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A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

HELENA SAMPAIO

Publicado por A CASA em 19 de Março de 2009
Por Daniel Douek

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“Não estamos fazendo boa ação, estamos fazendo política emancipatória”

 

Helena Sampaio foi Coordenadora Nacional do Artesanato Solidário (ARTESOL) durante sete anos e, neste momento, anuncia sua despedida da instituição.

 

 



 Como e com que objetivos surgiu o Artesanato Solidário?

Acho que é importante retomarmos um pouquinho isso. Os fatos no Brasil são de curta memória, então sempre insisto no porquê do surgimento do Artesanato Solidário.

Ele surgiu em 1998, no âmbito dos programas inovadores – que era como nos referíamos – do Conselho da Comunidade Solidária, um órgão ligado ao governo – mas que não era governo – presidido pela Ruth Cardoso.

E o que era o Conselho da Comunidade Solidária? Era um órgão concebido pela Ruth Cardoso justamente para desenvolver projetos sociais inovadores. O que significa “inovador” nesse contexto? Que rompesse com uma tradição assistencialista das políticas sociais. E esses projetos tinham algumas características novas, como: avaliação de resultados, focalização, promoção das capacidades individuais, do capital social, do protagonismo.

Essa era a filosofia geral, e o Artesanato Solidário nasceu com essa ossatura em torno dele, nesse contexto.

Em 1998, houve uma grande seca no Nordeste e, tradicionalmente, as políticas sociais eram aquelas de mandar caminhão-pipa, frente de trabalho ou distribuir cestas básicas. Um desafio era criar nas localidades – eram seis as localidades do Nordeste mais atingidas pela seca – algum programa que pudesse ter alguma continuidade para que, quando acabasse a seca, as pessoas tivessem minimamente algumas ferramentas com que se virar.

O Artesanato Solidário nasceu nesse contexto, como um projeto piloto para combater os efeitos da seca em seis localidades. E qual era o seu pressuposto? Que as políticas sociais sempre tentassem se concentrar na pobreza, na carência, na exclusão. Isso foi uma coisa muito boa do Artesanato Solidário que até hoje usamos na escolha das localidades e na própria filosofia da organização.

O que o Artesanato Solidário propõe? Que, sim, existe carência, existe pobreza, mas também existe um potencial, uma riqueza, uma capacidade, um capital individual, um capital coletivo, que têm que ser transformados em capital social. E o artesanato de raiz é um dos ativos que pode desencadear um processo de promoção desse capital social. Este é um dos critérios do Artesanato Solidário: só entramos em localidades onde há um baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde não existem muitas perspectivas de trabalho, de emprego, de geração de renda. Tem que ter esse quadro social mas, ao lado da pobreza dessas localidades, têm que haver algum potencial. Que potencial é esse? O saber-fazer local. Esse saber-fazer local, que é alguma coisa que está lá, é o ativo que se manifesta no artesanato de raiz.

O artesanato de tradição é aquele que passa de geração para geração, que ninguém ensina, que não vem de fora, que faz parte do modo de vida de uma dada localidade e que as pessoas usam ou no seu dia a dia – como um objeto utilitário – ou nas suas manifestações culturais – um mamulengo, a viola de cocho, a rabeca, temos vários instrumentos musicais que entram nessa linha. Ele pode estar presente no dia a dia das pessoas, que bordam, fazem tecelagem para transformar em roupas, ou seja, é inerente àquele tipo de organização social, ao tipo de cultura daquela região. O Artesanato Solidário nasceu nesse contexto. Em seguida, esse projeto piloto foi avaliado e teve uma primeira fase de expansão.

Agora damos um salto para abril de 2002. Era o último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, portanto, o último ano de Ruth Cardoso na presidência do Conselho da Comunidade Solidária, e ela tinha uma grande preocupação com a continuidade desses programas inovadores. Todo o trabalho do Conselho da Comunidade Solidária caminhava para o fortalecimento da sociedade civil, para a construção do novo marco legal do terceiro setor – havia uma grande preocupação nesse sentido. Em 2002, o que foi que a Ruth Cardoso propôs? A criação de uma associação civil de interesse público que desse condições para que o Artesanato Solidário não acabasse com o término do Comunidade Solidária. E, realmente, o Conselho da Comunidade Solidária terminou. Houve um decreto do presidente Lula, se não me engano em maio de 2003, extinguindo o Comunidade Solidária como um órgão ligado à presidência, com os objetivos e o formato com que fora concebido. Mas, se acabou o Conselho da Comunidade Solidária no papel, acho que suas idéias não acabaram, porque todos os projetos inovadores se transformaram em organizações da sociedade civil, organizações não governamentais (ONGs) que estão aí trabalhando. E o Artesanato Solidário é uma delas.

Eu tinha sido orientanda de doutorado da Ruth Cardoso. Na verdade, trabalhamos juntas durante muito tempo. Comecei a trabalhar com ela no segundo ano da faculdade, como estagiária, assistente de pesquisa, no curso de Ciências Sociais da USP. No meu mestrado, embora não tivesse sido minha orientadora formal, ela me orientou muito, porque minha pesquisa era sobre movimentos sociais, organizações populares, em cima de um programa social no qual eu mesma trabalhava com ela, em Osasco. Sempre tivemos uma proximidade muito grande em relação a duas temáticas: a temática de movimentos sociais e organizações populares, que era um dos temas dela, e a de juventude. Sempre trabalhamos em pesquisas sobre política para a juventude, jovens, para tentar entender um pouquinho essa cultura juvenil. Tínhamos essas duas preocupações.

Em 2002, já tinha terminado meu doutorado – porque ela era muito séria, eu tinha que terminar o doutorado, ela não queria que eu me dispersasse. Então ela me disse: “Helena, precisamos transformar o Artesanato Solidário em uma ONG, em uma organização não governamental, uma associação”. Trouxemos a sede do Artesanato Solidário de Brasília para São Paulo e precisávamos formatar um projeto que tivesse sustentabilidade, ou seja, que possibilitasse uma captação de recursos. Para você ter uma idéia, em 2002, nossos parceiros eram todos públicos; hoje, a maioria é privado. Ou seja, conseguimos sensibilizar o empresariado para que fosse parceiro no desenvolvimento desses projetos. Isso também é um ganho grande.

Bom, de 2002 para cá, o que aconteceu? Viemos pra São Paulo, montamos e capacitamos uma equipe, e começamos a formatar projetos de uma maneira mais sistemática, para que se tornasse um produto que pudéssemos oferecer. Desde então, temos, em números, mais de cem projetos desenvolvidos em campo, em 17 estados brasileiros. São cerca de 5 mil artesãos envolvidos. Também em 2002, incorporamos nas ações do programa não só a questão formativa desses projetos, mas também a atividade comercial e, mais recentemente, a questão da divulgação cultural, transformando-nos em ponto de cultura.

Acho que o Artesanato Solidário agrega, porque temos muitas interfaces. É um programa de geração de renda em localidades pobres do país, que faz isso através da valorização do artesanato de tradição. O que estamos criando de interface? São várias dimensões. Primeiro, com políticas públicas, política social, modo de fazer política social; outra: a questão cultural, toda dimensão cultural. Resgatamos Mário de Andrade, Lina Bo Bardi, Câmara Cascudo, Otávio Paz, Cecília Meireles, enfim, fizemos uma busca em meio a nossos intelectuais e a outros intelectuais latino-americanos que se preocuparam com essa valorização do artesanato, do artesanato de raiz, do artesanato de tradição. Recuperamos alguns desses “macro inspiradores” dessa busca. Mário de Andrade foi o pioneiro nisso tudo. Fazemos também parcerias com instituições de pesquisa nessa área – o Museu de Folclore Edison Carneiro, a FUNDARJ, várias instâncias culturais com quem temos uma interface. Há também as universidades, professores de antropologia e a área de política pública. Hoje temos parcerias com diversos ministérios, além do SEBRAE, com quem temos um relacionamento muito rico, sobretudo com os SEBRAES estaduais.

Tudo isto acaba influenciando um pouco o modo de fazer política para o artesanato no Brasil.

 

Como se dá a relação entre artesanato e design nos projetos do Artesol?

Temos uma interface grande com o mundo do design. Acho que não só contamos com a presença dos profissionais que vão dar as oficinas, como também levantamos uma discussão bastante interessante nesse campo, envolvendo os promovedores de políticas na área de artesanato, além de alguns centros de referência para o design, como o Museu da Casa Brasileira, com a Adélia Borges, a Renata Mellão, com A CASA, a ARC Design, cursos de design de algumas universidades etc. Quer dizer, entramos aqui numa nova seara de relacionamento, de ambiente, de troca.

O Artesanato Solidário tem uma posição bastante firme no que se refere à relação entre artesanato e design. Como trabalhamos com artesanato de raiz, o designer tem, normalmente, o papel de facilitador, mas não de autor. Isso é uma distinção importante. O que é ser facilitador de um processo? É poder chamar a atenção para um aspecto do produto artesanal que pode ser aprimorado. Chamar a atenção para a questão da qualidade, do acabamento, do padrão de medidas que deve ser obedecido, dar algumas sugestões. Mas o autor é o artesão.

Às vezes, falam assim: “Olha aqui, estão fazendo uma cerâmica, mas agora o mercado está pedindo de outro jeito, a nova Feira de Design de Milão está querendo panelas pintadas de amarelo, então vamos pintar de amarelo”. Isso não! Por quê? Porque caímos numa área perigosa. Primeiro, é preciso ter respeito ao artesão, o artesão não só como a pessoa que tem habilidade manual para desenvolver um trabalho, o trançado, a tecelagem, a cerâmica, o bordado, a renda, alguma coisa em que tenha papel criador. O fazer, o modo de vida dele, a cultura dele, enfim, tudo isso é uma linguagem e não podemos intervir de forma tão violenta em uma linguagem. Sempre afirmamos que essa relação entre artesanato e design, sobretudo do design em relação ao artesanato, tem que ser uma relação muito delicada, muito conversada. O autor tem que ser o artesão e temos que reverenciá-lo. Trata-se de inverter um pouco o modo como, às vezes, as coisas se colocam no mundo contemporâneo, em que a modernidade sempre chega de uma forma avassaladora e destrutiva. Daí vem todo nosso esforço pela valorização e pelo regaste dessas manifestações.

Mas temos uma relação muito legal com os designers, com o mundo do design, acho que marcamos essa posição. No começo, havia certo estranhamento, deixando a situação um pouco esquisita, mas à medida que fomos nos colocando, eles perceberam que nossa experiência é muito interessante. Um produto de artesanato de raiz, uma panela de Coqueiros-BA, por exemplo, não tem moda, é eterna, é resultado de uma cultura, de uma tradição. Se começamos a perder essas características, ela vira nada. Eu adoro uma frase da Janete Costa: “O mau gosto é o gosto dos outros”. Você entra nessa área delicada que é a do gosto. O artesanato de raiz não precisa ser bonito ou feio, ele é. E isso basta. O design não, você tem designers e designers, e daí vira aquela coisa, algo que vai perdendo a identidade e vira nada.

 

Como a produção artesanal é vista atualmente? Houve mudanças nos últimos anos?

Uma coisa importante é a presença do artesanato, hoje, na mídia. Acho que o Artesanato Solidário contribuiu muito pra isso, para esse olhar mais valorizado, de estar, sei lá, no editorial da Vogue, na Casa Claudia. É muito interessante porque temos um novo modo de valorização. Se começamos a valorizar aqui, desde a ação de campo, é óbvio que isso vai se refletindo em camadas. Então, trata-se de um novo olhar, de expor o artesanato, de mostrar o artesanato, e neste campo a contribuição da Janete Costa é monumental, esse novo modo de mostrar.

O artesanato de tradição pode continuar com as mesmas características – os potinhos de bordas tortas e com a tinta escorrida, da poesia da Cecília Meireles – e estar em cima de uma mesa super sofisticada, da última novidade de Milão. Não tem problema nenhum essa convivência, daí o aprendizado. Quando falamos do mundo do design, do mundo do artesanato, ou sobre o global e o local, o regional, aprendemos que é possível promover essa integração. Na verdade, é uma frase da Ruth Cardoso. Um pouco antes de morrer, ela estava sentada com a bonequinha Esperança em uma cadeira dos irmãos Campana, que é feita com a própria boneca Esperança, de uma comunidade na Paraíba chamada Esperança, um projeto do Artesanato Solidário. Aliás, a idéia dessa cadeira dos irmãos Campana, chamada Multidão, que é um sucesso, nasceu aqui dentro do Artesanato Solidário, no show room do Artesol. Então, pediram para a doutora Ruth Cardoso gravar um vídeo na cadeira, e uma das perguntas do jornalista foi: “Como a senhora avalia a questão de dois Brasis, um Brasil dos irmãos Campana, do design de ponta, internacional, e o Brasil da boneca Esperança?”. Ela começou a resposta assim: “Não existem dois Brasis. Na verdade estamos aqui para mostrar que essas coisas podem ser integradas, que elas podem estabelecer um diálogo”.

Acho que essa é um pouco a função do Artesanato Solidário. O que fazemos? Promovemos projetos de campo que duram dois anos, têm esses objetivos, contam com uma metodologia própria de capacitação etc. Mas o que estamos provocando? Estamos provocando uma concepção antiga de política social baseada no assistencialismo. Com isso, estamos retomando toda uma discussão sobre a valorização da cultura brasileira.

Hoje, a questão da diversidade cultural está muito falada, mas essa diversidade tem que estar ancorada em alguma coisa relacionada à pesquisa. Diversidade não é usar um Nike ou Havaianas, ela tem que estar embasada em alguma coisa que nos respalda em termos de cultura brasileira.

Também provocamos com esse diálogo que estabelecemos com o mundo do design. O designer Renato Imbroisi, que é nosso amigo, foi à Divina Pastora, uma comunidade em Sergipe que faz a renda irlandesa do século XVII, e desenvolveu as fitas Divina. Ele brincava comigo: “Helena, juro por Deus, que não vou interferir”. E eu falava: “Não, Renato, você tem a delicadeza de entender que a autoria é dos artesãos”. E ele fez um trabalho maravilhoso. A fita Divina é um colar e, a cada voltinha, se tem um mostruário dos pontos da renda irlandesa. Fico encantada com o talento do Renato.

Conseguimos abrir esse diálogo e promovemos dois seminários que resultaram em duas publicaçõezinhas. É uma coisa muito simples, porque aqui fazemos as coisas assim, com muita vontade, com pouquíssimos recursos. Mas conseguimos estabelecer, ao longo desses sete anos, uma grande rede de colaboradores e interlocutores, sobretudo para esta questão do artesanato no Brasil.

 

Como se dá a relação entre o Artesanato Solidário e os valores do comércio justo?

Somos a primeira organização do Brasil que trabalha com artesanato a obter o selo da International Fair Trade Association. E porque conseguimos esse selo? Não se trata de uma certificação pró-forma. É porque no conceito, no desenvolvimento dos projetos de campo, contemplamos todos os princípios do comércio justo.

Combate ao trabalho infantil. Claro! Estamos criando melhorias nas condições de vida; estamos promovendo trabalho para o pai, para a mãe; naturalmente há todo um empenho para devolver ou colocar as crianças na escola, retirando do mundo do trabalho.

Igualdade de gênero. 85% dos artesãos envolvidos nos projetos do Artesol são do sexo feminino. E qual o perfil dessas mulheres? Baixa ou nenhuma escolaridade e baixa capacitação profissional, ou seja, as condições de empregabilidade desse público são muito pequenas. E a maioria é chefe de família, isto é, mulheres sozinhas para cuidar dos filhos. Ao mesmo tempo, elas têm o saber-fazer. Ao lado desses indicadores pouco favoráveis, elas têm um grande conhecimento do saber-fazer artesanal. Então trabalhamos também a questão da não discriminação de gênero. Dentro das associações e cooperativas formadas pelo Artesanato Solidário, deixamos isto muito claro, apresentamos a homens e mulheres a questão da igualdade, da não discriminação. Aliás, as mulheres são muito valorizadas no nosso trabalho.

Em seguida, temos Criar oportunidades aos pequenos produtores do hemisfério sul. Esse é o primeiro mandamento do princípio do comércio justo. É exatamente o que estamos fazendo, não tem nem o que discutir!

Pagamento de um preço justo. Nossos projetos contemplam uma série de oficinas sobre formação de preço. Quer dizer, quando o projeto acaba, os artesãos sabem calcular o preço do produto. O que é calcular o preço? Saber quais são os seus componentes: o desgaste do instrumento de trabalho, da ferramenta, o consumo dos insumos, quanto se gastou de matéria-prima, quanto tempo de trabalho foi despendido naquele processo de produção etc. Terá embalagem? Quanto vai ser gasto na embalagem? O artesão aprende a decompor o preço no melhor estilo das escolas de Adam Smith para poder calcular.

Enfim, estamos presentes em todos os oito princípios do comércio justo. Isso nos credenciou a receber o selo. E foi interessante porque suscitamos também esse debate: O que é comércio justo? Acho que há uma desinformação generalizada sobre o assunto. Às vezes as pessoas têm a impressão errada, mas não deixamos muita margem: “Olha gente, comércio justo é praticar todos esses princípios e o artesão lá na ponta ser beneficiado nesse processo”.

 

O que significa pagar um preço justo pelo trabalho de um artesão?

No começo, muita gente achava que comércio justo era o consumidor final pagar o preço que ele considerava justo pelo produto. As pessoas me diziam: “É um absurdo a Daslu comprar do artesão e vender super caro”. Eu respondia: “Olha, o artesão está ganhando o preço do produto dele, o que custou para fazer”. Se a Daslu ou qualquer outra loja estiver cobrando 20 vezes mais, não vejo problema, porque ela tem um custo que provavelmente o artesão da ponta não tem. As pessoas achavam que a loja teria que repassar esse dinheiro ao artesão. Está certo, aí você acaba com a economia. Ele tem que ganhar de maneira compatível com o trabalho dele, com a região em que ele mora. Não estamos fazendo boa ação. A Daslu não está fazendo uma doação.

Se ela paga R$20,00 e vende por R$200,00, bom, que ótimo que pagou R$20,00! Esse é o preço justo. O preço justo são esses R$20,00. Os R$200,00 são outras coisas: marketing, rede de clientela, diferenciação, marca, champanhe, motorista, enfim... Vamos dizer que R$180,00 é para pagar tudo mais. No começo eu falava isso e as pessoas perguntavam: “Você está defendendo a Daslu?”. Eu respondia: “Não, eu estou defendendo os artesãos!”. E a Daslu não pode fazer uma doação porque isso significa uma política assistencialista, isso significa voltarmos para trás.

Infelizmente, é muito difícil para as pessoas que não fazem parte desse mundo, que não estão a par do que está sendo discutido e do que vale a pena ser discutido, entender essas idéias. Não estamos fazendo boa ação, estamos fazendo política emancipatória, política para criar protagonismos. É outra história.

 

Um dos princípios do International Fair Trade Association é a questão da não utilização do trabalho infantil. No entanto, no caso do artesanato, a presença infantil e a participação de crianças em partes simples do processo de produção é constante. As crianças estão sempre ao lado da mãe e vão aprendendo, ajudando no acabamento das peças. E isso é saudável. Como vocês lidam com essa questão?

É engraçado. No começo, as pessoas diziam: “Você vai botar foto de crianças ao lado da mãe fazendo artesanato?”. Claro! Se é artesanato de tradição, qual é a linha de transmissão? É pelo aprendizado, aprendizado intra-familiar. Elas aprendem com alguém da família, com a avó, a mãe, a tia, a madrinha, desde pequenininhas, porque se for para aprender a fazer renda de bilro aos 16 anos, a mão já não estará hábil para aquele jogo das agulhas. Então, é um aprendizado realmente precoce. Mas uma coisa é o aprendizado, outra coisa é usar a criança como um adulto na linha de produção. Ela pode aprender, mas não pode participar do processo de produção.

 

Mas não ocorre de as crianças fazerem o acabamento, por exemplo? Isso não faz parte do processo de aprendizagem?

Não, não. O que temos é, por exemplo, as meninas que fazem o polimento da cerâmica. Elas já têm 16, 17 anos. Com essa idade entra-se no processo de produção. As crianças estão ali ao lado, aprendendo com a mãe, fazendo paninhos. Na verdade, o que elas fazem são produtos que não vão para comercialização. Não tem como. Isto é deixado muito claro. Mas é inevitável que elas fiquem rodeando, que vão aprendendo, porque esse é o processo de aprendizagem. Igual acontece conosco.

Por exemplo, em casa, minha filha aprendeu a fazer café com nove, dez anos. Ligar a cafeteira, colocar água, é legal fazer café. Com doze anos aprende-se a fazer bolo, a pregar botão. Antigamente, as meninas tinham aulas de prendas domésticas. Aprendia-se a pregar botão, fazer bainha, com nove, dez anos. Quer dizer, elas estavam num processo de aprendizagem. Ninguém vai fazer com que elas se empreguem numa fábrica de pregar botões, ou que vão trabalhar num bar servindo cafezinho, mas no âmbito doméstico, existem esses trabalhinhos. Na verdade, não é trabalho, é aprendizado.

Vamos pensar no nosso mundo, como é que é? O menino aprende a lavar o carro com o pai. O pai está lá trocando o pneu e o menino senta ao lado. Não é que ele vá ser borracheiro, mas está lá, olhando. Estou falando um pouco ainda sob esse aspecto de gêneros, que na nossa sociedade ainda têm uma divisão, muito forte.

Temos esses aprendizados, mas sempre achamos que as classes populares não podem aprender. Não! Têm que aprender, sim. Também temos aprendizados precoces no nosso mundo, no nosso meio. Uma observação mais antropológica.

 

Como você disse no início, o principal objetivo do Artesol é gerar oportunidades de trabalho e promover melhorias nas condições de vida de populações que vivem em regiões de baixo IDH. Ao aliar uma política de melhora da condição social à produção artesanal, o programa se restringe àqueles que possuem alguma habilidade manual? De que modo é possível incluir toda a comunidade?

Acho a pergunta ótima, porque podemos retomar um pouquinho a metodologia do Artesanato Solidário. Na verdade, não foi sempre igual. O que fazemos está num processo constante de aprimoramento. Acho que sempre temos que ter essa flexibilidade para inovar, para aprimorar. Mas, hoje, como é que entendemos um projeto de campo?

Nosso projeto de campo dura, em média, de 18 a 24 meses. Vamos a uma localidade quando identificamos a presença de um artesanato de raiz e baixos indicadores sociais. Portanto, é uma área que reúne, de um lado, uma carência e, de outro, uma riqueza.

Organizamos as ações em quatro grandes áreas. O primeiro módulo a ser trabalhado chama-se Identidade, cultura e cidadania. O segundo, Produto. O terceiro, Organização do trabalho. O quarto, Relacionamento com o mercado. Essas quatro dimensões de oficinas compõem, hoje, as ações do Artesanato Solidário. O que acontece em cada uma delas?

Bom, Identidade, cultura e cidadania, um nome bastante pomposo para o que acabamos fazendo. É a nossa chegada a campo. Chegamos a uma determinada localidade e descobrimos que três artesãos conhecem certa técnica artesanal. Ao conversar com eles, ficamos sabendo que, há dez anos, dez pessoas usavam aquela técnica e que ela foi se perdendo. Ou não, é possível que 15 artesãos ainda a estejam utilizando. Mas o número não importa muito, não vamos trabalhar somente com aqueles artesãos.

Lançamos a idéia de mobilizar outras pessoas e começamos uma atividade com algumas ações mobilizadoras. Ninguém chega dando uma oficina de produto no primeiro encontro, porque, senão, atenderíamos apenas quem já sabe. Então organizamos uma gincana cultural: “Quem é o artesão mais antigo da comunidade?”. Chamamos as crianças, geralmente fazemos parcerias com a escola municipal. O que estamos fazendo? Estamos promovendo a valorização desse conhecimento artesanal na própria localidade, para artesãos e para quem não é artesão, para o professor de escola pública, para o prefeito. E falamos: “Olhe, vocês têm aqui um tesouro, que é esse saber-fazer”.

Então começamos a desenvolver algumas ações de valorização e outras para a integração de pessoas diversas. Por exemplo: “Vamos organizar uma excursão aos centros históricos da cidade”. Fazemos muito isso, porque, às vezes, as pessoas não conhecem o local em que moram. Parati-RJ, por exemplo, fizemos um projeto lá. Os moradores não vão ao Centro Histórico, nunca pisaram no Centro Histórico, porque ali é para brasileiros ricos, estrangeiros, turistas! Então organizamos uma excursão com guia turístico, almoço, para que as pessoas se apropriassem, se sentissem valorizadas, pertencentes àquele entorno. É importante. Isso é cidadania.

Acontece também de a gente entrar em um lugar onde há muitas mães com crianças de colo em fase de amamentação e, ao mesmo tempo, péssimas condições de higiene. Não estamos falando abstratamente de cidadania. Então resolvemos fazer uma parceria com o posto de saúde, chamamos a médica do município ou a enfermeira para dar uma palestra, para fazer um bate-papo com elas sobre higiene e cuidados com a criança, princípios básicos, como lavar as mãos, limpar o peito antes de amamentar, coisas básicas.

Isso é feito porque, antes de chegarmos lá, fazemos um diagnóstico. Aplicamos questionários sócio-econômicos para entender um pouco o perfil da localidade, e um questionário técnico, para entender melhor a tipologia, a matéria-prima, a técnica, ou seja, “Como é que é trançado?”, “Como é que é a tecelagem?”.

Com base nesse diagnóstico, organizamos ações a que chamamos de Identidade, cultura e cidadania. Por quê? Porque são ações para promover a auto-estima. Seja o artesão ou um morador da localidade, ele precisa se sentir valorizado. Outra idéia é promover a integração entre eles. Neste aspecto, temos um cardápio imenso de ações e somos muito criativos.

Podemos fazer concursos. Às vezes chegamos a uma localidade e não conseguimos identificar muito bem quem é bom no artesanato. Por exemplo, estamos com um projeto em Valença, comunidade de Santa Teresinha. Sabemos que existe um amplo artesanato com taboa, mas não conseguimos mapeá-lo no diagnóstico. Fizemos algumas entrevistas, questionário técnico, e resolvemos realizar um concurso juntamente com a Secretaria de Cultura do Município: Produtos de Artesanato de Taboa. O júri trabalhou seriamente na seleção, era um júri de primeira. O concurso mobilizou a cidade! Assim, sempre começamos com alguma atividade mobilizadora, que trabalhe com a auto-estima, com a valorização desse saber local, da cultura local.

Podemos também fazer um sarau. Uma vez levamos um pessoal para tocar forró, porque era um grupo de jovens, e, por conta desse forró, conseguimos atrair os jovens para o projeto. Enfim, cada caso é um caso, temos muita flexibilidade.

Aí apresentamos a nossa proposta: “Olha, o Artesanato Solidário funciona assim, vocês não vão pagar nada, ficamos aqui durante dois anos, quem quer participar?”. E montamos um grupo. Esse grupo pode ter gente que sabe e gente que não sabe.

Primeira oficina: repasse do saber. O artesão que sabe vai passar o conhecimento dele para frente. Essa oficina é remunerada, o mestre-artesão ganha para isso. É remunerada porque aí estamos interferindo na linha de transmissão. Intrafamiliarmente, ele ensina o neto, o filho, os primos, mas, nesse caso, está repassando para os vizinhos. E remunerar também é bom porque mostramos que aquilo que ele sabe tem algum valor, alguém está pagando para ele ensinar. A auto estima dele vai lá em cima, é muito bom.

 Tem um mestre lá em Ponta Negra que começou a se auto referenciar como “professor”: “Porque quando eu cheguei, os meus alunos...”. Foi linda essa experiência pessoal dele. Ele mora lá no meio do mato, nunca ninguém olhou o que ele fazia, de repente, ele está dizendo: “Porque os meus alunos estão enfrentando algumas dificuldades...”. Foi maravilhoso! Com o primeiro dinheirinho que ele ganhou, comprou um celular, já se conectou com o mundo. Daria uma boa propaganda de alguma empresa de telefonia celular, porque ele se plugou.

Quando todos já estão mais ou menos dominando a técnica – é claro que alguns sempre vão saber mais –, entramos com o instrutor, uma pessoa que vai até lá para desenvolver um produto, aprimorar. Às vezes, esse produto já existe, só precisa de uma aprimorada, ou ele vai apenas resolver uma questão técnica, como a da queima da cerâmica. Geralmente, em comunidades ceramistas, nossa intervenção é mínima, é técnica, é só na queima. É química, vamos dizer, não é estética.

Em outras situações, precisamos intervir mais. Um jogo americano tem que ter o tamanho de um jogo americano. Não adianta querer brincar e fazer num tamanho qualquer, tem uma medida padrão que precisa ser seguida. E por aí vai.

Cuidamos do manejo da matéria-prima, no caso das matérias-primas extrativistas, da formação de preço. E isso não significa que os módulos sejam sucessivos. Temos ações de “1” na fase “2”, na fase “3”, e por aí vai. Só o Relacionamento com o mercado que, obviamente, é na última fase, assim como a formalização da associação, da cooperativa, porque isso pressupõe que o grupo já esteja mais maduro.

Por fim, a cada projeto, produzimos um catálogo com uma identidade visual própria. E este é um instrumento deles, os artesãos participam, votam, muitos desenham junto etc. Nesses catálogos, contamos a história do projeto, apresentamos fotos dos produtos e, uma coisa fundamental de que eles gostam muito, colocamos sempre os nomes dos artesãos. Atrás, obviamente, há o logo dos parceiros que nos financiaram. Cada ação dessas significa um custo e, por isto, cada projeto tem um parceiro. Este é, hoje, um produto do Artesanato Solidário: a ação de captação de recursos para a organização e a ação de prestação de serviço social. Nós é que sabemos como se faz cada uma dessas etapas.

Hoje, nossa equipe de São Paulo é pequenininha, enxuta, mas estamos com nove projetos em campo. Cada um tem um consultor regional, às vezes uma agente local. São as pessoas que estão lá na ponta. E eles estão relacionados com a equipe de gestão, de monitoramento de projetos – são essas meninas simpáticas da administração pública, assistência social, relações internacionais, que ficam ali. Hoje estamos com quatro gestoras e elas têm de dois a três projetos. Elas fazem o relacionamento com quem está na ponta, executando a ação. Fazem contato com todo esse banco de instrutores que nós temos. A coisa funciona assim, formação de preço: “Quem é que faz formação de preço no Nordeste?” “Ah, temos a Fatinha no Rio Grande do Norte, a fulana não sei onde.” “Quem desenvolve produtos em bambu?” “Ah, fulano, fulano, e fulano” “Quem faz manejo sustentável?” “Ah, tem uma equipe ótima, uma ONG lá de Botucatu, que é genial” Articulamos isto. E remuneramos, é tudo pago.

 

Os projetos costumam atingir os resultados esperados? Como vocês fazem essa avaliação?

Isso é importante. Na verdade tudo o que eu disse até agora é sobre a nossa metodologia. Nossos projetos têm os objetivos e as metas. Esta é uma grande discussão que eu tendo a levar, mas ela se iniciou na época da Ruth Cardoso, que insistia muito nisso: “Temos que ter nossos indicadores e metas”. Por exemplo, às vezes temos parceiros que falam assim: “Queremos o aumento da renda familiar em 30%”. Eu não posso ter isso como meta. Eu posso colocar “melhoria das condições de vida” ou “aumento da renda familiar”, mas não posso dar uma margem quantitativa. Ou temos, por exemplo, “organização do grupo”. Sim, é uma meta, isso é possível. “Melhoria da auto-estima”. Sim, é possível, podemos medir isso. Por exemplo, as mulheres começam a ficar vaidosas. Quando chegamos à comunidade, tem gente que anda descalço e com o pé sujo. Quando vamos embora, estão todas de sandália, passam a pentear o cabelo, porque o próprio encontro do grupo já é um evento, já cria uma sociabilidade, uma troca, uma interação entre eles.

Assim como apresentamos um questionário no começo, aplicamos um questionário no final e fazemos a avaliação. E é claro que fazemos perguntas de acordo com as metas. O aumento da auto-estima? Sim, é uma meta. Quais são os indicadores disto? Temos os indicadores. O que não dá para fazer é, como já disse, satisfazer algum parceiro que diga: “Se elas estão ganhando R$50,00 por mês, queremos que, com esse projeto, elas venham a ganhar R$500,00”. Eu respondo: “Não, podemos fazer tudo, mas esses R$500,00 são impossíveis”. Seria como se, num curso superior, no momento em que você se matricula, o reitor tivesse que assinar um compromisso dizendo que, ao término dos seus quatro anos de faculdade, você irá arrumar um emprego para ganhar R$5.000,00. Não! Ele pode apostar que você aumentará sua cultura, será capaz de entender um texto do Max Weber, saberá quem é Becker, saberá fazer a crítica ao neoliberalismo, qualquer coisa que seja. Você sairá com uma auto-estima melhor, será uma pessoa mais ilustrada, ampliará o seu relacionamento social, intelectual, irá mais ao cinema, comprará mais livros, revistas, acessará mais sites acadêmicos e científicos etc. Ou seja, você poderá ter muitos indicadores, mas não posso garantir os números. Tivemos dificuldades com isto. Sentei com vários parceiros para conversar, porque não posso garantir uma coisa assim, seria uma mentira. Ou volto à tutelagem. Se você quiser isso, é mais fácil fazermos um Bolsa Família.

A partir de certo momento, quando chegamos à fase de Relacionamento com o mercado, tudo depende muito do empreendedorismo do grupo e de cada um. Temos artesãos que fazem um trabalho ótimo e, claro, eles não dividem os ganhos igualmente. Sempre haverá uns que ganharão mais do que outros. Alguns trabalham mais, se empenham mais. Mas atingir as metas pelos indicadores que propusemos, isto nós conseguimos.

Isso é muito interessante porque você também levantou uma outra questão relacionada com a avaliação das políticas sociais. Indiretamente, o Artesanato Solidário acaba discutindo a questão dos indicadores. O que se está avaliando? O que é um indicador de sucesso de um projeto? Quais são as metas que ele persegue? Essas metas nós cumprimos, temos esses indicadores. As pessoas, às vezes, são muito superficiais, e tenho certeza de que, mesmo onde o grupo não está vendendo da forma que gostaríamos, continuamos a fazer diferença, sempre impactando de forma positiva, pela simples passagem de um programa com essas características, um programa que não é assistencialista.

Ensinam-se inúmeras coisas, o que é muito interessante. Eles têm um aprendizado que transcende os resultados do próprio projeto. É uma nova lógica. E eles nos tratam de um jeito diferente, a própria relação deles com o poder público fica diferente. Não incitamos a nenhuma revolução ou algo do tipo, mas eles se tornam mais reivindicativos e menos “pedintes”. De alguma forma, entram um pouco mais na lógica do direito em detrimento da lógica da doação a que estavam acostumados. São sementinhas.

 

Você acha que houve um retrocesso com a extinção do Conselho da Comunidade Solidária e a criação do Bolsa Família?

Sim. Não quero dizer “com a extinção do Comunidade Solidária”, mas que houve um retrocesso nas políticas sociais, houve. Na verdade, o que o Bolsa Família fez? Juntou diversos benefícios que já existiam vinculados a algumas contrapartidas dos beneficiados. Por exemplo, o Bolsa Escola. Tudo bem, você ganha o Bolsa Escola, mas tem que colocar seu filho na escola. O Programa do Gás, que já existia. O que foi o marketing do Bolsa Família? Juntaram-se todos os benefícios que havia e que exigiam alguma contrapartida do beneficiado num único benefício que é o Bolsa Família.

O Bolsa Família é um retrocesso. Paradoxalmente, tenho ido a muitas homenagens a Ruth Cardoso e, até para homenageá-la, muitas pessoas atribuem o Bolsa Família a uma inspiração do Comunidade Solidária, a Ruth Cardoso. Na verdade, não é nada disto, mas uma forma de homenageá-la tem sido dizer assim: “Olha, estamos dando certa continuidade”. Não tem continuidade nenhuma com o Comunidade Solidária. Com o Governo Federal, sim. Na verdade, o que houve? Houve uma boa política de marketing do governo federal, do governo Lula, que reuniu num só benefício o que estava pulverizado e não tinha tanta visibilidade. Jóia! Investiu muito mais nisto e aumentou o número de beneficiados. Isto sim significa um retrocesso. Acho que o Estado tem mesmo obrigação de ter políticas sociais, educação, saúde, previdência, enfim, não tem como escapar, mas o Bolsa Família inibe esses programas mais inovadores, com essas características de que a população beneficiada também tem que apresentar uma contraparte. Esses programas inovadores trazem um aprendizado, têm uma troca, os participantes saem melhores do que entraram. Não estou dizendo melhores artesãos, mas pessoas melhores. O convívio promovido por um programa dessa natureza é um avanço, e o Bolsa Família, não. Na verdade, estabelece-se de novo a relação clientelista, volta o Estado centralizador, o Estado doador, o pai dos pobres, e essa imensa clientela dependendo do Bolsa Família. É sim um retrocesso e eu gostaria de deixar claro que não tem nenhuma inspiração e nenhuma orientação dos programas do Comunidade Solidária.

 

Você acaba de anunciar a sua despedida do Artesanato Solidário. Gostaria de dizer algo sobre o seu desligamento?

Trabalhei trinta anos com a Ruth Cardoso e fui convidada por ela para instituir o Artesanato Solidário. Tive o privilégio de aprender com ela nesses sete anos aqui no Artesol. Agora se encerrou um ciclo da minha vida, um ciclo profissional e de dedicação a esse tipo de atividade. Acredito nessa história de que, se ficamos muito tempo, envelhecemos com as instituições e as instituições envelhecem conosco. Acredito que está na hora de mudar. Eu mudar, buscar outros caminhos, e o Artesanato Solidário também, receber inovações a partir do novo coordenador que vier a assumir o cargo. Mas é importante deixar claro que saio em um momento bom, em que o Artesol está consolidado e bem das pernas.