Fale um pouco sobre sua trajetória. Desde a formação até a criação da revista ARC DESIGN.
Eu estudei filosofia, na idade em que a gente vai para a faculdade, e, muito depois, estudei jornalismo. Estudei filosofia na época pré-ditadura e aprendi muito. No jornalismo, não aprendi nem uma palavra, nada, nada, nada. O design começou na minha vida porque, por uma série de circunstâncias, fui trabalhar na Forma, que tinha os móveis, naquele tempo Bauhaus, Mies Van de Rohe, Tan Tan... Eu era assistente de um arquiteto austríaco brilhante, maravilhoso, e ali eu comecei a me interessar, vi que aquilo ali era muito interessante. Como eu tinha muito tempo livre, lia muito e comecei a ver o barato da coisa. A minha vocação era escrever ficção. E percebi que, quando você fala de design, você está falando de vida. De comportamento também, mas especialmente de vida. Tudo está ali. Todas as suas emoções sendo traduzidas, os comportamentos, os tempos. É esse aspecto do design que me interessa, e eu vi que eu podia escrever sobre o que eu bem entendesse tendo como gancho o design. E aí fui soltando a escrita. Depois de um tempo, resolvi morar na Itália, e lá me aprofundei mais no design. Quando eu voltei, a minha filha, que também morava na Itália nessa época – voltamos mais ou menos na mesma época –, falou: “O que é que nós vamos fazer agora?”. Cada uma tinha uma bagagem muito grande, ela trabalhava na direção de arte da Domus Academy e eu estudei muito design, trabalhei com o design. Então decidimos: “Vamos fazer uma revista”, como se fosse a coisa mais simples do mundo. Entrei de cabeça e estou até hoje.
Você também desempenha um papel de crítica de design.
Eu sou, essencialmente, crítica de design. Eu nem digo que sou jornalista, digo que sou crítica de design. Para desempenhar esse papel, ou você nasce com olhar de crítica ou não nasce com olhar de crítica. Têm pessoas que olham tudo com o mesmo olhar. Eu tenho esse sentido crítico muito aguçado, para o bem e para o mal. Acho que quando eu olho, já decodifico um pouco. Eu não sei olhar assim: “eis uma cadeira”. Não. Quando eu vou fazer uma exposição, não junto um monte de cadeiras, uma ao lado da outra, e pronto. É preciso entender profundamente daquilo. Tem pessoas que não enxergam a crítica – não vou começar dar nomes, todo mundo é conhecido – e, quando vão fazer uma exposição, simplesmente reúnem. Falta massa crítica. Com a revista, procuro despertar massa crítica nas pessoas, dar esse olhar crítico. Crítico no sentido amplo, não é no sentido de falar mal. Crítico de análise, massa crítica.
Qual a origem do nome da revista ARC DESIGN?
Começou com a numerologia. Eu queria que o nome somasse oito (A = 1, R = 18, C = 3, D = 4, E = 5, S = 19, I = 9, G = 7, N = 14. Total: 80. 8 + 0 = 8), porque oito é o número de dinheiro, fama e poder na numerologia, tudo o que a gente precisava. Mas, do jeito que ficou, ninguém chama de ARC DESIGN, todo mundo chama só de ARC, que soma quatro e é o pior número! ARC é de arquitetura, como se escrevia antigamente.
O que é design?
A definição de design varia com o tempo. Nos últimos anos, a palavra design está mudando radicalmente de definição, ganhando uma abrangência que ela nunca teve. Por exemplo, Bauhaus. É o primeiro momento em que você pode dizer que tem design – não tinha nem a palavra antes. No início do século XX, quando saiu a primeira lei de direito autoral, aí nasceu a palavra design, ou com quiser chamar. Antes você desenhava catálogos. Com o direito autoral, você tinha o design. Na Bauhaus, design era forma e função. E eles queriam utilizar o aço, pois a Alemanha tinha muito aço. Depois o design foi incorporando: é forma, função, imagem, não sei o quê, é primeiro a forma, depois a função etc. Aquilo foi evoluindo. Hoje, eu acho que o design tem que repousar no tripé forma, função e sustentabilidade. O desenho é o que menos importa. Se você pega qualquer movimento, escola ou designer importante, o que menos importa é a forma. Aliás, para o planeta, o que menos importa é a forma. O que mais importa são os materiais e as tecnologias.
Nós temos um carma com a madeira. Para mim, não é vocação, é carma. Tem que acabar com isso no Brasil. Chega! Além disso, o brasileiro não sabe usar madeira, ele usa madeira maciça. Na Escandinávia, há muitos anos, se faz aquela madeira laminada. Tem um mínimo de madeira ali. E o brasileiro corta uma árvore para fazer uma cadeira. Hoje, o design está muito interessante porque mexe com absolutamente tudo. Mexe até com economia e política, porque é preciso ter um desenho próprio para poder exportar. E mexe profundamente – agora está começando – com a economia criativa. Ele vai para sociologia e modos de vida. O que menos interessa é se a curvinha é para a direita ou para a esquerda. Tem que ter materiais sustentáveis. No momento em que quase tudo passa a ser reciclável, ele tem que usar materiais que são recicláveis, e o móvel não deve, na medida do possível, misturar dois materiais, porque torna o reciclo muito mais complicado. Tem designers que dizem que o reciclo não é bom, o bom é a durabilidade. É uma nova concepção muito interessante. O móvel não é para ser reciclado, não é para ser substituído, é para durar. Quanto mais durar, menos lixo. Ele tem que ser leve, porque sendo leve ele utiliza menos material, e ninguém mais tem empregado para ficar carregando móvel. Eu sou curadora de uma feira em Bento Gonçalves e faço lavagem cerebral lá: “Ninguém mais tem empregada para empurrar móvel, nem para limpar a poeira da reentrância de móvel esculpido”. Eu pergunto assim: “O seu carro, qual é? Último tipo? E a sua geladeira? E o seu som? Porque que o móvel tem que ser um Luís XV?”. O mobiliário representa família, tradição e propriedade, e daí, em lugares tais como Rio Grande do Sul, é muito difícil você, fazer as pessoas entenderem que não é nada disso. A primeira vez que eu falei sobre design com os empresários de lá, só faltou apanhar. Aí eu inventei uma frase: “design, se não vende, não é bom”. Aí se acalmaram. O design ainda é entendido como uma frescura que só faz encarecer o produto, quando não é isso, ele barateia, porque racionaliza a produção. As pessoas que estão na vanguarda estão percebendo todo esse universo. Tudo a sua volta é desenhado por alguém, não tem nada que não seja. Então, se você quer continuar vivendo de planeta, você tem que acordar. Você é responsável pela vida no planeta. O designer é responsável pela vida no planeta, pelo que ele propõe. Acho que a Holanda é o país que está mais avançado nessa compreensão e nessa experiência. Você tem coisas incríveis, como, por exemplo, um móvel feito com uma lâmina de alumínio super fina, que você injeta ar. Quando você injeta ar, você enrijece o móvel. Então ele tem um mínimo de material, é totalmente sustentável, politicamente correto, levíssimo e bonito. A beleza é fundamental, mas não se deve partir da beleza. Quando eu digo forma, função e sustentabilidade, quero dizer que ele tem que ser bonito – ninguém quer viver no meio da feiúra –, ele tem que ser funcional, tem que ajudar você a viver, tem que ter uma função clara, precisa, bem resolvida, e ele tem que ter um compromisso com o mundo em que vivemos. Depois você pode fazer o que quiser, mas esse tripé, hoje, é imutável. E, claro, tem que ser original, porque senão não é design, é cópia. Design é projeto. Projeto, por definição, é uma coisa nova, que não existe ainda. Você projeta, joga para frente. O design, hoje, é uma das coisas mais ricas que existem no mundo, para você ler a respeito, se dedicar, porque surgem muitas riquezas.
Você poderia explorar um pouco mais a idéia citada anteriormente: “o design, se não vende, não é bom”?
A indústria não é uma associação de caridade, ela tem que sobreviver. Por exemplo, na Feira do Móvel desse ano – eu nem fui porque eu sabia que ia ser exatamente como ela foi – os caras famosos estão se auto-copiando. Não tem nada de novo. Já estou há muito tempo nessa área, eu olho um móvel e digo: “Esse é de fulano”, “Aquele é de fulano”. É um autofagismo, eles estão só se auto-copiando, porque a situação na Europa não está fácil, eles não estão investindo na inovação e na tecnologia. Resta ao designer fazer aquilo que ele já sabe, aquela forma que ele já sabe que vai dar certo. Isso é uma tristeza. Eu, o dia em que chegar a esse ponto, vou plantar ervas aromáticas, vou fazer qualquer outra coisa. De certa forma, é preciso fazer um produto que seja vendável, porque senão a sua indústria fecha. A indústria italiana, principalmente nos anos 1980, lançava coleções no Salão do Móvel. Eles faziam o produto que dava imagem e o produto que vendia, faziam imagem e venda. Agora eles estão fazendo só venda, não tem mais imagem, acabou. Com a imagem, você avança no tempo. Para avançar no tempo, você tem que pesquisar, tem que investir em tecnologia, etc. etc. A idéia de “o design, se não vende, não vende não é bom” é para acalmar o espírito da turma de Bento Gonçalves, não tenho nenhuma dúvida disso.
Você traçou um panorama pouco animador do design e levantou uma série de críticas à produção atual. Como você lida com esse cenário na ARC DESIGN, revista que busca justamente promover o design?
Em primeiro lugar, perdendo dinheiro. Eu não me interesso por essa série de indústrias que ficam fazendo móveis pesados de madeira, que ficam fazendo a mesma coisa que faziam, e acabo, por falta de interesse, não publicando. Com isso, eu perco dinheiro. Mas agora estão surgindo no Brasil coisas muito interessantes. Para começar, os irmãos Campana. Eu vou publicar, na próxima edição, tudo o que eles lançaram no Salão do Móvel. A revista estava pronta, estava indo para a gráfica. Na hora em que eu vi o que os Campana fizeram, eu disse: “Para tudo, vamos botar tudo o que eles fizeram”. Se você for até a revista agora eu te mostro. É muito bom! Você não acredita! Eu digo: “Meninos, como é que vocês conseguem fazer tanta coisa?”. Eles vão do mais pesado ao mais leve, do mais artesanal possível ao mais tecnológico. Eles têm um mix de produtos, eles vão para todo o lugar. Eu que lancei os Campana no mercado, então eu acompanho muito. Eles estão refinando, eles são muito bons. Desenharam para Venini, Murano, fizeram a boneca esperança de Murano, fizeram os sinos, os campana, de aço escovado. Eles é que alavancaram o nome do design brasileiro lá fora e são muito mais famosos na Europa do que aqui. Aqui tem ciúme, mas lá eles são, hoje, os mais importantes designers do mundo, sem sombra de dúvida, os mais famosos, os mais importantes. E aqui está surgindo uma coisa muito interessante: fazer um móvel pobre. Temos dois exemplos: Marcelo Rosenbaum e Márcio Kogan. O Marcelo queria desenhar o móvel bom, bonito e barato para a classe C. Acabou colocando na Micasa. Ficou bom, bonito e caro! Mas é uma nova estética. O Márcio Kogan fez a mesma coisa, colocou na Micasa também. O Márcio Kogan é um arquiteto que trabalha muito com aquela linha de arquitetura que começou com o Aurélio Martins – o rigor na arquitetura. Ele é um arquiteto do rigor e estava visitando um canteiro de obras. Ali, os operários batem o prego na madeira e fazem um banquinho, fazem uma mesa. Ele pegou esses produtos, essas coisas que saíram da mão do operário, tingiu essa madeira toda de preto, deu um toque mínimo aqui e ali, e formou uma coleção belíssima, de um design belíssimo. É a estética do móvel pobre com um toque seguro de uma mão firme de um designer. Isso é uma coisa brasileira, isso é uma coisa que vai dar fruto. E sem falar no artesanato brasileiro, que foi outra estética que abriu caminho no mundo. Renato Imbroisi e outros abriram o caminho no mundo. O artesanato brasileiro tem um alto conceito na Europa.
Existe, hoje, um “design brasileiro”? Podemos falar na cara do objeto brasileiro?
O design brasileiro é, antes de tudo, descompromissado. Veja o coitado do design italiano, que tem quatro mil anos nas costas. Há, na Itália, os grandes mestres do design, Castiglioni... Com aquilo ali, quando o designer vai pegar um lápis hoje, ele se apavora. Ele tem uma tradição, uma responsabilidade. Nós não temos nada. Somos livres, leves e soltos, sem essa bagagem cultural explícita. Nós temos uma bagagem cultural muito grande que está começando a ser resgatada agora, seja no artesanato, com Renato Imbroisi e outros, seja pela estética do Marcelo Rosenbaum, que pega a toalha de mesa caipira, junta com a toalha de plástico e redesenha, sem perder aquele espírito. O design brasileiro é descompromissado, colorido, alegre. Ele dá uma mensagem do povo que nós somos. Por isso que eu não entendo esse pessoal fazendo cômoda de madeira. Que é isso?! Isso já acabou, gente, o mundo correu depois disso. Acho que o design brasileiro é principalmente isso: alegre, colorido, descompromissado e, portanto, ele arrisca, ele pode arriscar, não tem passado. A não ser aquela turma que faz uma cadeira igual ao Sérgio Rodrigues, isso aí já não é design, é outra coisa.
Você critica o uso da madeira pelos designers brasileiros, apesar do Brasil ter nomes importantíssimos que trabalharam com esse material, como Sérgio Rodrigues...
E eu acho que o primeiro foi o Zanine, o Zanine já usava compensado. Era um caminho para a gente, se você não sabe fazer por laminado, faz compensado. Mas este caminho foi completamente abandonado. O Tenreiro. Quando estava na Itália, fiz uma pesquisa e descobri que o aspecto formal do Tenreiro é o do racionalismo italiano. Só que aqui tinha jacarandá, então o dele é muito mais bonito, porque é muito mais esguio. Então, tudo bem, o Tenreiro fez há não sei quantos anos, o Zanine fez compensado, o Sérgio Rodrigues começou bem, teve uma fase em que ele ficou pós-moderno, dançou, e agora está com coisas boas novamente. Mas chega, basta! Não precisa mais. Tem a Ethel Carmona e tem uma dupla no Rio, Laubisch e Hirth, que trabalha muito melhor do que a Ehtel. Eles sim fazem jóias de madeira, eles são aquele refinamento máximo da marcenaria. Não que eu ache que seja um caminho interessante, acho que é passado, mas vai fazer o que? A cabeça deles é essa.
Há outros nomes importantes, como Carlos Motta, Cláudia Moreira Salles, Marcenaria Baraúna, Maurício Azeredo...
Primeiro, continua sendo madeira. Não dá para dizer que é madeira de demolição, pois seria necessário demolir o Brasil inteiro para ter tanta madeira de demolição. Não dá para dizer que é certificada, pois se você não controla nem o seu quarteirão, como vai controlar a Amazônia? Usar madeira maciça é um crime, pois você não pode atestar sua origem, você não sabe as barbaridades que estão cometendo. Por isso que a Europa importa cada vez menos madeira brasileira, porque é um crime ambiental. Não dá para confiar. “Ah, é manejo sustentável”. Que manejo sustentável? Estão cortando as árvores, você vê os montes de caminhões aprendidos. As pessoas não têm que acreditar, fingir que acreditam ou divulgar aquilo que elas sabem que não é verdade, dizendo que a madeira é certificada, que é de reflorestamento ou que é de manejo sustentável. Quer usar madeira? Aprenda. Usar madeira maciça, espessa, de rico, poderosa, é um crime. Mais do que um absurdo, é um crime. Eu estive agora na Finlândia, fiquei hospedada em um hotel super central e, quando saí na rua, pensei: “Hoje é feriado?”. Não havia ninguém na rua! E não, não era feriado, era um dia normal. Na Finlândia não tem gente, na Finlândia tem árvore. É aquela bétula maravilhosa, madeira linda. Eles sim replantam com critério quando eles cortam. E eles não precisam nem usar plástico, porque tem madeira à vontade, sem destruir a natureza. Aqui não. Aqui tem madeira à vontade destruindo a natureza. Então acho que tudo isso tem que ser levado em conta. Dizem para mim: “Ah, você não gosta de madeira”. Eu adoro madeira, minhas duas mesas de trabalho são em madeira, adoro o toque da madeira. Mas acho que não se deve fazer.
Que outros materiais podem ser utilizados – e vem sendo utilizados – de maneira interessante?
Todos. Olha, o plástico é discutível, mas, no momento, ainda é um material aconselhável, primeiro, porque é muito barato. O alumínio é um dos materiais ideais porque ele pode ser reciclado muitas vezes. Aquele móvel Holandês que eu falei que infla com ar, você quer coisa melhor? Você levanta com um dedinho. E têm mil outros, os polímeros e os plásticos estão se sofisticando cada vez mais. O bambu. Você quer coisa melhor para substituir a madeira do que o bambu? Bambu é praga, bambu nasce, cresce, não acaba. Quer eleger um material para o Brasil hoje? Bambu. Sem sombra de dúvida, sem titubear, bambu.
Queria falar um pouco sobre a ARC...
Tá vendo, você chamou de ARC, todo mundo chama de ARC!
Tem razão! ARC DESIGN. Minha pergunta era sobre os desafios trazidos pela internet...
Para mim, todos. Não sou da geração da informática, então eu sofro. Cada vez que eu aprendo uma coisa, tem que aprender mais uma.
A internet trouxe uma série de mudanças no que se refere à apresentação e circulação de informação. Nesse contexto, com quais dificuldades e possibilidades as publicações impressas se depararam?
Em primeiro lugar, surgiu a oportunidade da comunicação virtual. Aí foi tudo mundo pra lá, inclusive teve um boom aqui, com sites e portais ganhando milhões. De repente, todos faliram. Hoje, acho que não existe a publicação impressa sem a virtual, elas têm que andar juntas. Além disso, é preciso diminuir o texto, porque a nova geração não escreve e não lê. Ninguém mais lê, ninguém mais lê nada cumprido, nada grande. É impressionante. Eu, que adoro ler, acho uma pena. Isso acontece tanto nas publicações virtuais quanto nas impressas. Acho que no impresso é decorrência do virtual. No virtual, “você” é “vc”, “abraço” é “abs” etc. E é assim, assim caminha a humanidade, não adianta espernear.
A comunicação virtual tem que incorporar as novas ferramentas, por isso até, agora, nós estamos mudando o site. Você tem que diminuir o texto na mensagem escrita, você tem que tornar a coisa mais visual, crescer as imagens, ou seja, você tem que ganhar o leitor pelo visual. Antigamente, eu dizia para as redatoras, “Você tem cinco linhas para ganhar o leitor. Se você não ganhar em cinco linhas, perdeu, não precisa mais escrever”. Eu as ensinava a editarem a matéria: “O que é mais importante? É isso? Passa para cima, você tem cinco linhas para ganhar”. Agora eu andava dizendo: “Você tem três linhas para ganhar o leitor”. Agora você tem muito menos espaço para escrever, porque ninguém lê. Até eu estou ficando com preguiça de ler. Eu, que era rato de livro. Tem muita informação por todo o lugar, então não dá tempo de você parar muito tempo em uma. Talvez essa seja uma das razões. As revistas estão mudando muito. Mas uma coisa que eu faço questão de conservar é essa massa crítica. Para isso que a gente existe, senão não precisava, faz um catálogo de loja. O jornalismo tem que exercer a sua função de informar com massa crítica.
A própria postura adotada pela revista não gera, como conseqüência, perda de dinheiro e dificuldade em sua manutenção, uma vez que vê o número de anunciantes e patrocinadores diminuir?
Com certeza. Eu fui seguindo – talvez demais – o meu perfil. A revista está muito associada a mim, e busco procurar a qualidade, a inovação, a coisa inteligente, a sustentabilidade, enfim, valores. Talvez com isso eu tenha abandonado um pouco uma coisa que eu considero uma entidade completamente abstrata que é “o consumidor final”. Esse “consumidor final”, para mim, é uma coisa um pouco abstrata. O meu novo desafio é escrever também para o consumidor final.
A quem a revista é direcionada? Quem se interessa por uma revista de design?
Eu acho que, cada vez mais, essa palavra foi ganhando adeptos. Quando eu morava na Itália, estava passando por aqui, perto da Rua Mourato Coelho, e tinha uma esquina com uma faixa que dizia: “Nesta rua tem design”. Achei um barato aquilo e fui procurar. Era uma lojinha que vendia material para escritório, coisinhas para colocar em cima da mesa, desenhadinho. Hoje já se caminhou muito. Cada vez mais as pessoas querem design, por alguma razão: porque está na moda, porque é bonitinho... Então as revistas, que antes não falavam, agora estão enchendo suas páginas de design, vão para o Salão de Milão, levam o design brasileiro para o Salão de Milão etc... O meu desafio é descobrir o que é um consumidor final. Eu, sinceramente, não sei. Talvez seja necessário encontrar um elo entre teoria e prática.
Quem lê a ARC DESIGN?
Pessoas cultas de qualquer profissão. Você encontra leitores nas profissões mais disparatadas. Os arquitetos todos conhecem, os designers todos conhecem, os estudantes todos conhecem e usam como instrumento universitário. Os decoradores lêem também. Mas, especialmente, é uma camada mais culta que lê.
Qual o papel da ARC DESIGN no próprio desenvolvimento do design brasileiro?
É um papel de informação muito grande. Esses dois últimos anos eu não fui ao Salão do Móvel, mas, desde 1984, eu passei 25 anos indo, todos os anos. Fui a primeira brasileira no Salão do Móvel, a trazer design internacional. Isso é uma coisa interessante. Quando a revista nasceu, o mercado – a Alameda Gabriel Monteiro da Silva, digamos – vendia design italiano, porque não tinha design brasileiro. A gente estava saindo de um período onde o design europeu, italiano, era muito copiável. E tudo mundo copiava. Por isso, quando eu vi os Campana, eu disse: “Aleluia!”. Depois a indústria italiana percebeu que ela tinha que introduzir tecnologia nos produtos para que eles não fossem copiados. Começou com a indústria de iluminação. Se não desenvolvesse uma tecnologia escondida, o produto iria ser imediatamente copiado, mas se tivesse uma tecnologia cara etc., ninguém ia investir para copiar. Com isso, o design brasileiro desapareceu, sumiu. Então quando a revista começou, era possível falar sobre o design importado, italiano. A um certo momento, eu acordei para o fato de que já havia design brasileiro e fiz uma matéria que chamava Uma inversão do olhar. Era hora de olhar para dentro ao invés de olhar para fora. Então eu acho que eu trouxe, principalmente, informação, não só sobre o panorama internacional, mas também sobre o panorama brasileiro. Tudo do Renato Imbroisi eu publiquei, cada coisa que o Renato fazia, com bastante espaço, com generosidade, não é aquelas pagininhas, que agora querem que eu faça.
Vocês têm também o Top XXI Prêmio Mercado Design. Todo prêmio quer definir um certo caminho para o objeto brasileiro. Isso é feito justamente por meio da premiação daqueles objetos que envolvem os conceitos e valores que se quer promover. Quais os caminhos buscados pela ARC DESIGN e o prêmio?
O prêmio se chama Mercado Design, então a premissa básica é que o produto esteja no mercado. No primeiro ano, era um produto feito nos últimos cinco anos, algo assim, para a gente não pegar velharia. Ele chama Top XXI para que as pessoas se liguem que nós já estamos no século XXI, pois não é todo mundo que consegue perceber isso. Não é “se não vende, não é bom”, mas uma das funções do produto, é que ele seja vendável, então ele tem que estar no mercado. Nós fazemos duas seleções: primeiro entra tudo e depois tem um pente fino final. Boa qualidade, física e formal, sustentabilidade etc. Nem sempre a gente encontra tudo em um mesmo produto, então tem prêmio para sustentabilidade, prêmio para tipologia e tem que estar no mercado. As exigências são poucas porque se você ficar muito exigente você não tem nenhum produto. É uma visão mais mercadológica. Esse ano, talvez o prêmio seja realizado no Rio e ano que vem em Belo Horizonte, porque senão nós temos um país enorme e só atendemos em São Paulo.