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A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

FABIO SCRUGLI, DUDA MENDONÇA E GILBERTO DUQUE DA SILVA

Publicado por A CASA em 16 de Abril de 2011
Por Lígia Azevedo

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"O grande problema do Amazonas é a logística. Acontece de uma tribo indígena vender o produto para um atravessador a 6 reais e o este vende em Manaus por 50. Buscamos eliminar a figura do atravessador para fortalecer o comércio justo."

 

Fabio Scrugli é coordenador do projeto  Artesanato Sustentável do Amazonas. Duda Mendonça e Gilberto Duque da Silva são artesãos que participam do projeto.

 



Como surgiu o projeto Artesanato Sustentável do Amazonas? É uma iniciativa da Amazonastur e Sebrae?

É uma iniciativa da Amazonastur. O Sebrae entrou depois como, digamos, propulsor do projeto. A Amazonastur é a empresa de turismo do governo do estado do Amazonas.  Funciona como uma secretaria de turismo estatal, vamos dizer, só que é uma empresa. Obviamente, como o setor turístico desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento sócio-econômico da região, a Amazonastur percebeu que o artesanato poderia ser um agente produtivo propulsor, poderoso instrumento de aceleração de desenvolvimento. Por isso, resolveu investir no artesanato. Então a Amazonastur fez um convênio com o Ministério do Turismo, e lançou uma licitação da qual a minha empresa, Grupo AG, participou. Tínhamos já experiência em projetos sócio-sustentáveis, com foco no artesanato brasileiro, entramos na licitação e ganhamos. E desde então a gente executa o projeto.

 

O Renato Imboisi também participou do projeto. Como foi essa parceria?

Renato obviamente foi meu carro-chefe de busca de designers. Já conhecia muito bem o trabalho dele e, como precisávamos formar uma equipe de consultores, o primeiro nome que me veio à cabeça foi o do Renato, que é um expert no assunto. Contratei-o e juntos formamos uma equipe de consultores para desenvolver projetos.

 

Qual era a experiência anterior do grupo AG com artesanato, em especial na região norte?

O grupo AG, que está gerenciando o projeto, é uma empresa que tem experiências em eventos e projetos sócio-sustentáveis. Fazemos exposições ligadas a design e arquitetura e projetos de cunho sócio-sustentável com o foco no artesanato. Os principais projetos de que fizemos parte foram o Artesanato Brasil com Design, da Caixa Econômica Federal, de 2004 a 2006, e o Brasil Fantástico, da Fundação Banco do Brasil. O Artesanato Brasil com Design é um projeto que mapeou o Brasil inteiro, trabalhava nas cinco macro-regiões do país. Através desse projeto a região norte já tinha sido foco de trabalho nosso. Trabalhamos no Acre, Amazonas, Pará. Já tínhamos experiência com artesanato local, com o artesanato indígena, e o cuidado necessário para trabalhar com o artesanato de tradição. Temos uma filosofia de intervenção, como dizia Janete Costa, sutil e delicada. Primeiramente tem que ter respeito pelo artesão, não se posicionar querendo impor uma cultura sobre a outra, mas trabalhar de iguais. Sempre falo isso, porque Janete para mim foi a grande mestre de vida e, principalmente, de trabalho com artesanato.

 

Há quanto tempo vocês estão trabalhando no projeto Artesanato Sustentável do Amazonas? Como foi esse início de projeto?

A concepção do projeto eu acredito que seja de 2007, 2008. Nós estamos trabalhando já há uns dois anos. Tivemos obviamente uma primeira fase de diagnóstico, para depois montar um plano de trabalho e as ações propriamente ditas.

 

Após o diagnóstico, esse mapeamento de todos os artesãos, das vocações artesanais das comunidades, detectamos quais poderiam ser os grupos que mais entravam dentro desse conceito de sustentabilidade, de trabalhar o comércio justo. Montamos então um plano de trabalho. O projeto, como foi concebido pela Amazonastur, tinha uma série de necessidades, não se limitava somente a uma "qualificação" do artesanato em si. Era mais um trabalho de abrangência com o artesão, de formação de lideranças. Tivemos uma série de oficinas de turismo, sustentabilidade, educação ambiental, empreendedorismo, associativismo, comercialização... Como são sete municípios, em termos de cronogramas, dividimos a primeira fase de qualificação em duas grandes etapas: trabalhamos nos primeiros três municípios e depois trabalhamos na segunda viagem nos quatro municípios restantes. Isso numa fase de oficinas mesmo. A partir daí, com os artesãos, vamos dizer, selecionados, convidados, montamos grupos e começamos o trabalho propriamente dito.

 

E nessa fase de diagnóstico, qual era o nível de organização formal dos artesãos?

Encontramos um pouco de tudo: por um lado artesãos, vamos dizer, pulverizados, isolados, que trabalham individualmente, por outro encontramos associações. Cooperativas não, mas muitas associações de mulheres, associações de artesãos.

 

Em São Gabriel da Cachoeira, onde acho que 90% da população é indígena, existem já muitas delas. Até porque já tiveram bastante trabalho com o ISA [Instituto Sócio-Ambiental]. Inclusive o próprio Renato Imbroisi já tinha feito um trabalho lá sete ou oito anos atrás, se não em engano. Então já tínhamos um pouquinho de ideia daquilo que a gente iria encontrar lá.

 

Novo Airão é outro município belíssimo, um lugar incrível onde fica o arquipélago de Anavilhanas, que são mais de 400 ilhas maravilhosas, talvez um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo. Lá encontramos duas associações já formadas há bastante tempo: a Associação dos Artesãos de Novo Airão, que trabalham essencialmente com fibra de arumã, e a Fundação Almerinda Malaquias, cuja loja, que se chama Nova Arte, já vende e muito. Já têm estruturas montadas, já ganharam prêmios, inclusive do Sebrae.

 

Em Manaus foi uma coisa mais pulverizada. No município de Iranduba, onde trabalhamos com a comunidade ribeirinha de Acajatuba, que é uma pequena comunidade, encontramos uma associação também, já com um mínimo de organização. Em Parintins, já encontramos também algumas associações, os artesãos já tinham grupos formados e muito organizados. Em Tefé, havia uma associação e existiam também muitos casos isolados. Em Barreirinha, que é a pátria do poeta Thiago de Mello, encontramos só átomos, vamos dizer: cinco artesãos trabalhando individualmente, que nós conseguimos depois juntar.

 

E esse panorama mudou depois do projeto?

A ideia era formalizar as associações. Até agora não se formalizaram, mas de fato todos se juntaram em grupos grandes. E cada grupo se organizou, formando as próprias lideranças. Como a sede da nossa empresa fica em Brasília, essas lideranças funcionam como referencias para nós para coordenar o trabalho, principalmente as outras etapas, como as feiras, o controle de produção, etc. Mesmo quando eu preciso falar com o artesão, porque no Amazonas a comunicação é complicada, muitas pessoas não tem e-mail nem celular. Nesse caso, os lideres funcionam como articuladores dentro do próprio grupo, e são referências para nós e para os clientes também. Mas já começamos a falar de uma terceira fase, que é a fase de promoção em feiras.

 

Dentro do projeto, vocês já estão nessa fase das feiras, certo? Estão agora participando de uma feira no Rio, depois partem para a Itália... Como estão sendo essas experiências?

Já participamos de duas feiras. Agora estamos no Rio numa terceira. Só para reformular, o projeto compreende três grandes etapas: uma primeira etapa de qualificação, da qual já falamos; uma etapa de comunicação, com a criação de uma logomarca, uma série de produtos de imagem coordenados, etiquetas de origem, folder, sacolas, tudo em material reciclado, obviamente, e um vídeo que acompanha o projeto, que está em fase de finalização; e uma terceira fase que é a promoção em feiras. Temos previstas três feiras nacionais e duas  internacionais. Mas já recebemos muitos convites para fazer outras feiras, já estamos avaliando como é que vai ser isso no futuro.

 

Das feiras nacionais, fizemos o Rio Fashion Business - Rio-a-Porté, um salão de negócios aqui no Rio de Janeiro, e a Paralela Gift em São Paulo, e agora estamos fazendo uma que é mais uma feira de turismo, a Brite - Brazilian International Tourism Exchange. Naturalmente, como a Amazonastur é uma empresa de turismo, ligada ao Ministério do Turismo, eles tinham o interesse que o artesanato também aparecesse numa feira do setor. E as duas feiras internacionais das quais ainda vamos participar são a Mostra Internazionale dell’Artigianato di Firenze, em Florença, Itália, agora no final de abril, e a Feira Internacional de Artesanato de Lisboa, no final de junho.

 

E nessas feiras vocês sempre levam artesãos dentre os que vocês consideram as lideranças locais?

Sempre. A cada feira, convido dois artesãos para participar, para viver essa experiência da feira, absorver esse conceito de comércio justo. Isso, obviamente com ajuda de custo de tudo: passagens, hospedagem, diárias, alimentação... Um dos objetivos do projeto é evitar atravessadores. O grande problema do Amazonas é a logística, obviamente. Então acontece de uma tribo indígena que faz artesanato vender o produto para um atravessador a 6 reais e o atravessador vende em Manaus por 50. Então buscamos eliminar essa figura de atravessador, intermediário, para assim para fortalecer esse comércio justo, que acontece diretamente entre artesãos e clientes. Nas feiras, os artesãos são os próprios vendedores. E eles representam todos os municípios.

 

Apesar de não sermos uma empresa de comercialização de produtos, estamos tentando assessorar os artesãos nisso, anotando e enviando os pedidos, monitorando para que os artesãos atendam as encomendas, escutando as reclamações dos clientes que ainda não receberam os produtos, enfim...

 

E quais as perspectivas daqui em diante? Como vocês pretendem que o projeto tenha continuidade nas comunidades?

Bom, esse é o grande problema em todos os projetos de artesanato: o que vai acontecer depois, quando nós sairmos. Muitos deles já andam com as próprias pernas, mas a ideia é dar continuidade. A Amazonastur está avaliando outras ações que estou propondo. Como, por exemplo, um site de e-commerce, um portal de venda on-line que possa ser uma vitrine virtual de toda a produção do projeto, principalmente para resolver esse problema da comercialização. Isso ainda não existe, está no papel. A Amazonastur está atrás de recursos para isso, porque são projetos bastante caros. E tem também a ideia de levar o modelo, que funcionou, para outros municípios do estado. A Amazonastur investiu nesses sete municípios por serem destinos indutores de turismo. Mas tem outros destinos potenciais no Amazonas. A ideia é estender a outras localidades e continuar também com a questão de promoção, eventualmente organizar algumas feiras por ano, para que o artesanato sustentável continue sendo promovido.

 

Temos muitas ideias de continuidade, mas muitos dos artesãos têm capacidade também de seguir sozinhos. Eles já tinham mercado, não é que eles não vendiam, não conseguiam viver. Mas agora eles têm uma projeção diferente, nacionalmente e internacionalmente. Só para te contar um exemplo, no Rio de Janeiro, no Rio-a-Porté, os dois artesãos que vieram, um de Manaus e o outro de Acajatuba, conseguiram um contato fortíssimo com um americano que faz venda na TV, como o ShopTime. E ele está encomendando 10 mil peças.  Eles estão vendo que o grande problema é esse: produzir e  conseguir vender. Mas estamos tendo um retorno muito grande. Tivemos muito interesse de grandes lojistas, de lojas de museus... E estamos trabalhando para que essas condições sejam favoráveis para a continuidade.

 

Muitos dos artesãos, antes do projeto, tinham mercado majoritariamente dentro da própria comunidade, ou produziam para uso próprio?

Sim, principalmente com as populações indígenas tem essa questão de artefato e artesanato. Muitas coisas são artefatos, no sentido que eles fazem com finalidade de utilidade própria. Faço uma panela de barro porque vou ter que cozinhar o meu feijão. Ou então faço a minha peneira de fibra de arumã porque eu preciso peneirar a mandioca. Isso existe. Mas o mercado também atende uma demanda turística. Por exemplo, em São Gabriel da Cachoeira ou Tefé, existe forte interferência do exército brasileiro, porque são lugares estratégicos, de fronteira. Os militares, que são numerosos, e suas famílias consomem artesanato, são também grandes compradores. Mas os artesãos não tinham uma projeção forte nacionalmente, porque é difícil alguém ir a Tefé ou a São Gabriel para comprar artesanato e levar para uma loja em qualquer outra cidade ou capital brasileira, como São Paulo, Rio de Janeiro, ou Brasília.

 

Parintins é um caso à parte, porque a cidade está muito mais acostumada com turista, por causa do Festival do Boi-Bumbá. Lá também é uma parada de grandes cruzeiros, e os artesãos naturalmente vendem para os turistas que chegam. Mas, por exemplo, Barreirinha, que fica a uma hora de barco de Parintins, não recebe tanta gente. Recebe algumas pessoas nas festas da cidade, da padroeira. Recebe também alguns turistas porque Barreirinha, como te disse, é a cidade natal do Thiago de Mello, e as casas dele são projetos do Lúcio Costa. Lá você encontra, no meio da mata Amazônica, casas modernistas. Inclusive nós fizemos oficinas num desses espaços aqui, cedido pela prefeitura.

 

E essas referências, essa demanda turística, interfere nos tipos de produtos que são feitos pelos artesãos? Em termos estéticos e de materiais, é possível dar um panorama da produção que vocês encontraram?

Claro, interfere no olhar que o artesão tem, na experiência, na possibilidade de conhecer outras coisas. Com certeza é diferente do pessoal de Manaus, do pessoal de Parintins.

 

O artesanato amazonense é um artesanato riquíssimo, porque a biodiversidade é incrível, existem infinitas possibilidades. Tem trabalho com madeira, semente, fibras, borracha, com várias matérias primas. Quanto à estética, isso depende também do lugar. Por exemplo, em Parintins, que é um lugar de festa, a força da festa permeia o trabalho de todos os artesãos. Porque, querendo ou não, o festival movimenta a economia local e a maioria dos artesãos da cidade, quando chega a festa, são envolvidos nela. O festival envolve o trabalho de joalheiros, costureiros, escultores, pintores, de uma infinidade de artesãos. Eu digo sempre que Parintins é uma cidade de artistas. Você percebe isso em tudo o que é canto, tudo é muito colorido, é característica de lá essa coisa de explosão de cores, de informações visuais.

 

Em São Gabriel da Cachoeira, a maioria do território é indígena. Então lá o artesanato é mais tradicional, é um artesanato que vem de séculos, de pai para filho, de família, tem muito a ver com as culturas indígenas. É essa questão que a gente estava conversando antes, de produzir para o uso próprio e eventualmente usar também essa produção como moeda de troca. É um artesanato de técnicas mais tradicionais. O que fizemos lá foi uma intervenção praticamente inexistente, invisível. Procuramos resgatar  técnicas antigas. Com o trabalho do Renato e do resto da equipe de designers e consultores, conseguimos desenvolver produtos que retomam, por exemplo, a técnica do samburá, que é um tipo de rodelinha que eles costuram com fibra de tucumã. E pensamos: por que não ampliar essas rodelinhas e criar um porta-prato, ou um porta-copo? Ou então: vamos juntar todas essas rodelinhas, de várias cores, e fazer um colar? Foi portanto uma apropriação um pouco diferente daquilo que eram técnicas já conhecidas, e amplamente aplicadas.

 

Normalmente o turismo leva os artesãos a deixarem sua produção e assumirem outras ocupações que acabam sendo mais rentáveis, em pousadas, por exemplo. Você comentou de Parintins, onde a relação é totalmente oposta, o turismo  impulsiona o trabalho artesanal. Esse projeto como um todo visa a essa aproximação, certo?

Sim. Em Parintins, quando está chegando o festival, há os artesãos que estão trabalhando na confecção dos carros, das alegorias. Os outros ficam produzindo em quantidade industrial para satisfazer a demanda dos turistas. O turismo nesse caso não tira o artesão da sua própria atividade, mas a estimula ainda mais.

 

E todo esse projeto da Amazonastur é visando obviamente a Copa do Mundo, porque Manaus vai ser sede da Copa. O que a Amazonastur queria, basicamente, era tentar  encontrar uma identidade do artesanato do Amazonas. Qual é a cara do artesanato amazonense? É artesanato em fibra? É artesanato em madeira? Então buscou, primeiro, trabalhar essa pesquisa de identidade e, segundo, formatar produtos artesanais para atender uma demanda turística que vai chegar com grande força na hora da Copa. E satisfazer um turista que talvez possa ser mais exigente, que busca um produto mais qualificado. Por isso agregar valor ao produto artesanal através do design.

 

Você é italiano e está há cerca de 12 anos no Brasil. Como foi sua vinda para cá e como despertou seu interesse por artesanato, em especial artesanato brasileiro?

Vim para cá porque conheci a minha mulher, que é brasileira, em Londres. Então basicamente tem uma força maior que me impulsionou em me mudar. Mas o artesanato e o design são áreas pelas quais sempre tive interesse. Apesar de eu ter uma formação acadêmica diferente, sou advogado de formação. Mas também estudei artes, fiz mestrado na Universidade de Brasília em Artes Visuais, tenho essa ligação forte. E, quando vim para cá, comecei a trabalhar com os meus projetos pessoais, faço também vídeos, fotos... Essa força que o artesanato brasileiro tem de movimentar a economia, de ser um agente propulsor de desenvolvimento, me interessou e comecei a trabalhar com isso.

 

O artesanato na Itália é completamente diferente. Lá existe um sistema de ligação muito forte entre o artesanato, o design e a indústria. Isso, desde a década de 60, pelo menos. Você não imagina quantos grandes mestres artesãos trabalham envolvidos no desenvolvimento de produtos de design, em grandes casas de design. Não tenho certeza, mas imagino, por exemplo, que a cadeira vermelha dos Irmãos Campana, que é produzida pela Edra na Itália, é feita por um artesão. E a Edra só consegue ter aquelas cadeiras que o artesão consegue fazer. Existe uma inclusão diferente da mão de obra artesanal, que é altamente qualificada, com o sistema industrial. Coisa que no Brasil ainda não existe, ou está em fase de desenvolvimento. Aqui a coisa está acontecendo, está se mexendo. Mas ainda não é um sistema tão forte.

 

Depoimento do artesão Duda Gonçalves, de São Gabriel da Cachoeira

 

Já trabalhava com artesanato desde os 14 anos. Morava no interior, em São Gabriel, e lá não fazia artesanato porque não sabia. Cheguei na cidade para estudar e, como não tinha trabalho aqui, tive que aprender para poder sobreviver com isso. Aprendi com meu pai e mau avô. Como não era tão curioso, antes via e não me interessava. Depois acabei me interessando, fui aprimorando a técnica e comecei a gostar realmente. Comecei fazendo peneiras, como as que meu pai e meu avô faziam para uso pessoal. Vendia na rua, com a ajuda de meu pai, e com isso consegui me sustentar. Um dia encontramos a dona de uma loja de artesanato que achou os produtos lindos e quis que produzíssemos para ela. Trabalhamos com ela por 5 anos. Fui convidado então para alguns encontros de aprimoramento de produtos feitos pela organização indígena FOIRN [Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro].

 

Em 2008, teve uma feira em São Gabriel da qual minha mãe foi participar. Lá, ela ouviu que ia ter um curso de tingimento, e me interessei, porque até então eu só sabia fazer tingimentos naturais, e fazia só  um tipo de trama. Entrei então no projeto [Artesanato Sustentável do Amazonas],  aprendi a fazer outros tipos de tramas e tingimentos, e fui melhorando meu trabalho. Eu pensava que tinha que inventar coisas diferentes para chamar a atenção para os produtos. Queríamos também vender em outros lugares, em lote. Porque, vendendo sempre no mesmo lugar, na minha cidade, tínhamos concorrência de outros artesãos.

 

A partir do que aprendi no projeto, mudei muito a minha produção, em desenho e acabamento. Antes fazia só peneiras, agora faço colares, brincos e hoje uso materiais diferentes no mesmo produto, o que antes eu não fazia. Antes só usava arumã e outros cipós. Ainda uso arumã, mas com outros tingimentos e acabamentos.

 

Participar das feiras está sendo muito bom, porque é muito interessante conhecer o que outras pessoas em outras regiões fazem, outros tipos de produtos. Assim, temos noção de como melhorar nosso produtos, percebemos pequenos detalhes que fazem toda a diferença.

 

Pretendo continuar me aprimorando, porque nunca fico contente com meu produto, quero sempre fazer melhor. Vou continuar trabalhando com artesanato, porque faço o que gosto. E, mesmo que não gostasse acho que nunca ia sair disso, porque onde moro é difícil achar emprego com outra coisa. Trabalhamos apenas eu e minha família. Mas tento juntar pessoas para me ajudar, melhorar o produto e conseguir produzir cada vez mais.

 

 

Depoimento do artesão Gilberto Duque da Silva , de Parintins.

 

Estou com 41 anos. Desde os 14 trabalho com artesanato. Trabalho com minha esposa, que tem talento para criar coisas em miniatura. Casamos duas vezes, no matrimônio e na arte. Crio e pinto os desenhos, que é meu forte, e minha esposa executa o trabalho. Tudo é estudado antes e tomamos todas as decisões juntos. Tratamos como empresa familiar. Trabalhávamos com desenhos da fauna e flora amazônica.

 

Com o projeto, ganhamos capacitação na questão de venda, de colocar preços justos nos produtos. Não sabíamos que estávamos praticamente presenteando alguém com o preço que cobrávamos. Esse projeto deu essa luz.

 

Essa experiência das feiras também está sendo muito positiva, pela oportunidade de sair do local onde moramos e ter contato com pessoas que admiram arte, além do reconhecimento que temos ao nosso trabalho. E, também pela parte de ganho em capital, que eu seria desonesto se não falasse. Tudo isso nos é favorável.