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A CASA E O MUNDO

ENCONTROS

MESA REDONDA | JOIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Publicado por A CASA em 30 de Abril de 2013
Por Miriam Mirna Korolkovas (Artista) , Léon Kossovitch , Suzana Avelar , Mônica Moura e Luise Weiss

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PALESTRANTES CONVIDADOS

Léon Kossovitch
Professor Doutor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, filósofo, crîtico de arte, escritor e pesquisador.

Luise Weiss
Professora Livre Docente no Instituto de Artes da Universidade de Campinas e no curso de Artes da Faculdade Santa Marcelina, São Paulo, artista plástica e pesquisadora.

Mônica Moura
Professora Doutora na Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação da Universidade Estadual do Estado de São Paulo, Baurú, designer, escritora e pesquisadora.

Suzana Avelar
Professora Doutora no curso de Moda e Têxtil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, escritora e pesquisadora.

MEDIAÇÃO

Miriam Mirna Korolkovas
Professora Doutora no Istituto Europeo di Design, São Paulo, arquiteta, artista plástica, designer e pesquisadora.

Evento realizado no dia 14 de maio de 2011 em A CASA museu do objeto brasileiro.


Miriam Mirna Korolkovas: Boa tarde a todos. Bem-vindos ao museu A CASA, o museu do objeto brasileiro, dirigido por Renata Melão e sua fabulosa equipe: a Jaine, o Alex, o Mendes e a Cleide. Todos eles fazem parte desta equipe e se um falha, alguma coisa desanda. A Cláudia fica nos bastidores também.
Considero esse evento, essa mesa redonda, um momento muito importante porque não temos falado muito sobre a joia, principalmente no século XXI. Esse arranjo que a Renata nos proporcionou é muito valioso, inclusive porque temos na Banca profissionais que trabalham em várias áreas e também se dedicam a ver a joia segundo a maneira de cada um, a profissão de cada um.
A Renata Melão que me convidou para fazer a curadoria dessa exposição. Inclusive a Míriam Batalaco esta aí e foi ela que me apresentou para a Renata, pedindo que eu fizesse a curadoria em um trabalho de meio ano. Conseguimos fazer rápido. Deu tempo para ter um resultado interessante para reunir os artistas - inclusive nossos irmãos Kraós, que vivem em Tocantins e no sul do país e de uma comunidade que se chama Lã Pura. São pessoas que resgatam o material e o fazer daquela região e esperamos que esse seja também o início de vários encontros a seguir.
No Brasil aconteceu uma exposição que fiz a curadoria. Foi na década de 80 e aconteceu na Pinacoteca do Estado, antes de ela ser reformada. Depois tivemos a exposição da Oleta Solis no MASP na década de 80 também e uma outra menor no MIS. Então, tudo isso aconteceu na década de 80. Agora, nesse século, essa é a primeira e a Renata está nos dando muita abertura para que possamos mostrar nosso trabalho e possamos conversar sobre esse assunto. Por isso, nessa mesa redonda todos são nossos colegas. Gostaria de apresentá-los:
Suzana Avelar, graduada em Moda pela FASM onde deu aula durante seis anos. Mestre, Doutora em Comunicação em Semiótica na PUC-SP, professora do curso de Graduação e Mestrado têxtil em moda na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, pesquisadora em moda, tecnologia digital, arte e cultura. Autora do livro Globalização e novas tecnologias da Ed. Estação Letras e Cores de São Paulo.
Mônica Moura, Mestre, Doutora em Comunicação em Semiótica na PUC-SP, professora Assistente e orientadora do Programa de Design do Departamento de Design da UNESP na Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação do Campus de Bauru, pesquisadora em design brasileiro. Autora de vários artigos, capítulos e livros publicados a respeito de design contemporâneo, novas mídias, ensino em design (interdisciplinaridade e transdisciplinaridade) e Arte e Tecnologia. Articulista pela Revista Dobras e responsável pela editoria de Design da editora Estação de Letras e Cores. Presidente da Associação Brasileira de Design e formação, membro de várias associações, comitês científicos e corpo editorial de diversas arcas acadêmicas de Design de Moda.
Louisie Vaz, graduada, Mestre e Doutora em Artes Plásticas pela ECA-USP. Livre-docente em Artes Plásticas pela UNICAMP, professora da graduação e pós-graduação em Artes Plásticas pela FASP-SP e Unicamp, pesquisadora em Artes Poéticas, autora de livros, capítulo de livros, artigos publicados em periódicos, jornais e revistas. Artista Plástica.
Nosso professor Léon Kossovitch, graduado em Filosofia pela FFLCH-USP, Mestre e Doutor em Filosofia também na mesma faculdade. Professor de graduação e pós-graduação no curso de Filosofia, pesquisador em Filosofia, História da Filosofia e Estética. Autor de livros, capítulo de livros e artigos publicados em periódicos, jornais e revistas. Crítico de Arte.
Sejam bem-vindos. Vou passar a palavra a Suzana Avelar.

Suzana Avelar: Agradeço muito o convite para participar dessa mesa tão honrosa. Tenho muita honra de participar de uma mesa com Louisie, Mônica e Léon que são as sumidades, e também voltando A CASA que já trabalhei há dez anos com a Renata e que foi algo muito bonito, não é Renata?

Renata Mellão: Está rendendo frutos até hoje.

Suzana: Está vendo? Está lá no meu livro. Agradeço A CASA porque realmente foi um lugar em que trabalhei. A Renata dava muito espaço para a gente atuar. Então, fico muito feliz em estar aqui de volta. Agradeço a presença de todos.
Quando a Míriam me pediu para preparar essa fala objetivamente nunca entrei na questão das joias, apesar de usar desde pequena por causa da Camila Nado, que realmente foi quando disparou essa composição sobre o corpo.
A primeira frase que me passou pela cabeça foi daquele livro do Flugel, Psicologia das roupas. Apesar de ser da década de 1930, pareceu muito própria para esse momento. Ele fala que sempre existiu na história da civilização corpos ornamentados. Nem sempre com roupas, mas sempre ornamentados. Então, achei aí uma possibilidade de começar essa abordagem sobre as joias, mesmo porque depois vou gerar uma pergunta a partir disso porque há uma inversão nesse sentido. Ali, no texto, o Flugel coloca esses três elementos básicos para falar de roupa. Na verdade, o autor fala em três elementos: ornamento, pudor e proteção. Acho importante comentar que não temos de estabelecer nenhum tipo de hierarquia com esses valores e outros que possam ser explorados, mas considerar esses elementos da construção como componentes de valores daquilo que vai sobre o corpo público do dia a dia. Então essa parte da ornamentação, desse corpo vestido, é na verdade parte desse nosso corpo público.
Acabei lembrando de uma história bonita que li nesse livro quando, se não me engano, um antropólogo alemão encontra com uma índia que está toda nua. O que ela tem são brincos enormes. Ele queria coletar alguns dados como informação e lhe pede os brincos. Ela se nega o tempo inteiro a entregá-los. Ela não entende porque e no momento que ela os entrega sente-se envergonhada. Acho isso muito curioso. Claro, há a questão do pudor e todos esses elementos aí, mas é bonita essa história para abordar a questão das joias.
Pensando nas tribos, me lembrei da questão do ornamento, ou seja, dos corpos ornamentados. Lembrei-me que até o Feres me mandou um power point de uma tribo que é de Kibish e que vou mostrar. A Jaine me fez essa gentileza. Isso é maravilhoso, sem dúvida. Pode ser considerado como joia de composição rara, peculiar. Eu ia colocar uma só, mas não resisti, coloquei duas.
O que me parece, de qualquer forma pelo que acabei lendo, como são as tribos, suas produções tem muita relação ou com rituais sagrados ou ainda com a questão da sexualidade, a hierarquia e função que ela ocupa nessa tribo.
É maravilhoso, é uma coisa que nunca esqueci quando o Feres me mandou. Ainda mais o Feres, que foi meu professor de Metodologia Visual. Acho que alguma coisa consegui aprender, então, isso me marcou muito. Porque é curadoria, na verdade. Ainda tem os corpos pintados. São todos elementos que cumprem uma função muito maior. A mistura de materiais com uma verdadeira curadoria nos mostra desde cedo que a composição dos materiais é um dos grandes valores de riqueza.
Vejo vários joalheiros aqui e até as próprias joias e diversidades de materiais, e não necessariamente trata-se de ouro. Na etmologia da palavra joia, que data do século XII, há um primeiro significado que a trata como objeto de matéria preciosa. Fico olhando para eles e pensando como dotar esses objetos de valor precioso.
Como fala Eliana Gola, também minha professora da Santa Marcelina, autora do livro A joia: história e design, também colunista do site Infojoia: "A joia é moeda universal que não perde seu valor material. É documento que resiste ao tempo". Tanto é verdade que o François Boucher, naquele livro Uma História da Moda no Ocidente (History of Fashion in the West), trata do assunto. É "o" livro para tratar sobre moda. O autor abre o livro falando que justamente a joia é um dos poucos elementos, poucos meios de ligação com povos e histórias primitivas. A partir daí começa nosso estudo sobre a História da Indumentária. Continuo com Eliana Gola em uma citação: "Como portadora de valores, tanto pode representar um signo, um poder, o conhecimento esotérico, quanto ser sinal de riqueza material. A ela podem ser atribuídos valores mágicos, espirituais e até transcendentes".
A pergunta que formulei (porque mais que explicar alguma coisa devemos também formular perguntas) foi: por que a roupa parece passar a ter mais importância que os adornos? Por que parece que houve essa aparente inversão hoje? A gente pode sair com roupas e sem jóias. Anteriormente, você poderia sair com joias e sem roupas, quer dizer, não é, mas poderia ter esse corpo. Não é uma resposta objetiva, mas é fato que na contemporaneidade a roupa possui um fato particular, pois parece que nos relacionamos através de um corpo vestido.
No entanto, o adorno compõe esse corpo vestido e tem tanto a possibilidade de assumir significados quanto a roupa. Talvez resida aí o pensamento de que exista uma primazia da roupa em virtude de se cobrir o corpo todo de potências diversas, em um contemporâneo que valorize a sensação de possíveis dada pela ansiedade da cultura de consumo de todos os dias.
Em princípio, a roupa tem um valor inferior ao das joias. Se pensarmos, no entanto, os preços de roupas de Alta Costura, prèt-a-porter, e de primeira linha, esse entendimento pode ser contraditório e nem sempre ser um forte argumento; ou seja, ao falar do valor de preço esse argumento vai por água abaixo. Mas a joia também cumpre essa função através do mais raro.
Podemos sair sem joias, mas nunca sem roupas. Está aí a relação com o pudor. Mas como disse anteriormente, não há como afirmar que há uma hierarquia de maior ou menor importância entre o pudor e outros significados que essa roupa venha a cumprir. Queria ler só um trechinho do livro de Beatriz Pires. Acho que vocês devem conhecer O corpo como esporte da arte, e agora tenho a sorte dela ser minha colega na USP. Ela fala assim: "O fato de pertencer, pertencermos e sermos o centro de uma cultura em que a ideia, necessidade e transitoriedade são dominantes faz com que sintamos necessidade de nos aproximarmos fisicamente dessa inconstância e igualarmos o que diz respeito à capacidade de se modificar o invólucro primeiro ao invólucro artificial". Aí também começa uma outra questão, pois a gente está tratando do corpo, desse corpo vestido. Até a própria Denise de Santana fala o seguinte: "O corpo, verdadeiro arquivo vivo, fonte inesgotável de desassossego e prazeres. O corpo de um indivíduo pode revelar diversos traços de sua subjetividade e de sua fisiologia, mas ao mesmo tempo escondê-los. Pesquisar seus segredos é perceber o quanto é vão separar a obra da natureza daquela realidade pelos homens".
Na verdade o corpo é sempre biocultural, tanto em seu nível genético quanto em sua expressão oral e gestual. Aí, a Beatriz Pires falará da body modification, também muito executada com joias.
Então, a gente também perpassa por aí, principalmente no contemporâneo, o que a Beatriz Pires chama de Des modal Primitive. Aí vamos falar daquilo que entendemos objetivamente como corpo vestido. A moda que tem um sentido tão amplo, amplas abordagens. Quando você fala em moda, hoje, nós sempre falamos em roupa. Isso é até um curso que dou lá na graduação, ou seja, em que medida o corpo foi assumindo proximidade com a ideia da roupa. Aí pensei: tinha que falar um pouco da Channel porque ela começou a subverter essa ideia do ouro, um dos materiais que foram tidos como os mais nobres. Aí ela começa a fazer aquilo que é chamado como bijuteria, mas que na realidade não é que era barato, mais ou menos. Na verdade, tem um valor muito significativo, e aí ela começou a colocar outros tipos de materiais. Dela, o que eu acho mais interessante é esse colar. Não sei se dá para enxergar direito. Olha, isso é de 1938! É de uma linha de Alta Costura. Ele é feito de rodoge, que é um tipo de plástico transparente. Ali você tem vespa, barata, mosquito, mosca e libélula. Tem vários insetos. Enfim, hoje tem essa tendência ou modo de joias feitas de mosquitos. Isso que muita gente acha curioso na contemporaneidade ela já tinha anunciado desde então. Essa utilização de desenhos referenciados naquilo que não é aparentemente digno simbolizam o ritualístico e pode até ser pueril. Depois, a gente tem o Yves Saint Laurent, em 1969. Na verdade, ele cobre esses corpos, que são joias que ele encomenda. São de ouro sobre os vestidos.
Ele subverte a ideia de que as joias estão nos dedos, nos brincos e tudo mais. Lembrei-me do Saint Laurent, esse, do Issey Miyakei, da Glória Coelho, que tem brincos que cobrem as orelhas todas.
Então, aqui tem um detalhe da joia do Yves Saint Laurent. Aqui Saint Laurente e Issey Miyake fazem um corpete: esse é um bustiê também de plástico e outro é todo de arame.
Esses também contribuem para outras formas visuais sobre o corpo quando constroem um busto feminino. Esse é do Yves Saint Laurent, de ouro. Esse, de acetato, é de Issey Miyake e foi feito de arame.
Nesse sentido há uma sugestão de corpos nus feitos de outros materiais. Um corpo biológico para além do humano ou daquilo que pelo menos consideramos como humano. Um mais precioso, possível; e o outro, um pouco mais sintético. Ambos denotam um pouco mais de resistência do que o tecido humano.
E aí, depois, as joias com tecnologia que acho incríveis. O primeiro, ali, um telefone celular que na verdade são aneis; e o segundo, um anel que você põe no pé (ele tem GPS e vai te dando as indicações para o caminho que você segue). Esse aqui é de um casal que decidiu que faria as joias com o uso dos seus próprios ossos. Então, eles sofreram uma intervenção cirúrgica, coletou-se as células do osso, colocou-se em uma cultura e aí você tem o anel feito com o próprio material humano deles.
Essa é a parte que mais estudo hoje, ligada com tecnologias. É quando o Designer se aproxima cada vez mais da Ciência, da Tecnologia. Aí, no laboratório do Splash, temos a água que vira uma coroa.
Não basta ter a ilusão de escolha dada pelo preço, mas sim em gerar algo a partir de si, de seu próprio corpo, como é o caso do anel. É como sangue e dor. De acordo com Beatriz Pires, esses, que são eleitos, estabelecem relação com o sagrado.
Já no caso das tecnologias digitais incorporadas outros elementos passam a ter presença. Como dar mais eficiência a esse corpo biológico é uma discussão que não se tem falado muito. Então, vou finalizar com a seguinte frase: "Os motivos para continuar adornando o corpo são diversos. A busca por novos materiais, combinadas com citações aparentemente mundanas, cotidianas, irrelevantes, icônicas, indiciais, desconhecidas e ainda talvez sarcásticas e repulsivas podem gerar afecções ainda não experimentadas sobre o corpo. Isso pode ser uma aventura através deste corpo adornado que nos torna passíveis de números potentes.” Muito obrigada!

Miriam Mirna Korolkovas: Muito obrigada Suzana Avelar. Agora passo a palavra para Mônica Moura.

Mônica Moura: Também é um prazer e grande felicidade estar aqui, nessa mesa, até pela honra dos colegas que estão do meu lado e que compõem esta mesa. É sempre bom termos motivos para nos encontrarmos para pensar uma série de questões sobre as dúvidas que temos. Também é um grande prazer estar aqui na CASA. O trabalho todo é da Renata, enfim, o espaço. É um trabalho sempre incrível. Então, é mais um motivo dessa alegria; e outra é ver todas essas pessoas interessadas nessa temática em um sábado à tarde. Então, é um prazer receber a todos, reencontrar alguns amigos aqui, receber alunos, enfim.
Vou falar sobre a joia contemporânea, pensando sempre em um objeto em diálogo com o corpo. Em que sentido isso se estabelece? Dentro da área de Design é uma discussão que sempre acaba caindo junto com questões dicotômicas ou em tentativas de separação entre arte, design e artesanato, por conta até de uma tradição funcionalista de um design muito racionalista que vivemos e que o Brasil especialmente foi um palco.
Toda a formação da escola do Brasil vem toda de uma proposta da Escola de Ulm. Portanto, possui uma visão extremamente funcionalista que, sem dúvida, tem suas questões de importância, e dentro dessa visão a joia e a moda sempre foram renegadas.
Quando a Míriam me convidou cheguei a procurar em todos os catálogos dos objetos do século XX e, por incrível que pareça, nos grandes objetos de design você encontra no máximo um ou dois modelos de relógio, quando encontra. Por isso, acho muito importante falarmos sobre essas questões.
Felizmente, a contemporaneidade nos dá essa abertura pelas discussões acadêmicas, pela força do mercado e pela produção que tem sido desenvolvida pelo designer (e não apenas pelos designers brasileiros). Essas discussões, na verdade, entram em um outro âmbito em que não existe esse rompimento de fronteiras. Existe uma fusão, um diálogo. Isso enriquece até porque estamos vivendo um momento que é justamente esse em que as áreas dialogam, trocam. Tem toda essa visão de proposta interdisciplinar. Ontem estive em uma banca e vi uma coisa ótima. O mundo hoje é interdisciplinar - que são essas relações entre diferentes ciências. Por mais que a gente viva ainda em uma visão do século XIX, nós ainda estamos numa visão entre Ciência x Arte quando estamos em nossas universidades.
Existem departamentos, disciplinas muito bem separadas. Então pensamos, tentamos agir, fazemos alguns projetos em relação ao que seria essa visão mais contemporânea, enquanto, na verdade, a estrutura ainda estabelece divisão. Se a gente falar do contemporâneo, ele é essa constituição de multiplicidade onde o adorno estará presente de várias maneiras. Ele pode ser um objeto material que está no próprio corpo, nos piercings e nas tatuagens, e que deixam seu papel de objeto que não é muito apreciado; pelo contrário, é depreciado e passa a estar presente na representação desse contemporâneo. A importância desse adorno, desse ornamento, estará sempre presente nessa contemporaneidade, nesse momento que vivemos e que tem o desfacelamento de fronteiras devido à fusão de muitas questões. Mas é importante lembrar que quando se fala de contemporâneo esse presente carrega o passado; ele dialoga com o passado e com o todo que lhe dá suporte e estrutura.
Então, a joia contemporânea implicará em várias relações de significados, em um retrato do nosso tempo. Ela construirá a convivência desses materiais diversos. Ou seja, para ser joia não é necessário mais a utilização dos materiais preciosos, ou então, relacionar os materiais com outros e se discutir questões de sustentabilidade ou resgatar materiais em processo. Vai se explorar nesse tempo todo novos processos e materiais, mas o que não significa também que os trabalhos são deixados de lado; muito pelo contrário, eles dialogam.
Mas a grande questão é a seguinte: “Ah, sou um ourives e não trabalho com joia contemporânea”. Entretanto, a joia contemporânea tem que ser de um material inusitado? Não. Muito pelo contrário, essas questões dialogam. Nesse contexto há também uma valorização desse artesanal relacionado com o tecnológico - no sentido mais amplo do termo. A joia vai ser repleta de significados, de simbolismos. Na verdade, é assim porque ela é resultado de uma expressão semântica. Ela vai trazer, o tempo todo, essas questões da expressão e da comunicação. Aqui, estou trazendo como imagem as peças da exposição que vocês podem, depois, observar com mais detalhes.
Dorf, que é um crítico de arte que escreve muito sobre design, é uma das grandes referências. Falará que o designer na contemporaneidade será pautado pelo valor semântico. Essa é a primeira questão. Portanto, o projeto - a base desse projeto, a base desse produto - será a concepção, muito mais do que o valor utilizado do objeto e das qualidades utilitárias do objeto. Claro que isso abre uma série de questões do objeto apenas como decorativo. Uma série de marcas que criam objetos, portanto, estimulam o consumo no momento em que se discute qual o papel desse consumo numa sociedade que é capitalista. Todas essas questões são levantadas. Olha, essa questão semântica dos significados é muito importante. A concepção também é muito importante, mais exatamente do que o valor utilitário. Portanto, a joia pertence a esse universo que será incorporado a partir daí. A joia contemporânea vai ajudar nesse processo de mudança com o próprio corpo. Então, a gente explora o corpo com adornos e ornamentos onde usualmente não se explorava.
A Suzana acaba de mostrar questões tecnológicas da joia. A questão dos piercings, também como objeto de joia que começa a ser explorada pela contemporaneidade, portanto, é o objeto, é o artefato e é o produto normalmente de um designer. Falar-se-á muito em produto, mas o que se vê de produção, hoje, vai além dessa questão: haverá discussões mais amplas. Portanto, o produto não serve apenas para uma função.
Veremos que a joia contemporânea é plural (e também híbrida), porque ela relaciona várias questões, vários significados, relações de uso, forma e materiais. É sempre nessa questão da relação dos designers e do artesanato. E isso é muito interessante porque é uma área que faz justamente essa ligação com questões que muitas vezes o campo do Design viu - com tanto preconceito - que era a negação do próprio artesanato, a negação da própria arte.
Só para fazer um comentário paralelo: a maioria, senão todas as escolas de design, vieram de escolas de arte. Então é um absurdo se pensar nesse aspecto e nessa separação - com exceção da ESDE, Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ, no Rio de Janeiro. A partir de um projeto vieram todas as outras escolas de design do país. Hoje são mais de quinhentas escolas e quinhentos cursos de graduação.
Hoje temos treze programas de pós-graduação, mas fatalmente todos vieram do campo da arte ou estão na universidade da arte. Existe esse diálogo, de fato, e no caso especifico do Brasil existe uma riqueza do próprio artesanato e um valor tão grande dessa atividade que é onde se aprende muita coisa em que se dialoga muito; os designers têm feito o processo inverso atuando, hoje, com comunidades artesanais: tanto orientando e desenvolvendo projetos em conjunto como aprendendo essas questões. Isso é muito importante!
Sem dúvida, a joia vai se relacionar com moda: é uma relação muito próxima mesmo. Porém, a joia tem uma questão: ela tem uma atemporalidade, ela pode existir além. A moda tem algumas sazonalidades; não que grandes questões de moda não sejam atemporais como todas as grandes criações, porém, a moda vive em uma dinâmica que também é sazonal. A joia destaca a atitude, a identidade e a personalidade, tanto do criador quanto daquele que a utiliza porque aí existe essa relação de um corpo. É um corpo em relação a outro porque, afinal, a joia é um objeto construído, um adorno; ela vai comunicar e expressar, mas também é um corpo que interfere no outro e que vai estabelecer uma relação de fusão. E aí a gente está vendo o trabalho do Luís Hermano que se chama “Esculturas para Vestir", "Galáxias", "Efeito Quarami" e "Guizos". Existe toda uma relação que ocorre entre corpo e joia, joia e corpo. Isso vai implicar em interferências um tanto quanto recíprocas, até porque a gente vê muitos objetos sendo construídos atualmente com o primado da multifuncionalidade. Portanto, esse objeto vai tomar corpo e forma final a partir da intervenção do próprio usuário, daquele que vai utilizar a peça. No caso dessas peças que estou mostrando para vocês da Joana Vede, que é uma designer e que atua em Brasília, ela faz umas joias articuladas com fita de prata e que é uma prata reciclada, inclusive. Essa fita você pode compor no corpo da maneira que quiser: pode se tornar em um colar, em uma gargantilha, e pode até mesmo ser uma pulseira ou virar cinto. Então, vai ter a intervenção, a adaptação e (de certo modo) uma criação de identidade da própria pessoa que porta esse objeto no seu próprio corpo. Ainda, a gente tem que lembrar que a joia é objeto. Objeto é uma questão, enfim, muito ampla, mas estou trabalhando com objeto enquanto coisa material. Então, aquela coisa que é construída, aquela coisa que está fora de nós, portanto, vai dialogar conosco e nós vamos dialogar com esse objeto, porque, na verdade, muitas das produções na contemporaneidade não cabem mais. A nomenclatura “produto” é uma delas, porque está além de sua definição. Por isso, essa questão é muito presente, até porque esse objeto relaciona-se em vários segmentos do design.
Quando se fala do design, não se está falando do design do produto separado do design gráfico e separado do design de moda, porque um desses segmentos interfere no outro. Na verdade, a grande questão é a discussão e o pensamento do design como um campo maior, e com isso as outras questões que se desenvolvem dentro dela são dialógicas. Os objetos servirão para despertar pensamentos, desejos e ações reveladoras do nosso modo de viver, mas servirão também como reveladoras dos nossos hábitos, reveladores de nossas atitudes, servem de mediadores entre situações, atos e pessoas, além de assumir o papel que era ora do produto e ora da obra conforme a situação. Contudo, eles carregam uma dinâmica que transforma esses nossos pensamentos, geram novas relações, suscitam perguntas, despertam na verdade novos e outros olhares, provocando novas dinâmicas.
Claro que quando a gente fala em questão semântica e de significados a gente vai ver a joia, em diversos tempos históricos, relacionada à beleza. Esse adorno, esse ornamento que embeleza. Vai estar relacionada também a identificar personalidade, constituir uma imagem: portanto, um estilo. Ela vai também interferir nesse processo e no jogo de sedução. É um adorno que constrói também a sedução, que destaca sensualidade. O próprio objeto seduz o tempo todo porque está relacionado ao prazer, as sensações, enfim, ao prazer de ter um objeto, uma joia em seu próprio corpo, em seu próprio dedo e como isso se refere. E aí esse detalhe da Olympia de Manet: o quanto falam essas peças e essas joias que a Olympia ostenta.
A própria imagem dessa figura vai trazer esses elementos. Essa flor no cabelo, esses brincos, essa gargantilha, essa pulseira e evidentemente, esse xale. Essas posturas falam muito sobre essa cena;  essa situação seduz esse observador.
Aí a gente verá também que esse objeto vai seduzir pela beleza, pelo contato com o corpo que traz um prazer. Além disso, vai implicar nessa imagem o que nós construímos com nosso corpo e também da imagem da pessoa sobre si mesma. Conheço-me a partir dos objetos enquanto opto, dos objetos que coleciono muitas vezes. Enfim, são adornos corporais como vimos na apresentação da Suzana. A gente vai ver em várias culturas como o adorno e o ornamento estão presentes, sendo reflexo da própria cultura e produção dessa própria cultura.
Se formos para a questão do artefato - porque a joia pode ser considerada um artefato, como essa exposição que traz artefatos indígenas que também estão relacionados ao adorno e estão relacionadas ao adorno e ao ornamento - a gente verá a bela produção que existe em diferentes tribos, seja no Amazonas ou no Mato Grosso. Enfim, esse colar que estamos vendo é um colar feito de besouros, cascas de besouros. O primeiro colar que estamos vendo é de dente de macaco e de conchas também. Esse último colar são de conchas recortadas. Então, olha a preciosidade que existe aí também. Por isso, é muito boa essa questão da joia contemporânea que sai de material precioso. Enfim, a joia atribui poder, símbolo e representa esse poder enquanto mais poder. Então, mais precioso tem de ser, sem dúvida, porque aí há acesso para poucos. A joia vai glorificar estar presente como ornamento, adorno, e estará presente ora em um universo sacro ora em um universo profano envolvendo ritos sagrados; a joia ajudará a construir essa imagem do profano, como vemos em muitas representações da própria mitologia: ela exerce um papel nessa representação.
De novo, uma obra de Eros e Psique que sem dúvida está trazendo toda essa questão da sensualidade: sexualidade, amor e movimento. John Rest é um outro teórico desse segmento que falará que o design contemporâneo é constituído por objetos que formam esse amplo conjunto que são presentes em nossas atividades cotidianas; tem um dos trabalhos dele, um de seus livros publicados que justamente abordará a questão do design do dia a dia, o design do cotidiano. Esses objetos constituirão um amplo conjunto, estando presentes em nossas atividades cotidianas e tendo finalidades tanto muito simples quanto muito complexas. Além disso, são expressões da criação, fantasia, diversas tecnologias e manufaturas. Ele também vai apontar que essa diversidade - presente no contemporâneo - será atuante também na maneira de compreender, na maneira de conceber, projetar e usar esses objetos. Quando usamos esses objetos vemos que eles oferecem essas múltiplas perspectivas, tanto de se pensar a própria vida naquele momento como também de se pensar o nosso tempo e interpretar / entender esses objetos que falam. São signos.
Encerro com Otávio Paz em um texto em que o autor fala sobre o ornamento e o seu uso, porque sem dúvida essa era uma discussão que vinha muito forte dentro da área do design nas décadas de 1950, 1960, 1970, dizendo que aquilo que é utilitário não pode ser ornamento. Mas Octávio Paz vai falar, primeiro, que a beleza dos objetos é corporal porque eu toco, ouço, sinto, vejo; depois, com a nossa relação com o objeto industrial - ele está na discussão do industrial / ornamental - ela é funcional; mas para a artesania o objeto artesanal é corporal, porque vai envolver um questão de maior contato, vai despertar sensações, vai participar do corpo; com isso, o corpo passa a participar dessa relação junto com essa coisa que não é: como ele diz, não somos nós mesmos com esse objeto que me relaciono.
Além disso, sentir a coisa é sentir a si mesmo. É um corpo que preserva outro corpo como uma vida física compartilhada. Além disso, vai falar que o objeto artesanal não é um ídolo - como grandes obras podem ser ídolos - porque não se cristaliza no momento em que também tem um tempo de vida. Ou seja, não é um exemplar único pois pode ser reproduzido. Porém, no momento em que ele se acaba,  mesmo que seja reproduzido, nunca será igual ao anterior, sempre terá um outro tom, uma outra diferença. Alem disso, falará que os museus são os membros dos objetos e que esses falam e existem além da própria história; vai terminar lindamente falando que, na verdade, a artesania nos ensina a morrer e assim nos ensina a viver. E isso eu trago para a questão da própria joia, que nos ensina a viver e que nos ensina a dialogar. Muito obrigada!

[INTERVALO]

Miriam Mirna Korolkovas: Vamos retomar a mesa redonda. Agora no intervalo, notei muitos alunos meus que estão patrocinando a filmagem e estão em parceria com a Renata aqui nesse evento. Agradeço muito minha coordenadora Jaine e aos alunos: sejam bem vindos. Obrigada.
Vamos dar continuidade. Vou chamar agora Louisie Vaz, minha amiga desde os anos da faculdade.

Louisie Vaz: Obrigada pelo convite. Na verdade, fiquei um pouco preocupada no início. Sou especificamente designer e a minha relação com o pensar a joia é um pouco distinta. Fiquei uma semana pensando: tenho que achar um viés para falar alguma coisa. No fim, pensei em duas coisas. Uma ação pensando a joia como objeto de afeto que se relaciona com a memória, afetos, objetos e artesanato feitos manualmente. Claro que cada assunto desses abre novos campos de pensamento. Com isso acabamos dando só uma pincelada.
Queria falar de uma lembrança que me veio muito forte. Quando pensei na joia, pelo o que eu me lembro, veio uma imagem que eram pequenas cápsulas de sementes de eucalipto que recolhíamos do chão; recolhia essas capsulas, juntava e depois em um fio com uma agulha perpassava e aviava um colar. Lembrei outros: retalhes de feltro, de tecidos coloridos à procura de sementes; e de conchas, que de repente tinham furos que podiam acabar virando objeto de ornamento e que lembram situações muito fortes que vieram impregnadas não só na lembrança da capsula, mas na lembrança do cheiro e do tato.
Queria falar um pouquinho aqui de um texto que gosto muito do Walter Benjamim, justamente quando ele fala da criança e do mundo do brinquedo. Porque na verdade, neste momento, você constrói um objeto que é um brinquedo; ele e ambas as coisas simultaneamente. Sobre essa questão, o W. Benjamin comenta que a simplicidade tornou-se uma palavra de ordem nas oficinas artesanais. Porém, no fundo, não está na forma dos brinquedos e sim na transparência de seu processo de construção. Outrora, a verdadeira e espontânea simplicidade dos brinquedos não tem a ver com sua construção formal, mas sim com sua técnica. Complementando em um outro trecho, ele fala que por um lado verifica-se que nada é mais próprio da criança que o combinado parcialmente em suas construções das substâncias mais heterogêneas: pedras, plastilíneas, madeira e papel. Por outro lado, ninguém é mais sóbrio em relação aos materiais do que a criança. Um simples fragmento de madeira, uma pinha ou uma pedra reúnem na sua solidez ou na simplicidade de sua matéria toda uma plenitude das figuras mais diversas. Essa imagem ficou muito impregnada como lembrança e também, simultaneamente, queria colocar a questão da joia como um valor sentimental, de afeto.
Muitas vezes guardamos as joias que vieram de um avô, de um parente e de um amigo. Acima do valor financeiro (se é ouro falso, banhado a ouro ou qualquer material que seja) eles vem calcados de valores que tem um outro sentido. Fiquei lembrando nisso porque recordei de um pequeno broche que ganhei quando criança do meu avô e que tinha pendurado uma âncora, um coração e uma cruz; então, esse pequeno objeto tem um valor também. Dessa mesma forma lembro-me de um colar com um pingente de coração que podia ser aberto - bem pequenino, mas podia ser aberto.
Achava fascinante essa possibilidade de abrir esse pequeno coração e tentar colocar alguma coisa nele como um segredo. Então, sobre esse lado do objeto como afeto lembrei de "Objeto feito pelo Homem", um texto em que a autora começa a falar da História do Objeto e da História do Homem sobre a perspectiva, vamos dizer, do objeto industrial. A autora começa o texto falando de uma História de Hefesta, Deus do Fogo, preparando e batendo o escudo de Aquiles. Enquanto preparava o escudo ela estava gravando toda uma história. Nesse objeto vem nele inserido (pela maneira da construção) uma história. A partir daí se passa por diferentes fases e se chega ao objeto industrializado, que passa a ter um outro diálogo. Na verdade ela não fala disso em um sentido saudosista. Apenas coloca essa questão do objeto impregnado, feito pelo homem, e depois de objetos como reciclagem. Coisas que são feitas industrialmente daqui a pouco são substituídas: um outro pensar e eu não gostaria de entrar aquí em questões de valores. Sobre o objeto artesanal e joias existem na área de Artes Plásticas - falando aqui numa proximidade com o universo das Artes - pesquisas e trabalhos feitos. Um deles, o Doutorado que acompanhei da Ana Paula Campos, que focaliza justamente a joia que faz a interface entre o objeto joia e o objeto artístico. É um trabalho que tem um aspecto híbrido. Você pode olhá-lo como um objeto, um produto, ou pensá-lo no corpo. Também me lembrei da Nazaré Pacheco que constrói todo um universo de joias, colares, pingentes e brincos. Parece uma exposição de joias belíssimas. Tem o brilho dos metais mas são objetos cortantes como as lâminas. Ela mostra um objeto que traz a lembrança da dor: não é um objeto de prazer, mas um objeto que em determinados casos poderia machucar alguém. Sobre essa questão do artesanato, do fazer objeto, a Míriam pode me corrigir se eu tiver falando bobagem.
Acredito que na área de joalheria há uma tradição muito forte com o fazer artesanato, tanto é que é na área de gravura onde compramos ferramentas que são de ourivesaria. Tem os buris e uma série de ferramentas que exige o trabalho manual de precisão. Aí tem um texto belíssimo do Focillo: O Elogio da Mão, em que este fala que o trabalho feito à mão hoje, como vemos isso, focaliza a importância disso nesse diálogo da mão com o pensamento humano, e afirma que as coisas não são separadas em modos no qual o artesanato é desligado de um pensar, de uma reflexão, como se fosse uma categoria menor comparado com outras áreas. Ele fala do artista - penso em artista num sentido amplo. "O artista desbasta a madeira, bate o metal, molda a argila, talhe o bloco de pedra, faz reviver até nós o passado do homem, de um homem antigo sem o qual não existiríamos. Não é admirável ver perfilar entre nós na era mecânica esse obstinado sobrevivente das idades da mão? Os séculos passaram por ele sem alterar sua vida profunda, sem anunciar suas antigas maneiras de descobrir o mundo e o de o inventar. A natureza continua a ser para um repositório de segredos e maravilhas. É sempre com suas mãos nuas e fracos instrumentos que procura revelá-las para integrar no seu próprio jogo”.
Queria trazer essas duas questões. Na verdade, não sou de oratórias grandes, portanto era isso que queria trazer como pontos de reflexão de memória sobre pensar a joia hoje.

Miriam Mirna Korolkovas: Realmente, é um tema que estamos começando a pensar com bastante avidez, então é bom para reflexão e para entender como a joia apareceu através dos tempos e como ela é hoje. Obrigado Louisie, vamos passar a palavra ao prof. Léon Kossovitch.

Léon Kossovitch: Queria agradecer ao seu convite Míriam em estar aqui na CASA da Renata Melão, que tenho o prazer de conhecer. Comecei um curso ontem à noite com a Míriam que foi lá em casa dar subsídios.

Miriam Mirna Korolkovas: Foi o contrário.

Léon Kossovitch: Aprendi muito com as duas colegas especializadas. Fico, assim, bem perto da minha amiga Louisie, meio desamparado porque não é nosso campo específico de reflexão. Estou muito feliz com esse curso intensivo. Não estou fazendo média, nunca! Sou muito mal-educado.
Suscitou em mim o retorno de certas questões que acho que deveria ou poderia discutir e que eu poderia trazer.
Partiria rapidamente, a partir do que a Louisie disse, chamando atenção para a dimensão artesanal afetiva do trabalho da joia e da ourivesaria que, de fato, quando se considera a gravura de metal, partimos do Nhembu no século XV e que vai dar nas obras extensas de Mantenha. A relação que a Louisie propôs é muito interessante para mim, particularmente, porque junto isso com o que disseram as minhas antecessoras: A Suzana e a Mônica ao tratar da joia. Sempre vem a relação joia/ouro. Certos processos nessa arte jogam muito com a dimensão crônica.
Agora, outro exemplo que me foge neste momento que é portentoso, muito marcante. Ah, sim! O anel e o dedo. O anel entre dois dedos. Dessa relação que não é uma prótese, mas que se oferece como uma prótese: muito interessante porque desmonta completamente.
Aquilo que me interessa criticar é o design. Um tanto bárbaro, estúpido, mostra um império de leis que não se justifica de modo nenhum, via Escola de Ulm, mas que não tem nada a ver com esta escola. A gente perde de vista. A Míriam até comentava que o design é uma impostura porque é uma tradução de um termo italiano que florece antes do século XVI em um autor. Vocês conhecem mas, vou recapitular: Vasari, em suas Vidas, define o desenho exatamente no plano da ideia daquilo que está na base das três artes - a saber: a Arquitetura, a Pintura e a Escultura. A escultura inclui a gravura. Aliás, já antes, mas também, todo o trabalho com gemas. Portanto, toda essa dimensão que chamamos joalheria, a joia etc.
Está tudo contido nesse conceito que vai muito além do Desenho Industrial e que charmosamente passou a ser chamado de design, como se fosse algo vergonhoso, absolutamente.
Mas na exposição das duas colegas que enfrentaram e pegaram o touro pela cauda, vi que do design da escola de Ulm não sobrou nada. Veio uma grande Antropologia, uma deslocação do objeto.
Gente, ouvi com muita atenção porque queria entender coisas que elas passaram e que me pareceram muito provocadoras. Elas fazem pensar, as duas colegas.
Por exemplo, o que seria uma joia? O que seria uma veste? Anotei aqui, mas nem preciso discernir. Está nas duas isto aí. Se eu tiver falsificando peço que me corrijam!
De fato, não sei o que é hoje; é tão bom não saber o que é uma joia. Não é um anelzinho daquela princesinha inglesa, daquela cafonalha que se faz, não é isso! Pode ser isso também. É um modo convencional que vi num Bronzino projetado pela Mônica, vi num Rubens. Fui vendo as imagens convencionais que vieram até nós. Eu vi também essa exposição que a Míriam, com muita gentileza, me mostrou. É uma explosão disso tudo pelas Culturas. Falo "Cultura" no sentido antropológico do termo, quer dizer, dos Kraós há uma reciclagem de uma garrafa PET e há o ocultamento do ouro em meio ao papel reciclado. Essas são coisas extraordinárias e que são o oposto do que é um projeto: falo como um projetista. Sou um designer, nesse sentido, e sou um engenheiro: projetei, projeto, mas que não tem nada a ver com o que seja designer. É uma imaginação. Acho que está no plano mítico, como a Louisie propôs. Não estou falsificando, né?
Envolve essa dimensão escondida do afeto, da memória, que me pareceu muito mais importante pela desmontagem geral dessa espécie de pequena racionalidade do projeto moderno. Os arquitetos fizeram crítica a isto. Não tenho nada contra a escola de Ulm: é um capítulo, hoje não é mais o termo que não interessa. Falar para os Kraós que o desenho deles é legal eu acho uma sacanagem, uma coisa intempestiva, de uma pessoa que está empenhada em valorizar uma garrafa PET com tanta lucidez.
Essa pedra tão usada na Ásia Central, a Turmalina, das escavações arqueológicas das tumbas da Ásia Central, nessa região devastada pelo neonazismo americano. Turquesa e o Lápis Lazulli, que são as duas pedras da região do Afeganistão e do Irã. Estão sempre presentes ali, assim como no Egito faraônico, mas que tem sentido quando vemos num Bronzino. São adornos.
Uma outra categoria: esperei que vocês chutassem o pau da barraca. Vocês falavam em ornamento e desmontavam o conceito. A categoria de ornamento como enfeite é muito pouco para aquilo que vocês iam propondo, iam devorando, devorando; enumerando, enumerando. Foi soterrando a dimensão do ornamento das joias.
Acho o Dorf muito pobre com a semântica. Acho que o ornato devesse ser tomado no sentido dos autores latinos como também um elemento compositivo e sintático. Como nas escolas que as duas estudaram se faz uma Semiótica estaria mais para uma semiose, num sentido amplo de termo; é que o Dorf é daqueles anos do Pós-guerra. Então, o semântico, para ser importante, tem algo de mágico. Não sei se é isso, mas, pensava muito nisso.
Pensaria ornamento nesse sentido muito amplo, de ser ao mesmo tempo um adorno, mas também ver (como vemos nos autores latinos Cícero e Quintiliano) o elemento de composição. Ornar é compor. Talvez por aí estaríamos perto da Semiótica e não a expulsaríamos, apesar da sua aliança com a escola de Ulm.
Essa profusão de acepções, que é dos usos, dos muitos usos, torna a joia extremamente escorregadia. Ela desliza por todos os lados. Confesso, com tudo que vi, que tinha algumas “leiturinhas”!
Não sei onde estou porque é maravilhoso. Vi uma joia, não sei se foi a Suzana ou a Mônica, com o coro todo envolvido. Foi você, né? [dirigindo-se para Suzana]. É uma coisa fantástica. “Onde estamos? Que joia é essa?” Não é um brinco, não é nada disso, é um objeto. Está na categoria geral do objeto. Fiquei pensando muito nessa dimensão do qualquer, de um objeto qualquer que não está preso a nada. Ele é uma pseudoprótese, muitas vezes pode ser um envoltório, um material qualquer. Essa junção do precioso e do caçambento, o ouro e o papel de saco de cimento captado da caçamba que é um papel muito bom, papel forte.
Há objeto bonito ali, né? Feito assim, a Míriam me mostrou que tinha prata e ouro, duas direções ali dos artistas.

Miriam Mirna Korolkovas: Couro com prata!

Léon Kossovitch: Depois temos essa coisa que só usa o tecido, que é muito interessante: uma joia de tecido. Há uma contradição nos termos, porque a associação espontânea e ingênua é o vestuário. De repente há uma mudança metonímica espantosa. A Louisie e eu temos o coração palpitando muito nisso, não é Louisie? Com a gente é estranho, às vezes sintoniza selvagens, não é? Tem uma distinção muito interessante que foi a que a Mônica propôs: “O mais que útil" que estava na chave do semântico. Em um certo sentido, o útil é puramente semântico, né? Não é aquilo que o Morris chama de pragmático em oposição ao semântico-sintático.
Uma categorização que é divertida é a que vem de alguns filósofos como os objetos de Pura Perda que entram no circuito das dádivas, surgem da agonística das dádivas. Devo dizer que devo a voces três a noção de joia. Eu “era” muito princesa Diana com anelzinho, a pelinha... Meu limite era esse. Vocês mostraram uma coisa que explode esses limites. Por isso que a noção de Design é ruim. A própria noção de Decênio do italiano do século XVI e XVII (fim do XVI e começo do XVII) do Vasario sofre um jogo muito divertido na fala de um outro preceptista italiano que é o Federico Zuccaro. Ele diz assim: "O que é decênio? Aí vem o anagrama: cênio, di . É signo de. Signo de que? Seni, Dio, in Noi, é o signo de Deus em nós”. É exatamente o que Descartes fez das ideias inatas. É o inatismo. São as sementes divinas que Deus colocou em nós e que tem essa mesma abrangência em um nível muito mais Augusto dos Zomianos.
Acho muito pobre. Nada contra. Acho um capítulo muito importante que tem que combater. Combato a generalização e combato a barbárie brasileira de se aproximar de termos estrangeiros e fazer disso um bem, enquanto isso é desnecessário.
Nós temos uma formação: nesse caso a nossa história é francesa, da Academia de D. João VI. Nossa linguagem é o francês e o italiano - nada contra o inglês. Por que a gente vai se deixar soterrar sobre um termo bárbaro muito racial, que se aplica ao seu campo ilegitimamente?
Os franceses quando vem para cá na Missão trazem essas preceptivas, que sendo francesas são juro-italianas. Nelas há o primado do desenho que são todos filhos de David - como vemos em Debret; são esses exilados que vem para cá. Então temos uma história do desenho que não há nenhuma razão para sepultarmos. Acho que fala mal da grandeza que o país está atingindo: o país deveria levar isso mais a sério; ser menos macaquito de cópia banal. Acho que não deveria fazer isso.
Eu passaria por aqui dizendo que agradeço muito as colegas que me precederam, a Míriam em particular, a bondade da Renata. Não sei se atrapalhei, espero que não.