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A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

MARA GAMA

Publicado por A CASA em 7 de Fevereiro de 2011
Por Lígia Azevedo

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"O design não vai resolver o problema do Brasil. Resolve o problema do designer quando for bom, quando não for bom não resolve o problema de nada. Só inventa uma chatice e tranqueira."

 

 

Mara Gama é jornalista especializada em design e edita o BlogDesign.

 



 

Conte-nos um pouco da sua trajetória. Você é jornalista de formação, se aproximou do design e se especializou nisso. Como foi essa aproximação?

Fiz jornalismo na PUC, mas sempre gostei de design e de arquitetura. Meu pai era arquiteto e eu tinha uma vivência familiar. Me lembro quando o Metrô abriu, a gente veio visitar a primeira estação. Meu pai levava os estudantes para passear em prédios, usinas de açúcar, porque ele estudava história da arquitetura. Quando fiz jornalismo, na faculdade eu já diagramava o jornal. Eu gostava muito de fazer matéria, mas desenhava, diagramava o jornal, tinha um interesse natural por essa área gráfica.

 

Quando eu virei jornalista, meu primeiro emprego foi ser repórter de economia. Depois, quando fui para a Folha, fui cuidar de classificados de imóveis. Aí comecei a fazer matérias de mercado imobiliário, mas também sobre design, arquitetura e urbanismo... Também nesse começo, comecei a fazer revisão numa revista de arquitetura, que era a revista Arquitetura e Urbanismo, da editora Pini. Por todos os lados chegava a coisa da arquitetura para mim.

 

Também teve uma época que a Folha Ilustrada tinha semanalmente uma página de arquitetura e design. E eu sempre me candidatava para fazer essa parte e durante um tempo eu fiquei fazendo matérias para esta página semanal na Folha. Também fazia matérias para algumas revistas. No começo dos anos 90, morei na  Itália e fiz algumas contribuições com   entrevistas para umas revistas brasileiras de arquitetura.

 

Quando voltei para o Brasil, em 1992, fui trabalhar na MTV. Comecei a entender mais de televisão. Eu tinha uma experiência anterior em TV, numa produtora independente de vídeo, mas na MTV comecei a entender de reportagem como um roteiro, em que vários conteúdos podem se integrar - o áudio, o vídeo, os efeitos, o texto, enfim. Comecei a entender um pouco mais da sintaxe da televisão, e comecei a me interessar mais por isso. E essa ideia de roteiro ficou mais clara quando eu comecei a trabalhar com Internet. Na Internet, além das interfaces que já existem na televisão, das linhas narrativas que existem na televisão, há também outras que podem se articular.

 

Esse pensamento todo meu também começou a, por um lado, me fazer voltar a me preocupar com design sobre um outro ponto de vista: o design de interface. Como é que é que se articulam todas essas narrativas jornalísticas de dados num espaço diferente, que é o espaço virtual?

 

Então, além daquele design de produto, da história do design, a prática jornalística me levou a estudar o design de interface. Durante um tempão no UOL eu fiquei numa área de criação, projetando e criando novos sites. A gente fazia o que hoje se chama arquitetura de informação - que na época não se chamava assim, mas que é arquitetura de informação, design de interfaces. Em 2004, resolvi voltar a estudar e fiz uma pós-graduação em design gráfico no Senac. Meu trabalho foi justamente em cima da história do UOL contada através de suas home pages.

 

Ao mesmo tempo em que eu mantinha o meu trabalho jornalistico propriamente dito e os estudos na pós, fui me aproximando também mais do design de produto e pesquisa sobre história do design. Fiz minha primeira curadoria de exposição,  sobre o Carlos Motta, no Museu da Casa Brasileira. Foi muito legal, porque eu estava ali fazendo a curadoria e o texto, mas me envolvi em todo o projeto cenográfico. E acabei fazendo um vídeo sobre a arquitetura do Carlos Motta e o livro da exposição

 

Também a partir da minha experiência como jornalista que cobre design, fui convidada várias vezes para fazer parte do júri do Museu da Casa Brasileira. E foram grandes experiências. Pude discutir com vários designers sobre os produtos que analisávamos. Isso me fez começar a ler outras coisas, exatamente sobre projeto de produto, porque, até ter esse contato mais com os produtores, com quem faz, quem projeta e tal, eu tinha uma visão mais histórica, não tinha nenhuma leitura sobre projeto - o que hoje em dia eu tenho mais.

 

Há dois anos, participei também de um projeto bem bacana em Salvador, com o acervo da Lina Bo Bardi, que se chama "Fragmentos: Artefatos Populares, o Olhar de Lina Bo Bardi". Fui convidada pelo André Vainer para fazer a parte de texto da exposição. Foi muito interessante, porque depois de muito tempo, foi reunido grande parte do acervo das peças que a Lina recolheu nas viagens de pesquisa pelo nordeste brasileiro. E aí a gente montou uma exposição de revelação desse acervo em Salvador. Foi muito bom, porque acho que a Lina tem papel fundamental para o design brasileiro. Ela trouxe uma leitura inovadora para o design brasileiro. Ela conseguiu promover, conseguiu provocar... Eu acho que é fundamental entendê-la. E, se eu posso dizer que tem uma vida que me inspira muito é a dela, de como que ela conseguiu fazer, entender e conhecer a arte aplicada no Brasil.

  

 

E depois você criou também seu blog... Como foi esse processo?

Foi em 2008. Ainda no UOL, me propuseram fazer a cobertura da Feira de Milão. Decidimos fazer via blog, porque é muito mais fácil de atualizar. Foi  super importante ter ido, porque vi todo o negócio do design. Como é diferente quando um negócio faz parte da indústria, e quando um negócio é uma eterna tentativa de fazer alguma coisa que não está entranhada exatamente no processo industrial de um país, como é no Brasil, assim. A indústria italiana é o design, não tem uma diferença entre uma coisa e outra, não é uma imposição de que pessoas que têm bom gosto gostam, não é assim. As pessoas fazem objetos e vendem, é mercado. É muito mais simples de entender do que aqui, que a gente tem uma dificuldade e tanto.

 

Mas aí fui para a Feira pela primeira vez e comecei a fazer o blog. E gosto muito de fazer, só não tenho muito tempo para atualizar. Gosto muito de escrever, e depois também dessa experiência que eu tive com os prêmios, com fazer parte das premiações, acho que comecei também a entender mais onde é que o Brasil está mais ou menos no design, quais os processos que estão rolando, onde tem os núcleos. Também me permite ter um pouco mais de clareza para dizer o que é uma matéria de verdade e o que é um release só, o que que é puro marketing em cima de uma iniciativa que ninguém sabe se é legal ou não... Porque também agora as palavras "sustentável" e "auto-sustentável" estão na boca de todo mundo, e não quer dizer nada se você não tem uma pesquisa muito grande.

 

Neste aspecto foi muito legal ter feito parte do júri dA CASA [do 2° Prêmio Objeto Brasileiro] porque ali realmente as discussões foram objetivamente levadas até o fim, sobre como avaliar se o negócio é sustentável ou não, se aquela iniciativa de fato envolve mesmo a comunidade ou não.

 

 

Com essa experiência toda que você tem, cobrindo design e participando de prêmios, dá para dizer onde estamos?

Consigo ver que estamos em vários lugares, porque de verdade no Brasil tem uma desigualdade muito grande, e essa desigualdade não é uma questão de vontade. É uma questão que existe.

 

Estamos em movimento. Nos últimos vinte anos partimos de quatro cursos de graduação em design para quinhentos. Isso já é uma indicação. Não quer dizer que a gente está formando gente excelente em todos os cursos, porque tem muitos. Estamos formando gente ruim em muitas áreas por causa dessa mercantilização da educação, isso acontece com o design também. E acontece também essa fetichização do design. Então vou fazer um curso de design. Mas para quê? Se não gosto de criar, não gosto de desenho, não gosto de objeto, enfim. As pessoas também fantasiam muito o que é ser designer. Mas existe de verdade um crescimento, quer dizer, tem mais gente pensando, tem mais gente estudando... Isso é a condição mínima para que a gente floresça, tanto intelectualmente sobre o design como projetualmente.

 

Acho que tem um terreno mais fértil do que tinha vinte anos atrás, também porque a gente tem uma mudança econômica no país muito forte, uma melhoria das condições de vida da classe média. O mostruário que você vê hoje de uma casa de móveis popular com uma cozinha popular é uma cópia do que você via quinze anos atrás de uma cozinha italiana. Tem alguns componentes, algumas estruturas, alguma qualidade projetual daquilo. Embora esteja sendo copiado, está sendo difundido um desenho um pouco melhor para dentro das casas das pessoas, que pode ser mais prático, mais confortável. A gente tem talvez um pouco mais de distribuição do conforto, que não é criado pelo brasileiro para o brasileiro, mas que é uma linguagem internacional que está sendo mais difundida. Então acho que tem uma mudança de patamar econômico da população brasileira fundamental. Claro que ela continua com os mesmos problemas, que a gente tem sempre, como a polarização.

 

E acho que há uma mudança também de percepção. Começou a se difundir o pensamento de que fazer alguma coisa com o que é dado e deixar de criar coisas em profusão não é só uma solução de terceiro mundo abandonado.. E esse pensamento dá uma espécie de racionalidade no mundo, do luxo ser menor. A ideia de viver com menos pode ser muito interessante. Esse pensamento low tech talvez ajude algumas áreas de projetos no Brasil a fazerem coisas que podem ter uma repercussão internacional. Os irmãos Campana, por exemplo, fizeram muita coisa de sucata, partiram dos elementos industriais para criar coisas artesanais. Esse procedimento é um procedimento moderno, não é um procedimento completamente desconhecido. E acho que por isso os Campana conseguem dialogar tanto com a comunidade internacional, porque as pessoas conseguem entender que linguagem é aquela, o que estão fazendo com a tradição e com a modernidade, com o industrial e com o artesanal. É compreensível isso. Apesar de que o brasileiro que compra móvel nas Casas Bahia nunca vai conseguir comprar nada dos irmãos Campana. Mas tem lugar para esses caras no mundo e na conversa sobre design.

 

Então não sei onde estamos, mas o Brasil tem mais visibilidade, e não é mérito do design brasileiro. É uma questão internacional. A crise econômica abaixou a bola de um monte de gente, e o Brasil subiu a bola por ter talvez passado essa crise com menos problemas do que os outros países. O Lula fez uma super representação do Brasil, foi uma figura super carismática, que queira ou não colocou o Brasil em manchete. Até no Brasil, todos os dias em que esteve no governo ele foi manchete nos jornais brasileiros, até nos jornais que são contra ele. É inegável que tem uma visibilidade muito grande para o Brasil. E acho que tem essa coisa internacional que está acontecendo que é de parar de achar que estamos num estágio inferior. Os estágios todos convivem.  Cabe a quem quer, a quem acha que isso é justo, tentar fazer com que as cidades que estejam com menor grau de desenvolvimento atinjam o maior, que tenha mais igualdade social, que tenha mais renda. Mas é impossível pensar que vai estar todo mundo no mesmo nível, que a gente vai estar em estágio de desenvolvimento nivelado. Isso não existe.

 

Também não existe esse “o design brasileiro”. Existe o design feito por brasileiros, e tem muitas características semelhantes, principalmente se procurarem produtos brasileiros. Se não procurarem, não necessariamente tem. E isso não é um problema. Acho que eu sentia mais um nacionalismo maior quando eu comecei a escrever, uma atitude de "vamos defender o design brasileiro", que eu acho que era uma coisa de luta, de tentativa do design brasileiro de conseguir que as pessoas olhassem para ele... Eu sinto menos isso, mas claro, ainda tem o marketing da sustentabilidade, do Brasil que é naturalmente verde. Não é naturalmente verde, você tem que fazer uma super força para fazer alguma coisa verde, é um super esforço fazer uma coisa sustentável. Não é assim "oh, nascemos fadados a sermos auto-sustentáveis". É uma besteira isso. Requer muito planejamento, uma energia limpa requer muita tecnologia. Você pode fazer uma coisa cujo processo seja de baixa tecnologia, seja low tech mas, para você planejar, tem que ter uma grande tecnologia, para você fazer com que aquilo tenha algum ciclo de verdade de produto.

 

Então acho que tem essas mudanças muito importantes. A quantidade de material sobre design escrito por brasileiros é muito maior, e isso é muito importante. Porque a gente precisa criar de fato uma massa crítica de gente que estude design e possa ir debatendo sobre esses assuntos que são completamente nossos, de nossa realidade, como enfrentar isso e tal. Acho que hoje temos quinhentos cursos de graduação em design no Brasil inteiro e pelo menos quatro programas de pós-graduação. Isso é muito importante para o design brasileiro. Não necessariamente é o "lançamentozinho não sei quê lá", mas para quem vê o assunto mais do ponto de vista de que essa é uma área importante do conhecimento, é muito legal termos tantos cursos. E estar formando gente que pode ter mais capacitação para fazer outras pós-graduações em outras cidades. E para ter um pensamento um pouco mais crítico sobre o design, nem tão romântico assim "ah, o artesanato é tão bonitinho, vamos fazer ali aquela coisa, vamos recuperar o tempo...". Ninguém recupera tempo nenhum, não precisa recuperar o tempo, o tempo está aí, vamos fazer o que quisermos fazer.

 

O que eu sinto mais, o que continuo achando que tem um problema sério, é que as pessoas não entendem de economia, então elas acham que é tudo vontade. Que é tudo uma questão de valorizar, de ter muita vontade de fazer. Não é. Produção é produção, produção é economia. Você tem que ter insumo, tem que ser uma coisa planificada, tem que ter política econômica. Mas acho que isso também está amadurecendo, porque à medida que as pessoas vão se deparando com a realidade de você fazer e de não saber como vender, não tem como distribuir e tal, ou você entende ou você morre. Então as pessoas têm que acabar entendendo isso.

   

 

Acho que estamos num processo generalizado de qualificação. E aí você está falando do design, que realmente, a gente não precisa ter mais um produto novo, com uma cara nova, porque nem consegue ter... E nem precisa...

E nem precisa, porque você produz se tem alguma necessidade. Eu fui duas vezes a Milão, e eu não quero mais ir. O que eu mais gostei quando eu fui para Milão foi entender o tamanho do negócio. E depois, o Salão Satélite, que é um salão de experimentação onde participam estudantes de várias universidades, para mim foi o máximo. Nos dois anos que eu fui, adorei o Salão Satélite. Talvez as feiras um pouco mais alternativas sejam mais interessantes para os estudantes e para quem está pesquisando design.

 

Por essa dificuldade de entrar na indústria brasileira, de a gente conseguir que a indústria banque os projetos dos designers brasileiros, acho que há uma vontade  nos designers de ficar descobrindo o que a indústria está querendo e tentar fazer. Vejo muitos projetos em que me pergunto "por que o cara está criando isso se já tem seiscentos mil iguais?" Ou é por falta de repertório, que é bem capaz, ou é também falta total de liberdade criativa.

 

Acho que a Internet pode ter um papel positivo neste cenário e pode ajudar a fazer mais repertório.  E o amadurecimento passa por um maior repertório e liberdade criativa. E isso a escola pode fazer. A escola precisa ter professores que deixem os alunos criarem livremente, precisa ser um lugar de provocação conceitual.  Ao mesmo tempo, você tem que ter uma disciplina que fale assim: "naquela comunidade você precisa de um cesto que vire tábua de passar. Legal, ok, vamos fazer isso". Mas você precisa também de um objeto "x", que não é nada, para você poder se soltar.

 

Quer dizer, acho que esses dois lados podem se articular melhor. Pelo menos pelo que eu vejo nos concursos de design, acho que poucas vezes  vejo projetos muito soltos, e acho que seriam bacana, seria legal que tivesse. Vi isso para caramba nos Salões Satélite de Milão, e em vários sites na Internet que sempre freqüento vejo projetos muito legais e muito soltos, muito simples. Acho que a gente ainda fica com aquela ideia, que é um pouco herdada do modernismo na arquitetura, de que a arquitetura ia resolver o problema do Brasil.  A arquitetura não resolve o problema do Brasil, e o design também não vai resolver. Resolve o problema do designer quando for bom, quando não for bom não resolve o problema de nada. Só inventa chatice e tranqueira.

 

 

Falando dos cursos, como você avalia o ensino do design nas universidades? Quais os problemas ou lacunas você percebe? Você acha que a deficiência vem dos cursos, das universidades, desse boom de ofertas de particulares querendo angariar alunos, ou se também vem do que você mesmo disse, da própria visão de quem vai fazer o curso, de como os alunos fazem o percurso da graduação?

Acho que, quando você faz uma faculdade, você pensou para caramba para ver o que você vai estudar, eu pelo menos quase  morri para saber o que eu ia estudar. E eu queria começar a produzir logo, então comecei a fazer jornal laboratório na PUC, saí da PUC trabalhando numa revista... Só que eu fiz um monte de besteira durante a faculdade, tive tempo, tive acompanhamento e tive gente para ver um monte de peças radiofônicas malucas, um monte de vídeos completamente loucos. Eu me deixei experimentar. E tinha tanto professores que me diziam "Isso aqui é a realidade, o mercado precisa disso aqui", como professores que propiciavam laboratórios de ensaio, sabe? Num campo que é muito menos matérico do que o design, que é o jornalismo. É algo que você mesmo podia fazer de experimentação, vídeo experimental, um jornal experimental, uma peça radiofônica ou sei lá o quê experimental. Num curso de design, você pode fazer cinquenta mil coisas, pode até fazer tudo isso que eu falei, pode fazer o design de tudo isso, cenografia, enfim, muita coisa.

 

Eu estou falando isso sem fazer crítica, porque eu não tenho conhecimento de como é  estruturado um curso "x" ou "y". O que eu tenho é conhecimento de gente jovem que vem do Brasil inteiro com projetos e se inscreve em concursos que eu participo como júri. Então  minha visão é muito restrita, é uma visão que se baseia só na minha experiência. Mas acho que essas duas coisas são fundamentais, e não sei como elas são calibradas nos cursos. Pela amostragem, acho que tem muita timidez nos projetos. São projetos tímidos, que tentam marketear, sem ter experimentação de verdade.

 

Muitos, não todos, claro. Tem um monte de coisas muito legais. E nem todo mundo que vai fazer curso vai virar um super designer, não vai projetar o dia inteiro, muitos vão acabar tendo outra profissão, como muitos jornalistas, como muitos artistas. Enfim, tem uma curva de aproveitamento, uma curva de quem vai ficar no mercado ou não. Mas temo que tenha muito pouca experimentação nesses cursos. Acho que falta muito repertório, e liberdade para entender o repertório. Mas é uma impressão, não é uma coisa que eu possa dizer e nem apontar. É uma preocupação que tenho. Pelo que eu vejo de material que acabo analisando. E veja, como a minha amostra é quem se inscreve nos concursos, não sei o quanto que esses concursos chegam ao conhecimento dessas pessoas. O concurso da Tok & Stok é super difundido em escolas, tem uma penetração muito grande. Esse é o que tem mais tentáculos, que consegue puxar gente de mais lugares. E é um concurso que dá certo, que já tem uma história, tem ali uma coisa que está sendo bem feita. O concurso do Museu da Casa Brasileira é um concurso muito importante, é o mais importante do Brasil. Mas não sei quanto que ele tem penetração nesses novos cursos de design pelo país. 

 

Nessa sua vivência como júri, pensando também que você tem experiência em concursos muito diferentes entre si, que avaliam coisas diferentes, que recebem projetos de natureza diferente, quais critérios pautam a avaliação? O que considerar, o que privilegiar? Você disse inclusive que mudou um pouco a sua visão enquanto jurada, do que avaliar, de como avaliar...

Cada júri é um júri, porque são cabeças diferentes que se unem. E cada concurso tem lá suas regras e sua pauta de coisas que vai analisar. Por exemplo, quando eu fiz parte desse último Prêmio dA CASA, eu nunca tinha feito parte de nenhum concurso que tivesse projeto comunitário. Eu antes não sabia como analisar. Mas, discutindo com as pessoas, comecei a entender que existe a possibilidade de analisar objetivamente isso.

 

No Museu da Casa Brasileira, eu participei vários anos. Uma vez com oito outras pessoas, a outra vez com quinze pessoas. É muita gente, você tem discussões muito ricas, mas muito difíceis também. O concurso do Museu da Casa Brasileira tem sido muito legal porque ele tem mudado o regulamento, tem feito um prêmio crítico. Um prêmio que a cada ano se critica, vê o que estava falho e tenta adequar seu regulamento, seus critérios. Até as categorias mudaram recentemente, para poder analisar melhor e comparar melhor a produção. O Museu estabeleceu, por exemplo, que agora nas áreas de técnicas mais importantes tem especialistas. E o Museu tem uma coisa maravilhosa: ampliou muito a área de trabalho escrito, que é uma área que me importa muito, me interessa muito.

 

O concurso da Tok Stok de que eu também participei o ano passado é um concurso só para estudante. Ali vou privilegiar o que eu acho que é uma boa ideia.

 

E em todos os prêmos, você tem que selecionar entre quem está concorrendo naquele ano. Se você usar um critério do "nada é maravilhoso", está bem, nada é maravilhoso. Mas do que está aqui, vamos fazer um ranking entre o que é melhor, o que é médio e o que é zero? É uma dosagem, um acordo que você chega ali com aquelas pessoas que estão contigo no júri, com o máximo de racionalidade, isenção e liberdade possível. E é assim, porque também todos somos humanos, iguais, então todos estamos em formação. Quem analisa e quem faz está em formação. A cada coisa nova que eu vejo, aquilo muda o que eu penso.

 

Você tem uma carreira considerável enquanto jornalista e acompanha de perto a questão do design há tempos. Como você enxerga a cobertura e o espaço na imprensa para o tema do design? Hoje há encartes de jornais de grande circulação, programas de rádio e TV especializados em design. Quando e por que você acha que esse interesse maior pelo design foi despertado? Poderíamos dizer que essas veiculação atinge o público em geral, ou as publicações ainda atendem um público segmentado de pessoas que de certa maneira já se relacionam com o meio?

Quando você tem um programa como o do Marcelo Rosenbaum na TV, aquilo faz saber que existe o designer. As pessoas estão comprando mais,  consumindo mais produtos, e por consequência valorizando mais o design. Quanto mais grana as pessoas têm para viver, mais conforto elas querem, querem satisfazer as necessidades básicas e também as estéticas e emocionais. Cultura faz "bom gosto", no sentido de que educa o gosto.

 

A cobertura da mídia ainda é muito baseada em coisas episódicas, como uma feira, e não sei se um dia será diferente. Para difundir o design, seria melhor ter um circuito de museus especializados em design, iniciativas em escolas. Mas não posso dizer que está mais ou menos difundido na grande massa. Tendo 500 faculdades de design como temos hoje se tem mais difusão. Mas não acho que a divulgação faça necessariamente diferença para o design.

 

Para finalizar, queria retomar uma fala sua ao longo da entrevista em que você diz que não precisa mais ir para a Feira de Milão. Por quê?

De de um ano para outro não há grandes novidades, porque nenhum produto é feito em um mês. Nem sempre na feira do ano você vai ver a última novidade. A fúria da produção não é equivalente à qualidade. Não é preciso ter novidade todo ano.

 

Do ponto de vista qualitativo, é mais interessante você ir conhecer a fábrica, o processo de trabalho do designer, como faz o enfrentamento do projeto, do que conhecer 50 mil coisas novas. A não ser quando você é comerciante, tem que ir para ver seus pares.

 

Hoje, não preciso ir lá para ter o repertório que tenho sobre design. É mais interessante ver blogs, outras feiras alternativas pelo mundo, que recebem trabalhos de estudantes. Para mim era muito mais legal o Salão Satélite, que tem produção do mundo inteiro. A experiência da feira valeu principalmente para ver o tamanho do negócio.