ARTIGO
CONSULTORIA EM DESIGN DE ARTESANATO
Publicado por A CASA em 21 de Dezembro de 2012
Por
Renato Imbroisi (designer)
e
Maria Emilia Kubrusly

Tamanho da letra
De dez a 15 anos para cá, fala-se muito em design de artesanato e multiplicam-se os encontros entre artesãos e designers (arquitetos, estilistas, decoradores e outros profissionais de setores de criação de produtos). Há aqueles que querem ajudar os artesãos, os que buscam a troca de conhecimentos - que sempre acontece entre artesão e designer - e também quem quer apenas encontrar pessoas com técnica para produzir suas criações artesanais, às vezes para uma única coleção a ser lançada num evento.
Na entrevista para o museu A Casa, a arquiteta e designer Janete Costa, que sempre valorizou o artesanato e a arte popular, trazendo-os para ambientes sofisticados e culturais, diz:
Quando o designer se aproxima do artesanato e do artesão, ele tem que se colocar no mesmo nível, porque ele não tem a capacidade do fazer. Nessa conversa, tem que haver certa humildade. Acho que tem que prevalecer, principalmente o nome de quem faz, porque nós não temos este talento. Posso admirar um cesteiro ou uma bordadeira e posso até desenhar alguma coisa, mas não sei fazer. Precisaria de anos para aprender. Desenhar está no mesmo nível do fazer, porque ambos exigem anos de aprendizado.
Essa coisa de cima para baixo é muito ruim, e muitas vezes acontece de os designers tomarem para si toda a autoria, como se fossem os artesãos. Acho que é preciso se colocar no devido nível.[1]
Acreditamos que o design de artesanato seja um processo que vai muito além da simples criação de novas peças feitas à mão, envolvendo várias outras disciplinas, ações e capacitações. Não existe, é claro, um método "científico" para o design de artesanato, e muito menos regras fixas. Mas vamos descrever aqui como trabalhamos, os acertos desse processo que se ajusta a cada situação e vem sendo construido nos últimos 24 anos para se tornar ainda mais eficaz.
O ideal é que a consultoria de design tenha as seguintes etapas: diagnóstico, planejamento, capacitações paralelas, oficina, gestão comercial, acompanhamento posterior.
ETAPAS DA CONSULTORIA
1. DIAGNÓSTICO
A primeira etapa da consultoria é a avaliação do artesanato que já é feito pelo indivíduo, grupo ou comunidade. Há casos em que não se pratica nenhum artesanato, e caberá ao designer introduzir uma técnica que seja adequada à realidade ambiental, social e cultural.
Algumas instituições enviam material - como fotos, relatos - para o designer, antes da consultoria, mas somente ao chegar ao local é que ele poderá efetivamente fazer uma avaliação. Na maioria das vezes, o diagnóstico é concluído apenas na primeira oficina, em que há o contato direto com os artesãos, permitindo conhecer sua produção, capacitação técnica, as histórias de cada indivíduo e da comunidade em que vivem. Renato explica:
Em geral, antes de ir para um novo grupo, uma nova consultoria, as instituições que me convidam me enviam material. Pesquiso um pouco antes, mas a pesquisa mesmo é de campo e começa na primeira visita. Vou lá conhecer o lugar, as artesãs, as histórias, e aí é que vou começar a conceituar e desenvolver uma coleção, identificar a característica, a linha do grupo, seu estilo, para definir a direção e o conceito. Muitas vezes, no diagnóstico, já deixo um exercício que vai me revelar muito sobre o grupo e até possíveis lideranças.
2. PLANEJAMENTO
A partir da definição do tipo de trabalho a ser desenvolvido é que se pode planejar a compra de material a ser utilizado, a equipe, o espaço, a duração e o instrumental necessário para as oficinas. É preciso ter uma projeção antes de a oficina começar, mas pode haver alterações no decorrer da consultoria.
3. CAPACITAÇÕES PARALELAS
O ideal é que o designer trabalhe com instituições e profissionais que possam capacitar o artesão em áreas comerciais, administrativas, jurídicas, ou seja, gestão comercial e orientação para o associativismo ou empreendedorismo, conforme o caso (veja etapas 5 e 7). Em algumas situações, é preciso também efetuar a capacitação técnica para melhorar a qualidade ou ensinar novos pontos e desenvolvimento de desenhos. Por exemplo: a crocheteira Maria Ester Bazana, de Campo Grande, que desenvolveu uma linha de bichos do Pantanal em croché, foi instrutora para diversos grupos em vários pontos do Brasil, como Bichos do Mar de Dentro, no Rio Grande do Sul, ou Muquém, em Minas Gerais, e também numa oficina na Itália, no projeto Transformarte, de intercâmbio cultural Brasil-Itália.
4. A OFICINA DE ARTESANATO COM DESIGN
A maneira de trabalhar é própria de cada designer. Este é o relato de Renato Imbroisi:
Uma oficina nunca é suficiente para desenvolver uma linha. uma coleção. O ideal de duas a três no período de um ano mais ou menos, e depois ter sempre um acompanhamento. 0 acompanhamento do designer às vezes é pontual, sem continuidade, e isso atrapalha para ambos os lados designer e artesãos -, embora essa trazer resultados.
Não tenho um padrão fixo de como dirigir uma oficina: depende da situação, do lugar, da dimensão. Por exemplo, para lidar com cem alunos de uma vez, costumo chamar outros profissionais de criação para trabalhar comigo e, nesses casos, fico na direção geral, além da criação.
É muito importante manter o grupo unido, estimulado, envolvido no trabalho. Faço brincadeiras, deixo espaço para os artesãos se expressarem, falarem das dificuldades, do que já aprenderam, de um jeito sempre leve e alegre, de modo que se sintam estimulados a participar, que acreditem no trabalho, se sensibilizem com as propostas. Às vezes, faço palestras, mostro produtos, conto histórias de grupos que deram certo. É fundamental haver confiança entre designer e artesãos. Acho que talo a mesma linguagem, me aproximo, crio intimidade, cumplicidade, até porque eu mesmo fui artesão e sei como é produzir, comercializar, manter a qualidade, ter de inovar, criar novas produtos num prazo determinado, se manter num mercado - que hoje está cada vez mais competitivo. Quando comecei a me profissionalizar como tecelão, ainda não se falava nisso. não havia essa valorização do artesanato, e precisei buscar um nicho no mercado.
Para encontrar o conceito da linha de produtos daquele grupo, preciso me envolver profundamente com a vida daquelas pessoas, saber o que as conecta umas ás outras, entender o que as motiva, as satisfaz. E, para um grupo dar certo, é preciso que todos estejam trabalhando com a mesma disposição, garra e envolvimento.
Procuro também estar atento até onde interferir sem alterar a tradição ou, melhor ainda, resgatar e valorizar uma tradição que pode estar se perdendo. Em muitas oficinas. procuramos resgatar técnicas que estão deixando de ser utilizadas, como os favos das bombachas no Rio Grande do Sul ou o tingimento com determinadas plantas da flora amazônica entre os índios.
Eu chego nos grupos e dou um exercício que; em geral, é muito difícil e trabalhoso para fazer num prazo curto. Ou então com uma nova matéria-prima, ou, ainda, de criação. Com isso, quero ver quem ali tem organização, vontade de inovar, e comprometimento com o cronograma da entrega. Isso também pode ajudar a identificar lideranças.
Quanto à liderança, em geral. numa primeira reunião você já sabe quem vai liderar, ou quem pode vir a ser líder: é uma pessoa que está mais presente, a que mais pergunta. Como tempo de trabalho, aí é que eu vejo se há uma liderança sadia.
Existem pessoas em que a criação fala mais alto, e elas ficam muito concentradas, fazem as coisas com prazer. Em geral, quando a pessoa é criativa, a habilidade técnica vem junto: ela também domina a técnica. São pessoas que gostam muito do que fazem, têm dedicação, são compenetradas, dedicadas, e o tempo que levam numa tarefa é maior.
Esse tipo de pessoa me ajuda a realizar minha ideia, porque é com muita conversa que desenvolvo os produtos, vou fazendo junto, digo o que eu quero, os artesãos fazem e me mostram, eu digo 'esse ponto não ficou bom, diminui o objeto' etc., até chegar ao resultado que pretendo; é um trabalho em conjunto. Tenho de ficar junto,acompanhando, vendo - porque está tudo na minha cabeça -, para fazer do jeito que eu imaginei; em parceria com o artesão. Sempre tem uma pessoa assim nos grupos, com quem eu me comunico mais.
No final da oficina, gosto de fazer uma exposição dos trabalhos, uma comemoração, importantíssimo convidar as famílias dos artesãos, porque é um trabalho que exige muito envolvimento e dedicação e que não traz um resultado financeiro imediato,então é importante que possam contar com o apoio, a compreensão e o envolvimento da família.
5. GESTÃO COMERCIAL
Entre os parceiros de trabalho, é importante haver pessoas especializadas em capacitação de gestão comercial para ensinar aos artesãos como vender seus produtos com profissionalismo. Num mercado cada vez mais competitivo e com alcance internacional, o cliente não aceita atrasos, erros de produção ou transporte, falhas no controle de qualidade e outras evidências de falta de profissionalismo.
Segundo a consultora Sonia Forte, é preciso que os artesãos saibam montar um mostruário, ter um caderno de produtos com a ficha técnica de todos os itens, montar cartelass de cores, de pontos - conforme o caso -, ter um protótipo de cada peça - e que não pode, de maneira nenhuma, ser vendido -, padronizar os produtos, aprender a calcular o preço adequado e justo, saber o tempo que levam para fazer cada peça, de maneira que, ao receber uma encomenda, tenham noção precisa se poderão cumprir o prazo e se terão de contratar mão de obra complementar, fazer um site, se quiserem.
Enfim, deve-se profissionalizar essas pessoas, que podem ser excelentes artesãos, mas desconhecem a vivência comercial em mercados maiores do que os de sua própria comunidade.
6. LANÇAMENTO, DIVULGAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO
Quanto a este aspecto, afirma Renato Imbroisi:
Quando crio um produto numa oficina de artesanato, já penso no mercado, no públicoa que ele se destina, em como apresentar - seja no catálogo, na divulgação na imprensa, na própria montagem no espaço de lançamento ou numa loja - e também penso se vão ter como reproduzir, comprar material ou coletar da natureza, se for o caso sem esgotar os recursos naturais. Enfim, é preciso ter uma visão abrangente, do todo. Não basta criar, é preciso criar pensando no destino daquele produto.
Para encurtar o caminho, ou seja, para chegar ao mercado adequado e formar logo uma carteira de clientes, o ideal é lançar a produção num evento como uma feira de design ou de artesanato, em semanas de moda - dependendo do tipo de produto, do seu uso, do público a que se destina, do nicho de mercado - e com um catálogo de produtos que tenha um projeto gráfico de ótima qualidade.
O catálogo deve ser elaborado com cuidados estéticos, fotografias de excelente qualidade, texto explicativo e, principalmente, ter espaço para mostrar os artesãos e seu universo - fotos do grupo, dos produtos ambientados no próprio local onde vive a comunidade ou fotos dos artesãos com suas famílias. Valorizar o artesão, levantar sua autoestima sempre contribui para o sucesso do projeto e, claro, para a satisfação pessoal e profissional dessas pessoas. Esse foi um dos objetivos do livro Aventura no Mar de Dentro, do projeto Bichos do Mar de Dentro: a publicação é acompanhada por um CD com o áudio da história infantil, do qual participaram todos os artesãos do projeto.
7. ACOMPANHAMENTO: ASSOCIATIVISMO E EMPREENDEDORISMO
Para um projeto de design de artesanato começar a "andar" sozinho, ou seja, para que os artesãos envolvidos se profissionalizem e passem a produzir, vender e distribuir com sustentabilidade, são necessários, em geral, três anos, com uma média de duas a quatro oficinas por ano, envolvendo todos os profissionais necessários à capacitação, apoio de uma instituição que os oriente.
Segundo Antonieta Contini, economista com especialização em desenvolvimento total e gerente da Unidade de Empreendedorismo do Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas, no setor do Distrito Federal (Sebrae/DF), esse órgão oferece, paralelamente às oficinas de design, cursos de associativismo, empreendedorismo,e outros, para o grupo aprender a se organizar. Com essa capacitação, o processo acontece naturalmente, conforme o perfil de cada indivíduo ou grupo: podem se formar empresas, cooperativas, associações. É preciso que haja assistência jurídica e capacitação nesse sentido.
NOTA
[1] Trecho do livro entreVistas, Design + Artesanatos, volume 1. São Paulo: A Casa Museu do Objeto brasileiro, 2010.
Trecho do livro Desenho de fibra: artesanato têxtil no Brasil, de Maria Emilia Kubrusly e Renato Imbroisi, publicado pela editora Senac (2011).
Fonte: Trecho extraído do livro entreVistas, Design + Artesanatos, volume 1
Bibliografia Associada:
Desenho de fibra: artesanato têxtil no Brasil