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Crédito: Passarinho - Prefeitura de Olinda

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MARACATU RURAL: UM CARNAVAL QUE VEM DO CANAVIAL

Publicado por A CASA em 16 de Fevereiro de 2012
Por Lígia Azevedo

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Guerreiros ricamente vestidos com golas bordadas, chapéus e lanças enfeitadas, cruzando longas distâncias no interior do Nordeste. Por debaixo da fantasia, rostos queimados do sol dos canaviais. Não se trata do cenário de um campo de batalha, mas de uma manifestação característica da zona da mata nordestina que hoje é símbolo do Carnaval de Pernambuco: o Maracatu Rural ou Maracatu de Baque Solto.

Fruto do sincretismo entre as culturas católica, africana e indígena, o Maracatu Rural é originário das senzalas dos engenhos de cana-de-açúcar, há cerca de 300 anos, como uma festa para representar a coroação dos Reis do Congo, e só em meados de 1930 foi incorporada ao Carnaval. O que o diferencia da sua variante urbana, o Maracatu Nação ou Maracatu de Baque Virado, é a organização, marcação do ritmo e os personagens que compõem o cortejo.

O Maracatu Nação é formado apenas por instrumentos de percussão que executam um ritmo marcado, e tem como figuras os membros de uma corte real à moda europeia: reis, rainhas, damas, porta-estandarte, e ainda a calunga, boneca de madeira em homenagem a santos negros, como São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.

No caso do Maracatu Rural, um conjunto de metais acompanha a percussão, como uma verdadeira orquestra, que toca ritmos diversos e improvisados na voz dos emboladores. Além dos reis e rainhas, desfilam Caboclos de Lança e Caboclos de Pena (guerreiros advindos do acréscimo da influência indígena), baianas, entidades “sujas” como Mateus e Catirina, e aqui a calunga é uma boneca-de-pano e não de madeira.

A Terra do Maracatu
A 65 km do Recife fica a capital do maracatu: Nazaré da Mata. O município pernambucano sedia, na segunda e terça-feira de Carnaval, o maior encontro de maracatu do estado. Só da cidade, são mais de 22 grupos que reúnem pessoas de todas as idades, em sua maioria trabalhadores rurais e cortadores de cana. Entre os grupos, como o Estrela Brilhante, o Sonho de Criança (maracatu mirim) e o Coração Nazareno (formado exclusivamente por mulheres), estão alguns dos mais tradicionais maracatus rurais, que ultrapassam 200 anos de existência. É o caso do Cambinda Brasileira, o mais antigo do Estado, fundado em 1918 e o único ainda hoje sediado na zona rural, na sede original do Engenho do Cumbe. O grupo tem cerca de 170 componentes, sendo 80 Caboclos de Lança, e integra o grupo especial do Carnaval do Recife.

“Maracatu Rural é brincadeira de mato, da roça, coisa que se vive há muito tempo. Era o divertimento que se tinha na época de meu avô e meu pai, porque na rua quase não havia movimento de Carnaval. Vinha gente de muitos lugares para assistir. E, como os engenhos aqui do Nordeste tem casas bastante espalhadas, percorríamos às vezes 100km de casa em casa brincando maracatu”, lembra Zé de Carlos, presidente do Cambinda e Caboclo de Lança há mais de 40 anos.

Assim como vários outros brincantes, para ele o maracatu é de herança familiar: “Brinco maracatu desde os 16 anos. Minha família é de tradição de engenho. Meu avô ensinou meu pai e meu pai foi quem passou para mim. E nesse tempo aprendi também com pessoas que viveram disso há muito tempo, como o caboclo mais antigo de Pernambuco: Zé de Rosa”, conta.

Guerreiros e artesãos
As figuras mais conhecidas do Maracatu Rural são os Caboclos de Lança, caracterizados pela gola, lança, chapéu, óculos (tradicionalmente transparentes e hoje em dia também os escuros), um cravo na boca e nas costas o surrão – espécie de chocalho que ajuda a marcar o ritmo. Toda a veste chega a pesar 30kg e é feita artesanalmente. As golas, ricamente enfeitadas de lantejoulas coloridas, na maioria das vezes são feitas pelos próprios caboclos.

Zé de Carlos conta que uma gola leva, em média, um mês para ser confeccionada pelas mãos de uma pessoa experiente. “No meu caso, hoje é minha mulher quem faz para mim. Mas a maioria das minhas golas fui eu mesmo que fiz. Minha primeira gola ganhei de meu pai. Ele sempre me dizia que eu ganharia a minha quando estivesse pronto para ser Caboclo de Lança. Um dia, vi uma gola que ele estava fazendo e perguntei para quem era. Ele na hora não disse mas, dias depois, me entregou a gola dizendo: - É sua, agora você já está pronto. Foi uma das maiores emoções que já tive”, relembra.

Toda a indumentária tem um significado ligado ao caráter fortemente religioso do Maracatu Rural, de homenagem aos orixás. O cortejo é cercado de simbologias, e muitos caboclos desfilam sob efeito de uma bebida à base de limão, aguardente, azeite e pólvora. Por isso, a manifestação sofreu preconceitos ao chegar ao contexto urbano. Muitos grupos foram incentivados a se tornarem de Baque Virado. Além disso, até certo tempo havia também receio de que o festejo terminasse em violência. Como explica Zé de Carlos: “O Maracatu já foi violento, hoje não é mais. Antigamente um caboclo que se encontrava com outro se defendia até a morte – lutava, saía furado. Hoje é manifestação do Carnaval, é só fantasia, alegria e beleza”.