ENTREVISTA
MARIA ELISABETH DE ANDRADE COSTA
Publicado por A CASA em 10 de Outubro de 2012
Por
Daniel Douek

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“Não é o artesanato que tem de ter um acabamento, é o olhar do público que precisa de um acabamento”
Maria Elisabeth de Andrade Costa é coordenadora do Setor de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP)
O que é a Sala do Artista Popular?
A Sala do Artista Popular (SAP) é um programa criado por Lélia Coelho Frota em 1983, época em que dirigia o Instituto Nacional de Folclore (INF), hoje denominado Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP). A ideia era produzir conhecimento sobre a produção cultural e artística de artistas populares que não tinham condição de entrar no circuito de artes plásticas ou belas-artes, dando-lhes visibilidade. A intenção era fazer uma exposição no museu e um catálogo etnográfico que dissesse algo sobre quem eram aqueles artistas, o modo de fazer o que eles estavam fazendo, as técnicas que empregavam, o material que utilizavam. Além disso, vendíamos seus produtos. Estou dizendo que era assim, mas, por incrível que pareça, continua assim. É isso que eu acho fantástico no programa. Ainda mantemos os mesmos princípios.
Qual a importância da utilização do método etnográfico para promover o artesanato num contexto em que “artesanal” é visto como “grosseiro”, “mal feito”, “imperfeito”?
O artesanato é isso mesmo: é imperfeito, tem problemas de acabamento – é feito à mão. Isso é o grande problema do artesanato e, ao mesmo tempo, sua maior benção. As pessoas tem dificuldade em entender que aquilo é único. Um pote nunca é igual a outro. A mão tem um trato diferente do da máquina. Às vezes, recebemos comentários sobre peças que têm manchas, partes um pouco mais “feias”, mas quando se descobre que a queima daquele objeto foi feita a céu aberto e que isso é uma técnica ancestral que está desaparecendo, ele adquire uma beleza! Porque aquilo não é mal feito, é característica de uma determinada técnica, de um modo de fazer que faz parte de um conhecimento nosso, brasileiro, é um patrimônio nacional. Eu diria que não é o artesanato que tem de ter um acabamento. É o olhar do público que precisa de um acabamento.
Vocês adotam a expressão “artista popular”. Existe diferença entre “arte” e “arte popular”?
Não estabelecemos a menor diferença. Arte é arte, é do homem, mas como a terminologia vigente, principalmente nas grandes metrópoles, faz esta distinção, usamos sua linguagem para nos fazer entender e para que se saiba do que estamos tratando. Essa é uma discussão de muito tempo, ferrenha e, às vezes, hostil. Muitas vezes, é necessário se apropriar da linguagem alheia para se fazer entender, mas para nós, arte é arte.
Muitas vezes, quando se expõe o trabalho de comunidades artesanais, vinculadas a um saber dito coletivo, o artesão que produziu determinada peça não é identificado. Como vocês lidam com a questão da autoria quando apresentam trabalhos desse tipo?
Não existe saber coletivo. É um saber disseminado numa comunidade, mas cada um assimila do seu jeito. Aqui, todas as peças são identificadas, informando-se quem foi o artesão que fez. O modo de fazer pode ser o mesmo, mas todas as peças têm seu autor. Se me permitir certo comentário maldoso e venenoso, na arte erudita, muitas vezes, a assinatura vale mais do que a obra. Existem rascunhos de desenhos assinados por não sei quem vendidos por milhões de reais em leilões devido ao peso da assinatura. Não fazemos cadernos etnográficos, como já vi em alguns casos, em que se mostra apenas o pote, com várias fotos do pote, fotos do barreiro em que a matéria–prima foi extraída, fotos da queima, e o máximo que aparece são mãos trabalhando o pote. Quem é que está fazendo? Nós procuramos fotografar os artesãos o máximo possível, mostrar quem são, nomeá-los. São pessoas inteiras que estão trabalhando, usa-se o corpo inteiro para fazer um pote.
Em breve, novos trechos da entrevista!