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ENCANTOS DA ILHA DO FERRO

Publicado por A CASA em 15 de Setembto de 2011
Por Cláudia Vendramini

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Saindo de Maceió, de carro, leva-se cerca de três horas para chegar ao município de Pão de Açúcar, no estado de Alagoas, à margem do rio São Francisco. Passa-se por Marechal Teodoro, Arapiraca, e muitos povoados com nomes interessantes como Pé Leve, Olho d’Água das Flores, Campo Alegre, Jacaré dos Homens, entre outros. A paisagem é deslumbrante, com trecho da estrada ladeada de árvores “Brinco de viúva”, que dá uma frutinha preta, parecida com uma azeitona. Passe-se por grandes plantações de cana-de-açúcar e algumas de milho. Tem-se ainda o cultivo do tabaco, longos pastos para a criação de gado e no horizonte montanhas em contraste com um céu de azul intenso.
Chegando em Pão de Açúcar, percorre-se 18km numa estrada de terra com cenário totalmente diferente. Abre-se caminho para o sertão alagoano, para a caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro. O ar é mais seco, a vegetação é mais rasteira, verde claro quase esbranquiçada, cheia de espécies de cactos. A gruta de Angicos (SE), local onde morreu Lampião, o famoso cangaceiro que assombrava com seu bando o Sertão, fica entre Pão de Açúcar e o município de Piranhas (AL). Entre eles, também localiza-se o povoado de Ilha do Ferro, à margem do vigoroso Velho Chico. O colorido das fachadas das casas encanta o lugar. Os moradores são acolhedores e generosos.
Nesse local, nasceu e viveu Fernando Rodrigues dos Santos (1928-2009), mais conhecido como seu Fernando da Ilha do Ferro. Criava bancos, cadeiras e esculturas com raízes e troncos de imburana, craibreira, pereira e mulungu. Suas cadeiras já foram apresentadas nas exposições “Uma História do Sentar”, realizada no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, em 2002, e “Puras Misturas”, no Pavilhão das Culturas Brasileiras, em São Paulo, em 2010, ambas com curadoria de Adélia Borges. Além de seu Fernando, uma legião de artistas trabalham com o mesmo material na Ilha do Ferro e em Pão de Açúcar. É o caso de Aberaldo Sandes Costa Lima, Eraldo Dias Lima, Fabrício Dias Lima, Nan (Normando Sandes), José Petrônio Farias dos Anjos, Vieira (José Bezerra Sandes), Zé de Tertulina (José Alvacir de Melo), Valmir Lessa Lima, entre tantos outros. Esses artistas produzem, artesanalmente, peças que representam animais e pássaros da região, pequenas embarcações, móveis, figuras imaginárias e esculturas de animais híbridos. A tradição do povoado na carpintaria, no uso da madeira em seu estado natural, vem provavelmente das construções das canoas de tolda que eram feitas pelos avós desses artistas, utilizadas no baixo São Francisco para transporte de madeira e mantimentos como açúcar, farinha e frutas. Mas não é só com trabalho em madeira que os moradores mostram seus talentos, é também no feitio do bordado boa-noite, executado pelas mulheres da Cooperativa de Artesãs da Ilha do Ferro – Art Ilha. Trata-se de uma técnica de bordado que foi quase extinta e que consiste em desfiar o tecido e recompô-lo em faixas com motivos florais. Boa-noite é a denominação de uma singela flor da região, geralmente encontrada na cor rosa e branca, semelhante à maria-sem-vergonha. O bordado é feito em tecidos como o linho puro, a cambraia e o percal, mas se aplica também ao pano de saco e ao algodão, gerando lindos panos de pratos, guardanapos, jogos americanos e toalhas de mesa.
A Ilha do Ferro encanta também por suas estórias e cultura. Plantava-se arroz; existia olaria de tijolo batido e telhas; produzia-se tamancos de imburana de cambão com couro de boi ou de carneiro tingido de preto à partir do fruto do pau-ferro. Dona Morena (Bernadete Rosália Teixeira — 1926), contadora de estórias, sorridente, é uma das mais antigas do povoado. Começou a contar estórias para a comunidade aos 20 anos e até hoje emociona adultos e crianças com peças inventadas, inspiradas em Lampião, Corisco e seu bando, ou em contos do Sertão. Festas populares como as de Bom Jesus dos Navegantes — conhecida também na região como Festa de Reis —, de São João, de São Pedro, além de procissões e corridas de canoas não poderiam faltar para colorir ainda mais o dia a dia desse belo povoado. Esse relato contém apenas as primeiras impressões de uma comunidade que está sendo pesquisada para a realização de uma exposição em São Paulo, em 2012. A curadoria é de Adélia Borges, que me convidou a fazer a produção. Aguardem!