MATÉRIA DO MÊS
ARTESÃS DA LINHA NOVE
Publicado por A CASA em 30 de Outubro de 2009

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No último dia 28, dezenas de pessoas estiveram em A CASA para a abertura da exposição Artesãs da Linha Nove, que apresenta uma retrospectiva dos quatro anos de atividades desse grupo de mulheres que fazem parte do Ateliê Acaia. O embrião disso tudo nasceu há mais de dez anos, em 1997, quando a artista plástica Elisa Bracher decidiu abrir o seu ateliê para crianças moradoras da Favela da Linha, da Favela do Nove e do Cingapura Madeirite, localizados nos arredores do Ceagesp, grande entreposto alimentício da cidade de São Paulo. Ao todo, 960 famílias vivem nesses locais em condição de risco. Nas duas favelas não há sistema de esgoto nem luz elétrica regular e o tráfico de drogas domina as áreas livres.
Aos poucos, o crescimento do grupo levou à necessidade de institucionalizar o projeto e foi assim que, em 2001, surgiu o Instituto Acaia, que abriga hoje em seu seio, além do Ateliê Acaia, o Centro de Estudar Acaia Sagarana, que busca preparar jovens que tenham concluído ou estejam prestes a concluir o Ensino Médio em escolas públicas para o ingresso no Ensino Superior, e o Acaia Pantanal, que atua em Corumbá, MS, e visa contribuir para a conservação do bioma pantanal na região da Serra do Amolar. Acaia, em tupi-guarani, que dizer "útero", "mãe".
Atualmente, o Ateliê Acaia oferece cursos de animação, artes, biblioteca, capoeira, costura e bordado, culinária, dança, design, matemática, marcenaria, música, oficina de linguagem oral e escrita, vídeo e xilogravura/tipografia. São atendidas 320 pessoas. O público é composto por crianças, jovens e adultos carentes, migrantes ou descendentes de migrantes, com baixa escolaridade e moradoras dos arredores do Ceagesp.
As Artesãs da Linha Nove constituem um dos diversos grupos do Ateliê. De acordo com Elisa Bracher, a idéia de reunir mulheres para bordar era despretensiosa. Na realidade, tratava-se de poder reunir as mães das crianças que freqüentavam o Ateliê Acaia em um espaço em elas pudessem ficar à vontade e que permitisse a conversa. O objetivo era se aproximar um pouco mais da comunidade e entender melhor as crianças. Os resultados, no entanto, foram surpreendentes. Hoje, o grupo de artesãs é formado por cerca de 30 mulheres que, muitas vezes, tem o bordado como principal atividade profissional. Elas vendem seus produtos - painéis, jogos americanos, toalhas, capas de almofadas - para lojas dos Jardins e da Vila Madalena, gerando renda para suas famílias.
O grupo de bordadeiras é coordenado pelas artesãs conhecidas como "as três Marias": Maria Gomes da Silva Cavalcante, Maria Aparecida Ribeiro da Silva e Celia Maria dos Santos Silva. Elas organizam o recebimento das encomendas, estipulam o preço, dividem as tarefas e materiais. "No início achei que não tivesse cabeça para isso. Quando comecei a fazer eu estava nervosa, ansiosa, até tremia. Hoje, o grupo é, para mim, uma segunda família", conta Maria Aparecida. Pernambucana, Maria Cavalcante sempre trabalhou com costura. "Vim de lá e não tinha nada o que fazer aqui em São Paulo. Entrar para o grupo das artesãs foi ótimo, pois ingressei em algo que eu já fazia. Antes eu não gostava de bordar, só costurar. Agora eu prefiro bordar!", revela. Já Celia Maria é mãe de seis filhos e ex-catadora de papelão. "Eu trabalhava na rua com o meu marido. Agora ele trabalha sozinho. Prefiro mil vezes o trabalho de bordadeira. Ficar na rua é perigoso, tem sol, chuva e dá muito trabalho. Bordar também dá trabalho, mas é mais prazeroso. Você trabalha com alegria, feliz".
Para Elisa Bracher, "nada que funciona de verdade nasce de um sentimento de pena". De acordo com ela, "existe, hoje, no grupo social mais intelectualizado, uma distância com a cultura brasileira. Este trabalho tenta aproximar as culturas". Tendo conduzido o projeto desde o início, Bracher percebe mudanças significativas na vida dessas mulheres. "Vendo as famílias e lembrando de anos atrás, a diferença é nítida. Hoje, elas se sentem muito mais donas de si mesmas", afirma.
O melhor dessa produção está em exposição no museu A CASA! Confira!