Faça seu Login para que possamos configurar a navegação de acordo com as suas preferências.
Não está cadastrado?Clique aqui.

BIBLIOTECA

ARQUIVO:
COLEÇÕES
BIBLIOTECA
VIDEOTECA
EXPOSIÇÕES VIRTUAIS
SOCIOAMBIENTAL
A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

LARS DIEDERISCHEN

Publicado por A CASA em 13 de Janeiro de 2011
Por Lígia Azevedo

Diminuir o texto Tamanho da letraAumentar o texto

Você nasceu na Cidade do México, se formou na Alemanha, trabalhou em Milão e hoje está estabelecido no Brasil. Conte-nos um pouco dessa trajetória, como e por que traçou esse caminho e como nasceu o Instituto Meio.

Vou começar bem do comecinho. Eu sabia bastante cedo que eu queria estudar design. Queria fazer alguma coisa que tivesse a ver com um trabalho intelectual e ao mesmo tempo um trabalho manual. Eu era adolescente ainda e achei que o design era uma boa profissão. E  nasci no México, que na época estava muito atrasado nessa área. Eu queria ir para Milão, que era considerada a Meca do design. Mas conheci numa viagem um professor alemão, da Universidade de Kiel que me convenceu a ir para a Alemanha porque lá aprenderia melhor as bases do design. E em 1986 fui para a Alemanha, para Kiel, que é uma pequena cidade ao norte do país. Desde essa época eu já gostava de viajar, até cheguei a ir de ônibus para Nova Iorque do México. Então fui para a Alemanha para estudar, depois fiz um estágio com um arquiteto que se chama Bavieri, em Milão. Ali foi a primeira vez que eu senti realmente que dá para desenvolver produtos, conheci isso na prática.

Uma coisa que eu sempre tive comigo era a ideia de, através do design, melhorar a vida das pessoas. Para mim o mais importante não era tanto uma questão necessariamente estética ou econômica, mas principalmente melhorar a vida das pessoas. E aí em Milão, conheci a Fabíola Bergamo, com quem tive um escritório junto durante um tempo no Brasil. Terminei a faculdade na Alemanha e voltei para o México. Lá, trabalhei para algumas empresas, principalmente uma de correio expresso que se chama Estafeta. Esse trabalho na verdade surgiu de um trabalho final da faculdade, que colocamos em prática. Então foi uma experiência profissional, inclusive autônoma, que chegou muito cedo. Depois da faculdade eu já tinha que implementar esse projeto, fazer ele virar realidade lá no México. Era um projeto de pensar o atendimento para lojas de correio expresso, onde as pessoas chegavam para deixar os pacotes, enfim. Uma espécie de Sedex, ou DHL. E esse projeto foi bem aceito, fizemos outros projetos com a mesma empresa como, por exemplo, desenhar toda a identidade visual deles.

Depois vim para o Brasil, trabalhei primeiro sozinho, mal falando o português. Vim para São Paulo, eu tinha um escritório na Joaquim Antunes, que era compartilhado com outras pessoas que trabalhavam muito nessa área cultural também. Então consegui começar a trabalhar com projetos, com outras empresas mobiliárias, já que eu me especializei um pouco na mobiliária. O escritório foi crescendo, a Fabíola veio junto... Fizemos muitos projetos de sinalização, como o Dragão do Mar, em Fortaleza, fizemos projetos para várias empresas de móveis e de iluminação.

Em 95, 96, me convidaram para um projeto piloto com artesãos de Brasília, que foi o primeiro projeto desse tipo no Brasil. Chamava Tradição e Renovação, tinha designers de vários países, da América Latina, Alemanha, Itália... Alguns já estavam mais avançados nessa questão de artesanato, como a Colômbia, que já tinha essa experiência. Mas  ninguém tinha uma metodologia já formada nesse tipo de trabalho, começou a se formar nessa época. Não existiam designers que trabalhavam com artesanato. Existiam pessoas que trabalhavam com o artesanato, mas não designer mesmo, trabalhando para desenvolver as comunidades. Nesse projeto houve uma exposição lá em Brasília, num seminário internacional, e a partir dali começaram a se formar também os programas de trabalho com artesanato.

O artesanato também migrou para a área da indústria e comércio, para o que hoje se chama Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio. O Brasil começou a ver o artesanato de uma forma diferente. Sempre se via ou como uma expressão cultural ou então uma coisa de assistente social. "Tem que dar alguma coisa para o coitado do artesão, senão ele morre de fome..." Ou então, "Ah, vamos fazer uma exposição de artesanato...", mas nunca tinha realmente essa estratégia de melhorar o produto, para eles poderem venderem mais etc. Acho que, a partir dessa época, o mercado brasileiro também começou a olhar para esses produtos. É claro que eles passaram a ser mais interessantes para o público, porque o que a gente fazia como designers é, na verdade, pegar técnicas e expressões culturais e tradições locais e colocava uma função ou uma nova roupagem, criava uma nova categoria de produtos adequada ao mercado, que de repente eles não faziam.

A partir daí, fui convidado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e por outras organizações para trabalhar com madeira, na Amazônia. Comecei a fazer isso como hobby, e isso depois virou praticamente a minha vida. Quando estava meio a meio, entre o design para indústria e design com artesão, fiz uma avaliação e percebi que a gente, como designer contratado para um certo projeto, trabalhava muito pontualmente. Claro que o design deu um boom nessa questão do artesanato, é uma ferramenta que funciona bem, mas tinha outros aspectos que eram mais importantes. E o intuito era realmente gerar mais renda para os artesãos.

Em 2003, 2004, eu comecei a pensar o Instituto Meio. Me juntei ao Eduardo, que é administrador, porque eu percebi que tinha que ter uma equipe multidisciplinar trabalhando, não podia ser só um designer, só um administrador, só um psicólogo, ou só um assistente social, só uma pessoa de marketing... Tinha que ser pensado como um todo. O Meio nasceu em 2005, com esse objetivo. A gente trabalhou muito com geração de renda para comunidades artesanais formando uma metodologia que pudesse trabalhar todo o ciclo -  desde a sensibilização, essa história de trabalho em grupo, a questão de design de produto, a questão tecnológica, de melhoria de algumas deficiências técnicas do material. Mais para frente, a própria questão do manejo sustentável da matéria prima, a questão de ferramenta de gestão, depois a gente trabalhou ferramentas de mercado, agora estamos começando a formatar a metodologia de planejamento estratégico para artesãos.  A gente conseguiu fechar esse ciclo. Temos vários projetos que sempre trabalham esse ciclo como um todo, dificilmente hoje a gente só entra com um trabalho pontual em algum projeto.

O grande desafio é na verdade achar um financiador para esses projetos de longo prazo, porque são projetos muito mais caros. A gente tem hoje parceiros como o Instituto Camargo Corrêa que acredita nesse ciclo, e executamos para eles esses projetos de responsabilidade social. E hoje em dia não só focado no artesanato, mas também em outras áreas que gerem renda. Então hoje o nosso foco não é artesanato, mas é buscar oportunidades locais que possam gerar renda, e desenvolver isso. Temos projetos de agricultura orgânica, de reciclagem, de turismo de base comunitária. E de artesanato nas diferentes vertentes, desde cerâmicas, joias, fibras, etc. Além de outros programas que a gente tem aqui dentro.

A gente dividiu a atuação do Meio em três áreas: uma é aquela área que trabalha com comunidades, a segunda é uma área que trabalha com micro e pequenas empresas, e a terceira área é um pouco essa consultoria para as grandes empresas que querem investir em projetos de responsabilidade social principalmente em geração de renda. Então a gente tem como clientes as comunidades, as pequenas empresas e as grandes empresas nessa consultoria.

Somos cadastrados no Sebrae como entidade executora do programa de inovação e tecnologia que o Sebrae tem. Não só em São Paulo, mas em outros estados também.  No Mato Grosso do Sul, por exemplo, a gente está dando assessoria para pequenas empresas que estão numa rua comercial, desenvolvendo fachadas, logomarca, layout interno, logos internos, finalização, embalagem, enfim. Esse é um exemplo da segunda área, do trabalho com pequenas empresas.

 

 

O design e a presença do designer vão além do desenvolvimento do desenho do produto, pelo que você fala. E essa coisa de ver o processo todo, que pauta o Instituto, se reflete também em se ter uma equipe interdisciplinar, como você disse. Comente um pouco isso. Se puder, cite quais profissionais formam essa equipe. Qual a importância de se ter uma equipe assim no trabalho com as comunidades?

Voltando um pouquinho naquela questão assim do meu ideal de melhorar a vida das pessoas, a princípio era fazer um produto legal, que funcionasse, que as pessoas ficassem apaixonadas e que ele, não gerasse também outros prejuízos por outro lado. Era essa a preocupação com o produto. Quando eu comecei a trabalhar com as comunidades, percebi que, na verdade, o design podia transformar diretamente a vida das pessoas.

Então, falando um pouco da equipe multidisciplinar, até o Eduardo entrou no Instituto Meio porque ele na época achou que era interessante fazer uma loja de artesanato. E eu falei “olha, não adianta fazer uma loja se a gente não prepara os grupos”. Então a gente começou exatamente com essa questão, que muitas vezes você desenvolve um produto, ele é lindo e maravilhoso, vai para uma mostra, pode até ganhar um prêmio, mas o que ele realmente gerou na comunidade de renda? Que outras áreas não foram trabalhadas, que então impediram esse negócio de realmente funcionar? Montando essa metodologia mais holística ou circular, a gente percebeu que tinha que ter profissionais da área de gestão, portanto aqui temos profissionais da área de administração de empresas. Vemos isso como um negócio.

Se você for pesquisar como o artesanato surgiu, e o que significa o artesanato para as pessoas, principalmente é uma atividade para gerar renda, sempre foi assim. Quando as pessoas começaram a fazer objetos de uso próprio, o segundo passo era a troca. Então vou trocar a minha tigela de cerâmica por uma pele do meu vizinho porque ele é caçador. Depois quando tiveram os ofícios, que foram muito importantes na Europa, eram profissões reconhecidas para o desenvolvimento econômico da região. Essa necessidade nunca se perdeu no artesanato. Quer dizer, artesanato não é arte. Arte em si você faz por uma expressão própria. Se vende um quadro, ou a peça ou a escultura que você quer fazer, vendeu, mas você faz por uma expressão própria. A arte popular é uma expressão do povo, geralmente por alguma questão religiosa, ou por alguma festa da cidade você faz um objeto, mas você não pensa em vender. O artesanato é um mecanismo de renda para as pessoas. Hoje em dia, até na própria definição do artesanato tem essa questão da geração de renda, é um negócio. Por isso tem que entrar com ferramentas de gestão.

Outra questão importante é certa sensibilização, capacitação das pessoas para trabalhar em grupo. Porque muitas vezes para você alcançar um volume de venda interessante, você precisa que o grupo esteja organizado. Não adianta só ajudar por exemplo uma senhora que faz uma bolsa de crochê, mas se alguém quiser comprar, só vai dar para comprar três peças por mês. Acho que todo mundo que trabalha com comunidade de artesãos sabe que é uma característica que mesmo como designer você tem que ter. Essa capacidade de fazer que o grupo funcione, que se perceba como um grupo.

Temos também no Meio uma assessoria de contábil e jurídica para formalizar esse negócio. Então o que é que vai ser: uma cooperativa? Como que vão se legalizar para poder vender os produtos? Individualmente é um pouco mais fácil, o profissional tira uma carteirinha de artesão e tem uma lei nacional que dá isenção de impostos ao artesanato.

Depois vem a parte de desenvolver produtos. Eu sou designer, a Maíra que também trabalha aqui é designer, e temos também alguns colaboradores externos que ajudam a gente em algumas questões técnicas, com coisas mais pontuais. Então, por exemplo, tem que construir um forno de cerâmica, então a gente tem um técnico especializado para construir forno de cerâmica. Se tem um problema com caruncho na fibra da bananeira, aí a gente tem um técnico especializado para isso. Enfim, qualquer problema técnico ou tecnológico, nesse sentido, a gente tem gente que nos ajude. Pontualmente, porque não são fixos daqui.

 

Mas esses técnicos capacitam as pessoas para ter alguém que na comunidade mantenha aquilo, por exemplo, para que o caruncho da bananeira não volte?

Exatamente. Por exemplo, a metodologia da construção do forno: o técnico vai lá, mas quem constrói o forno é a comunidade. Até para poder dar manutenção depois. A gente vê vários projetos que chegou alguém e botou lá um forninho maravilhoso que depois não é usado, de que as pessoas têm medo, ou que as pessoas acham que vai explodir, que ele não queimou direitinho, enfim, e depois não tem a quem se recorrer quando tem algum problema. E a gente faz uma ação com a comunidade, para eles perderem esse medo e participarem dessa construção, e poderem depois dar manutenção. Porque isso aí é o principal problema, não é só a construção de alguma coisa, mas sim a manutenção daquilo.

Depois a gente também entrou bastante forte com a questão de produção, que faz parte da engenharia de produção: como aumentar e controlar a minha produtividade. Parece que são conselhos muito complexos, mas a gente conseguiu colocar isso de forma simples para o artesão. Mesmo planejamento estratégico, a gente conseguiu fazer uma metodologia simples, que a gente aplicou até em área indígena. Porque não adianta você querer montar uma coisa aqui para gerar renda se você não pensar na frente, planejar os próximos passos, ver o quanto você vai gastar em tempo e em dinheiro, enfim, o que que você tem que fazer para esse negócio dar certo. 

 

 

Vocês desenvolveram uma metodologia a partir da experiência de vocês, imagino. Como que vocês aplicam isso?  Você falou em comunidades indígenas, por exemplo, mas imaginei que talvez vocês tivessem elaborado uma cartilha, alguma coisa que pudesse ser deixado ali para ser consultada, para ser passada adiante...

A gente tem uma cartilha e a gente vai in loco dar essa capacitação. Então é a capacitação e depois acompanhamento da execução disso. Os produtores têm que entender o que é visão, onde que eles querem chegar com aquilo, para a gente poder alinhar expectativas. Quanto a gente quer vender, daqui há um ano? Quanto que a gente quer aumentar a produção? O que a gente precisa fazer para vender mais? Quais são os problemas que a gente tem na produção? Quais são os equipamentos que eventualmente faltam para a gente poder atingir esse objetivo? Nessa engenharia de produção o objetivo é fazer com que eles exerçam o controle da produção, então é fazer com que eles anotem quanto produziram, quanto tempo demorou, quais são os maiores problemas que aconteceram, quanto de perdas eles tem, porque isso também é base para a formatação do preço depois. Eu preciso saber quanto tempo eu demorei, se de dez bolsas, uma é cara e eu não vendo. Esses custos estão embutidos em um lugar.

A gente teve alguns casos mais complexos, quando a gente trabalhou com organizações que trabalham com gente com alguma incapacidade, por exemplo, com pessoas que estão em tratamento psicológico, têm Síndrome de Down. Aí você tem que por o custo social do projeto dentro do produto. Então por exemplo, tinha uma pessoa que tem um problema psicológico. Uma vez por semana ela tem que ir ao médico, ou não posso trabalhar, esse custo também tem que estar aí, embutido em algum lugar, ou buscar esses recursos fora mas quantificar exatamente quanto é esse recurso.

Bom, depois da engenharia da produção, a gente trabalha muito com pessoas de marketing e comunicação, design gráfico. A gente produz catálogos, sites, faz estratégia de vendas, ensina os grupos a terem um cadastro dos clientes, de ligar de vez em quando e oferecer mais algum produto. Tem a parte dessa estrutura de comunicação, que a gente também  faz. Em muitos lugares não tem Internet ou então um equipamento com Internet para eles poderem mandar e-mails e essas coisas, enfim. E aí vem a comercialização, que aqui a gente tem alguns grupos que a gente apoia, vendendo produtos. A gente tem uma loja virtual e faz brindes corporativos. Só para alguns grupos a gente mantém esse auxílio à comercialização. Tem empresas que buscam um brinde com apelo social ou ambiental, e nos procuram porque têm a certeza de que a gente está beneficiando as pessoas, a gente trabalha com o conceito de comércio justo, enfim...

 

Uma das metas do Instituto é alcançar o mercado internacional. Há campo para os produtos brasileiros lá fora? Como se poderia ampliar esse espaço no mercado internacional?

Como todas as áreas, a gente sofre com o dólar, com a cotação do dólar, também com o comércio da Ásia. O comprador na Europa tem a opção de comprar da Índia, do Brasil, ou comprar na China ou em Bangladesh. Então a concorrência não é fácil. Os produtos que atingem o mercado internacional são produtos geralmente de um valor agregado um pouco maior, produtos principalmente que tem a cara do Brasil e que não tem em outros lugares do mundo, que sejam ambientalmente corretos. A coisa do tingimento da fibra, por exemplo, tem que ser de preferência o tingimento natural. Tem que ter esse conceito de rastreabilidade, para você saber de onde que vem o seu produto, a matéria prima.

A gente teve algumas experiências internacionais boas há alguns anos atrás, agora está um pouquinho mais difícil, mas a gente está fechando de novo com Portugal, que é um pouco a porta de entrada da Europa, também com França e Alemanha. São os três países de maior abertura aos produtos brasileiros. A Espanha compra muito da América Hispânica. Mas eu acho que se a gente seguir nessa boa qualidade, nesse valor agregado, nessa cara do Brasil, aí esses produtos tem chance lá fora.

 

Aqui no Instituto Meio vocês têm várias áreas de atuação e vários tipos de clientela. Quais são os principais clientes de vocês? Quem geralmente procura vocês? Vocês costumam ser procurados diretamente por comunidades de artesãos?

Eu acho importante dividir a parte de desenvolvimento comunitário, que trabalha com comunidades. Geralmente são empresas que querem investir nessa parte de geração de renda. Como grande parceiro nós temos o Instituto Camargo Corrêa. E a gente tem outros parceiros, inclusive o Sebrae. A gente trabalha também com entidades governamentais, desde prefeituras, governo de estados e até mesmo ministérios, na área de desenvolvimento de produtos. Para compra de produtos são geralmente empresas como a Natura, Citibank, grandes empresas que sabem da importância e o valor de um produto diferenciado, feito à mão, em comunidades e que vai gerar um impacto. Então são empresas um pouco mais evoluídas nesse sentido. Não dão de brinde uma caneta chinesa, mas sim um produto brasileiro. Geralmente são as empresas grandes ou empresas que têm  dentro da filosofia da empresa essa preocupação. E tem alguns editais de que gente participa. Às vezes são pontuais e às vezes globais. O edital da Caixa Econômica, por exemplo, tem uma verba definida, mas você pode fazer, propor as ações que você achar interessantes. Alguns fecham em alguma ação pontual e outros são abertos para você apresentar um projeto que você achar interessante.

 

Quais as diferenças de se trabalhar com cada um desses clientes: empresas privadas, órgãos públicos, ONGs e comunidade?

Na verdade, os produtos estão separados do resto. Produto geralmente é uma transação comercial que tem esse valor agregado, são empresas que nos procuram para um brinde de fim de ano, para presentear todos os sócios, os acionistas, ou para os funcionários. Eles nos procuram para resolver essas questões pontuais. Eu diria que a gente tem que se adaptar a cada cliente, a cada realidade. Quando a gente trabalha com micros e pequenas empresas, com esse programa de apoio do Sebrae, é às vezes uma ação pontual para uma empresa pequena, tem que detectar um problema específico e a gente vai lá e resolve isso. Nos programas maiores a gente tem que se adaptar um pouco à filosofia da empresa. Então tem algumas que estão muito alinhadas com aquilo que a gente acredita, e aí o trabalho flui muito mais facilmente.

 

E há empresas que vocês já encontraram dificuldades, de repente a proposta inicial da empresa não bater com o projeto que vocês apresentam?

É. Isso eu acho fundamental. O Instituto Meio faz parte do terceiro setor. Na verdade, do que a gente chama de setor dois e meio, porque no fundo a ideia é de que o terceiro setor vive de doações, resolve alguns problemas sociais e tal. Mas quando você fala em negócio, em geração de renda, você muda a vida das pessoas e elimina a pobreza, ou dá oportunidades, ou faz com que as crianças possam ir para a escola, ou que as pessoas possam comprar certos remédios, ou enfim, tem acesso a serviços sociais, você entra com ferramentas de mercado.

Não adianta num projeto de geração de renda você só dar. Você tem que montar uma estrutura para que ela possa se desenvolver por si só, fazer uma estrutura autossustentável. Então na verdade é mais complexo. E às vezes até mais caro. Às vezes até você fala "Bom, se eu vou investir um milhão de reais, quantas creches dá para fazer? Ou quantos cursos eu consigo fazer?" Você consegue fazer muitos. Agora se você pega isso e fala "quantos negócios eu consigo fazer? Que quando acabar esse dinheiro eles consigam sobreviver e gerar renda sozinhos?" Aí são menos, porque o projeto é mais caro. Porque a gente sabe que tem que investir em infraestrutura, em capacitação das pessoas, em ações de mercado, em design para o produto, em melhoria tecnológica, em todo esse ciclo que está ali. Tem grupos que estão mais avançados, mas tem alguns grupos que a gente quase que começa do zero. A gente já começou do zero. Tem um potencial na região, a gente detecta e começa a formar esse grupo, dar essas capacitações, desenvolve produtos, leva no mercado e faz com que eles depois sobrevivam com as próprias pernas.

 

Você trabalha e já trabalhou com diferentes comunidades em todo o Brasil. Desses projetos, quais você destacaria? Por quê? Pode citar exemplo de impactos a longo prazo verificados nas comunidades atendidas pelos projetos?

Acho que vou dividir essa resposta em duas partes. Uma coisa que eu preferia falar, já que A CASA trabalha muito com essa questão do design com artesanato, é só um parênteses que eu acho importante, na verdade. Na metodologia e na experiência que eu tenho durante todos esses anos, quando você trabalha design em comunidades, você tem responsabilidades muito grandes. Primeiro na questão de você entrar num lugar que tem pessoas, com culturas diferentes. E você tem que tomar cuidado também com o que você vai prometer ali. Você realmente pode gerar um impacto que pode mudar a vida das pessoas, que nem sempre você tem controle. E você de repente tem que abrir os olhos das pessoas. Por exemplo, trabalhei numa cooperativa no Rio Grande do Norte que tinha duas mil mulheres cooperadas, cada uma trabalhando na sua casa, tinha uma estrutura que  levava a fibra para as pessoas, elas produziam e depois recebiam. Inclusive vendia para a Tok&Stok. Aí começou a gerar renda, e as mulheres começaram a botar os maridos para fora de casa, aqueles que ficavam na rede o dia inteiro. Você está mexendo na estrutura até familiar da própria comunidade.

E, um ponto que é polêmico e importante citar, é que se você entra numa comunidade que tem uma certa cultura, uma certa tradição, até que ponto eu me coloco como um designer autoral ou não? Qual que é a minha tarefa? Eu vou lá para fazer um produto lindo e maravilhoso, de que eu posso me orgulhar e posso mostrar, ou na verdade o produto faz parte do caminho para eles serem autossustentáveis? Tem que ter essa consciência, de não fazer um produto com a tua cara. Já trabalhei em todos os estados do Brasil, praticamente, e imagina se todos os produtos tivessem a cara do Lars. Você vai no povo indígena, tem a cara do Lars, você vai num grupo em Mato Grosso do Sul, e tem a cara do Lars. E aí? Tem grupos que mantém uma tradição tão forte, mas tem grupos que não, que você simplesmente tem que trabalhar o produto de uma outra forma, quer dizer, que não tem a identidade e a característica local, mas que você consiga, enfim, com essa peculiaridade, transformar isso em produto diferente. Mudar a proporção, o tamanho, enfim, dar algumas dicas nesse sentido.

E aí voltando então para a questão dos exemplos, uma que a gente começou do zero foi Mato Grosso do Sul, aquele trabalho de osso, que também já esteve numa exposição na CASA. Foi a prefeitura que queria fazer algum trabalho com geração de renda, e perguntou o que a gente poderia fazer ali. O osso, na época, era jogado fora, era subaproveitado, porque lá tem uma característica de ser uma região de pecuária com frigoríficos e tal. E aí a gente começou a trabalhar essa questão do osso. Inclusive passaram a exportar, exportam ainda. Hoje tem três grupos lá na cidade. Um ainda apoiado pela prefeitura, que são jovens que estão aprendendo. E os outros dois são grupos autônomos.

Outro exemplo interessante é um trabalho que a gente fez no Maranhão com fibra de buriti. Eram 180 famílias, três empresas na região dos Lençóis Maranhenses que trabalham com a fibra do buriti. Com eles foi a primeira vez que a gente fez um projeto que trabalhasse a questão do manejo sustentável da matéria prima, em que se fomentou com todos a questão do tingimento natural. E trabalhamos com diversas ferramentas de gestão que também nunca tinham sido trabalhadas, fizemos com que eles se perceberem como um grande grupo, um polo de produção de fibra de buriti. E aí eu soube depois que, quando você vai lá, hoje os guias turísticos já explicam todo esse processo, qual que é o valor agregado do produto, porque que usam fibra natural, porque que se tinge aquelas fibras, quanto tempo demora para fazer. Então esse foi um projeto interessante.

A gente trabalhou num ponto também no Jalapão, com capim dourado, também com essa questão do manejo, que era o grande problema. Porque quando começou a aumentar a demanda por produtos lá, começou a se ter muitos problemas com a matéria prima. Quando a gente estava ali, junto ao governo do estado de Tocantins conseguimos fazer uma lei que proibisse a extração de capim dourado por pessoas que não sejam ligadas a associações formalmente estabelecidas lá. Mas aí tem a extração ilegal, tem gente que entra ali à noite. Então é preciso tentar fortalecer as comunidades para também cuidarem disso. O maior desafio é que, geralmente, a matéria prima não cresce nas terras dos artesãos, eles não têm a terra, a matéria-prima cresce em fundo de fazendas. Ou às vezes perto de áreas de proteção ambiental, como não é o caso lá, mas é o caso de uma comunidade em Ubatuba.

 

E aí como se resolve essa questão?

Nesses projetos e também para as empresas, é sempre importante que o poder público participe. Então a gente cria um comitê gestor local, com pessoas da comunidade que tenham influência ali, representantes da prefeitura, às vezes do Rotary, de conselhos e associações locais etc. Inclusive eles são um apoio para essa comunidade, o apoio local para não depender só do Instituto Meio. E a questão do poder público é importante porque no caso, por exemplo, de área de proteção, o poder público não tem gente para cuidar, não tem polícia ambiental para botar ali, armada, para tirar os extratores ilegais de lá. Eles podem até trabalhar soluções para áreas de proteção da prefeitura, que de repente não são áreas de proteção ambiental, onde pode inclusive ser plantado. No caso lá em Ubatuba é a cacheta, uma árvore que pode ser plantada e, com um plano de manejo, você consegue extrair sem danificar o meio ambiente.

Talvez para citar um que não tem tanto a ver com artesanato, mas que também tem a ver um pouco, nós fizemos um projeto com o Tamar, em que a gente trabalha na parte de auto sustentação. O Tamar depende da Petrobrás, do CTNBio, o antigo Ibama, e de renda própria, através de centros de visitação em que você paga a entrada, ou de venda de produtos na própria loja do Tamar. E há alguns anos a gente entrou ali para fortalecer essa rede de sustentação. Portanto, dentro dessa questão de renda, a gente trabalha não só com comunidades, mas também como algumas ONGs, que no caso é o Tamar, para ver o que poderia ser feito para aumentar essa parte de autossustentação. Trabalhamos com eles no planejamento, no design de produtos das lojas. O Tamar apoia comunidades locais também nessas lojas, então procuramos trabalhar como utilizar isso de uma forma correta. A gente auxilia o Tamar em toda a parte de gestão, orçamento, organização interna, e principalmente na parte de autossustentação que são as lojas. Porque hoje mais de um terço, quase quarenta por cento da renda é gerada pelo próprio Tamar. Então isso diminui a vulnerabilidade do trabalho que eles estão fazendo. O dia em que a Petrobrás não patrocinar, eles conseguem sobreviver.

 

Você diria que essa é a grande questão talvez? De você construir uma coisa que seja autossustentável, que consiga se manter depois que o designer sai, mais do que a questão da atuação em cima do produto?

Acho que sempre é bom se perguntar qual é o objetivo, o que que eu quero fazer. Então se você tem o objetivo de fortalecer a comunidade e gerar um negócio sustentável para que as pessoas possam viver dessa renda, o design na verdade é uma ferramenta. Ele faz parte do ciclo, do processo. Então, na metodologia, você tem que fazer com que, claro, seja um produto interessante para o mercado, e que seja adequado depois ao quê esse grupo imagina e pode vender ou quem pode ter como cliente. Porque que às vezes também não adianta fazer uma coisa muito sofisticada, quando na verdade os clientes são outros. Quer dizer, são menos sofisticados, ou querem produtos menores, ou querem produtos mais baratos... Acho que o importante é realmente ver o design como uma ferramenta, não é como fim desses projetos. O fim é a autossustentabilidade desse negócio. Então tudo o que você faz ali tem que contribuir para fortalecer esse grupo e fazer com que ele seja autossustentável.

Como designer às vezes é importante você passar também a metodologia, mais do que desenvolver o produto. Para que quando você for embora, se possa ao menos fazer pequenas mudanças, algumas adequações, aumentar a linha de produtos com algumas coisas, sem necessariamente precisar de o designer ir sempre lá. Para alguns grupos mais avançados, hoje a gente dá apoio daqui. Desenhamos alguma coisa, mandamos por e-mail ou por fax e eles conseguem fazer. E é o processo mais barato, porque não tem a viagem. Só a viagem de um designer para uma comunidade no Amazonas, por exemplo, é um custo muito alto. E nesse objetivo realmente o design é uma ferramenta. Como tradicionalmente o design nas empresas também é uma ferramenta, com mais ou menos importância, de acordo com a filosofia da empresa. Para uma empresa de móveis como a Embra, por exemplo, o design é uma ferramenta importante. Mas pode ter outras empresas que contratam designers pontualmente para melhorar o produto, como um produto técnico, um transformador, por exemplo. Talvez aí o designer tenha uma importância menor. Mas o que a empresa busca, na verdade, é aumentar as vendas e aumentar o lucro. E no caso dos negócios sociais, você quer fazer com que ele seja autossustentável, e que eles consigam melhorar a vida deles lá na comunidade.

No fundo, você tem que desmistificar um pouco essa questão do designer, como designer também tem que dar um passinho para trás. Isso às vezes não é fácil. Falar "peraí, eu não sou o cara mais importante, eu faço parte, como outros também, de um sistema que depois deve funcionar". E eu acho que hoje isso está mudando.

 

O objetivo do Instituto é "gerar oportunidade de emprego e renda através da gestão de investimentos sociais privados e públicos, através de soluções economicamente viáveis, socialmente justas, e ambientalmente sustentáveis". Como aliar esses três vértices - social, econômico, ambiental? Como aliar o desenvolvimento econômico com a preservação histórica e cultural, considerando as transformações que o aumento da renda implica?

Uma das coisas que a gente está trabalhando, e é difícil, é um desafio, é colocar jovens no processo. Os jovens têm que começar a participar e a gostar. Agora, eu acho importante a gente se colocar no lugar dele. Se você é um jovem, numa cidade pequena, que não acha possibilidades ali, o que que você vai fazer? Você vai ter que ir para fora, para uma cidade maior, se você tem no lugar uma possibilidade de trabalhar e de se desenvolver até a mais que de repente os pais, você vai. Porque, muitas vezes, o próprio pai artesão fala "Não, filho, vai fazer outra coisa, isso aqui não tem futuro"... Então o que a gente está tentando fazer é inserir o jovem no processo até de organização, de administração, de venda, enfim, buscar outras atividades que para eles possam ser interessantes. E você tem que pensar: porque que as pessoas migram para outras coisas? Porque muitas vezes você trabalha com pessoas que dependem disso para sobreviver, que fazem uma bolsa e colocam no mercadinho para vender a vinte reais, senão não vão comer amanhã. Se você estiver por exemplo, como acontece em Barreirinha (AM), num local que está crescendo turisticamente, alguém chega e fala "Você vai trabalhar de camareira ou de faxineira no hotel, por um salário mínimo". Então você vai pensar "Peraí, um salário mínimo vai dar esses vinte reais multiplicado por tantas vezes. Puxa, eu vou ter a minha carteira assinada"... Eles migram mesmo. Talvez nós também faríamos isso. Eu não sei se a gente nesta situação seria tão evoluído e falar "Não, não, eu preciso preservar a cultura e a tradição local fazendo artesanato".

Estou falando do artesanato, porque quando você está falando de outras áreas é um pouquinho diferente. Por exemplo, arte popular é uma coisa diferente. Mas em artesanato, que as pessoas fazem para gerar um pouco de renda, se você conseguir gerar renda no mínimo de um salário mínimo para as pessoas, aí isso vai sobreviver e essa cultura também vai sobreviver. E é importante também ter em mente que na verdade a cultura é uma coisa mutante. Então se alguém falar "Ah, então tem que fazer, não dá para mudar nada, tem que deixar do jeito que estava antes". Se for artesanato, tem que gerar renda, e ele tem que se adequar também um pouco ao mercado. Claro que você pode fazer dessa parte cultural uma vantagem competitiva também. Então por exemplo, um grupo de Apiaí em São Paulo, trabalha tudo com a técnica do rolinho, que é a técnica antiga de fazer cerâmica e é muito menos produtiva que um torno. Só que as pessoas ali falam "Não, nós queremos ganhar dinheiro com isso". Então isso tem que ser um diferencial para o designer. E o designer tem que fazer com que as pessoas vejam que aquilo ali é uma coisa diferente, vejam que é feito à mão, um a um. Que não tem a forma redonda, como os produtos cilíndricos que são feitos no torno. Você tem que aproveitar isso. E aí entra a cultura. Se ela consegue gerar renda, ela vai se manter, vai se transformar, mas tem essa característica que é formada pelas pessoas que estão no local. Agora, a gente não pode ser teimoso, não pode falar: "Ah, então isso aqui é cultura, você não pode mexer nisso”. Você pode até botar uma peça dessas no museu.

Acho bem legal que eles fazem no Japão. Você detecta as mestras e as mestras lá tem um salário do governo para ensinar a outras pessoas essa técnica. Mas a técnica, de qualquer maneira, só vai sobreviver se as pessoas conseguirem gerar renda com isso. E como é feito à mão, como é artesanal, o preço não é o mesmo que claro, o preço de uma fábrica, que faz sei lá quantos mil por dia. Então você tem que sensibilizar o público, porque que ele vai pagar mais por uma coisa. Tem toda uma cadeia que é importante.

 

Isso, falando em artesanato. Falando, por exemplo, em arte popular, ou em outras áreas, qual diferença você vê?

A primeira coisa: arte popular não tem o intuito de gerar renda. Então por exemplo, se ela se apoia essa arte comum, pode até virar artesanato, como o caso, por exemplo, de Caruaru. A cerâmica ou então um artista popular vira famoso e todo mundo copia, faz a mesma coisa. Aí virou artesanato, porque virou fonte de renda. Mas, por exemplo, faço uma santinha, alguma coisa, para uma festa popular ou religiosa, com figuras como em Olinda. O que acontece? Isso pode se manter, do mesmo jeito, durante cem, duzentos, quinhentos, mil anos, e podem levar essas figuras para um museu e falar "isso aqui faz parte da cultura tradicional nordestina". Mas ela não vai mudar por uma questão de sobrevivência. Ela vai mudar se as pessoas depois com o tempo acharem que a santinha não tinha essa cara, tinha outra cara. Aí é uma coisa da própria característica da cultura, que vai mudando com as pessoas. Mas, deu pra entender então a diferença? Quando você não tem essa necessidade de gerar renda, aí você pode manter essa cultura, essa tradição.

 

Você tem essa experiência de ter passado por vários países. Como que você vê essa questão do design e do artesanato fora do Brasil? Você citou essa questão da preservação dessa memória do fazer que existe no Japão. Mas há em outros países exemplos de tentativas como essas de se manter uma tradição artesanal, de se desenvolver as comunidades? Em países mais desenvolvidos pode ser outro parâmetro, porque aqui a gente tem as comunidades de artesãos com um nível de desenvolvimento baixo, que talvez outros países não tenham.

É, tem isso mesmo. Não dá para comparar o artesanato feito na Espanha, ou na Alemanha, que são os relógios, o cuco, ou o trabalho de couro na Itália, com o trabalho de artesanato de países digamos em desenvolvimento. Primeiro porque os artesãos na Europa já passaram por várias fases, já passaram pela fase de ter que gerar renda com isso, já passaram por uma fase forte de industrialização. Dá para ver que muitos artesãos foram incorporados nas fábricas para fazer protótipos. Por exemplo, um artesão do couro que fazia botas de couro artesanais, de repente agora trabalha com uma empresa que faz sapatos e faz manualmente os protótipos que os designers desenvolvem para depois entrar na produção.

Agora, nos países da América Latina, no México onde eu nasci, ou na Colômbia, no Peru, até numa parte na Argentina, pessoas às vezes tem só essa oportunidade para gerar renda. O que se faz lá? Pega um capim, faz alguma coisa e vende. A economia gerada por isso é muito importante. O México, por exemplo, é um país que o turismo é muito importante, e o artesanato vem de carona com isso. Então tem artesanato mexicano nos Estados Unidos, hoje em dia a preços altíssimos, tem mestres artesãos super cotados. Acho que essa realidade do Brasil se estende a esses países em desenvolvimento. No momento em que você tem uma estrutura social que não precisa gerar renda com isso aqui, você pode migrar para outra área, mesmo tendo a ver com a sua capacidade manual mas com uma outra característica, talvez uma outra forma de trabalhar. Talvez na Itália o mestre artesão que trabalha com o couro, de repente tem a pequena lojinha dele de bolsas de couro exclusivas, que custam caríssimas, e tem uns clientes aí que adoram. Mas é um outro patamar, ainda comparado a outras comunidades no Brasil. Então talvez olhando do futuro, no momento em que as pessoas no Brasil consigam desenvolver o seu trabalho, eles vão ficar cada vez mais sofisticados e isso também pode acontecer aqui.

O país assim que vejo mais avançado no design-artesanato na América Latina é sem dúvida é a Colômbia. Eles têm um programa de governo que desenvolve mestres artesãos, têm uma feira importante. Acho que está bem montado esse sistema de apoio aos artesãos na Colômbia. Tem alguns museus fantásticos lá. No México também tem um programa de apoio ao artesanato, muito focado também na questão técnica. Numa época eles queriam tirar o chumbo da cerâmica mexicana, porque era perigoso para o meio ambiente e para as pessoas. Tem algumas cidades que se desenvolvem só a partir do artesanato, muito também em função do turismo, e porque o mexicano gosta de comprar artesanato, decora sua casa com artesanato, ele se identifica com isso.

E posso falar de outros, por exemplo, de Peru e Equador. Eles têm o artesanato muito ligado ao turismo. Ou têm comunidades que fazem até sua própria roupa, pela tradição realmente e porque eles não têm a possibilidade de comprar outro tipo de roupa. Agora, eu não sei até quando isso vai durar. No momento em que chega roupa baratinha da China ali, ele começa a deixar aquele tear tradicional, de algodão. Para isso sobreviver e isso se fortalecer, a gente tem que trabalhar muito a conscientização das pessoas que tem dinheiro e que consomem isso.

No momento em que você consome, você está dizendo que é bom. Então se, pensando a decoração da sua casa, você compra peças artesanais, você está ajudando a manter essa tradição. Eu acho que a responsabilidade não é só das comunidades. É de todos. É de museu que vai expor para valorizar o artesão em exposições, é uma publicação que faz com que as pessoas entendam o processo e a importância daquilo, são as lojas que vendem esse tipo de produto e que depois geram uma renda na comunidade, faz com que ela melhore no seu ganho em seu produto.

E temos que evitar alguns problemas no caminho que eu vejo que já aconteceram. Por exemplo, numa comunidade no Rio Branco, uma pessoa que queria ajudar a comunidade, comprou um monte de lantejoulas e miçangas na rua 25 de Março, e levou para lá para eles fazerem bijuterias. Só que não tinha nada a ver com a cultura local. Era muito mais interessante pesquisar as sementes locais e fazer com isso do que também depender da compra dessas miçangas. Sozinhos eles não conseguem nem comprar depois a matéria prima para fazer.

Outra coisa que a gente percebeu também, é que às vezes tem no nordeste, por exemplo, uma cidade de tradição da cerâmica, e a prefeitura local, ou algum órgão levou cursos de artesanato direcionados para a região, com uma artista plástica - nada contra artista plástica - mas que ensinou uma técnica que não tinha a ver com o local, e quando você chega uns anos depois ali, as peças tem a cara desse curso. Ou então arquitetos e decoradores que falam "Ah, eu quero um vaso tipo fenício ou grego", e as pessoas mandaram até fotos para os artesãos copiarem. Então esses aí que eu acho que são esses que causam realmente um impacto grande na própria cultura local.

E aí o que acontece? Você tem essas expressões, tanto de um curso que foi dado com decoradoras quanto dos produtos de 1,99 de plástico que influenciaram a cerâmica na cidade, e a cerâmica tradicional que está em declínio. O que acontece? As artesãs começaram a fazer porquinhos com a marca do Palmeiras para vender na feirinha a 1 real. E no fundo isso não gera desenvolvimento porque na verdade isso aí não tem lucro, o artesão sempre fica na mesma, porque trabalha abaixo do custo. Então eles têm que produzir para vender, porque amanhã tem que comer, mas daí amanhã eles tem que vender um pouco mais barato para vender um pouco mais, e aí eles não se desenvolvem.

 

E às vezes a pessoa vai acabar comprando no 1,99 porque aquela (loucinha) de plástico não quebra.

É, exatamente.