Faça seu Login para que possamos configurar a navegação de acordo com as suas preferências.
Não está cadastrado?Clique aqui.

BIBLIOTECA

ARQUIVO:
COLEÇÕES
BIBLIOTECA
VIDEOTECA
EXPOSIÇÕES VIRTUAIS
SOCIOAMBIENTAL
A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

BABA VACARO

Publicado por A CASA em 26 de Fevereiro de 2010
Por Daniel Douek

Diminuir o texto Tamanho da letraAumentar o texto

 

"Temos uma relação emocional com os objetos à nossa volta"

Baba Vacaro é designer e diretora de criação das marcas Dominici, Dpot e St.James.

 



Baba é o nome ou é apelido?

Todo mundo faz essa mesma pergunta! “Baba” é apelido. Apelido de Babadopulus, que é meu sobrenome de solteira. Desde pequena, desde o jardim de infância, me chamavam de Baba. Meu nome é Christiane Babadopulus, mas nunca me chamaram de Christiane, sempre me chamaram de Baba. Aí eu me casei com uma pessoa que tem o sobrenome Vacaro, então alguém me batizou “Baba Vacaro”. Isso já faz mais de 20 anos. Baba era um apelido fácil e ele gruda, assim as pessoas não esquecem. E Baba Vacaro combinou muito, ficou muito bom.

 

Você é designer, mas tem passagens pela fotografia, moda e artes plásticas. Queria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória.

Quando me formei, em 1986, não tinha trabalho pra designer, e a gente, quando está na faculdade de design, tem uma formação mais ampla – você passa pelas artes plásticas, passa pela foto. Eu sou uma pessoa de múltiplos interesses, então como quando eu me formei não tinha trabalho, comecei a fazer outras coisas. Eu tinha um ateliê na Vila Madalena com uma sócia e a gente fazia tecidos pintados à mão, fazia o diabo, porque trabalho como designer mesmo a gente não tinha. Isso em 1986, 1987, 1988, 1989, até o começo dos anos 1990. Eu era muito jovem também e não queria – nunca quis – fazer o que faziam os colegas na época. Tinha, por exemplo, o Carlos Motta, que ficava quase em frente e era, para a gente, um ídolo. Mas ele criava, construía e vendia o próprio produto. Ele tinha uma loja. Eu nunca quis fazer isso. Eu não queria misturar as coisas, eu achava que a gente devia trabalhar em conjunto com a indústria ou com o meio de fabricação, mas sem se responsabilizar por ele, pela venda, pela comercialização, pela entrega, pela nota fiscal, pelo transporte. Então não tinha trabalho para a gente. Aí começamos a brincar e tínhamos um ateliê onde ficávamos experimentando coisas. No fim, ele evoluiu para uma confecção e começou a ficar tudo aquilo que eu não queria. Aí eu parei, voltei para trás, e falei “não, não era isso que eu queria fazer, nem com produto, muito menos com moda”. Mas isso foi legal, porque dá um certo trânsito por outras mídias. Eu realmente sou uma pessoa de múltiplos interesses, então eu gosto de conhecer as coisas, aprender as coisas. Todo dia eu tenho que aprender alguma coisa.

 

Você enxerga o design como design industrial mesmo, um desafio de produzir para o mercado em larga escala?

Eu acho que sim. Eu me formei na tradição do design industrial. É até uma crítica ao ensino do design naquela época, porque era um momento em que a gente realmente não tinha o que fazer. Se a gente tivesse sido criado em uma outra vertente, vamos dizer assim, uma coisa mais ligada ao fazer artesanal, por exemplo, acho que a gente teria tido outros caminhos e teria amadurecido de uma maneira mais natural. Mas a gente teve uma formação muito voltada para a Escola de Ulm, para a Bauhaus, e eu acho que isso foi um agente dificultador para os designers da minha geração. Por outro lado, eu acho que esse é um caminho da democratização do bom produto, então eu sempre procurei trabalhar no sentido de tentar desenvolver produtos bons, adequados, com o intuito de que eles pudessem estar ao alcance do maior numero de pessoas.

 

Além do trabalho com os produtos propriamente ditos, você costuma fazer palestras, participa de eventos, escreve artigos. É algo pouco comum entre os designers. Além de produzir objetos, é importante pensar sobre o design?

Eu acho que no fim, como meu trabalho caminhou muito mais para a gestão, para o design estratégico, isto é, pensar o design dentro de cada marca, dentro de cada história, eu tenho muito contato com o trabalho de outras pessoas. A maioria dos designers fica voltada para o seu próprio trabalho, para sua própria poética, para sua própria expressão. Eu não. Então acho que isso me levou a falar sobre isso, e eu acho também que é um pouco o papel social de a gente poder democratizar o conhecimento. Se você tem uma coisa que as pessoas estão com vontade de ouvir, ou se você acha que tem alguma coisa a dizer que seja útil, isso vale a pena. E realmente é uma troca também, quer dizer, existem os dois lados. Toda vez que eu estou fazendo uma palestra, é uma troca que eu tenho com as pessoas que estão ali ouvindo. Então eu acho que é importante, e acho que é mais importante do que eu pensar no meu próprio produto, uma coisa personalista. É interessante quando você pode discutir, falar, pensar, lançar idéias. Como disse, eu tenho mais de 20 anos de formada e, de lá pra cá, o cenário do design mudou muito. Então é legal você poder apontar isso. Ás vezes as pessoas falam: “ah, porque que o nosso mercado é assim?”, “parece que a gente esta atrasado”. É legal a gente levantar essas questões e tentar fazer com que as pessoas pensem mais para trás, o que aconteceu, ver como é que era. E eu gosto disso, acho gostoso. Eu também viajo atrás produtos e atrás de design no mundo inteiro, então é legal quando você pode reportar isso fazendo uma ligação um pouco maior do que uma reportagem, porque aí você acumula o seu conhecimento sobre o mercado, as marcas, a história, e transforma isso numa coisa que seja útil pras pessoas.

 

Em um de seus artigos, inclusive, você começa com uma citação do Gilles Lipovestky, que cita Foucault. É interessantíssimo acompanhar uma designer utilizando autores da sociologia, da filosofia e de outras áreas do conhecimento como referência.

É o que eu digo, sou uma pessoa de múltiplos interesses. O produto é o resultado de um pensamento que vai um pouco além do próprio produto, do próprio umbigo. Então você pensa o mercado, as pessoas, o que eles querem, o que elas desejam, como é o comportamento, como as pessoas moram. Tudo isso você precisa pensar se você quer fazer um produto.

 

Na versão antiga de seu site, você se apresentava como uma “taurina autêntica”. O que significa ser uma “taurina autêntica”? Como isso se expressa no seu trabalho?

Isso foi uma brincadeira. Na verdade, não fui nem eu que escrevi. Na época – já faz muito tempo – tinha uma pessoa que estava ajudando a escrever e, como as pessoas me conheciam pouco, ela achava que isso era uma coisa que faria com que as pessoas reconhecessem de uma maneira mais imediata. Eu acho que um taurino é um ser que aprecia a beleza, mas que é um burro de carga. Então eu acho que é um pouco o meu caso, assim, trabalhadora incansável, obstinada, que vai atrás daquele seu objetivo, mas que tem todo esse universo “Vênus” da beleza, da estética. É uma combinação entre essas duas coisas. Normalmente, a gente associa as pessoas que estão ligadas à arte, à beleza, à estética, a pessoas avoadas, que viajam o tempo todo e não conseguem viabilizar. Eu acho que, no meu caso, o que ela quis dizer é que eu era uma pessoa de resultados, que viabilizava aquilo com uma persistência taurina.

 

O nome de seu estúdio é Baba Vacaro Design Mix. Por que “design mix”?

O que eu queria era, de certo modo, tirar a idéia de um design protagonista, que é o que acontece com a maioria dos estúdios: o produto é o produto daquele estúdio. Então ainda tem essa coisa personalista. Usamos esse nome, Design Mix, porque quando você lê a palavra mix, você pensa em mix de produtos, você pensa em mix de coisas. Eu acho que isso é um pouco o que a gente faz lá, porque a gente faz um pouco de tudo, mata um leão por dia ali, fazendo o trabalho que precisa ser feito para todas aquelas marcas que a gente trabalha e mais as palestras etc. É tão difícil explicar. A maioria das pessoas não entende exatamente o que eu faço. Então esse nome apareceu. Não sei nem como a gente batizou isso, acho que era para dar essa idéia de que Baba Vacaro Design tinha uma coisa além disso, que era todo esse universo de coisas que a gente passa.

 

Ao longo das entrevistas, percebemos que o conceito de design é entendido de maneira muito variável pelos profissionais da área. Na sua visão, o que é design?

Para mim, o design é uma ferramenta de transformar idéias, pensamentos e filosofias em um monte de coisas, através da matéria. Eu acho que a gente acaba sendo o elo que transforma uma idéia em uma coisa, falando de uma maneira bem simples, com tudo o que está envolvido nesse processo – a fabricação, por exemplo. O designer é aquele cara que faz bem feito aquilo que precisa se feito e aquilo que as pessoas nem imaginam que poderia ser feito. Então por isso que eu digo, é transformar o mundo das idéias no mundo das coisas, com tudo o que está envolvido nisso.

 

Você fala em encontrar uma equação exata entre beleza e simplicidade. Como encontrar essa equação?

É uma busca diária, e isso também é o que a gente pode chamar de sustentabilidade, que as pessoas falam tanto hoje que, no fim, fica esvaziado. Mas eu acho que é isso, você conseguir fazer direito, fazer bem, fazer de uma maneira bela e, ao mesmo tempo, simples, porque eu acho que a grande busca é essa: como é que você reduz? Como é que você faz aquilo de uma maneira que seja sustentável, que seja possível, que seja viável? Eu acho que a grande busca do produto que se faz no meu escritório é a simplicidade. A gente sempre procura fazer mais com menos. É uma máxima, mas é isso, a gente procura sempre tirar tudo o que está em cima. Tirar, tirar, tirar, tirar. Ás vezes a gente consegue fazer produto com nada. Um pedaço de pano vira um produto. E é aí que eu digo, é a inteligência de você transformar aquela idéia a partir de uma ferramenta, uma metodologia, envolvendo toda a experimentação e pensando como é que vai ser fabricado um produto que seja belo, desejado e que seja carregado de uma coisa que emocione a pessoa que use – que acho que é a nova função do produto hoje –, mas fazendo de uma maneira simples. É uma equação complexa. Me parece mais fácil você fazer um produto a qualquer preço, em que você põe, põe, põe e usa o tanto de material que você quiser, um produto sem limite. O que eu acho mais legal é quando você consegue fazer com o mínimo de recurso, o mínimo de energia. A gente pensa nisso o tempo todo. Acho que a gente tem que procurar isso o tempo todo.

 

Qual a saída para um design realmente sustentável, quando este está ancorado na venda de produtos? Não é necessário fazer uma revisão de conceitos? Mesmo que haja economia no processo de produção e simplicidade em sua concepção, a partir do momento em que existe no horizonte a perspectiva de vender o maior número possível de objetos, ainda há possibilidade de falar em sustentabilidade?

É, eu acho que, às vezes, é um paradoxo, mas eu não acho que a sustentabilidade ou o consumo consciente queira dizer “escassez” ou “deixar de fazer”. As pessoas precisam consumir porque elas precisam viver e elas querem, elas estão atrás dos seus desejos. Se ela vai consumir, que consuma o melhor possível, um produto mais bem feito, mais bem resolvido, que vá durar mais, que ela vai deixar para os seus filhos ou que ela saiba que usa os melhores processos ou o mínimo de material. O consumo não vai deixar de existir. Por isso que o designer existe: a gente cria os produtos para que as pessoas possam consumir, preencher as suas vidas. É fato. E as pessoas vão criando relações emocionais, faz parte da vida das pessoas. Isso não tem como voltar atrás. O que eu acho é que a gente tem que deixar de consumir lixo, produtos que são feitos empregando sabe-se lá qual mão-de-obra, sabe-se lá qual material poluente, sabe-se lá em que quantidade. Esse consumo é nocivo. Mas o consumo consciente, quer dizer, você consumir um negócio que você quer e precisa e pensa, antes de comprar, se aquilo é realmente bom e adequado, eu acho que não tem nada de feio. Acho que vender também não tem nada de errado, acho que não é feio ganhar dinheiro. As pessoas, às vezes, ficam achando “sustentável, então todo mundo vai votar para o tempo das cavernas”. Não vai. As pessoas têm que ter essa consciência ao consumir quaisquer produtos. De lixo a gente já está cheio. O processo industrial foi pensado desta madeira linear: partia da matéria-prima virgem e terminava em montanhas de lixo. Hoje, é preciso pensar isso de uma maneira circular, quer dizer, nunca partir do virgem para o lixo e sim partir do virgem para o virgem. É a melhor maneira de continuar vivendo, eu acho que a única. É essa consciência que nos fará parar de consumir ou gerar lixo.

 

Você falou dos objetos que a gente precisa, mas o design também tem um papel importante de provocar desejos, ou seja, um papel não apenas de suprir necessidades, mas também de criar necessidades.

O design cria necessidades. É que nem o caso do iPod. Não era uma necessidade, é uma ferramenta do marketing. Enfim, produto é isso aí, as empresas precisam continuar fazendo, alimentando as bocas das pessoas que trabalham lá e cumprindo o seu papel. Por exemplo, no caso do Ipod, criou-se um desejo, mas o que isso movimentou a economia? Quantas pessoas tiveram acesso a mais coisas do que tinham? Se você for puxar esse fio, vai longe. É errado? Quanto tecnologia facilitou a vida das pessoas? Quais portas elas abriu para outras novas tecnologias que virão? Acho que esse processo de desenvolvimento tecnológico não tem muito como voltar para trás. O que eu acho que cabe a nós é escolhermos aquilo que realmente nos faz felizes, que faz bem para a gente e que não faz mal para o planeta. Se a gente conseguir achar essa equação, eu não vejo nada de mais. Além disso, com as novas tecnologias, que “criaram desejos”, você consegue trabalhar na sua casa, você polui menos, você sai menos de casa, você pode trabalhar onde você quiser. Antes você não podia. Quer dizer, são evoluções que precisam ser sempre pesadas na hora das escolhas, mas eu acho que são evoluções que são boas. Por outro lado, eu vejo essas evoluções serem ruins quando elas escravizam as pessoas, mas ai é uma questão de consciência, é uma questão de você discutir isso. Eu acho que o papel da gente é sempre falar sobre isso, porque às vezes a pessoa não pensou nisso e aí quando ela pensa, ela fala “puxa, será que eu preciso trocar o meu iPod a cada 15 minutos ou será que eu posso controlar esse impulso e usar isso de uma maneira mais sustentável?”. Voltamos a essa palavra.

 

A partir do momento em que você consegue colocar 16 mil músicas em único aparelho e não precisa mais de uma pilha de CDs, conseguimos avançar muito em direção à sustentabilidade. A tecnologia e a internet vêm colaborar nesse sentindo.

Exatamente. Tem um lado ruim que é o de impulsionar o consumo, mas impulsiona o consumo de uma coisa e, às vezes, diminui o consumo de outra barbaramente. Tudo precisa ser avaliado.

 

Qual a importância do designer ter consciência de todas as etapas do processo de produção dos objetos?

Quando precisa reduzir, quando você precisa racionalizar ou criar um produto de uma maneira cada vez mais simples – eu acho que é o interesse da gente, especialmente no Brasil, onde a gente bate o escanteio e faz o gol de cabeça –, você precisa conhecer, porque senão você não consegue pensar como que aquele produto vai se viabilizar e acaba fazendo, às vezes, da maneira mais complicada, coisas que podem ser feitas de uma maneira mais simples. De todo o jeito, para tudo o que você quer fazer, você precisa conhecer. Eu falo muito isso porque eu acho que uma das grandes dificuldades do designer é conseguir uma entrada – até hoje ainda é – numa indústria. E mesmo quando você fala de design e artesanato. Como é que você pensa um produto para ser feito manualmente se você não sabe como ele vai ser feito, se você nunca viu fazer, se você não conhece como é que aquele material se comporta? Não tem jeito, você precisa realmente conhecer. O designer precisa conhecer todas as etapas, saber como é extraída aquela matéria-prima etc. Eu não acho que você precise conhecer a fundo, mas eu acho que você precisa conhecer para poder elaborar a melhor resposta em todas as etapas da criação daquele produto. Eu acho que esse é o grande desafio do designer. É o tal do “produto a qualquer preço”. É muito simples você pensar nesse processo linear, que foi o que a gente aprendeu: a partir do petróleo, é feito esse copo de plástico, que depois vira lixo. Aí o designer vai lá e apenas desenha uma nova cara para esse copo. Para fazer um produto melhor, ele precisa saber como a máquina se comporta, como é que ele consegue aliviar o peso disso para conseguir fazer com menos material, porque, vamos dizer, esse copo tem certa características, ele tem que manter o café quente, ele não pode queimar a sua mão, ele tem que ser resistente mecanicamente etc. Você precisa entender tudo o que está envolvido com esse produto para poder fazer uma intervenção em cima dele. No nosso caso, um país que tem pouco investimento em design – você não tem 500 engenheiros para te dar essas respostas mais prontas, por exemplo – fica muito difícil fazer uma proposta mais filosófica em cima de um produto se você não conhecer tudo o que está envolvido com isso. Inclusive, se você pretender que ele volte para o começo da cadeia, você também precisa entender. Se tudo o que você criar puder virar lixo, você não precisa saber nada, mas se você não quiser que aquilo seja uma montanha de lixo, você precisa entender tudo o que está envolvido nele. Acho que é isso, acho que esse é o princípio da sustentabilidade.

 

Você tem muitos projetos ligados à iluminação. Quando realizamos o 1° Prêmio Objeto Brasileiro, chamou nossa atenção a enorme quantidade de luminárias inscritas – um delas, inclusive, obteve o 1° lugar na categoria Objeto de Produção Autoral. Há, atualmente, certa predisposição por parte dos designers em fazer esse tipo de produto?

Interessante, isso não é comum. Eu acho que a luz exerce um fascínio sobre os designers. O produto se transforma quando ele está aceso, quando está apagado. Há um fascínio na forma como você acondiciona a luz ou como você faz ela render e fazer determinado serviço. É uma coisa instigante, interessante. Acho que as pessoas não faziam muitas luminárias porque uma luminária que realmente ilumine é um produto mais complicado. Como diretora de criação da Dominici, eu recebo muito poucos projetos de luminárias. Como diretora de criação da Dpot, eu recebo centenas de projetos de móvel. Acho que os designers em geral estão muito mais acostumados a pensar o móvel e a marcenaria do que a luminária. Então, pra mim, é uma surpresa. Mas usando materiais naturais, artesanais, acho que podem render, porque eles são sempre fascinantes. Existe a questão da trama do material, isso é uma coisa interessante para se pensar a luminária. As fibras, por exemplo, têm a possibilidade de serem translúcidas, de deixarem passar a luz de uma maneira gostosa e aconchegante. Isso pode ser um fator que determina, que motiva, e pode explicar essa profusão, mas não sinto isso na Dominici. Não recebo muitos projetos, porque luminárias são produtos mais complexos.

 

Qual a importância de associar uma marca a um objeto?

Eu acho que é um pouco daquela história que a gente fala do designer ser protagonista ou a marca ser protagonista. O meu trabalho é pouco protagonista. Eu trabalho para essas marcas – a Dominici, a Dpot – na gestão, no pensamento estratégico delas. A Dominici é uma marca que existe desde 1947. Se você está contratado para gerir o portfólio de produtos de uma marca como essa, você precisa ter certo respeito pela história. A meu ver, ter certo respeito é encarar a personalidade daquela marca e trazer produtos que digam respeito a ela. Esse é o desafio da gestão de marca e da gestão de produtos. Quando você cria uma marca nova no mercado ou uma empresa nova, você precisa de um posicionamento estratégico, que vai atrás do produto que tenha a cara daquela marca. Quando você faz o seu próprio produto, você é o posicionamento estratégico, quer dizer, você faz produtos que tenham a sua cara, com a sua expressão. Eu trabalho para as marcas, então, dentro de todas elas, eu busco os produtos que tenham aderência ao seu posicionamento estratégico. A Dpot fala de design brasileiro. Poderia ter tudo, ou seja, tudo o que é de design brasileiro estar lá, mas não é bem isso, porque, na realidade, você vai mais fundo. Qual é a personalidade da Dpot? “Como é que é a casa brasileira?” Você fala de design brasileiro e a gente vai sempre se aprofundar um pouco mais, no campo das ciências sociais, da filosofia, da antropologia, porque senão fica tudo mais ou menos o mesmo. Então a gente vai atrás de realmente analisar como é que é a personalidade daquele negócio, daquela marca, e aí tentar traduzir aquilo em produto. Eu acho que as pessoas enxergam isso e se identificam com aquele produto e com aquela marca de uma maneira mais direta quando você consegue fazer um bom trabalho nesse sentido. É um desafio, mas é um trabalho interessante. No final, essas marcas juntam produtos de vários designers, mas elas têm uma personalidade própria. Como que a gente acha isso? Como é que a gente junta essas pessoas dentro dessa família e aquilo tem uma personalidade só, dentro da diversidade?

 

O que é exatamente gestão do design? Qual é a importância deste processo?

Eu acho que a gestão do design é um pouco disso o que a gente estava falando com relação às marcas. A gente estava falando de empresas de varejo, mas dentro das empresas – sempre com a sustentabilidade na cabeça e sem deixar de lado que aquela empresa existe, que ela precisa gerar riqueza, ela precisa ter lucro etc – o gestor de design é um cara que tem que estar atento a todas as coisas. Ele é o cara que faz a ponte entre tudo isso: posicionamento estratégico daquela empresa, como é que é a tecnologia, o que é que tem à disposição, pra quem que ela vende, qual é o nicho que ela atende, qual é a faixa de preço que ela pode atingir, como é que ela pode gerar mais lucro a partir de menos recursos. E tudo isso também envolve como é que ela se apresenta ao mercado, como é que é o produto, como é que o cliente vai desejar aquele produto e vai querer aquele, em detrimento a vários outros que tem à disposição. Acho que quando você consegue fazer toda essa costura, você tem uma marca desejável, uma marca cujos produtos são desejáveis, você consegue traduzir o pensamento e a missão daquela empresa em produto e consegue ter sucesso. Eu acho que o que as empresas precisam é ter dentro delas esses sujeitos chamados designers, que conseguem pensar em toda a cadeia. O designer é um “ser híbrido” que está ali no meio. Ele fala desde o contador até o cara que está no chão da fábrica e consegue pegar todos esses inputs e transformar em uma outra coisa. Esse é, de uma maneira muito simplória, o processo de gestão que a gente procura aplicar nas empresas em que a gente trabalha. A idéia não é você replicar o mesmo trabalho em todos os lugares. Às vezes acontece de você ver as pessoas falando “puxa aquele negócio não deu certo”. Aí você percebe faltava entender e definir a própria personalidade, o próprio posicionamento, a visão, a missão daquela empresa. E, através do design, você consegue fazer isso e gerar inovação, produto, eficiência.

 

Queria que você falasse um pouco sobre a cultura do design no mercado brasileiro. Acho que é bem nítida essa mudança que houve de poucas décadas atrás para cá.

Eu me formei em 1986, quando ninguém sabia exatamente para que servia um designer. Achavam que a gente servia para atrapalhar, para dar idéias inviáveis, que éramos artistas. As empresas achavam isso. Em outros lugares do mundo, como a Itália e a Escandinávia, por exemplo, o designer já estava trabalhando a serviço das empresas. Aqui, a gente estava vivendo um período de ditadura. Quando eu me formei, a gente estava exatamente no momento de abertura político-econômica. Nos anos 1950, a gente vinha num processo interessante, tinha grandes iniciativas da modernização do pensamento à modernização do móvel, com alguns casos que prometiam sucesso. Havia a Unilabor, o Sérgio Rodrigues produzindo a Oca, o Michel Arnoult e coisas andando no campo do mobiliário, por exemplo. Mas depois, durante a ditadura, a gente ficou 20 anos parado. Quando se abriram as fronteiras, as indústrias estavam totalmente sucateadas em termos de tecnologia e a gente tinha que consumir produtos de má qualidade. O próprio Collor chamava os nossos carros de “carroças” – e eram mesmo, eram carros cujos investimentos em tecnologia era zero. A gente estava parado no tempo. Com o fim da ditadura, tinha 20 anos para andar. Algumas empresas quebraram, outras sobreviveram e, essas que sobreviveram, começaram a entender, começaram a ouvir falar que tinha lá uns tais “designers”. Nessa época, nos anos 80, foi um momento de fetichização do design, havia os “produtos assinados”, as pessoas ouviam falar nisso. Mas isso era só a cereja do bolo, os designers não estavam envolvidos no processo das fábricas. Hoje, várias das nossas indústrias – em alguns segmentos mais, em outros menos – já começam a ter os designers envolvidos em todos os processos. Mas eu acho que ainda hoje isso não está maduro. Amadurecemos um pouco nesses 20 anos, mas eu acho que ainda estamos longe. Hoje, muitas empresas copiam a solução dada por outras. Eles ouvem dizer que tal empresa lançou produtos de vários designes, aí eles falam “ah, temos que lançar produtos de vários designers”. Aí eles vão lá e chamam designers “auxiliatoriamente” e fazem produtos meio a qualquer custo. Aí eles falam “puxa, mas isso não está dando certo, a gente não está evoluindo, a gente não está ganhando dinheiro”. Por quê? Porque eles não estão olhando para dentro de si mesmos para achar uma solução, tendo uma pessoa lá que acha essa solução, eles estão simplesmente pegando a idéia da solução pronta de outros lugares. Eles vão ter que, devagar, aprender que aquela solução emprestada não é necessariamente a melhor solução. Mas eu acho que a gente evoluiu um bom pedaço, acho que devagarzinho a gente está chegando mais perto dos outros países. Ainda temos muito o que andar, mas se explica, se explica porque a gente estava, realmente, parado no tempo.

 

Como democratizar o design? Quem impulsiona esse processo? Os designers? As próprias empresas?

O consumidor. Nosso consumidor está acostumado a consumir porcarias, ele está acostumado a comprar uma jarra que machuca a mão, que a tampa não funciona direito etc. Alguém disse aqui que a classe menos favorecida não tem gosto ou pode consumir qualquer porcaria. Na Escandinávia, qualquer coisa é bem desenhada, qualquer coisa é boa, adequada, bem pensada. Aqui o consumidor ainda não entendeu o papel dele de exigir o melhor, mas eu acho que, devagar, isto está mudando. A idéia de democratizar o design tem que partir de todos os lados, mas quem manda é quem consome. Se a pessoa consome lixo, lixo vai lhe ser oferecido. Se a pessoa começa a entender que ela pode consumir uma coisa melhor, se ela tem essa consciência de que existe melhor, a indústria tem que conseguir suprir essa demanda, fabricando melhor e no menor preço. Um texto do Samuel Klein, das Casas Bahia, que me chamou muito a atenção, falava: “nas minhas lojas, hoje, as classe C e D, querem comprar a melhor TV de plasma”. Elas sabem que têm o direito de consumir o que é melhor. Aquilo consome menos energia, gasta menos espaço, vai durar mais tempo. E ela quer porque vai fazer bem pra ela, vai ser bom para auto-estima. Ela tem direito disso e ela quer isso. Os carros, por exemplo. As pessoas não querem mais consumir a “carroça” que consumiam há 20 anos, elas vão evoluindo nesse sentido. Acho que no mundo dos objetos há grandes evoluções, mas as pessoas ainda estão acostumadas a consumir uma coisa que é inadequada, que é ruim, que é poluente, porque param para pensar. Essa é a grande vantagem da gente poder falar disso para um número cada vez maior de pessoas, para que as pessoas tenham essa consciência. A gente tem que gerar isso, não cai do céu. É realmente uma evolução.

 

O preço não é ainda uma barreira para o consumidor médio que deseja consumir produtos melhores?

O preço é uma barreira, mas como a Adélia Borges falou em uma mesa redonda, “até parece que o designer gosta”. Parece que o designer gosta que o produto dele seja inviável. Não é verdade. É uma busca. Se você tem uma base de clientes maior, uma base de consumidores maior, você consegue diluir mais os seus investimentos. No Brasil, o cara que é empresário e precisa comprar uma máquina nova tem que por do bolso dele. Então é realmente muito difícil você fazer essa roda girar. Ela gira à medida que há um maior número de consumidores que desejam aquele produto. A empresa vai correr atrás de desenvolver uma tecnologia nova, mais eficiente, que possa suprir essa demanda, e o designer tem que estar junto nesse processo. Esse é um processo, esse é o processo do design que tem que girar, e acho que ele começa a girar em alguns setores mais rapidamente do que em outros, mas você só consegue abaixar o preço se tiver uma base de clientes maior. Hoje, o produto que tem um designer vinculado normalmente é voltado para a classe A porque o empresário que faz aquele produto, contrata o designer e sabe que aquilo é importante, não consegue viabilizar a um preço menor. Ele gostaria, eu tenho certeza que ele gostaria, e essa é a nossa maior busca, mas não depende só do designer ou só da empresa, acho que depende de um conjunto de fatores.

 

Você tem produtos fortemente ancorados em referências culturais brasileiras como, por exemplo, a poltrona Mandacaru, inspirada em uma espécie do cacto nordestino. Qual a importância de se buscar esse tipo de referência na produção de objetos?

É difícil você não antropofagizar o teu redor. No fundo, a gente devolve aquilo que a gente engoliu. Nós vivemos no Brasil, mas isso não significa que a gente deva fazer uma coisa ufanista, verde e amarela. Podemos nos espelhar no design italiano – como eficiência, como resultado, como processo, "porque que deu certo?", "como é que funcionou?", "de onde eles começaram?", "onde eles passaram?", "onde eles vão chegar?" –, mas não fazer a mesma coisa, porque para a gente, às vezes, não vai dar certo. É aquela coisa que falei da Bauhaus, lá no início da nossa formação.  Por que a gente não ouviu a Lina Bo Bardi e foi atrás do artesanato, que seria o nosso natural como processo de aprendizado de design? O Brasil é um país pobre e a mão-de-obra artesanal é um meio de sobrevivência, um meio de vida para muitos lugares. Poderia ser explorado de uma maneira legal, bacana, como recurso de geração de renda. Uma coisa é aquilo que você tem como cultura, quer dizer, você afunila aquilo que está ao seu redor. Isso faz parte, é um pedacinho do teu bolo. O outro é como é que você vai fazer nesse produto. Quando você pensa na Mandacaru, você fala assim, “bom é uma referência como é, sei lá, qualquer outra coisa que poderia ser, uma flor que dá no deserto, é uma coisa que está comigo, é uma coisa da natureza”. No fundo, a Mandacaru é o produto mais simples que poderia existir. São seis almofadas presas em um rolo. Isso ele tem de brasileiro: é simples, é fácil de fazer. Além disso, você joga no chão. As pessoas aqui no Brasil têm esse estilo de vida mais descontraído, é um país quente, as pessoas são desencanadas. Então tudo isso de brasilidade não é uma coisa que você pintou por cima, está dentro do produto. É isto que eu vejo como resultado. Como é o caso da Havaianas, que é um clássico. É um produto extremamente simples, adequado para a gente, mas que, ao mesmo tempo, carrega com ele o nosso jeito de viver. Então as pessoas querem consumir aquilo, elas querem ser um pouco brasileiras também. Nós temos um jeito de viver que é encantador. Quando você está fora do Brasil e fala "sou brasileiro", a pessoa abre um sorriso na hora, é incrível. Isso é uma coisa boa para os negócios do Brasil e eu acho que a gente tem que explorar desta maneira. Ou seja, a gente não tem que tentar ser italiano, japonês, o que quer que seja, nem tentar pintar de verde e amarelo um produto só para dizer que é brasileiro. A gente tem que transformar, usar a nossa cabeça, pegar o que nós temos como recursos, a nossa cultura que está impregnada. Como a gente transforma isso em produto? Em arquitetura? Isso é que é fazer o produto verdadeiro, tendo um propósito, um significado. Ninguém precisa de mais uma poltrona, mas se a pessoa quer se esparramar, ela vai comprar uma poltrona Mole, do Sérgio Rodrigues, porque ela está carregada deste significado. Ou a Mandacaru, o que quer que seja.

 

Você encerra um de seus artigos dizendo que chegou o momento de buscarmos objetos mais humanos. Queria que você falasse um pouco sobre essa idéia.

Tem a ver com esses exemplos que acabei de te dar. A gente vive em um mundo já soterrado de objetos. Hoje, ninguém mais precisa de muita coisa e, quando você quer consumir, você busca alguma coisa além da função. No começo do século, era assim que a gente entendia os produtos: uma cadeira era pra sentar. Hoje, uma cadeira não é mais só para sentar. Você já sentou em todas as cadeiras que você podia, então você acaba querendo transformar o seu universo em uma coisa muito particular, que te diga respeito, porque isso te faz bem. Antes o luxo era só um elemento de distinção e, hoje, não é mais, é uma coisa do saber, do ser. De certa maneira, a gente mudou isso, do ter para o ser. Essa mudança é uma evolução. Você ainda vai ter, mas você vai ter aquilo que realmente te faça bem, que faça bem pra você fisicamente e psicologicamente. O produto que faz bem para o seu corpo, também faz bem para a sua alma. Essa é busca de hoje. A gente encontra isso nos objetos mais humanos. O objeto artesanal entre eles, porque, como diria Octávio Paz, eles "carregam a impressão digital de quem o fez". Isso é perfeito, é isso mesmo, você quer ter aquilo do seu lado. Outro dia o Carlos Motta falou: “Baba, as pessoas usam os copos descartáveis, mas a gente quer mesmo é ter aquela caneca velha, que cada lasca dela te lembra alguma coisa”. Temos uma relação emocional com os objetos à nossa volta. Essa relação eu acho que nos alimenta também. Não é o ideal de relação humana, se relacionar com os objetos, mas é um fato. Você fica o dia inteiro sentado numa cadeira, o dia inteiro olhando para um computador, o dia inteiro cercado por objetos. Eles fazem parte da sua vida. E você pode fazer essa relação ser melhor, ao escolher produtos que realmente façam sentido para você e que alimentem a sua alma, mais do que simplesmente serem produtos. É legal pensar cada consumo, o que aquilo vai fazer de diferença para você.  Quando você senta na poltrona Mole, do Sérgio Rodrigues, você vê a garota de Ipanema passando, você ouve a bossa nova, aquilo tudo está nela. E é gostoso também. Não é uma cadeira qualquer. Isso também explica o sucesso do iMac quando ele apareceu. Não tinha como você não dar um sorriso. Você tem que ficar o dia inteiro na frente daquele computador, aquilo já é o seu calvário, então que você possa dar um sorriso quando olha pra ele.