“A Indicação Geográfica foi identificada como o único mecanismo de proteção do sistema de Propriedade Industrial capaz de garantir direitos coletivos”
Carla Arouca Belas é Doutoranda da UFRRJ, onde desenvolve projeto relacionado ao uso das Indicações Geográficas para valorizar comercialmente produções artesanais de populações tradicionais. Como consultora do IPHAN, foi responsável pela realização de inventários e planos de salvaguarda na área de patrimônio imaterial.
O que é Indicação Geográfica?
Indicação Geográfica é um selo que serve para identificar produtos ou serviços que se tornaram notórios em função características associadas aos seus locais de origem.
Qual a diferença entre uma marca e uma Indicação Geográfica?
A Indicação Geográfica é uma espécie de marca, mas enquanto a marca simplesmente diferencia um produto de outro no mercado, a Indicação Geográfica, além disso, informa que determinado produto possui características específicas que podem ser atribuías ao seu território de origem, relacionadas a condições naturais e sociais de produção. Isso tem implicações muito mais amplas do que uma marca, individual ou coletiva. A marca garante direitos para o seu titular; no caso da Indicação Geográfica, toda a coletividade que estiver naquele território e cumprir com o regulamento de uso têm direito a utilizar esse selo para identificar os seus produtos. Também o consumidor tem mais garantias e informações tanto sobre o produto quanto do processo de produção, pois para ter direito à utilização do selo o produtor ou artesão deve cumprir uma série de regulamentos que, a depender do produto, pode incluir padrões de qualidade, normas ambientais e outros definidos pelos próprios produtores.
Há exemplos de produtos que já têm Indicação Geográfica?
No mundo, o mais famoso é Champagne. Se alguém for ao supermercado, hoje, no Brasil, não conseguirá comprar um produto com o nome Champagne que não seja da região de Champagne, na França. Pode-se comprar Chandon ou outros vinhos espumantes, mas não Champagne, porque a Indicação Geográfica dá exclusividade do uso do nome.
Como a Indicação Geográfica pode beneficiar pequenos produtores?
Uma das funções da Indicação Geográfica é justamente a proteção dos pequenos agricultores frente à agricultura em larga escala. Era uma forma de garantir a sobrevivência de culturas que estavam morrendo por um processo de padronização da agricultura, reservando um nicho de mercado para pequenos produtores. Isso possibilitava a concorrência com as grandes empresas, que compravam todas as áreas de produção e vendiam os produtos bem mais barato, de forma massificada. Com a Indicação Geográfica, o pequeno produtor pode falar para o consumidor: “Meu produto tem uma qualidade diferenciada, ele merece um preço diferente”. A Indicação Geográfica foi identificada como o único mecanismo de proteção do sistema de Propriedade Industrial capaz de garantir direitos coletivos, pois não é concedida a um titular, mas a um representante legal, conferindo direitos à coletividade de um determinado território. Além disso, a ancestralidade é valorizada, uma vez que a descrição dos processos históricos de produção é fundamental para comprovar a reputação do produto. Por fim, a proteção não está restrita a um período temporal específico, é concedida por prazo indeterminado.
No Brasil, quais as perspectivas para novas certificações em geral e, especialmente, para produtos artesanais?
Ainda estamos engatinhando em relação a isso. Por enquanto, são apenas 12 Indicações Geográficas no país. Para se ter ideia da diferença, a França, só para vinho, tem 360. Mas acho que daqui a um tempo, especialmente em relação à questão do artesanato, teremos uma grande demanda. No final do mês de agosto, foi concedida a nossa primeira IG referente a produtos artesanais: a Indicação de Procedência da Região do Jalapão para o artesanato de capim dourado. Há ainda três outros processos em andamento: Goiabeiras para panelas de barro, São João Del Rei para artesanato em estanho e Pedro II para joias artesanais de pedras opala. E, por todo o Brasil, artesãos têm se organizado em torno da reunião de documentação para novas solicitações: Abaetetuba para os brinquedos de miriti e Alagoas, Natal, Sergipe e Paraíba para diferentes tipos de rendas.
O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras e o Modo de fazer Renda Irlandesa em Divina Pastora são dois bens registrados pelo Iphan como Patrimônios Culturais Brasileiros. Atualmente, estas comunidades estão buscando a Indicação Geográfica para seus produtos. Quais as diferenças entre essas duas formas de certificação?
A finalidade do registro do patrimônio imaterial é a salvaguarda e a preservação para as gerações futuras. O problema é que as ações de inventários e registros empreendidas pelo IPHAN garantem visibilidade aos bens culturais sem oferecer qualquer proteção contra a apropriação de terceiros interessados em obter vantagens comerciais. Como o título de patrimônio cultural não gera nenhum tipo de direito de exclusividade comercial, não é possível evitar que os bens culturais, sobretudo produtos artesanais, uma vez valorizados, venham a ser copiados e vendidos por terceiros sem qualquer repartição de benefícios com as comunidades que os originou. No caso das paneleiras de Goiabeiras, após a obtenção do título de patrimônio cultural do Brasil, aumentou o número de produtores de panelas de barro de outras localidades que usam indevidamente o nome de Goiabeiras para atrair novos consumidores. Esses produtores conseguem vender panelas mais baratas porque produzem em menos tempo com o uso do torno e de matéria-prima de menor qualidade, enquanto as paneleiras de Goiabeiras têm a produção completamente manual e se preocupam com o manejo dos recursos naturais. Por isso, quem não faz da maneira tradicional, mas usa o nome delas, ou nem usa o nome, mas faz uma panela tão parecida que confunde o consumidor, acaba prejudicando-as. Não tem como impedir ninguém de fazer panelas do jeito que quiser, mas com a Indicação Geográfica pode-se impedir o uso do nome Goiabeiras por produtores de fora dessa região que não utilizam as condições de produção estabelecidas no documento da IG.