação é causada pela falta
de educação dos habitantes desses espaços.
Acredito que os modelos ideais de
embalagens, principalmente no que se refere a seus ciclos de vida, encontram-se
na natureza, que tão bem administra o universo das frutas como laranjas e
bananas, por exemplo. A natureza é intocável, ela conhece as soluções
efetivamente coerentes.
O homem, ao desenhar um produto,
encontra grandes desafios. Não podemos esquecer que existem sistemas já
implantados que envolvem benefícios financeiros, comerciais, industriais e
políticos que, grande parte das vezes, dificultam a intervenção dos designers.
Por outro lado, precisamos caminhar junto ao desenvolvimento científico, pois
ele dará subsídios para a tecnologia.
Vivemos um momento histórico
desafiador. Precisamos desenhar e redesenhar tudo que está ao nosso redor, uma
vez que, infelizmente, está patente que grande parte dos projetos desenvolvidos
não apresenta as soluções mais convincentes. Essa semana, no suplemento
Agrícola do jornal O Estado de São Paulo,
foi veiculada uma matéria sobre embalagens envolvendo o Instituto de Tecnologia
de Alimentos (ITAL) e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Através de seu
departamento de design, esses institutos estão desenvolvendo estudos no
universo de embalagens para transporte de produtos hortifrutícolas. É um
trabalho complexo, pois exige um estudo profundo de toda a cadeia produtiva,
envolvendo desde a plantação, o transporte, a distribuição até a chegada à casa
do consumidor. Ficou constatado a perda de grandes porcentagens dos produtos
cultivados e que o uso da matéria-prima plástica nos pequenos containers é
ainda o que melhor atende às necessidades no transporte e distribuição. Ou
seja, a possível mudança para outros materiais exigirá uma pesquisa profunda,
sem uma data determinada para sua implantação.
Por outro lado, não podemos esquecer
que existe o comportamento cultural dos produtores, distribuidores e do
consumidor final, já acostumados a determinados procedimentos arraigados pela
tradição. É o caso de nossas feiras livres, por exemplo, uma concepção medieval
que permanece viva nas grandes metrópoles. Suas barracas têm como matéria-prima
construtiva a madeira. Por suas qualidades físicas e pela tradição de uso,
creio que seria quase impossível demover os feirantes do seu uso, pois já é
parte de uma cultura. Enquanto houver feira, 90% das barracas serão de madeira,
por ser uma estrutura já consagrada durante séculos.
Dessa forma, fica evidente que, ao
desenhar um produto, necessariamente precisamos equacionar desafios de ordem
cultural, antropológica, comportamental e tecnológica. A princípio, quando
formulamos um determinado briefing, tudo parece fácil e temos o controle
do processo. No entanto, ao nos defrontarmos com a realidade, verificamos que
os problemas não são apenas epidérmicos, mas exigem um criterioso estudo em
suas raízes. Aí está o desafio do design.
O design é compreendido por um
contingente muito grande da população como uma produção puramente formal e
estética, esquecendo-se que o verdadeiro design é aquele que parte da cadeia
produtiva e está em todas as etapas de um produto. O design não é aquele que
“ilude” o consumidor, não é simplesmente um sketch, uma ilustração que
nos cria apenas um sonho. O verdadeiro design é o que traz consigo uma boa
estrutura, que nos faz pensar, que nos instiga, que traz em suas entranhas algo
efetivamente diferenciado.
Recentemente, você organizou o livro 10
cases do design brasileiro (Vol. 1, São Paulo: Editora Blücher, 2008) e
publicou um artigo no livro Um olhar sobre o design brasileiro (Joice
Joppert Leal (org.), São Paulo: Objeto Brasil – Instituto Uniemp – Imprensa
Oficial do Estado, 2002). Os dois livros falam em “design brasileiro”. Em que consiste a identidade do design
brasileiro?
O Brasil, na verdade, está em busca
dessa identidade. Para isso, inevitavelmente, precisamos recorrer à história
desse país-continente e sua complexa miscigenação de portugueses, índios,
negros, holandeses, italianos, espanhóis, alemães, japoneses entre outros. Além
disso, à influência norte-americana no pós-guerra, que nos legou, a partir do
final da década de 40, toda uma cultura material. Na verdade, somos um grande
caldo, com ingredientes desde a época do descobrimento somados a outros que
foram e estão sendo agregados no decorrer dos séculos.
Vamos, aqui, ater-nos ao conceito de
“indústria brasileira”. O que seria a indústria genuinamente nacional senão
aquelas aqui implantadas a partir dos modelos europeu e norte-americano? Temos,
sim, uma indústria local, mas com produtos reproduzidos e já testados em suas
matrizes. Durante muitos séculos, permanecemos isolados frente às limitações
impostas por Portugal, que impedia a colônia de produzir qualquer coisa
industrialmente. Passados os anos, através de políticas desenvolvimentistas,
abriu-se o capital para que grandes multinacionais aqui se instalassem. Não
caminhamos, fomos obrigados a marchar e correr para não perdermos o bonde da
história. A partir das últimas décadas, podemos visualizar o esforço de
empresários e empreendedores que, atentos, começaram a investir e qualificar
seus produtos pela exigência local e pelas exigências no âmbito da exportação.
Não temos um passado, como a Europa, e não
sabemos com clareza o que será o amanhã, mas estamos, até certo ponto, livres
de amarras, o que nos possibilita acertar e a errar como jovens que somos. No
ano passado, participei de um seminário em Bento Gonçalves e perguntaram a uma
crítica italiana: “como é que vocês europeus veem o design brasileiro?”. A resposta
foi a seguinte: “ele é jovem, adolescente, e os adolescentes não sabem que
caminho vão seguir, apresentam uma série de incertezas e inseguranças, mas
experimentam, acertando e errando”. Ela também afirmou que quando via produtos
brasileiros expostos na Itália, os achava vigorosos, alegres, descontraídos e
de um colorido muito peculiar. Como podemos concluir, esses são alguns fatores
que podem ser levados em consideração para responder à sua pergunta: a
descontração, o colorido, o experimental em materiais naturais.
Para desenvolver um estudo científico
deste DNA do design brasileiro precisaríamos, necessariamente, classificar nossos
produtos em diversas categorias, tais como eletroeletrônicos, artesanais,
moveleiro, cerâmico, joalheria, definir em que região ou regiões eles são
desenvolvidos e buscar as características antropológicas daquelas populações. Existe
a necessidade de se desenvolver uma avaliação cuidadosa nas categorias de
produtos, a comparação histórica e iconográfica, as mudanças que ocorreram no
decorrer dos anos e a mudança no comportamento do homem. Precisamos entender
que na região Sul e, mais precisamente, no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina, há a forte influência italiana e alemã, o que potencializa a cultura
industrial e, consequentemente, o design, pois eles já trouxeram da sua terra
natal os ingredientes básicos da tecnologia.
No decorrer desses últimos sessenta anos,
estamos vivendo uma fase embrionária em que podemos delinear o florescimento de
autores nacionais, entre eles Sérgio Rodrigues, que já é um clássico
contemporâneo – evidentemente, atingindo uma classe social que apresenta
condições de adquirir móveis na faixa de R$ 5.000,00 a R$ 20.000,00. Temos,
hoje, um contingente de profissionais despontando e dando a sua contribuição em
seus estúdios e nos departamentos das várias empresas. Valeria, aqui, destacar
o trabalho de Marcelo Rosenbaum, que efetivamente vem desenvolvendo projetos que
trazem consigo as influências da identidade brasileira no âmbito da faiança e
do mobiliário. Não podemos esquecer que, ao lado de um designer bem-sucedido,
precisamos ter empreendedores que assumam o compromisso comercial e industrial,
tudo isso somado sempre a uma equipe de profissionais competentes em todas as
áreas, sejam elas de produção, distribuição ou vendas.
O livro 10 cases do design brasileiro é apresentado como um
“testemunho do que é ‘fazer design’ no nosso país, um desafio que necessita da
compreensão e colaboração de empresários, fornecedores e consumidores”. A ideia
era mostrar que o design envolve essa totalidade?
Exatamente.
Nós afirmamos: “Ah! Eu sou designer”. Tudo bem, se você desenha, representa com
qualidade, realiza uma boa ilustração, faz um bom rendering. Excelente.
Mas a complexidade do design está em transformar aquela representação gráfica
em algo que efetivamente possa ser transformado num produto industrializado. É
preciso entender que a percepção do empresário, além daquela representação
gráfica, está calcada na viabilidade econômica do projeto. Se estiver vendendo,
atendendo aos anseios do consumidor e, somado a isso, a concepção de design
trouxe novos atributos ao bem de consumo, sem dúvida o projeto obteve êxito.
Precisamos
entender também que existe uma diferença acentuada entre industrial,
empresário e empreendedor. Um industrial é proprietário de um
determinado patrimônio, seja ele um galpão, máquinas, além de profissionais
qualificados. Ele começa a produzir um determinado produto, o mesmo é bem
aceito no mercado e, com isso, ele vai ganhando projeção e enriquecendo, sem
nunca investir em novos produtos – às vezes, puramente copia os existentes. No entanto, a cada dia que passa, o mercado torna-se mais exigente e, gradativamente,
o industrial começa a sentir que seus produtos não competem mais com os
seus concorrentes. Como nunca investiu nem procurou novas alternativas, vai
perdendo seu espaço no mercado. O empresário atento acompanha as
mudanças do mercado, procura assessores e profissionais competentes,
administrando e sempre antevendo o amanhã, pois sabe muito bem que repetir o
modelo abrirá caminhos para outros aperfeiçoarem seus produtos e assumirem a
liderança. O empreendedor é aquele que, muitas vezes, nem possui um
determinado patrimônio físico, mas tem a capacidade de prospectar novos
horizontes, avaliar novas tendências e sabe cuidadosamente administrar novos
produtos.
É evidente que, nesse contexto, existe o
investimento, a prospecção de novos mercados, o momento político, entre outros
fatores. Não podemos esquecer que são operações de risco, pois alguém pode
investir muito num determinado período e, quando o produto for lançado, seus
concorrentes o copiam, alterando apenas algumas características formais. Nesse momento,
pode pairar a grande dúvida: “vou investir esses recursos econômicos? Qual será
a segurança do retorno com dividendos?”.
Todos esses fatores e outros mais
precisam ser levados em consideração quando pretendemos atuar em design.
Precisamos levar em consideração um grande número de incógnitas para resolver
determinados problemas. Por exemplo, se alguém vai criar uma mesa, irá desenvolver
desenhos e protótipos, seguindo, assim, a metodologia clássica do design. Em
determinado ponto do processo, porém, será necessário conceber uma linha de
produção, fornecedores, profissionais competentes, um grande sistema de
distribuição e, para isso, é preciso logística.
Essa é a preocupação que eu tenho na
coordenação dessa coletânea de livros que pretende resgatar as várias facetas
do designer brasileiro, algumas vezes atuando junto a pequenas, médias e grandes
empresas ou, então, como um pesquisador em seus projetos experimentais.
No curso de Moda da Faculdade Santa Marcelina, você ministra a
disciplina Comunicação Visual do Produto. Qual a importância de associar uma
marca a determinado produto?
Nessa disciplina, desenvolvemos junto
ao corpo discente o interesse de integrar os conceitos de branding no
âmbito da indústria da moda. Estabelecemos a integração entre a disciplina de
Negócios de Informática e de Comunicação Visual de maneira a definir o que seja
o conceito de marca pelo universo dos vários segmentos do mercado, seja ele voltado
às classes C e D, através de empresas como a Renner, Pernambucanas, Riachuelo e
C&A, ou aqueles que atendem a classe A, através de empresas como Louis Vuitton,
H.Stern, Rosa Okubo. Pretendemos desenvolver uma percepção aguçada para que os
jovens designers entendam a complexidade de uma empresa, pois não basta
simplesmente construir uma loja, é preciso compreender o complexo sistema de
vendas, a construção de uma marca, que exige o cuidado ao definir esse naming,
a tipografia, o signo ou símbolo que definirá a personalidade da empresa.
Em que medida o design é reflexo dos valores sociais e em que
medida ele ajuda a formá-los?
O design reflete e propõe
ininterruptamente, ele é parte integrante desse mecanismo. Funciona como mola
propulsora: ele avança, traz a novidade e, simultaneamente, absorve tudo aquilo
que a sociedade produz e consome. Na verdade, são vasos comunicantes, um
sistema interligado e interdependente, e é a esse processo contínuo e
ininterrupto que os profissionais precisam estar atentos.
O designer seria, metaforicamente, um
jogador que sabe articular as peças de um grande quebra-cabeça. As peças
poderiam ser consideradas como um público-alvo em potencial, uma estrutura
empresarial e a tecnologia existente, somado, evidentemente, aos profissionais.
O design reflete e conduz o jogo e, em seguida, é conduzido. Nesse complexo
desafio, sem dúvida precisamos entender as regras do jogo e, se necessário,
criar novas regras, dependendo do momento. Os maiores sucessos de grandes
designers e empresas ocorreram quando as regras foram subvertidas. Quando todos
vão pelo mesmo caminho, não é interessante subverter essa ordem e percorrer o
caminho inverso ou procurar um atalho?
No meu entender, o designer é aquele
que quebra as regras, incita novas alternativas, estabelece dúvidas, causa
surpresa, questiona e antecipa novos caminhos e novos comportamentos, sempre
respaldado com argumentos bem fundamentados aliados à viabilidade industrial,
ou criando, em equipe, essa viabilidade.
Você costuma integrar o júri de inúmeros concursos de design pelo
país, tendo se tornado quase um jurado profissional. Considerando prêmios de
design como termômetros do que está sendo produzido, como você avalia a atual
produção brasileira?
Vejo com bons olhos, mas também
entendendo que os prêmios não são o único termômetro para se avaliar o estado
do design. Observamos, hoje, um número bastante expressivo de concursos,
prêmios e as mais variadas promoções nesse sentido. O número de concorrentes
vem aumentando ano a ano de forma significativa. Hoje, algumas promoções dessa
natureza já atingem, em média, duzentos, trezentos ou até mil concorrentes,
compreendendo inscrições de países sul-americanos e europeus. No entanto, ao
final da avaliação das comissões, geralmente temos um número aproximado de dez a
vinte produtos ou projetos que apresentam soluções ou propostas inovadoras.
Entre outras experiências nesse setor, tem
uma que considero muito especial, que é o Prêmio House & Gift de Design,
que já está consolidado e chega à sua 11a edição em 2010. Uma
promoção que vem crescendo tanto no aspecto de quantidade como no de qualidade.
Graças ao patrocínio e à postura determinada do Grupo Grafite, temos observado
que, ano a ano, as empresas e os profissionais já utilizam a premiação como
ferramenta diferenciadora no mercado.
Prêmio Design MCB, Prêmio Salão Design Movelsul,
Prêmio Alcoa de Inovação em Alumínio, Concurso Arquitetando Design Docol, Prêmio
Brasileiro de Embalagem Embanews, Prêmio ABRE da Embalagem Brasileira, Prêmio EmbalagemMarca,
Prêmio IDEA/Brasil, AuDITIONS, da Anglo-Golden Ashanti, Prêmio Desgin da Abimóvel,
Prêmio Planeta CASA refletem o alto nível de profissionais, escritórios e
empresas brasileiras.
Alguns segmentos, tais como os de
plástico, eletroeletrônicos e equipamentos hospitalares demonstram altíssima
qualidade. Nesses segmentos, podemos nos orgulhar do Hospital Sarah Kubistchek
através da Fundação Pioneiras, da Cozza, da Martplast e um sem número de
empresas. Muitas empresas brasileiras conquistam premiações internacionais
sejam elas na Alemanha ou nos Estados Unidos. Enfrentando os mais diversos
desafios, creio que já alcançamos uma posição de destaque na América Latina.
Grande parte dos brasileiros não tem a
dimensão da produção e da criatividade em estados como São Paulo, Rio de
Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraíba, que
hoje apresentam resultados extraordinários. Evidentemente, um grande número de
participantes dessas promoções não apresenta um bom nível de qualidade
criativa, muitas vezes pela forma que interpretam os regulamentos ou pela
entrega de projetos que não foram devidamente pesquisados. Sabemos que ainda há
muito que fazer, mas precisamos dar o devido crédito a todos aqueles que,
lutando no seu dia a dia, são os heróis, grande parte das vezes desconhecidos,
do design brasileiro.
No contexto acadêmico, não podemos
esquecer que o Brasil oferece entre cursos tecnológicos, bacharelados em design
de produto, de moda, têxtil, de interiores, gráfico e digital, um número
surpreendente de 550 cursos aproximadamente. Isso projeta um contingente de, no
mínimo, 70 mil estudantes na área, e creio que uma porcentagem de 80%
dificilmente será absorvida pelo mercado. O número de escolas que se proliferam
no mundo, seja em países ocidentais ou orientais, é praticamente o mesmo, o que
nos exige uma reflexão sobre essa formação. Apesar desse número expressivo de
estudantes, vários escritórios e estúdios sentem dificuldades em selecionar
futuros profissionais pela falta de pré-requisitos para assumir o cargo de
estagiário ou trainee. São paradoxos da nossa sociedade com um grande
contingente humano, mas limitado na sua capacidade. Apesar disso, podemos
observar de maneira otimista em todos os sentidos o número de profissionais e
escritórios no setor.
O que a vasta experiência como membro de júris lhe ensinou? De
maneira geral, qual o segredo para que os produtos se saiam bem no julgamento?
O que se pode dizer a respeito dos bastidores dessas avaliações?
É evidente que, no percurso da minha
vida, participando como membro de júris desde 1972 até a presente data, vai se
adquirindo uma grande experiência. Aprende-se a entender os mecanismos e as
regras do jogo.
Uma situação comum que ocorre está
relacionada à condição de anonimato do participante, ou seja, num determinado
regulamento condiciona-se o participante a não declarar o seu nome. No entanto,
se quem se inscreve é o Sérgio Rodrigues, a Marcopolo ou a Cozza é hilário,
pois o júri de profissionais inevitavelmente conhece o autor do produto.
Um fator importante é o tempo que o
júri precisa despender nas sessões de avaliação. O cansaço após uma jornada de
um ou dois dias de trabalho estafante pode fazer com que determinados produtos
ou projetos sejam “esquecidos” ou relegados a um segundo plano. Podem ocorrer
erros ou pontos de vista discordantes entre os membros – nem sempre um produto
premiado foi votado de uma forma unânime.
Um exemplo marcante, em que o júri foi
unânime, foi no Prêmio Design MCB com a máquina de lavar roupa que, por sinal,
faz parte do primeiro volume do livro 10 cases do design brasileiro. O
conceito da embalagem e a fácil montagem da máquina, que no seu transporte
ocupa um pequeno volume cúbico, demonstraram a versatilidade da proposta. Esse
é produto que não exige um grande discurso, ele “fala por si”.
No mesmo prêmio, em determinado ano, o
projeto da Poltrona Diz, de Sérgio Rodrigues, foi unânime, não pela trajetória
do autor, um ícone do design, mas pelo fato de que não existia nenhum produto
que conseguisse, naquela categoria, a qualidade e o requinte no seu desenho. Cabe
aqui destacar que, no âmbito da avaliação, é de fundamental importância que
cada categoria de produto seja analisada de formas distintas, ou seja, alguns
mais pela tecnologia, outros pelos materiais, outros pelo aspecto industrial,
outros pelo aspecto visual.
Em relação ao processo de avaliação do
produto em si, vale, sem dúvida alguma, o impacto inicial, o diferencial
estético e funcional e a qualidade da apresentação. Num segundo momento, a
comissão julgadora deverá debater sobre os prós e os contras do projeto e
atentar para as normas do regulamento em vigor. Sem dúvida, a seleção e a
premiação são momentos de tensão e de adrenalina muito alta, pois, muitas
vezes, uma pequena observação de um dos membros do júri ganha uma importância
fundamental para determinados projetos. Não podemos nunca esquecer que vários
fatores nos atraem e nos envolvem: o conforto, uma experiência vivida com o
produto ou similar, a qualidade, as cores e a solução técnica. Nesse processo,
a leitura do memorial descritivo é a forma de esgotarmos todos os recursos para
uma definição final da premiação. É o momento em que o autor “defende” sua
proposta literariamente. Esse processo, somado ao nível de formação do júri e o
alto nível das discussões, é que possibilita a credibilidade do resultado
final.
Nos prêmios de design, é importante que
os concorrentes tenham um cuidado muito especial ao desenvolver seus projetos,
avaliando se de fato o produto apresentado tem um diferencial e uma novidade na
sua concepção. Verificamos que, principalmente no segmento estudantil, muitas
vezes a proposta, aparentemente nova, já foi desenvolvida nos anos 20, 30, 40,
50, 60. Pela falta de pesquisa e de levantamentos mais criteriosos, o
participante acredita que inovou.
De qualquer forma, “viver” uma sessão
de avaliação de um prêmio é construir um pouco da história do design; é participar
de uma aula, somada à grande responsabilidade de premiar e, com isso, atestar a
qualidade de um projeto desenvolvido pelas empresas e profissionais que, grande
parte das vezes, transforma essas promoções em parte integrante da sua escalada
e status da sua vida. Observamos isso principalmente nas noites de premiação,
quando o sorriso e os olhos vibram de emoção – na verdade, o coroamento de um
esforço imenso.
É uma grande responsabilidade.
Entendo sua exclamação. Como membros de
júri, precisamos ser discretos e cuidadosos em todos os sentidos, pois estamos
o tempo todo trabalhando com os sentimentos humanos. Veja a responsabilidade
que é julgar um quesito de Carnaval. Você está avaliando o trabalho de uma
grande comunidade ao longo de um ano inteiro – embora o desfile dure apenas sessenta
minutos. A paixão, o suor, a disputa dessa gente, exige do jurado uma atenção
muito especial. A forma de avaliar é, principalmente, com muito respeito,
anotando os possíveis erros cometidos, mas nunca no sentido de rebaixar e
desclassificar. Esse é o motivo das notas estabelecidas irem de 8 a 10.
O que é necessário para que um produto seja considerado bom em
termos de design?
Necessariamente, a estética do produto
tem de agradar o consumidor. Evidentemente, este não é o único, mas é um
componente fundamental. É aquilo que podemos considerar como a poética do
produto. Quando você olha, ele traz uma poesia pela sua forma, cores,
equilíbrio, harmonia e textura. Seria um pouco de surpresa e encantamento – ele
passa a você uma história. Outro aspecto fundamental é o da sua viabilidade
construtiva e econômica aliada aos aspectos ergonômicos que estabelecem um
diálogo com o usuário ou o consumidor.
Numa análise mais apurada, quando
verificamos que, além desses fatores, o produto atende certos princípios tais
como o da sustentabilidade, que sua cadeia produtiva tem coerência frente ao
complexo desafio da ecologia etc., tudo isso demonstra que o designer, a equipe
de projeto e a empresa de fato assumiram um compromisso no universo do design.
No meu ponto de vista, o design é
responsabilidade de todos, sejam jornalistas, quando desenvolvem uma matéria ou
artigo do setor, consumidores, que avaliam com critérios sua aquisição,
antropólogos, que estudam o comportamento humano, cientistas sociais,
engenheiros etc. Sintetizando, design é uma filosofia de vida no âmbito do
mundo material e do nosso cotidiano.
É importante que se crie uma
consciência sobre o design?
Sem dúvida alguma. Seria, na verdade,
criar uma consciência sobre o consumo. Desde a revolução industrial, há uma
corrida constante pela compra de bens, muitas vezes sem que o consumidor saiba
como estabelecer prioridades ou o valor de uso e simbólico daquele produto em
si.
Vivemos um momento histórico complexo, em
que a velocidade pelas novidades é constante e, geralmente, acaba frustrando os
compradores. A cultura do consumo, aliada às ferramentas de marketing de
condicionamento humano, transforma os cidadãos em eternos reféns do sistema
implantado. Vivemos o tempo de uma cegueira aliada a uma falta de valores na
sociedade que, assim, nos leva a adquirir produtos por um prazer passageiro e
fugaz, sem que se saiba o porquê daquela ação.
É chegada a hora de avaliarmos com mais atenção o mundo que nos cerca e estabelecermos um novo grau de reflexão, procurando, assim, definir novos paradigmas do design que atendam as verdadeiras necessidades do homem.