ARTIGO
GERAÇÃO DE RENDA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Publicado por A CASA em 29 de Novembro de 2012

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Lizete Prata, fundadora e diretora executiva da Associação Mundaréu
Setembro de 2012
A Mundaréu tem passado por mudanças intensas, desde o final de 2010. São
transformações que se relacionam à nossa concepção de trabalho, como uma organização não governamental voltada para a geração de trabalho e renda e, também ao contexto em que estamos inseridos.
Acredito que não seja falta de modéstia afirmar que contribuímos, de forma inovadora para o desenvolvimento do segmento de pequenos empreendimentos populares. Afinal fomos dos primeiros a introduzir o fair trade no mercado interno brasileiro, com a produção e comercialização de produtos artesanais e de pequenas manufaturas. Em ambos os casos, o design teve sempre um papel de destaque.
A Mundaréu foi precursora, ao inaugurar em maio de 2002 a primeira loja a atuar dentro dos princípios do comércio justo no Brasil, na comercialização de produtos artesanais de grupos produtivos, todos originados em processos sustentáveis. Num primeiro momento, a novidade e a falta de competição trouxeram resultado de vendas positivo. Além do varejo a venda de brindes corporativos se mostrou um filão inexplorado e muito promissor. Ao mesmo tempo em que os produtos eram comercializados, os processos de qualificação
aconteciam e geravam novidades constantes, de boa qualidade e preços bastante razoáveis.
Essas considerações tem a intenção de qualificar as reflexões que apresentamos a seguir.
São ponderações que nos sentimos na responsabilidade de expressar, como forma de contribuição para o debate e encaminhamento de alternativas coletivas, em beneficio dos negócios populares.
Os anos iniciais de atividade da Mundaréu foram muito bons, especialmente do ponto de vista comercial. As vendas cresciam assim como a renda dos produtores. Foi possível formar capital de giro, para o pagamento antecipado dos artesãos, uma vez que essa atividade não visava gerar recursos para a organização. Houve um momento em que as vendas pararam de crescer e os custos de operação ao contrário se ampliaram. Eram demandas crescentes por novidades e investimento em marketing e comunicação.
Durante todo o tempo, avaliamos resultados para redirecionar as ações e estratégias de nosso trabalho, o que resultou no fechamento de nosso ponto de varejo, em 2010. Tivemos que aceitar as evidencias de que os preços dos produtos das comunidades tem sido, necessariamente ou não, mais elevados. Durante 2011 tentamos dar continuidade à venda de brindes, através de representantes. Mas, os resultados inexpressivos determinaram a suspensão definitiva das vendas.
É praticamente impossível sustentar o custo da intermediação de vendas, de produtos com custo de produção elevados. Ficou evidente que essa comercialização só funciona se for subsidiada.
Outras experiências semelhantes tem tentado dar resposta ao desafio da comercialização.
Na maioria das vezes são estruturas com baixo investimento, nem sempre com tecnologia apropriada e, com poucos recursos humanos. Apesar do enorme esforço, também não vem alcançando os resultados esperados.
A crença na possibilidade de diminuição da pobreza, através da promoção do
empreendedorismo e da criação de áreas de negócios em ONGs ou de pequenas “empresas sociais” voltadas à comercialização, com baixos custos, tem esbarrado na questão da viabilidade comercial dos empreendimentos, num mercado de alta competição. A inovação tem caracterizado esse segmento, no entanto a sua sustentabilidade no curto e médio prazo não tem se mostrado viável.
Apesar de não termos realizado um levantamento sistemático sobre o assunto, o que se observa é que a maioria das iniciativas de comercialização tem muita dificuldade de alcançar a auto sustentação financeira. As que sobrevivem, em geral contam com apoio financeiro e doações. Além disso, mesmo nos casos em que o volume de vendas é significativo para quem comercializa, nem sempre isso significa que a renda gerada pelos empreendimentos seja expressiva porque as vendas são picadas e irregulares.
Do ponto de vista das comunidades, a comercialização sempre foi apontada como a grande dificuldade, não apenas por seus preços, a questão da comunicação e da acessibilidade são fatores a ser considerados. É especialmente penoso, para pessoas com baixa escolaridade se apresentar aos clientes para a venda de produtos: como se expressar, o que falar. Fora do território onde o empreendimento funciona, os obstáculos são maiores. Imaginem o constrangimento de pessoas humildes, ao tentar ingressar no espaço privado das empresas e sentir o preconceito, logo na portaria.
A dificuldade na comercialização é o aspecto visível, que enfeixa outras questões, como a capacidade produtiva baixa, uma realidade que incide diretamente nas possibilidades comerciais. A limitação para o atendimento de grandes encomendas tem vários desdobramentos:
Diminuição nas oportunidades comerciais, que resulta em renda menor.
Aquisição de matéria prima e complementos em pequena quantidade, portanto a um custo mais elevado.
Menos oportunidades de aprimoramento da qualidade do trabalho, da diminuição do tempo de produção. A produção constante cria soluções, que racionalizam o processo e aumentam a velocidade de produção, portanto seu custo.
Descontinuidade das encomendas diminui a adesão dos membros do grupo, fragiliza o empreendimento e causa insegurança e desistências.
Com relação a esse ultimo aspecto, cabe considerar também, que o mercado de brindes corporativos é extremamente instável e especulativo. Mesmo empresas de grande porte sobrevivem com dificuldades, diante da necessidade continua de renovação no portfolio de produtos e a forte concorrência com produtos chineses.
A estruturação do empreendimento propriamente dito ocorre de forma lenta e irregular, apesar dos bons resultados dos programas de qualificação. Os produtores sempre manifestam grande interesse em aprender, uma vez que tiveram poucas oportunidades de frequentar escola e cursos.
Os processos de qualificação tem sido eficientes para que os empreendedores desenvolvam suas habilidades técnicas, seu sentido de atuação em grupo, assim como na organização dos processos de produção e na gestão básica dos recursos (fluxo de caixa, formação de preços, etc..). No entanto, a baixa escolaridade dos produtores, a ausência de experiência e de referencias familiares ou comunitárias, sobre ser dono de seu próprio negócio, não tem contribuído para sua atuação na gestão estratégica e na comercialização, como já referido anteriormente.
Aprendemos muito, ao longo desses 12 anos elaborando e implementando projetos, buscando contribuir no processo de inclusão cultural e socioeconômica, principalmente de mulheres, para que elas possam encontrar o seu lugar; um espaço de afirmação como ser humano, onde seu próprio repertório seja referencia na construção de uma vida digna, com criatividade, respeito e beleza.
Numa trajetória de muito trabalho, com desafios, equívocos e resultados positivos, assistimos com emoção à transformação de mulheres, que passaram a se perceber como criadoras de valor, donas de seu negócio e de sua vida. Muitas foram atras da educação formal, de cursos que as qualificassem, em alguns casos no nivel superior. E todas, quase sem exceção passaram a exercer seu direito de opinião e voz, a se cuidar melhor e se apresentar com mais segurança, como símbolo da autoestima ora conquistada.
No nosso ponto de vista, a questão não é abandonar a promoção de geração de renda. O sucesso dos empreendimentos promove um beneficio direto para produtores e suas famílias, e também para a sociedade como um todo. Além disso, na ausência de qualificação profissional, especifica para as pessoas com baixa escolaridade, esta continua sendo uma alternativa importante. No entanto, a forma de atuar tem que ser repensada no sentido de incluir também o Governo, como responsável por esse segmento. É importante pensar em alternativas e complementos ao Bolsa Família.
Outro aspecto muito observado no contato com as comunidades, é que o “desejo subjetivo” funciona como uma forte referencia interna, no momento das decisões. As pessoas que tem poucas possibilidades de crescimento pessoal e profissional, muitas vezes aderem a projetos, com a expectativa de que essa seja a oportunidade de realizar “seu sonho”, num movimento projetivo. No entanto quando sonho e realidade não corresponde, muitos desanimam e acabam por desistir. Curioso perceber, que mesmo em situações de privação material, pessoas conseguem preservar de forma saudavel, como um valor importante em suas vidas, seu direito de sonhar. Essa reflexão sugere que na construção dos
empreendimentos populares, a identificação de sonhos também pode ser uma estratégia importante. Desse modo, seriam constituídos negócios populares que seriam a realização de desejos subjetivos de seus donos, para atender sua necessidade de sobrevivência.
No que diz respeito às mudanças, no contexto mais amplo, do segmento de geração de trabalho e renda observa-se uma urgência constante por novos temas, antes mesmo que se tenha tido tempo de aprofundar acertos e erros. Esse movimento se assemelha à voracidade do mercado por novos gadgets, mais potentes e poderosos. No nosso caso, busca-se a formulação definitva e sustentável e, especialmente de baixo custo. Isso gera constantes mudanças de foco, nas fontes de apoio e descontinuidade e instabilidade nas ações.
Outro aspecto a se considerar é que o setor privado tem sido, através de suas ações de investimento ou responsabilidade social, o principal parceiro na abertura e no desenvolvimento do segmento de geração de trabalho e renda, voltado para a população com baixa ou nenhuma renda. Essas parcerias tornaram possível a construção de um conjunto de experiências e a geração de conhecimento, que permite a visualização de novas alternativas e formas de atuação.
Algumas questões:
O conhecimento gerado pela implementação de projetos deveria e poderia ser
compartilhado pelas organizações, dos vários setores que atuam nesse segmento,
para criar novas possibilidades de articulação e ação, especialmente no que diz
respeito à elaboração de políticas públicas.
O custo da comercialização de produtos em pontos de venda tem um custo elevado que torna quase inviável o preço dos produtos. Não caberia ao Estado garantir pontos de venda adequados, nas cidades mais importantes? Ou mecanismos que facilitem o contato das pequenas manufaturas com empresas interessadas em comprar produtos e serviços?
Os processos de qualificação são um importante mecanismo de inclusão
sociocultural e economico. Como torná-los acessíveis à população, com a qualidade que as Ongs têm promovido?
Na etapa atual, o que se pretende é construir viabilidade, não mais renda irregular e descontinuada. Esse não é mais um resultado significativo.
A troca entre as organizações e pessoas interessadas trará muitas possibilidades.
As questões aqui expostas pretendem contribuir para a construção de caminhos de solidariedade e compartilhamento de experiências, na perspectiva de estruturação de mecanismos de inclusão mais efetivos e duradouros.