Sela
MATÉRIA DO MÊS
“DA SELA À PASSARELA” – A OBRA DE ESPEDITO SELEIRO CHEGA AO MUSEU A CASA
Publicado por A CASA em 28 de Março de 2013
Por
Lígia Azevedo

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São 8 horas de um domingo e a voz do outro lado do telefone atende com bastante vigor: “Minha filha, aqui estou de pé trabalhando desde as 4h da manhã, todos os dias”. Este incansável senhor de 73 anos de jeito simples e sábio é Espedito Seleiro, artesão cearense cujos sapatos e acessórios em couro ganharam passarelas da moda, feiras e museus ao redor do país. Inspiradas na vida no sertão nordestino, suas peças podem ser vistas no museu A CASA de 3 de abril a 17 de maio na exposição “Espedito Seleiro - da Sela à Passarela”.
O título da exposição traduz bem a trajetória do artesão. Espedito começou a trabalhar com couro fazendo selas, chicotes, chapéus, botinas e demais acessórios de vaqueiro para vender nas feiras do sul do Ceará, e com o ofício de seleiro ganhou renome na região. Mas a queda da atividade rural fez reduzir drasticamente a venda dessas peças, e ele então optou por mudar seu estilo de trabalho.
Sandálias, bolsas, cintos e outros acessórios em couro cru, que antes adornavam os homens que se aventuravam pelo campo, tornaram-se objetos de moda ao ganharem desenhos em cores, grande marca de suas criações. “As primeiras que fiz não eram coloridas, não, eram de couro. (…) Esse pessoal mais sabido chama design, eu chamo desenho colorido. Bota uns nomes mais bonitos, mas eu chamo assim. (...)”, comenta.
Descoberto na década de 80 “pelo povo da cultura”, como ele mesmo diz, Espedito passou a receber um número crescente de encomendas. A primeira foi de um amigo, que pediu uma sandália igual à da lendária figura de Lampião. Desde então, as criações com motivos sertanejos já compuseram coleções da grife paulista Cavalera e da carioca Cantão, e serviram até de figurino de cinema ao protagonista Marcos Palmeira no filme “O homem que desafiou o Diabo”.
Além das encomendas, boa parte das peças é vendida a turistas que visitam sua casa – hoje ponto turístico oficial de Nova Olinda, cidade onde há mais de 30 anos reside. Uma clientela local assídua são as bandas de forró, que procuram seus sapatos cheios de cores para usarem nos shows, além das “malas de mecânico” em versão colorida e redimensionada para caber os CDs dos artistas. “E, quando é tempo de Vaquejada, o pessoal daqui corre pra cá pra comprar arreio pra festa”, enfatiza.
Espedito é hoje Mestre da Cultura pelo governo do Ceará, e como tal faz questão de cumprir o compromisso de repassar seus conhecimentos a quem tem interesse. “Dos que eu ensinei, uma parte mantém [o trabalho] até hoje, outros abandonaram. Tem até uns cabras que eu não ensinei, mas que copiaram meu modelo e estão enricando”, diverte-se. Foi inclusive para se precaver das cópias e preservar o segredo do molde – “a ciência do trabalho”, como diz –, que criou a marca Espedito Seleiro, da qual os filhos são os únicos que também assinam os desenhos.
O ofício de seleiro é herança de família, passado de geração em geração desde seu avô. Hoje, esposa, filhos e netos trabalham na confecção, e Espedito espera que continuem na profissão. “Com isso, acabei de criar a mim e à minha família”, conta. “E acho que, se meu avô e meu pai pudessem ver o que fizemos com o trabalho, não iam acreditar”.
Espedito faz questão de continuar produzindo os velhos acessórios sertanejos. Mesmo que não venda, gosta de ter por perto uma sela, um traje de vaqueiro. “Não esqueço do meu sertão. Foi lá que aprendi a trabalhar. E fico feliz quando as pessoas me dizem que eu consegui mostrar aquelas coisas nossas, do nosso sertão, que viviam entocadas lá”, conclui.