MATÉRIA DO MÊS
DONA DOROTÉIA, VAMOS FURAR AQUELA ONDA?
Publicado por A CASA em 29 de Janeiro de 2010

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Quem foi que disse que não há carnaval tradicional em São Paulo? Diante de tanto alarde em torno dos carnavais de sambódromo, que trazem luxuosos desfiles televisionados para todo o Brasil, algumas manifestações culturais tradicionais acabam passando quase despercebidas. Festejo típico do litoral paulista, o Banho da Dorotéia, que ocorre desde 1923 - não sem ter passado por uma série de mudanças -, é uma delas. Na forma como acontece hoje, os foliões vestem-se com fantasias de papel crepom, saem desfilando pela cidade e terminam a performance com um banho de mar, momento em que as fantasias se desintegram, conferindo um colorido especial às águas marinhas.
Escrever a respeito da história de blocos tradicionais carnavalescos é uma tarefa quase impossível, ainda mais quando a mesma remete aos primórdios do século passado. Lendas sobre as origens, disputas pela paternidade dos desfiles e a variedade das formas adquiridas ao longo do tempo são algumas das dificuldades. No entanto, entre pesquisadores e veículos de comunicação mais confiáveis, há certo consenso de que o Banho da Dorotéia surgiu na cidade de Santos (SP), em 1923, no Clube de Regatas Saldanha da Gama, com o nome D. Dorotéia, vamos furar aquela onda?
Antes disso, já era costume, à época de carnaval, tomar banhos de mar trajando fantasias, principalmente no Rio de Janeiro. E foi justamente um carioca que levou a idéia a Santos. Nascido em Petrópolis (RJ), Luís Vieira de Carvalho, o Lorde Gorila, morou em Santos de 1919 a 1927 e é tido como um dos principais fundadores do bloco. Junto com outros companheiros do Clube de Regatas Saldanha da Gama, ele costumava tomar banhos de mar fantasiado de mulher um domingo antes e durante o carnaval. A partir de 1923, conseguiram caminhões, contrataram uma banda e resolveram organizar o desfile, agregando novos participantes. O nome veio em seguida e surgiu numa noite em que os organizadores do evento estavam na platéia de Teatro Guarany, em Santos, para assistir a uma comédia estrelada pelo humorista Pinto Filho que, na ocasião, representava um cabo de polícia. A certa altura, Pinto Filho dirigia-se a uma donzela cujo rosto estava encoberto por um guarda-sol e, com ares de galanteador, disparava duas vezes: "Dona Dorotéia, vamos furar aquela onda?". A revelação na cena seguinte de que a donzela era, na verdade, uma idosa provocava gargalhadas no público.
Ao longo do tempo, a festa foi crescendo e, naturalmente, sofrendo mudanças. No início, apenas os homens, fantasiados de mulher, participavam. A partir de 1973, o desfile foi aberto às mulheres. Além de Dorotéia, novos personagens foram agregados. O bloco passou por momentos de auge e decadência, esteve suspenso durante alguns anos do final da década de 60 e teve seu fim decretado em 1997, diante do registro de diversos episódios de violência. De acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura de Santos, a atual política do governo é a de descentralizar os festejos para evitar aglomerações. Por isso, o carnaval conta agora com diversas tendas espalhadas pela cidade.
Se o D. Dorotéia, vamos furar aquela onda? não existe mais no local em que foi fundado, a tradição acabou contagiando diversas praias do litoral paulista e ganhou contornos específicos em cada região. O Banho da Dorotéia de Ilhabela, que ocorre desde 1950, e o de Iguape, que ocorre desde 1972, são os mais famosos. O sucesso dos blocos pode ser explicado pelo fato de se realizado de dia e terminar com um revigorante mergulho no mar, momento mais esperado pelos foliões. Em muitos dos desfiles, as fantasias de papel crepom tornaram-se obrigatórias e, com isso, o banho de mar que encerra o evento deixa as águas coloridas, num espetáculo visual à parte.
Em tempos de desfiles faraônicos com celebridades, camarotes disputadíssimos, abadás e cordões de isolamento, vestir-se de mulher e refrescar-se com um banho de mar, sentido a fantasia do corpo desmanchar, é um respiro a todos aqueles que preferem aproveitar o carnaval longe das telas e à moda antiga.