Faça seu Login para que possamos configurar a navegação de acordo com as suas preferências.
Não está cadastrado?Clique aqui.

BIBLIOTECA

ARQUIVO:
COLEÇÕES
BIBLIOTECA
VIDEOTECA
EXPOSIÇÕES VIRTUAIS
SOCIOAMBIENTAL
A CASA E O MUNDO

MATÉRIA DO MÊS

EM BUSCA DA IDENTIDADE GASTRONÔMICA BRASILEIRA

Publicado por A CASA em 18 de Dezembro de 2009


Diminuir o texto Tamanho da letraAumentar o texto

Mara Salles tornou-se um nome conhecido dentro do círculo gastronômico paulistano. Há quase vinte anos, e muitas vezes acompanhada de seu sócio e companheiro Ivo Ribeiro, a chef do restaurante Tordesilhas viaja todo o país fazendo pesquisas sobre a cozinha brasileira, experimentando coisas novas, descobrindo ingredientes e modos de fazer. Ao relembrar a trajetória da amiga, Ivo costuma dizer que tudo começou "na roça". Mara Salles nasceu em Penápolis e veio a São Paulo ainda jovem. Na capital, era secretária de um grande banco, mas estava insatisfeita com o trabalho. Até que certa vez, em Ouro Preto, experimentou um prato na casa de uma mulher da região e adorou. Foi o momento em que decidiu largar o emprego e abrir um restaurante. No início, tudo era meio caseiro e bem familiar. O pai ficava no caixa, a irmã no salão e a mãe, grande mestre e exímia cozinheira, na cozinha. Com o tempo, resolveram construir algo mais sofisticado e mudaram-se para os jardins. O restaurante ficava no térreo de um flat, numa rua sem saída e só mais tarde que foi para a rua Bela Cintra, onde ficou conhecido.
Mara sempre ressaltou seu interesse pelo Brasil e revela que na comida estão expressas muitas das características do povo brasileiro. "A nossa cozinha é mesclada, misturada, mestiça. O brasileiro reflete no prato esse seu caráter mestiço. É curioso que nós não comemos um prato único - a salada separada do arroz e do feijão, separada de algum outro prato. Nós misturamos tudo. É o prato feito, o arrumadinho". Nesse sentido, Mara afirma que o Brasil, verdadeiro caldeirão de culturas, sempre teve essa vocação agregadora. "O Brasil não transforma, ele absorve, agrega. Em tudo. Na música, na arte e especialmente na comida".
Noentanto, de acordo com Mara, ainda não podemos falar de uma gastronomia brasileira. "A identidade gastronômica brasileira está sendo construída, ela ainda engatinha. Falta consistência, pesquisa e um pensamento comum. Além disso, não dá para falar de identidade se você não conhece a matriz, se não conhece o passado, onde tudo começou. Quem somos nós? Quem são os nossos pais? Eu acredito na construção dessa identidade, mas acho fundamental que a gente aprenda o passado, o que aconteceu com a gente antes". E sobre as releituras de pratos tradicionais por grandes chefs, Mara não tem dúvidas: "não se pode fazer uma releitura sem ter lido antes. Ainda temos um longo caminho pela frente".
No que se refere às comidas, uma das coisas mais importantes é levar em conta o contexto em que ela é produzida. Mara e Ivo costumam contar uma história que ilustra bem essa questão. Em uma de suas viagens, descobriram o "azul-marinho", prato feito com peixe e banana verdolenga, comum no litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro. "Nós achávamos estranho que em qualquer lugar que comíamos e sempre que fazíamos este prato, o caldo era esverdeado. Então por que o nome azul-marinho? Se tem esse nome é porque em algum momento ele ficava azul. Suspeitávamos que havia algo errado no modo como estávamos fazendo",  conta Ivo. Até que um amigo que viajava muito solucionou o mistério. "Ele disse: 'porque vocês não fazem com uma panela de ferro? Nós fizemos e aí ficou azul". O caldo azul-marinho era fruto de uma reação química do tanino, presente na banana verde, com o ferro da panela. A substituição da panela de ferro pela de alumínio fez com que isso se perdesse ao longo do tempo. Pensando nisso, Mara revela: "uma receita não é uma ficha técnica, você tem que entender o contexto".
Neste momento, Mara está finalizando um livro sobre suas experiências em campo pelo Brasil. O lançamento está previsto para ocorrer no primeiro semestre de 2010.