Não só pela beleza e graça das passistas, madrinhas de bateria, pela maestria das baianas e porta-bandeiras, as mulheres são presença essencial para o carnaval. Uma ala de mulheres que não aparece na avenida garante a beleza do desfile - as artesãs, bordadeiras, costureiras. E no meio tradicionalmente masculino dos músicos e compositores, ao longo da história grandes nomes femininos se destacaram, rompendo barreiras e abrindo espaço para as mulheres na música, como ritmistas, compositoras e puxadoras de samba.
Ô Abre Alas
A presença feminina foi marcante desde a primeira marchinha carnavalesca. Em 1899, os foliões cariocas cantavam Ô Abre Alas, composição de Chiquinha Gonzaga para o bloco Rosas de Ouro. Mas foi só séculos depois que pela primeira vez uma mulher integrou a ala de compositores de uma escola de samba: em 1965, quando Dona Ivone Lara venceu o concurso para samba-enredo da Império Serrano com Os cinco bailes da história do Rio. Mas Dona Ivone, que já em 1947 fez o samba Nasci para sofrer, o qual se tornou o hino da escola, durante anos compôs sob o pseudônimo do primo Fuleiro, antes de que fosse reconhecida como compositora.
Quem igualou o feito de dona Ivone na tradicional ala de compositores da Mangueira foi Leci Brandão, em 1972. Assim como ela, várias outras cantoras passaram pelo sambódromo, ajudaram a dar voz o samba - também literalmente - dentro e fora da avenida.
As vozes femininas do samba
Um grupo de mulheres pioneiro na interpretação de samba foi As Gatas, formado pelas cantoras Dinorah, Nara, Zélia e Zenilda. Gravaram todos os discos de samba desde 1968 e são responsáveis pelos corais nas faixas. E até hoje são frequentemente convidadas para auxiliar os intérpretes na avenida, em especial pela pela Beija-Flor, escola pela qual desfilaram pela primeira vez em 1977.
Difícil é precisar quem foi a primeira puxadora de samba-enredo. Duas das precursoras foram Tia Surica, que em 1966 ao lado de Maninho e Catoni puxou o samba-enredo “Memórias de um Sargento de Milícias”, e Elza Soares, convidada pelo Salgueiro no carnaval de 1969 para puxar o samba "Bahia de todos os deuses" que garantiu para a escola o título daquele ano. O sucesso da cantora na vermelho-e-branco inspirou outras escolas a buscarem “a sua Elza”.
Foi na voz de Marlene, legendária cantora da época de ouro do rádio, que o Império Serrano garantiu o título de 1972 com “Alô, alô, taí Carmem Miranda”. Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes (o chamado ABC do samba da década de 70), Selma Reis e Simone foram algumas das mulheres que subiram ao carro de som na Marquês de Sapucaí. Em São Paulo, a maior delas é a cantora Eliana de Lima, que há 25 anos puxa sambas no carnaval paulista.
80 mulheres nas ruas de São Paulo
Em São Paulo, um bloco só de mulheres toma as ruas do centro da cidade nos dias de Carnaval. Mas não é uma bateria de escola que marca o ritmo, e sim a batida afro de djembês, alfaias, ilús, agogôs e xequerês. São as cerca de 80 instrumentistas, cantoras, dançarinas do grupo afro Ilú Obá de Min que, em mais de 20 anos de formação, trabalha pesquisando e divulgando as tradições percussivas, musicais e coreográficas africanas e afro-brasileiras.
A cada carnaval seguem uma temática relacionada à cultura afro-brasileira: a viagem dos negros escravos nos navios negreiros, mitos africanos sobre a origem do mundo e o panteão dos orixás. Já prestaram também tributo a mulheres marcantes da cultura afro-brasileira, como em “Leci Brandão, Guerreira Verdadeira”, tema de 2006. (Confira a agenda do grupo para o carnaval deste ano no site www.iluobademin.com.br)
No meio da multidão
Outra personagem feminina marcante no imaginário carnavalesco, frequentemente presente nos salões de baile, é a Colombina. Uma das fantasias mais populares entre as folionas, a personagem tem suas origens na Commedia Dell’Arte, em fins da Idade Média. No tradicional teatro italiano, é uma bela serviçal que vive entre o amor do astuto Arlequim - a figura de roupas de losango coloridas, cujo sentimento é correspondido por Colombina - e o romântico Pierrot - constantemente retratado com uma lágrima nos olhos, por sofrer pelo amor da donzela.
Tal triângulo amoroso já serviu de inspiração aos mais diversos artistas, como tema de pinturas, enredos e marchinhas e canções, como a popular “Máscara Negra”, de Zé Keti. E, entre os mascarados do salão, quem já não se apaixonou e disputou entre Arlequins e Pierrots o amor de uma bela colombina?