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ARTIGO

BORDADO E BORDADEIRAS: REPRESENTAÇÕES, INSERÇÕES, NEGOCIAÇÕES E RESISTÊNCIAS NA PRODUÇÃO ESTÉTICA EM CAICÓ - RN

Publicado por A CASA em 13 de Setembto de 2011
Por Thaís Fernanda Salves de Brito

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32° Encontro Anual da Anpocs

GT 9 - Cultura Brasileira: Modos e Estilos de Vida

 
BORDADO E BORDADEIRAS: REPRESENTAÇÕES, INSERÇÕES, NEGOCIAÇÕES E RESISTÊNCIAS NA PRODUÇÃO ESTÉTICA EM CAICÓ - RN

 
Thaís Fernanda Salves de Brito

 
2008



Introdução

O bordado é uma prática artesanal que gera trabalho e renda, e, ao mesmo tempo, urdi experiência estética, vínculos, contextos de produção e de circulação. Inclui, ainda, valores que envolvem desde a produção das peças - o modo de fazer - até o comportamento das bordadeiras em relação ao bordado (Appadurai; 1986). O bordado é um artefato que carrega, cria e recria discursos vários, envolvendo noções sobre o belo, redes de sociabilidades e ações políticas em torno de si.
O oficio de bordar é acompanhado de experiências estéticas e cria uma classe específica de trabalhadores: as bordadeiras; cuja produção abrange a memória, as relações sociais e toda uma gama de contatos - sejam eles internos ou externos da região - por onde se estabelecem a circulação das peças. Aqui, propõe-se refletir sobre algumas destas características por meio do bordado produzido na cidade de Caicó, região do Seridó, interior do estado brasileiro do Rio Grande do Norte, que é uma prática de suma importância para a vida local [1], envolvendo cerca de 20% das mulheres que se dedicam a sua produção como trabalho e geração de renda, de acordo com os dados da Associação das Bordadeiras [2].
Mais do que investigar os possíveis impactos econômicos da produção do bordado, o presente artigo (produto de uma investigação, ainda parcial da tese de doutoramento) propõe uma reflexão sobre o bordado e sobre as bordadeiras de Caicó, a partir de algumas representações sobre a prática e que são encontrados, simultaneamente, na produção dos bordados e nas narrativas sobre o oficio.
A fim de se aproximar de alguns sentidos e das narrativas que emergem desta prática, utilizar-se-á a metodologia etnográfica. As pesquisas foram realizadas entre os anos de 2006 e 2008, o que envolve períodos fragmentados de pesquisa de campo em Caicó e, também, fora da cidade. Somam-se às entrevistas o processo de observação participante, da feitura dos bordados ao acompanhamento em feiras, bem como a análise dos manuais de artes aplicadas produzidos na primeira metade do século xx, que se revelaram férteis para a percepção sobre os valores que impactaram tanto o exercício do bordado, como a organização dos discursos sobre o bordar.
Neste ensaio, observa-se que o bordado pode ser entendido como um eixo organizador da vida de algumas mulheres que se dedicam à sua produção, por isso, é capaz de indicar alguns elos possíveis para se compreender a relação entre grupos sociais e produção de objetos. O artigo está dividido três partes, somadas a esta Introdução. A primeira parte apresenta "A cidade de Caicó e o seu bordado"; a segunda parte é intitulada "Criar, copiar e produzir: a heterogeneidade da rede do bordado" e se propõe a uma análise sobre as redes sociais de bordadeiras teci das em tomo de algumas técnicas e instrumentos utilizados na produção do bordado, indicadores de representações, inserções e negociações em tomo da prática; finalizando com as "Considerações finais".

1.    A cidade de Caicó e o seu bordado

A cidade de Caicó é parte da região do Seridó. Está inserida no Polígono das Secas, no estado brasileiro do Rio Grande do Norte. Tem regime pluviométrico que é marcado por extrema irregularidade de chuvas, e este tem sido um entrave para o desenvolvimento econômico e para subsistência da população [3]. A região é freqüentemente descrita em função do meio físico e da carência em todos os níveis. Por exemplo, para Medeiros, é:
Região descalvada, montanhosa, eriçada de pedregulhos e espinhos, sujeita ao flagelo contínuo das secas, convida o homem para o labor contínuo, para a luta áspera com os elementos da natureza e não lhe permite lazeres para a contemplação das coisas belas, de resto muito raras naquelas paisagens.(Medeiros apud Macêdo: 2004, 72). Grifo meu.
 Apesar da descrição se configurar como uma representação frequente sobre ambiente sertanejo, de sobrevivência difícil e cuja viabilidade econômica tende à infertilidade, conheci Caicó por meio da contemplação de suas coisas belas. Foi o bordado que me levou ao lugar. A cidade é também conhecida, no território do Rio Grande do Norte, como a "terra do bordado".
A delicadeza e a perfeição das peças contrastavam, de imediato, com a imagem projetada da cena de aridez e da carência do sertão nordestino. Da imaginação de um lugar árido, caracterizado pela luta, deparei-me com a beleza fértil e confortável dos enxovais e com a busca pela perfeição na composição de matizes coloridas e traçados minuciosos.
Os bordados apresentam, também, o prazer da beleza o que, talvez, revele um novo olhar frente aos discursos de miséria e confinamento que cercam o imaginário do sertão nordestino e do uso do bordado como mera possibilidade de desenvolvimento econômico regional. O bordado permite criações que servem como ornamentos para os enxovais e as roupas. Ornamentos que falam da busca da beleza e do empenho com o trabalho e que são elaborados por meio de um aprendizado inteligente, realizado com destreza, agilidade e asseio. Bordar indica técnicas e habilidades conquistadas com o tempo e com dedicação.
Dificuldade e beleza se cruzam na percepção do território local. A cidade, como muitas outras, nasce a partir da fazenda de gado, fruto de um modelo português de domínio do espaço. A organização do espaço em Caicó remete à fundação da cidade em 1687, quando foi construída a casa "Forte do Cuó", dando origem ao povoamento na região. Em 1735, ampliou-se o número de habitantes com o estabelecimento da fazendo Penedo, atualmente, bairro Penedo, naquela época, a cidade era chamada Vila Nova do Príncipe. Em 1748, foram lançadas as bases para a construção da Capela de Sant' Ana, originando a Freguesia de Sant' Ana. Em 1788, Caicó toma-se cidade [4].
No caso do Seridó, como atividade complementar à pecuária, desenvolveu-se a cotonicultura. Agregando à paisagem caicoense, o branco do algodão. (Dantas: 2005; Morais: 2005; Macêdo: 2004). A produção algodoeira foi estimulada pelos governos e grandes proprietários de indústrias de tecelagem, apresentando-se como uma alternativa às graves secas que dizimaram rebanhos inteiros e pelo desenvolvimento e modernização da tecelagem. Esses dois elos produtivos permaneceram característicos da cidade até as décadas de 1960 e 1970, definindo tanto a produção econômica quanto as relações de trabalho e as representações sociais (Morais: 2005; Macêdo: 2004).
Apesar da importância da criação do gado para a região, a cotonicultura constituiu um marco na economia potiguar, na segunda metade do século XX. O ciclo do algodão articulou o campo à cidade, foi uma alavanca para o desenvolvimento regional, projetou a região e sua cidade mais importante, Caicó, a uma importância regional. A cidade se insere, assim, no mercado agrícola nacional e internacional, alterando, no século XIX, o eixo político potiguar que migrou do litoral para o interior (Morais: 2005).
Talvez, essas duas formas de produção econômica da região possam ser vistas como um suporte para o desenho do modo de vida e das representações coletivas. A pecuária dinamizou a economia, trouxe o sertanejo e o fixou no sertão, estabeleceu as relações de trabalho, mas não somente. Essas relações de trabalho foram hábeis para a criação de laços sociais que são ligados aos modelos da terra, consolidando relações econômicas com base nas dádivas e na pessoalidade, além de atribuir um caráter masculino ao ritmo social (não é a toa que os artefatos de couro são presentes no universo rural sertanejo).
A cotonicultura, por sua vez, inseriu a região nas dimensões políticas do Nordeste, provocou, ainda, a idéia do progresso, no qual o algodão inseriria o Seridó no Brasil da indústria modernizante, das casas na cidade, da tecelagem e da fábrica. No entanto, a produção algodoeira excede às noções de modernização, fala, essencialmente, da lida das mulheres na colheita, que pede mãos consideradas mais delicadas e precisas para o trabalho na lavoura; conta do fiar e das artes da agulha, minuciosas ações da tradição feminina no Seridó.
No entanto, apesar do ciclo do algodão ter sido economicamente representativo para a projeção da cidade para circuitos mais distantes, foi algo de breve duração. Em menos de uma década, a produção seridoense perdeu espaço no mercado. O estado de São Paulo estruturou uma produção regular e "já em 1936, era responsável por 50% da produção algodoeira no país" (Morais: 2004, p. 164). Curiosamente, nessa fase de crise econômica é que se encontram os primeiros relatos sobre uso do bordado como mercadoria. Assim, o que até então era uma prenda doméstica, toma-se, por meio de Maria do Vale Monteiro, uma modista da região, fonte de renda.
Maria do Vale Monteiro, juntamente com a filha, Eunice do Vale Monteiro, professora, formam o primeiro grupo de mulheres que se dedicavam, de modo coletivo, à feitura do bordado à mão. O grupo de bordadeiras funcionava na casa da modista, na década de 1930. Elas foram responsáveis por adaptar os bordados, outrora realizados unicamente para a composição de enxovais, aos vestidos de noiva e para a alta-costura. Com o tempo, o grupo de bordadeiras se ampliou, assim como as encomendas e a crise no campo.
O Grupo Escolar Senador Guerra recebeu o grupo de bordadeiras de Eunice do Vale que, por sua vez, adequou-se, perfeitamente, ao modelo pedagógico da "Escola Nova" que visava construir um cidadão apto para o trabalho, estabelecendo ofícios femininos para a cidadania, o trabalho e a família. Hoje, o ensino do bordado se atualizou na Escola Profissional de Caicó e na Associação das Bordadeiras do Seridó; e a história de Maria do Vale Monteiro é frequentemente acionada pelas bordadeiras, principalmente, pelo grupo que participa, de alguma forma, da ABS – uma vez que emerge como uma referência de coragem e de empreendedorismo que sinaliza, portanto, um caminho para ser seguido [5].
Os bordados que se ensinava na época de Maria do Vale seguiam o estilo vigente nos primeiros anos do século XX, e repercute em alguns temas e estilos que se produz atualmente (com as devidas adaptações técnicas e usos de material). A moda da década de 30, por exemplo, pedia peças suaves, delicadas, compostas de arabescos e de miniaturas de flores e de pássaros. As composições eram feitas a partir de matizados, ponto haste, ponto cheio e cordonê - esse último fundamental para as ramagens e para a composição do richilieu.
Vânia Carneiro de Carvalho, ao estudar os artefatos presentes nas casas paulistas, entre 1987 e 1920, observou que a presença de bordados, de ornamentos e de motivos florais (considerados femininos) estava presente nas casas paulistanas. Para a autora, os ornamentos e os motivos escolhidos para a composição dos bordados revelavam perspectivas sobre o lar e, por conseguinte, são úteis para indicar as interpretações acerca papel do gênero feminino, no contexto estudado. Suas observações, provavelmente, ajudam a iluminar as composições que ocorriam em Caicó:
A recorrência das mesmas categorias de motivos ornamentais (arranjos florais, pássaros, ramagens) e matérias-primas e técnicas (...) numa grande variedade de objetos (...) mostra-nos como se efetivam noções como harmonia, bom gosto, elegância, delicadeza, etc, recorrentes na literatura como definidoras do ser feminino. Nesse repertório, menção especial merecem as flores, fundamentais na atribuição de marcas femininas aos objetos (...) faziam parte do universo de objetos com os quais se excitava a imaginação e a fantasia, território e arte das mulheres refinadas. No século XIX, acreditava-se que a percepção feminina estava associada a pequenos objetos e a peças bidimensionais e não à organização de grandes espaços. (Carvalho: 2008, p. 87-88)

Harmonia, bom gosto, interpretações delicadas da natureza, miniaturas. É interessante pensar como estes temas estavam presentes e ainda estão na realidade da produção do bordado em Caicó, ainda que executado em um lugar marcado pela aridez, como apresentado no início deste artigo. Para Carvalho, a presença de expressões artísticas, executadas por mulheres, dentre as quais o bordado se enquadra, representava a busca pela separação entre esferas pública e privada - algo novo para os modelos brasileiros. A historiadora observa que o mundo exterior a casa - residências paulistanas dos últimos anos do século XIX e das primeiras décadas do século XX - era percebido como uma realidade "bruta, violenta, inconstante, tensa" (op. cit., p. 110) e que a presença feminina, por meio de suas artes, tinha o poder de agir como um filtro, purificando, por meio do conforto e da estética habilidosa, as dificuldades externas, fazendo com que o lar fosse algo confortável e revigorante.
Apesar de contextos distintos, é possível que aspectos presentes nas casas de São Paulo façam, também, parte do imaginário caicoense no que tange aos papéis femininos do zelo da casa e da importância de um lar ornamentado com a estética feminina. Afinal, aprendia-se a bordar para se "ter um bom casamento", como disse Robéria, dando voz à boa parte das mulheres entrevistadas nesta pesquisa. No entanto, o que chama a atenção é que os bordados de Caicó foram para além dos territórios outrora femininos - filtro da casa - e se instauraram no interior dos processos produtivos e comerciais, tomando-se, inclusive, eixo de agenciamentos políticos.
As questões que cercam o meio ambiente e a economia são, também, um tema importante para a difusão da prática do bordado. No Seridó, durante a década de 1970, a agricultura enfrentou sua crise mais séria. Houve uma terrível seca que dizimou o gado e a já restrita produção de algodão [6]. É nesta fase que a Associação das Bordadeiras do Seridó foi fundada, em 1973, o que combina com as inserções das agências políticas governamentais e não governamentais se tomam mais presentes na região, cujo posicionamento é marcado pelas intervenções a fim de possibilitar que o bordado seja o vínculo de sustentabilidade econômica para as famílias de bordadeiras da região. O bordado, portanto, se tomou uma política pública, uma meta a ser atingida: gerar renda.
Se, para as agências governamentais, o bordado é capaz de criar trabalho, renda e sobrevivência, um olhar mais detido sobre o bordado mostra que seus sentidos ultrapassam a dimensão econômica. Antes de qualquer coisa, o bordado tem sido parte da formação feminina em algumas gerações. Pobres ou ricas, as mulheres bordavam - e ainda bordam. Ao olhar para o passado é possível ver que, de um lado, as filhas de fazendeiros, brancas e herdeiras, preparavam-se para o casamento pelo desenvolvimento das prendas domésticas, tomando-as elegantes e proporcionando destreza e distração. Por outro, as mulheres pobres, que trabalhavam no campo, buscavam na costura, na feitura das rendas e nos bordados uma possibilidade de geração de renda por meio de um trabalho menos árduo, discreto e um pouco mais regular do que o encontrado no campo (Falei: 1998). Independente da classe social ou da função das peças, as roupas, os enxovais, os adereços bordados estão no cotidiano, mas vão além dele. No Seridó e nas zonas salineiras, bordar ou fazer renda, respectivamente, é uma tarefa feminina para a alternância das épocas de colheitas e de plantio, além disso, revela-se como uma possibilidade de transcender a realidade e as possíveis limitações geográficas.
Else Albuquerque e Marilda Menezes analisaram as redes de produção da renda renascença no município de Camalaú, no Cariri paraibano. A pesquisa etnográfica realizada pelas autoras observou que o oficio agrega distinção e possibilidades para que as rendeiras reorientem o destino, criando alternativas para além do cultivo da cana e da vida doméstica:

(...) partindo dos discursos (...) e das observações de campo, consideramos importante ressaltar como o saber-fazer dessas rendeiras lhes confere distinção, quando comparadas a outras mulheres que, como elas, são agricultoras e donas-de-casa. Fazer renda permite a essas mulheres a condição de não ficarem na dependência absoluta de seus maridos e companheiros. (Albuquerque e Menezes: 2007, p. 465).

Algo similar é retratado em Caicó. Iracema Batista é uma referência para as bordadeiras da cidade. Sua trajetória sinaliza um movimento comum de muitas mulheres da região que descobriram no bordado uma possibilidade de "alçar vôos mais altos", de "ir além de seu destino". Nascida na zona rural, de acordo com seu relato, “lida na roça era um destino natural para si”, no entanto, ”ainda menina, incomodava-se com um destino já formado e, ao mesmo tempo, via que uma de suas vizinhas bordava muito bem”. Conta que ficava à espreita, “observando como fazia a bordadeira. Em casa, tentava repetir os pontos”. Dessa forma, segundo ela, “foi imitando e ajudando a esta senhora nos processos mais simples como recortes, arremates e engoma que aprendeu a bordar. Aos 15 anos comprou a sua máquina que ainda hoje a acompanha no seu cotidiano”. Assim, “livrou-se do trabalho pesado da lavoura e da dependência da chuva para fazer frutífera a terra. Pôde, assim, garantir o sustento e cooperar financeiramente com sua família. Ensinou o oficio às suas irmãs e à sua mãe”. Além disso, conta que “com os bordados, pôde, ainda, estudar”. É historiadora e restauradora, ensinou alunos do colégio à Universidade [7] e, ainda hoje, colabora com o Museu do Seridó, instituição ligada a UFRN. Quando se aposentou, há pouco mais de três anos, “resolveu abrir a sua loja de bordados” (atualmente, enfrenta as dificuldades de ser uma pequena empresária, como lidar com as dificuldades do mercado, da produção e da circulação). Sua loja revela uma parcela representativa dos bordados que são feitos em Caicó: enxovais e roupas repletos de matizes e de bordados em richelieu.
A história de Iracema, ainda que contada superficialmente e entremeada com algumas de suas frases, narra experiências vividas por uma mulher que não apenas bordou, mas que refez a sua própria história a partir das agulhas e das linhas, construindo o bordado como eixo para a organização da vida.
O bordado é uma das atividades mais antigas que se tem noticia e é compartilhada em todas as civilizações e culturas (Dixon, 1895, Bossert: 19-7; Gaston: 1909; Bondois: 1922; Magalhães: 194-; Freitas: 1953; Dreyfus: 1959; Lody: 1995; Lazarus-Matet: 2007). E, apesar de, geralmente, anônimo, guarda em si o caráter coletivo da criação, da transmissão, da produção e da circulação, portanto, relações sociais. Historicamente, o bordado era uma expressão artística com funcionalidade, parte da vida e da experiência das comunidades, que alternavam oficio e arte.
A inclusão do bordado no nordeste brasileiro, pelo olhar da profissão, é pauta recente. A primeira política pública em prol da profissionalização do bordado data de 1977, no governo de Ernesto Geisel, que sanciona o decreto 83.098 e cria o Programa Nacional do Artesanato – PAB [8]. A proposta da visibilidade dos artesãos como um corpo de trabalhadores fez com que uma atividade que era parte da vida das mulheres, considerada, quando muito, uma alternativa econômica, passasse à protagonista.
Essa história mostra, brevemente, que é possível observar que o bordado fala mais do que um exercício feminino, delicado e útil para o adorno da casa. Fala sobre a apropriação da territorialidade doméstica que envolve a casa com uma "aura" de feminilidade, das possibilidades de geração de renda para além do modelo rural, por meio de uma trajetória pessoal diante das leituras acerca das alterações econômicas e sociais diante de modelos econômicos.
2.    Criar, Copiar e Produzir: a heterogeneidade da rede do bordado.
2.1. Breve reflexão sobre a produção material e as representações sociais.
Criar o presente, recriar a realidade, produzir significados a partir do que se experimenta, do que se vive. Poder-se-ia pensar no bordado a partir destes mesmos termos: criar desenhos, recriar peças e temas, produzir bordados a partir do que fora aprendido e das leituras que são feitas em relação à circulação das peças. Destarte, talvez, bordados e bordadeiras se elaborem por meio de um processo de síntese.
Esse não é apenas um jogo de palavras, mas uma tentativa de perceber, mimeticamente, que as relações sociais em tomo da produção do bordado se relacionam, intimamente, com as representações sociais que, algumas vezes, extrapolam o próprio ofício de bordar, apontando reflexões sobre a vida, sobre o tempo, sobre o que é ser mulher. Gonçalves (2005), refletindo sobre os processos de patrimonialização dos bens culturais, analisa a dimensão material da cultura e sua relação com a vida social. A produção das coisas, para o antropólogo, está intrinsecamente ligada às percepções dadas no plano simbólico, elaborado pela rede social, materializado na produção:
Objetos materiais não são simples suportes da vida social e cultural (...). Mas podem ser pensados, em sua forma e materialidade, como a própria substância dessa vida social e cultural (...), partem de um sistema de pensamento, de um sistema simbólico (...) [e] existem na medida em que são usados por meio de determinadas técnicas corporais em situações sociais e existenciais (...). Eles não são apenas "bons para pensar", mas igualmente fundamentais para se viver a vida cotidiana. (Gonçalves: 2005, p. 23).
Para Gonçalves, portanto, a produção material deve ser analisada de modo integral, considerando as relações sociais, o universo simbólico, os objetos materiais e as técnicas de produção, que lhes são inerentes e que apontam para as representações cunhadas no grupo. A produção dos objetos fala da produção das pessoas e de pessoas.
O enfoque antropológico se debruça sobre os diálogos possíveis da vida social, pautada no ponto de vista nativo, a fim de considerar as redes que se tecem, por exemplo, no universo das relações sociais e da produção de bens materiais e imateriais. Gell (1999) observa que a produção das coisas é inseparável dos agentes que nela operam, por isso, os objetos permitem acessar relações e intenções, apresentando-se, até mesmo, como elementos disparadores de ação social. Desse modo, mais do que buscar relações entre obra e contexto, é possível perceber que a produção estética só se realiza em função das leituras acerca da vida social da quais as bordadeiras estão inseri das.
Sobre isso, também, observa Chattopadhyay (1969) em relação ao artesanato (o bordado é considerado como tal pelas bordadeiras). Chattopadhyay foi um dos autores escolhidos pela Unesco para compor um livro dedicado às manifestações artísticas, ele se dedica ao capítulo que trata do artesanato como a "grande expressão popular". Para o autor, o artesanato é uma "uma expressão material do espírito humano" (Chattopadhyay: 1969, p. 71) e, como tal, complementar à vida, inseparável da experiência coletiva, parte de um sistema de pensamento.
Essa "expressão material" aponta às análises sobre plano simbólico da produção do bordado. Bordar indica a criação de comportamentos esperados da bordadeira na sua relação com os bordados, pois apontam, simultaneamente, às noções de gênero e às conformações do papel do que se espera de uma mulher naquela região. Fala, ainda, sobre o saber-fazer, por meio de técnicas que regulam e ensinam o corpo a ser disciplinado.
O bordado desvenda variados aspectos da criatividade e da perfeição que se manifestam, algumas vezes, como formas de resistência técnica e, noutras, como possibilidades de leituras sobre os caminhos para a circulação das peças. Ademais, as bordadeiras formam uma comunidade heterogênea, que se faz continuamente, em meio a enfrentamentos e negociações, que são, simultaneamente, internas e externas ao grupo.
Ao realizar a composição dos bordados, os matizados, por exemplo, são muito importantes. Para fazê-la é preciso intercalar os fios, a partir de cores e de pontos com tamanhos variados, mas que guardam certa uniformidade, já que precisam seguir o padrão do desenho. São as nuanças e as cores, desencontradas e complementares, que tomam a peça única. O matizado pede uma composição múltipla e habilidades da bordadeira para saber idealizar os pontos, escolher as cores, controlar a pressão e a distribuição das linhas a fim de que obtenha a textura desejada, impedindo a deformação do tecido e, também, promovendo a resistência para a peça. Ademais, dizem as bordadeiras, é importante vê-Ia integralmente, para que o verso seja tão bonito quanto o lado direito da peça.
Como são os fios para a composição dos matizados, as bordadeiras se revelam como um matiz: múltiplas e distintas. Formam um grupo heterogêneo e complexo que, aqui, se compõem como uma rede social, tecida em tomo da produção do bordado. É válido lembrar que o sentido original da palavra rede indica o entrelaçamento têxtil. São fios, cordas, pontos, com aberturas regulares, fixados pelos nós, que podem ser mais ou menos abertos, capazes de conter o que se precisa carregar.
A rede é plural e irregular. Latour, por exemplo, indica que a noção de rede é capaz de romper com as estruturas rígidas da análise social, uma vez que a vida coletiva é pensada a partir dos fluxos, das circulações, dos movimentos e das alianças. Inclui, ainda, humanos e não-humanos que estão conectados. As redes estão em negociação contínua, criam e recriam identidades e relações. Trata-se de negociações que podem se redefinir e transformar cada um dos nós de uma rede diante de um tipo de ação, nos movimentos e fluxos (Latour: 2006).
Pensar em rede ajuda a refletir, também, sobre o bordado como uma rede que une produto e produtores. Redes e bordados falam das junções e sobreposições em tomo das necessidades, das influências, das confluências, das apropriações e das transformações que ocorrem em tomo da prática. Portanto, é possível pensar que as bordadeiras são como os fios que se sobrepõem à trama do tecido social, revelando percepções sobre si e sobre o que fazem, ainda que pareçam desencontradas, elas são como os matizados: complementares.

2.2. Olhares sobre o que é ser uma bordadeira.

A sociedade, para Durkheim (1989), é a única fonte de humanidade e de individualidade, formando consciência moral e estruturas de valoração. Desse modo, as experiências individuais, como a produção do bordado e as opiniões que o acompanham, são produtos de uma coletividade. Representação coletiva pode ser entendida por "tudo aquilo que, afetando a mente ou emanando dela, é capaz de fixar-se com menor ou maior grau de estabilidade" (pinheiro Filho: 2004, p. 142). O ato de bordar é eminentemente individual (nunca impessoal) e coletivo. É fruto da percepção e do nexo da vida social estabelece-se, por exemplo, por meio do ensino e só se realiza em função do destino da peça.
Na década de 1940, algumas escolas brasileiras incluíam no currículo escolar uma disciplina que tratava das "Artes Femininas". Muitas mulheres aprenderam a bordar nas escolas. Em Caicó, como anteriormente citado, as aulas eram ministradas no Grupo Escolar Senador Guerra, conhecido como Escola Feminina de Caicó, e no Educandário Santa Terezinha [9]. O objetivo dessas escolas era formar uma mulher apta para as prendas domésticas, dentre elas, o bordado [10]. Mais do que técnicas, esses cursos veiculavam idéias e valores que acabaram por solidificar as formas de se bordar e a concepção do oficio de bordadeira. E, esses modelos são presentes na produção atual do bordado.
Dois livros podem nos inspirar na reflexão para uma aproximação do conteúdo ministrado para as alunas interessadas em bordar. O primeiro é fruto de uma coleção portuguesa, intitulada "Cadernos do Povo" (194-7). A outra obra, posterior à publicação da primeira, é fruto da necessidade de sistematização do ensino de uma professora da disciplina "Ofícios e Tecnologias Femininas" da Escola Caetano de Campos, em São Paulo. O interesse em buscar estes manuais não é realizar uma revisão histórica do ensino do bordado, mas pontuar como essas referências precedem e acompanham as técnicas da feitura do bordado, somado a um comportamento esperado das bordadeiras.
Escrito pela professora Maria Vitorina Freitas [11], publicado em 1951, "Ofícios e Tecnologias Femininas" foi composto como um manual para a disciplina que leva o mesmo nome do manual e contém uma descrição minuciosa de técnicas e saberes da produção artesanal destinada às mulheres que buscavam uma inserção no mercado, via profissionalização, ou o aperfeiçoamento na gestão doméstica. Traz, ainda, especificações para ser uma "verdadeira profissional".
Esse ponto, talvez, seja o mais interessante para pensar. Mais do que técnicas e estilos de bordado, o que "faz uma bordadeira", de acordo com Freitas (1951) é o que transcende à produção do bordado, modelando o jeito de ser de mulher. Assim como a professora, as bordadeiras em Caicó falam coisas similares, por exemplo, acerca do comportamento em relação ao bordado, já que dizem, em uníssono, que para bordar é preciso empenho, aptidão, saber o que é bonito e o que não se atingiu a perfeição, e, sobretudo, é "preciso bordar com amor", de modo disciplinado e regular.
O livro português parte da coleção "Cadernos do Povo" intitula-se "A bordadeira". Lançado em Lisboa nos anos de 1940. Nele, Magalhães (194-?) indica os aspectos fundamentais que consolidam uma bordadeira; a partir de uma classificação que divide as bordadeiras em três tipos: as que criam, as que copiam e as que consomem. O referido manual parte da noção de que "nem todas são igualmente dotadas" para o bordado, visto que o "gosto artístico" e a "elegância de pensamento" não são para todas. Para o autor, há algumas mulheres que "nunca poderão produzir trabalho de jeito", afinal, segundo o autor, suas mãos são "imperfeitas" e o trabalho desajeitado, mal acabado, pode ser fruto de mau gosto. Para essas, continua, "o trabalho em vez de ser um deleite suave e atraente, torna-se num doloroso esforço e num inconfortável sacrifício". (Magalhães: 194-?, 59). Por isso, nunca serão criadoras, podem até copiar os desenhos, esforçar-se nos detalhes, mas nunca serão mentes artísticas.
Para além dos estereótipos que possui os livros escolhidos para esta análise - e do despreparo de algumas bordadeiras - o interessante da tipologia é a distinção valorativa entre o criar e o copiar que estão presentes na rede formada em tomo do bordado em Caicó e revelam posicionamentos, opiniões, negociações e disputas na produção do bordado. Algumas (Iracema, lara, Rosário e Auricéia, por exemplo) se consideram como parte de um grupo para qual o bordado é uma expressão artística. Consideram-se como criadoras, uma vez que se dedicam às pesquisas sobre os estilos e usos do bordado, que se preocupam com a perfeição dos desenhos. Estão, ainda, dispostas a reinventar o bordado, incluindo novos pontos e aplicações às peças, por isso se opõem às repetições dos desenhos e dos bordados, às cópias, considerando-as como uma afronta à "arte de bordar” [12].
Rosário, como riscadeira (desenhista) tem posicionamentos críticos quanto à feitura dos riscos que não são inéditos. Para ela, o bordado de Caicó parte de alguns padrões, mas precisam ser interpretados e renovados. As inserções estéticas representam uma possibilidade constante na produção do bordado porque sinaliza uma criatividade atualizadora. Rosário é uma desenhista impecável e criativa, apesar dos temas se reproduzirem com freqüência - flores, ramagens, arabescos, bolinhas - afirma que nunca repetiu um desenho integralmente. Ao questioná-la sobre como faz para manter-se tão criativa, ele me mostrou uma revista italiana "RAKAN', cujo subtítulo é "il mensile del ricamo". Essa publicação é dedicada, essencialmente, aos lazeres domésticos, ao preenchimento do tempo das mulheres e ao modo com que elas devem tratar a casa para tomá-la aconchegante para a sua família.
Iara, por sua vez, diz que repetir bordados é muito chato, "há muitas coisas para se bordar". Quando me reencontrei com Iara, em julho de 2007, disse-me que andava muito brava com o bordado por causa da remuneração que não corresponde às peças bonitas, mas que, mesmo assim, recusa-se a repetir pontos e chega até a sonhar com novos pontos. Busca inspiração nas novelas e nas revistas para manter-se atualizada. Alterna os desenhos mais tradicionais - como flores e arabescos - com o que vê na televisão. Além disso, procura fazer o bordado em tecido que normalmente não são utilizados porque são julgados mais difíceis e trabalhosos, como, por exemplo, a seda.
Iracema se considera uma artista. Gosta de "criar, de começar a bordar no tecido branco [13], de pensar nos pontos e de imaginar a mercadoria pronta". Raras vezes recorre às revistas, no entanto, é comum que ela encontre inspiração em alguma flor, fruta ou legume e, a partir daí, copia-os no papel e, posteriormente, reproduz o desenho em um bordado. Afirma que não vê sentido em bordar se não for para criar algo novo, da mesma forma, sente dificuldades quando alguém lhe pede para que repita um trabalho ou dar continuidade à criação de outros, algo comum entre bordadeiras [14]. Atualmente, tem criado peças a partir da inserção de rendas e bordados que não são produzidas em Caicó, principalmente a renda renascença, trazida da Paraíba, o que revela uma comunicação interessante entre bordadeiras e rendeiras.
É tênue o sentido de criar e copiar. É certo que as narrativas acima apontam para um investimento criativo, diferenciador e sensível em prol de uma experiência estética. Mas, criação e cópia se ladeiam. Talvez, seja possível buscar inspiração em uma revista estrangeira ou das roupas que as atrizes usam nas novelas e, ainda, na cópia dos elementos naturais. A crítica que elas apontam pode ser entendida, portanto, como uma recusa à repetição dos temas e à submissão de determinadas imposições mercadológicas.
Irene, Iasnaia, Maria Helena, Lucineide e Helena bordam a partir da criação dos desenhos de outros, fazendo parte dos que "copiam", segundo o manual português. Seus esforços são notórios e fazem um trabalho considerado bonito, mas, de acordo com suas falas, bordar é não é apenas aptidão para a criação, mas esforço e trabalho. Eles dizem, por exemplo, que não conseguem criar, que não desenham e que nem sempre conseguem compor a peça como um todo, mas que, nem por isso, seus bordados não são bonitos. Contam que aprenderam a bordar com esforço e consideram que preenchem (bordar, por sobre os riscos) bem os bordados, principalmente, porque suas são bem requisitadas pelo consumidor.
Iasnaia e Irene consideram que é mais importante é saber o que o consumidor quer do que investir tempo para criar um desenho. Além disso, para elas, quanto mais gente participar do processo, mais pessoas poderão trabalhar. Helena, por sua vez, é muito habilidosa. Gosta de desenhar, faz vários tipos de artesanato, como crochê e pintura em tecido. Diz que gostaria de aprender a criar os desenhos, mas que lhe falta tempo para isso. Lucineide conquistou seu público pelas cópias que faz, principalmente no que se refere aos bordados infantis, no qual, geralmente, recorrem-se a temas mais modernos, por exemplo, inspirados nos desenhos animados ou nos livros de histórias infantis.
Percebi, em campo, que há uma cisão, explícita, entre aquelas que desenham e bordam e aquelas que apenas bordam [15]. O primeiro grupo tende a indicar que o segundo é incompleto, que falta criatividade aos artesãos para compor uma obra inventiva, exceção feita àquelas que bordam muito bem, como Lucineide. Fazem coro, assim, às palavras do manual de Freitas (1951: 433), para quem as bordadeiras se dedicam a uma profissão delicada, exigente, e que para serem consideradas "completas" é preciso elaborar desenhos, estarem cientes da viabilidade do tema em relação ao tecido, conseguem entender o que o público deseja e, ao mesmo tempo, não deixam que a arte de fazer se submeta ao desejo integral de outras pessoas, porque, ao agir de modo submisso pode-se perder o sentido do bordar.
Além disso, nota-se outra critica ao ato de copiar e de reproduzir desenhos. Muitas vezes, repetir desenhos não é um desejo da bordadeira, mas dos atravessadores que percebem que a peça foi bem aceita no mercado. Segundo algumas bordadeiras, conforme desenho se toma muito repetitivo, acaba por perder seu o tom artesanal que o caracteriza, que, segundo Iara, desvaloriza o bordado que deixa "de ser único".
Assim sendo, o manual português, "A Bordadeira", ao objetivar conferir um caráter profissionalizante à produção artesanal, apresentou categorias que distinguem as bordadeiras, sendo possível perceber que essas categorias podem ser observadas nos discursos em Caicó. Isso não significa que o manual foi lido por aqueles que bordam, mas que há idéias comuns que circulam em tomo dos bordados. Para o manual português, o oficio de bordadeira indica que é necessário um empenho profissional, mas, fundamentalmente, há uma necessidade de possuir habilidades pessoais.
A publicação brasileira segue uma análise similar, no entanto, a formação da bordadeira é mais acentuada do que o aspecto vocacional. A idéia do empenho e da dedicação é o diferencial para se tomar uma bordadeira. Freitas dá voz à crença que formou boa parte das bordadeiras que compõem esta investigação:

A artífice, para bem poder dominar o oficio, deve, através de um aprendizado inteligente, adquirir ótimo golpe de vista, destreza, agilidade, ordem e asseio. Além disso, deve ter conhecimento regular sobre desenho técnico e noções de geometria, para distinguir, compor, adaptar e corrigir modelos. Deve ter noções básicas de todos os problemas tecnológicos, quer no que se refere à técnica, quer na parte comercial, pois somente dessa maneira, é possível calcular os gastos referentes a uma determinada peça (...), deve possuir em alto grau conhecimentos de "estética" ou, mais claramente, o gosto do belo. (Freitas: 1951,p.280)


As irmãs Robéria, Rosalba e Risoleta bordam juntas há mais de 50 anos. Bordam a mão e os resultados são muito delicados. Entre as bordadeiras que encontrei em Caicó, as irmãs são consideradas as melhores da cidade. No entanto, não sei se por modéstia ou por timidez, elas não afirmaram, em nenhum momento, que o bordado que faziam era perfeito, ao contrário, repetiam que havia muitos bordados mais bonitos que os delas.
Outras bordadeiras, como Iara e Iracema, sentem muito orgulho no que fazem, porque, segundo Iracema "não bordam apenas, fazem arte". Iracema faz uma distinção interessante entre trabalho e arte. Quando tem uma encomenda de bordado, diz que "precisa trabalhar", ao passo que quando resolve preparar uma peça sem qualquer compromisso com algum cliente, refere-se ao produto como arte. Iara, de igual modo, vê seu bordado como arte, um "tipo de arte", que “não apenas ela o considera como tal, mas os outros também, explica o porquê é bonito”, conta sobre os elogios que ouve e como as pessoas reconhecem o seu talento. Ambas afirmam que se sentem envaidecidas pelo resultado. Iracema, mostrando-me uma de suas peças, bem colorida, assim que a viu pronta, disse em uma expressão simpática: "olha só, até brilha". No entanto, apesar da alegria e do reconhecimento de um trabalho bom e bem feito, dizem que o segredo para continuar fazendo bordados criativos e bonitos "é não se acomodar". Para isso, é preciso "buscar em si e no mundo inspiração para compor boas peças". De acordo com Iara, quando borda "fala dela mesma, das coisas que vê na revista, do que está na novela". Iracema, diz que faz arte, a "arte que sempre esteve consigo", e que ainda há muito que fazer.
Iasnaia é outra que concorda com este senso de incompletude, por isso fala sobre a necessidade de "não se acomodar". Irene, sua mãe, diz, como é comum se ouvir entre as bordadeiras de Caicó, que o essencial é "bordar com amor". Todos que entrevistei disseram que este é o segredo do bom bordado. Se bordar com amor indica, uma ação aparentemente passional, na verdade, aponta para um modelo bem racionalizado e calculado porque revela a busca pelo empenho, perfeição, cuidado, simetria e técnica apurada, todos esses elementos presentes nos dois manuais que, provavelmente, foram construídos a partir da experiência e de narrativas de outros artesãos e que, além disso, vinculam-se e são disseminados pelo senso comum.

2.3. A bordadeira e seus instrumentos

A produção das peças pode ser feita mão ou à máquina. Em Caicó, encontrei bordadeiras que bordam a mão e que bordam a máquina. O primeiro grupo tende a ser menor, seu trabalho é demorado e mais caro [16]. De rara concepção e labor. O material usado é muito simples e de fácil acesso: tecido, agulha, linha e bastidor, usualmente pequeno, cujo diâmetro varia de 10 a 15 em. É um bordado de pontos muito pequenos, os mais utilizados são: ponto cheio, matiz, ponto atrás, ponto arroz, sombra e aberto.
Até então foram entrevistadas quatro bordadeiras que atuam neste tipo de bordado: Ana Maria, Robéria, Rosalba e Risoleta. Apesar de gerações distintas (Ana Maria é mais de 20 anos mais nova), elas afirmam que não aprenderam a bordar visando qualquer pretensão econômica. O bordado era parte da vida, parte da formação feminina. Com o tempo, descobriram que era possível trabalhar e ganhar dinheiro, sem sair de casa, com aquilo que faziam de bonito. Bordaram, principalmente, enxovais, camisolas e roupas de festa, principalmente aquelas que trabalhavam em parcerias com as modistas da região.
Ana Maria, com cerca de 40 anos, casada, com uma filha, contou que era comum aprender a bordar para ocupar o tempo. Aprendeu com sua tia, ainda criança, e durante alguns anos fazia e bordava as roupas para as suas bonecas. Conforme foi crescendo, percebeu “que poderia deixar suas próprias roupas mais bonitas quando bordadas. Suas amigas começaram a gostar de seus bordados ao mesmo tempo em que estava na fase de querer algum dinheiro para gastar no final de semana”. Foi, então, que” passou a comercializar os seus bordados” (nos últimos anos tem bordado pouco por causa de prejuízos na visão, causado pelo ritmo do trabalho). Robéria, com mais de 60 anos, solteira, sem filhos, diz que “nem se lembra de quando começou a bordar, e nem quem a ensinou, porque sua mãe, suas tias e primas, as vizinhas, as professoras da escola, enfim, as mulheres que a cercavam eram bordadeiras”. Comercializar o bordado “foi algo natural, uma consequência”.
Algumas vezes, nos discursos das bordadeiras que bordam a máquina, como Iracema e Irene, as mulheres que bordam a mão aparecem como as guardiãs de uma forma de bordar que a cada dia tem sido mais abandonada e que é a matriz do bordado de Caicó. Suas falas acompanham as reflexões presentes no ensaio do poeta Paul Valery (1943), para quem o bordado é como poema e cujas bordadeiras não se importam com o cansaço ou com a duração de seu elegante trabalho que pode durar semanas, meses, anos. No bordado a mão, conclui o ensaísta, houve "paradoxalmente, sacrifício, graça e magnificência para a realização de sua obra, alternando a tenacidade de um inseto e a ambição aficionada de um místico que combina a abertura de si e de todos aqueles que não desejam o mesmo".
Bordar, para o poeta, é o exercício da paciência. Assim pensam, também, as mulheres de Caicó, por mim entrevistadas, que bordam a mão. Elas estão em acordo com a crítica do poeta quanto à falta de paciência presente nos espíritos modernos - que rejeitam aprender este tipo de bordado. Segundo o autor, os espíritos modernos estão enfraquecidos com relação à "idéia de eternidade que coincide com o asco crescente dos longos afazeres" (Valery: 1943). As bordadeiras que bordam a mão, em conformidade com a leitura de Valery, criticam o modelo rápido e utilitário que tem impactado a produção do bordado. Talvez, por esta razão, é que há uma cisão tão explícita entre essas bordadeiras e aquelas que bordam na máquina.
O material de bordar (tecido, bastidor, agulha e linha) é acessível para as bordadeiras, exceção feita à máquina de bordar que significa uma conquista para a bordadeira quando consegue comprar a sua - normalmente, o valor é dividido em vários pagamentos e se usa o bordado nela feito para pagar a dívida. A máquina é um bem precioso para as que bordam e são tratadas com respeito, usualmente cuidadas com asseio. Em Caicó, boa parte das bordadeiras borda a máquina.
A máquina de bordar combina elementos metálicos e movimentos prefixados que reproduzem o bordado à mão. O bordado à máquina surgiu no séc. XIX, a partir do surgimento das máquinas de costura. Em 1900, M. Hurtu (Freitas: 1954) apresentou uma máquina que era capaz de reproduzir os matizados nas suas mais variadas modalidades. A adaptação da máquina de costura em máquina de bordar foi um divisor de águas para a produção do bordado, tornando a tarefa mais rápida. Seu funcionamento é simples, são dedos metálicos que funcionam como uma laçada ou com movimentos prefixados em discos que a bordadeira escolhe e montar e que auxiliam a bordar.
Quase todos os pontos do bordado a mão podem ser reproduzidos na máquina de bordar, segundo as bordadeiras que utilizam a máquina. Os trabalhos são realizados com esmero, da mesma forma que os realizados a mão. No entanto, parece haver uma hierarquia da produção - principalmente, pelas próprias bordadeiras - que situam o primeiro como o mais artístico [17], urna vez que é minucioso, costuma ser mais demorado e os pontos tendem a ser menores.
Não é necessário cair no discurso do que é mais artístico ou não; interessa perceber que se trata de novas inserções no ato de bordar: o artesanal permitindo invenções, adaptações e novos usos. Apesar de um pouco mais rápido do que o bordado à mão, a habilidade para realizar o trabalho na máquina de pedal demanda outro tipo treino, que envolve corpo como um todo, não apenas as mãos como no outro tipo de bordado. Além da habilidade das mãos e a vista treinada, é preciso sinergia entre os movimentos da mão e ritmo para o pedal. O tempo passa a ser fundamental na relação da bordadeira com a máquina, pois, de acordo com o ritmo dos pés, coordenado com o distanciamento e com a aproximação das mãos, é que os pontos são criados.
Nas últimas três décadas, além da máquina de pedal, as máquinas industriais têm ganhado um espaço cada vez maior entre as bordadeiras em Caicó, principalmente entre as bordadeiras jovens, como lasnaia, e aquelas cuja intenção é obter maior produção, menor custo e, conseqüentemente, peças que cheguem até o público consumidor com valores mais acessíveis.
O bordado realizado na máquina industrial exige da bordadeira uma especialização do bordar, mas esta especialização tende a ser menos minuciosa. Não se borda matiz, por exemplo, isso significa que não há composição de cores e os pontos tendem a ser sempre uniformes. A máquina industrial funciona eletricamente, o controle do bordado é dado somente pela mão da bordadeira que deve direcionar os pontos que se restringem aos cheios e matame; dispensa-se, assim, o uso dos pés e, devido à rapidez da máquina, não é possível o controle minucioso dos pontos.
O uso da máquina industrial é visto com muita restrição entre as bordadeiras na região, principalmente, entre as mais antigas, porque transformaria a bordadeira em uma trabalhadora braçal, impedindo-a de criar e uniformizando demais um trabalho cujo valor é dado pelo seu aspecto artesanal. Algumas bordadeiras, como lara se recusam a bordar com a máquina industrial; outras, como Iracema acreditam que “deva ser feito o uso da ferramenta, mas, em alguns casos como nos arremates ou, então, nos temas não muito elaborados como barrados” - composto pelo matame - e para as aplicações - uso comum na malha. Helena, por sua vez, diz que “cansou de bordar na máquina de pedal”, para ela, “o bordado na máquina industrial tem o mesmo efeito, não cansa a perna e permite bordar mais”, o que significa, ter mais dinheiro.
Eis aqui mais um território de disputa. Se para algumas delas, a ferramenta e o material escolhido representam a alteração do bordado em algo de qualidade inferior, para outras, a máquina industrial serve para ampliar a produção e baratear os custos. lasnaia afirma que percebe essa crítica como "uma perseguição, um preconceito" em relação àquelas que, “como ela, se utiliza de ferramentas modernas e, ainda assim, conseguem reproduzir os pontos e alcançar o mercado consumidor”.
De acordo com o olhar de lasnaia, o uso da máquina industrial não significa perder a beleza do bordado, no entanto, aponta a existência de um distanciamento entre alguns grupos que se julgam mais "artistas" do que os outros, seja porque criam desenhos ou, então, porque são consideradas mais experientes e são mais conhecidas na cidade ou, então, porque são da Associação, cuja liderança, segundo a leitura de Iasnaia, determina quais são os bordados mais bonitos e vendáveis.
É possível pensar que uma provável heterogeneidade entre bordadeiras pode estar estabelecida em relação à especificidade de seus bordados, ao uso de determinadas técnicas e instrumentos utilizados. Nota-se, ainda, que essas características tecem relacionamentos, que são apontam relações de construí das para além do bordado e remetem ao olhar sobre o trabalho. E, esta, é apenas uma possibilidade de observar a rede social do bordado em Caicó.

3. Considerações finais

As relações, acima apresentadas, envolvem discursos e produção de coisas, vivenciadas no cerne da experiência coletiva. Falam da feitura, do posicionamento como bordadeiras, da opção por determinados instrumentos e, por conseqüência, do alcance no mercado.
Dentre os discursos heterogêneos que circundam o bordado, alguns retratam alterações técnicas, mas, não somente, trata-se de percepções comportamentais vivenciadas ao longo dos anos. Dialogam com a realidade moderna e com os posicionamentos das mulheres em tomo da produção e em tomo da forma pela qual se dispõe a viver. Assim, se as artes manuais, dentre elas o bordado, até, mais ou menos, a década de 50 do século XX, indicavam a inserção positiva da mulher que se dedicava, com esmero, à vida familiar, aos trabalhos manuais e às prendas domésticas, atualmente, encontram-se outros sentidos no bordado, como tornar-se empreendedora.
Diante disso, bordar não é uma prática que está encerrada no passado, mas vivencia alterações em contextos específicos. A inclusão das máquinas, a reflexão sobre o comércio, a presença de políticas públicas conta sobre as alterações estéticas, inclusão de outras personagens, reordenações sociais, hierarquizações e distinções. Essas questões sinalizam que a produção do bordado é composta de fronteiras que são tênues e abertas.
O que deve se ter em mente é que a natureza do bordado remete a uma profusão de técnicas. Trata-se de um trabalho de ornamentação, realizado por meio de agulhas e linhas que pode, ou não, estarem juntas a fabricação por meio das máquinas. Bordar envolve sobreposição das linhas no tecido, mas, também, ações meticulosas para desfiar o tecido, retirando da trama original os fios que deverão ser urdidos a outros, formando novos pontos e texturas, alterando a configuração original, fazendo com que os fios voltem à cena, acrescidos de outras linhas.
O bordado do tipo richileu revela-se inspirador para a conclusão deste ensaio, ademais, é o que se realiza com maior profusão em Caicó. Ele pode ser feito à mão ou máquina, seja ela de pedalou a industrial. Quando feito à mão, após a reprodução do "risco" no tecido, contorna-se com o alinhavo e se inicia o preenchimento em "barretes" (linhas verticais). É feito, ainda, uma alça, unindo-se a trama e criando aberturas na peça, o que caracteriza o richelieu. Vale lembrar que a qualidade da peça é dada a partir da aderência, quantidade e união das linhas que formam o desenho. Tal como qualquer outro, esse bordado requer zelo e cuidado na hora de bordar, fazendo-o "com amor", ou seja, com perfeição e cuidado.
O bordado richilieu se caracteriza por movimentos, aparentemente, díspares. Tiram-se os fios, refazem-se os fios. Urdi-se, novamente. Quem sabe, o próprio movimento do bordado indique que unir e separar são elementos contínuos da feitura da peça. Esse movimento de aproximação e de distanciamento precisa do bastidor, elemento essencial, uma vez que tem como função apoiar, manter o tecido esticado, orientar e contém os possíveis desencontros. Portanto, apresenta ações de disciplina, mas, nem por isso, indica a negação da criatividade e da experiência estética. Este tipo de bordado se caracteriza, ao mesmo tempo, pela dispersão e junção, criando o belo.

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Notas:

[1] As principais atividades econômicas da região do Seridó, na atualidade, são: a agropecuária, o extrativismo, o comércio e a mineração. Caicó é a 3ª. cidade no estado do Rio Grande do Norte e está em 1694º no Brasil (1694/5561). De acordo com a projeção do IBGE, a partir Censo de 2000, a população total no ano de 2005 seria a de 60.988 habitantes, sendo 48,20% masculino e 51,80% feminino, 80% são alfabetizados e 12.986 lares estão no perímetro urbano e 1.486 estão na área rural.

[2] Em 2006, o IBGE, ao investigar a produção cultural nos municípios brasileiros, em parceria com o Ministério da Cultura, constatou que o bordado é a atividade artesanal mais frequente nos municípios, encontrado em 75,4% deles. Este índice é resultado da Pesquisa de Informações Básicas Municipais/MUNIC 2006, cujas informações abarcam desde órgãos gestores de cultura, infra-estrutura, ações, projetos, atividades até financiamentos e presença de equipamentos e de atividades culturais e artísticas existentes nos municípios. O indicador foi preenchido por meio de um questionário e respondido por representantes da prefeitura da cidade. Em Caicó, os dados foram fornecidos pela Associação das Bordadeiras do Seridó, obtidos em pesquisa realizada em 2005, por meio das oficinas de formação e de especialização de bordadeiras, promovidas em parceria com o SEBRAE-RN - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Rio Grande do Norte.

[3] Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Disponível em http://www.FJP.gov.br/produtos/cees/idh/Atlas_idh.asp.

[4]  A cidade recebe alguns nomes, primeiramente, é chamada de Cidade do Príncipe, depois, Cidade do Seridó e, por fim, em 1890, é chamada Caicó, apresentando, segundo Câmara Cascudo, a presença indígena no território.

[5] Por algumas vezes, ouvi essa mesma história sobre a "origem" da produção organizada e da comercialização do bordado em Caicó. A primeira delas foi Davina quem me contou quando estive a primeira vez, em 2005, na Associação das Bordadeiras. Arlete, Iracema, Rosário, Rosalba e Ana Maria repetiram essas histórias durante as entrevistas. Agora, essa história é contada, didaticamente, no Memorial do Complexo do Artesanato que leva o nome "Maria do Vale Monteiro", em homenagem à artesã.

[6] Para os detalhamentos estatísticos, econômicos e geográficos, ver: MORAIS, 2005.

[7] Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Centro do Ensino Superior - UFRN/CERES

[8] Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, há cerca de oito milhões de trabalhadores artes anais no Brasil, que movimentam 28 bilhões de reais no mercado interno. No entanto, nunca houve um censo que confirmasse os dados aqui citados. Em 2005, criou-se o Fórum do Artesanato Brasileiro, tendo como principal objetivo cadastrar os trabalhadores e formalizar profissionalmente a carreira (Banco do Nordeste: 2005). Outro dado relevante, é que na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dentre as profissões investigadas, não houve qualquer referência às atividades artesanais; aqueles indivíduos que produzem e vivem do artesanato preencheram no questionário o item outros. Emerge, portanto, uma dúvida quanto ao posicionamento de pesquisas estatísticas oficiais e aos usos políticos feitos por meio delas, uma vez que os bordados não entram nos indicadores econômicos oficiais, apesar de ser uma fonte importante de renda e ponto de partida para projetos políticos para essas regiões.

[9] Atualmente, a Escola Feminina de Caicó é conhecida como Escola Profissional Júlia Medeiros, conta com ensino básico e médio. O Educandário, atualmente, Colégio Santa Terezinha, abarca, também, a Faculdade Católica Santa Terezinha que em outubro de 2008 inaugurará uma incubadora de empresas para bordados.

[10] Em São Paulo, é representativa a contribuição da Escola Caetano de Campos que continha um programa didático de tecnologia feminina nos cursos de ensino industrial. Este mesmo programa disciplinar se torna inspirador para a consolidação das  Escolas Domésticas, modelo de educação para meninas, ainda vigente no Rio Grande do Norte e na Paraíba. As Escolas Domésticas e os Educandários Religiosos foram fundamentais no ensino e na expansão das técnicas do bordado e, principalmente, na sugestão de transformar a arte em possibilidade de obtenção de renda econômica, principalmente, como uma saída para o trabalho no campo.

[11] Maria Vitorina Freitas foi professora da Escola Técnica Estadual Carlos de Campos, a primeira Escola Profissional Feminina, inaugurada em 1912. Essa organização serviu de parâmetro para a educação doméstica (dona de casa e mãe) e da formação da mulher operária. O objetivo da escola era o seguinte: "dar às suas alunas, depois de conhecidas as suas aptidões naturaes, uma profissão, ministrando-lhes ao mesmo tempo, os conhecimentos precisos para se tornarem boas donas de casa".

[12] O processo do bordado se inicia na escolha dos materiais e temas da composição. O passo seguinte é transpor o desenho para o tecido, segue-se a feitura do bordado, o acabamento, a lavagem e engoma da peça.

[13] Ao usar a expressão "tecido branco" quer dizer que gosta de bordar diretamente no tecido, inclusive sem transferir o desenho para o pano.

[14] Quando uma bordadeira trabalha em parceria com outras, sendo ela a responsável pela peça, é comum que borde os primeiros desenhos, para que as próximas bordadeiras sigam o mesmo estilo.

[15] Apesar de bordar, Rosário apenas desenha. No entanto, goza de tamanho prestígio entre as bordadeiras, por conta da criatividade e beleza de seus desenhos, que em nenhum momento fui testemunha de qualquer crítica porque faz apenas uma atividade; algo que não acontece entre as outras.

[16] O consumidor final chega a pagar R$1.500,OO por uma camisola de batizado se ela for feita à mão, um produto similar, feito na máquina de pedal, custa em média R$350,OO.

[17] Destaquei a configuração "hierárquica" do bordado pelas bordadeiras porque alguns bordados à máquina são tão elaborados e perfeitos que especialistas, muitas vezes, não conseguem distingui-los. Os tipos de bordado marcam, também, um divisor classificatório entre as redes postas em ação em Caicó.