Chiara Gadaleta é
consultora de moda e criadora do Ser Sustentável com Estilo.
O que é e quais são os objetivos do Instituto Ser Sustentável com Estilo? Nossa missão é mostrar que a moda e a beleza podem ser agentes de transformação. Através delas, podemos disseminar informações importantes como valorização das habilidades locais como artesanato, geração de renda para comunidades carentes, discussões sobre questões socioambientais e até cidadania.
Qual foi o processo que levou à criação do SSE? Eu tive meu primeiro contato com o mercado de moda quando trabalhei como modelo em meados dos anos 1990. Viajei bastante e resolvi meu ego. Depois tive a grande chance de estudar e me formar no Studio Berçot em Paris. Depois de cinco anos na Europa, voltei ao Brasil e me especializei em imagem de moda. Trabalhei como consultora e stylist de inúmeras marcas e, no final de 2005, me senti pronta para abrir a minha própria: a Tarantula. E justamente em 2008/2009, no auge da marca, fui aconselhada a produzir meus caftans na China, pois o valor de um confeccionado no Brasil poderia ser o valor de muitos feitos naquele país. Foi assim que além de fechar a marca, pois não aceitava o fato de ter que produzir minhas peças sob condições duvidosas, também comecei a me conectar com questões como o descarte da indústria de moda, o desperdício, o artesanato tão longe e desprezado e a falta de consciência socioambiental que reinava na Moda. Foi assim que comecei a usar minha influência no mercado e minha voz no mundo da moda para falar e experimentar uma nova forma de ver e pensar a moda. Mais consciente e conectada.
Já existem empresas, estilistas ou produtos exemplares que simbolizam a ideia de ser sustentável com estilo? No Brasil, posso citar a Osklen, Flavia Aranha, Lourdinha Oliveira, Joyful, Arte Ethos, Patricia Moura, Tiana Santos, dentre outros.
De que maneira a Moda ajuda a difundir informações, idéias e conceitos? Como a moda pode ser um agente de transformação? A moda é muito rápida e faz as pessoas sonharem. Essas características fazem das roupas, acessórios, maquiagens etc. objetos que chegam em nossas casas diariamente e com muita frequência. Se imaginarmos que as roupas estão em contato direto com nossa pele e que de fato nos conferem uma identidade, mostram o poder de viralizar mensagens e de nos tocar.
O que é a Nova Era da Moda? Quais as características que a diferenciam da era anterior? Eu chamo de Nova Era da Moda, um grupo de indivíduos que trabalham nesse mercado e que além da busca pelo belo e pela estética, também se preocupem com a ética e com o desenvolvimento sustentável.
Tradicionalmente, a ideia de Moda está associada ao efêmero (pois logo fica ultrapassada) e ao consumo (pois as peças devem ser substituídas por outras). Considerando isto, Moda e sustentabilidade não são conceitos antagônicos? Tecnicamente poderiam ser vistos assim, mas, na prática, a moda pode se conectar sim com as questões do desenvolvimento sustentável. Toda a cadeia produtiva de moda pode "ser sustentável com estilo" através do consumo consciente, do slow fashion, da valorização das habilidades locais, como no caso do artesanato, utilização de materiais orgânicos e inclusão no mercado de trabalho, gerando mais renda para comunidades em estado de risco. Quando uma peça de moda carrega esses conceitos, ela se transforma em meio de comunicação e de educação. Sem falar em técnicas como a reciclagem, o reaproveitamento e o upcycling, que podem fazer com que o mercado de moda diminua o impacto negativo na comunidade e no meio ambiente.
Sustentabilidade é um conceito cada vez mais utilizado por todos, mas, muitas vezes, sem qualquer critério objetivo. Na sua visão, o que é moda sustentável? O que é necessário para que um produto de moda seja considerado realmente sustentável? No Brasil ainda não existem selos e certificados e, por isso, não podemos dizer que um produto seja 100%, 90% ou 35% sustentável. Tecnicamente, existem alguns eco-critérios: - Estar dentro do selo Fair Trade ou Comércio Justo, ou seja, ter responsabilidade pelos direitos humanos e condições de trabalho. - Valorização das habilidades locais, ou seja, design e fabricação em sua comunidade local. - Feito a Mão, também chamado de demi-couture (meia alta costura) e feitos por encomenda incentivando o slow fashion e promovendo uma moda com mais qualidade. - O uso de materiais naturais e orgânicos. - O uso de materiais reciclados ou técnicas de reciclagem. - O uso do Vintage. - Utilização de materiais ou processos que não envolvam crueldade animal. - Tingimento ecológico. - Redução do desperdício de materiais usando técnicas de modelagem e costura. - Marketing verde, ou seja, responsabilidade no uso de tags, etiquetas, cartões de visita e embalagens. - Responsabilidade Social e selos e certificados. Na minha experiência, uma marca, empresa de moda, estilista deve ter em seu DNA a sustentabilidade como um principio e não um valor. Um estilista de moda sustentável sabe e quer que seus clientes sintam-se parte ativa dentro de um todo.
Como a beleza pode contribuir na transmissão de mensagens e ideias? Quando comecei a usar minha voz na minha comunidade, que é a Moda, para passar informações ligadas a sustentabilidade, tive, ao contrário de que alguns acharam, muita facilidade em me comunicar e me fazer entender. Mesmo sem conhecer, as pessoas se interessaram e queriam saber mais. Acredito que seja pelo fato de desde o inicio usar a beleza como ponte, como canal para expressar ideias sobre a "Nova Era da Moda", como também questionar o papel do mercado de moda na nossa sociedade hoje e sua relação com as necessidades socioambientais do Planeta. E nessa jornada ouvi uma vez de um profissional que respeito muito que meu papel é o de “erotizar a sustentabilidade”. Eu adorei e me senti honrada. Na verdade, utilizo todos os recursos estéticos e de design para trazer a sustentabilidade para perto não só da moda como de todos ao meu redor.
Quais as potencialidades do uso do artesanato brasileiro nas peças de moda do país? Como conciliar o ritmo acelerado da moda ao ritmo mais lento da produção artesanal? Nesses últimos dois anos, tenho viajado bastante e realizado oficinas em pólos artesanais em todo o país. O que tenho percebido é que, infelizmente, muitos dos ofícios antigos estão se perdendo por falta de valorização tanto humana como financeira. Ou seja, uma mãe não ensina mais a filha ou a neta a crochetar ou a bordar e assim vamos perdendo registros e cultura local. E a Moda pode e deve acolher esses trabalhadores e artesãos. No meu entendimento, o artesanato se enquadra na nova preferência por peças exclusivas, atemporais, feitas a mão e sustentáveis. Por isso hoje mais do que nunca existe espaço para realizar parcerias entre estilistas e marcas de moda e artesãos brasileiros.
Já é possível falar em uma identidade da moda brasileira? É possível criar uma “marca Brasil” a partir da moda sustentável? Esse é meu sonho. De fato, muitos pensadores e colegas de trabalho acreditam que a moda feita de forma muito sofisticada, de valor estético surpreendente e sustentável seja nossa chance de finalmente conseguirmos uma identidade, uma personalidade e um prestígio na moda mundial. Eu tenho certeza disso!
Durante muito tempo, o conceito de luxo esteve associado à ideia de “abundância”, “excesso”, “ostentação”, “desperdício” e “superficialidade”. Atualmente, o conceito de luxo se transformou? O que é luxo? Qual é o novo luxo? Justamente, o Novo Luxo é mais consciente, mais criativo, mais ativo e pessoal. Hoje, compramos uma peça de altíssima qualidade e que tem um valor alto por que merecemos e não porque nos confere status social. Além disso, o Novo Luxo inclui peças que contem uma consciência socioambiental. Uma bolsa de couro de pirarucu pode ser infinitamente mais chique e elegante do que uma de uma marca famosa. Uma linda biju feita a mão com fibras naturais e brasileiras, se confeccionada com primor, pode conferir muito mais estilo a quem a usa.
O mercado da moda está mudando no Brasil? Há alguma perspectiva de você voltar a produzir em sua própria marca no curto ou médio prazo? Hoje me sinto realizada pensando que estou produzindo e relembrando um pouco da Tarantula em cada Oficina que realizo por esse Brasil afora!
