MATÉRIA DO MÊS
ARTESANATO GANHA ESPAÇO EM CURSOS DE DESIGN ATRAVÉS DE PROJETOS DE EXTENSÃO
Publicado por A CASA em 21 de Maio de 2013
Por
Lígia Azevedo

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Há cerca de 10 anos, os cursos superiores de design vêm abrindo espaço para projetos de extensão universitária que trabalham com produtos e comunidades artesanais. Os conceitos de sustentabilidade, ecodesign e economia solidária, e a valorização do patrimônio material e imaterial do artesanato são pontos comuns destas ações, como o Projeto Ecosol, da Universidade da Região de Joinville (Univille), que desde 2010 atua junto a artesãos do Fórum de Economia Solidária de Joinville e Norte Catarinense, e o Programa Minas Raízes (UEMG), que há dois anos promove ações junto a comunidades da região metropolitana de Belo Horizonte.
“Dentro da nossa universidade, a extensão passou a ser entendida como um processo articulado ao ensino e à pesquisa, mas suficientemente aberto para promover diálogos com os conhecimentos ditos populares ou leigos. A troca de saberes resultantes desse encontro (científico-popular), além de favorecer a democratização do conhecimento, contribui para uma formação mais humanizada de nossos alunos. E temos visto que projetos dessa natureza impactam não somente aos alunos, mas, toda a equipe, inclusive aos professores.”, comenta Maria Flavia Vanucci, professora da UEMG que coordena o projeto Minas Raízes. “Paralelamente a isso, o mercado vinha demandando por designers com uma formação mais humanizada e holística para trabalhar junto a programas de apoio ao artesanato, que rapidamente se disseminaram pelo país. A partir de então, o designer passou a enxergar nessa atividade uma forma de atuação profissional.”, acrescenta.
A pioneira neste tipo de iniciativa no país foi a Universidade Federal de Pernambuco com o projeto Imaginário Pernambucano, atualmente denominado Laboratório O Imaginário. Criado em 2000, conta com uma equipe multidisciplinar de professores, alunos e técnicos para o desenvolvimento de objetos industriais e artesanais, trabalhando com comunidades tradicionais e não-tradicionais. Já atuaram junto a comunidades de história, produção e uso de matérias-primas bastante diversos – cerâmica figurativa em Alto do Moura, Kambiwa (2002) e Tracunhaém (2004); cerâmica utilitária em Cabo de Santo Agostinho (2003); cestaria em Goiana, (2003); barro, caroá, palha e imbira na comunidade quilombola de Conceição das Crioulas (2001). Desde sua criação, angariaram diversos parceiros, entre eles Sebrae, Senai e CNPQ, e receberam inúmeras premiações, como o prêmio Idea 2008 e, no mesmo ano, menção honrosa na categoria Ação Sócio-Ambiental no 1° Prêmio Objeto Brasileiro.
Iniciativas como estas têm se configurado não só como importantes espaços de intercâmbio entre universidade e comunidades, como também entre comunidades e mercado, e diferentes comunidades produtoras entre si. Primeira ação do Laboratório de Design Solidário - LABSOL (UNESP Bauru), em 2007, o projeto Box, por exemplo, agregou ao trabalho de decupagem de guardanapos sobre caixas de MDF, realizado por artesãos da Associação de Artesãos da cidade de Assis (SP), outras peças artesanais de diferentes regiões, tais como a escultura em baixo relevo da Associação de Artesões de Bichinho e de Tiradentes (MG) e papel artesanal produzido a partir de fibras de bananeira por comunidades do Vale do Paraíba (SP).
A militância política junto às comunidades envolvidas é outro traço que projetos como este estão ganhando, a exemplo de um dos mais recente programa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Deseja.ca – Desenvolvimento Sustentável e Empreendedorismo Social no Jardim Canadá. Sua zona de atuação, o Jardim Canadá, é um bairro formado por imigrantes recentes, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte entre as margens de um parque natural, uma mineração, condomínios de luxo e uma importante rodovia federal. Desde 2011, uma equipe de alunos e professores dos cursos de Design, Artes Visuais e Arquitetura e Urbanismo vêm atuando junto à comunidade com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e nível de renda dos moradores do bairro. Isso, através de oficinas de capacitação em marcenaria, tecelagem e estamparia, da transformação do lixo gerado principalmente pelas microindústrias e mineradoras locais em produtos desenvolvidos nas oficinas, e de intervenções arquitetônicas e urbanas para a melhoria da qualidade dos espaços cotidianos da comunidade.
Continuidade para além da universidade
Alguns desses projetos se desenvolveram para além da extensão universitária e deram origem a pequenas empresas, como é o caso do Projeto ASAS - Artesanato Solidário no Aglomerado da Serra, da universidade mineira FUMEC, que foi 1° colocado na categoria Ação Sócio-Ambiental do 2° Prêmio Objeto Brasileiro. A ação foi iniciada em 2007 junto a um grupo de artesãs de Aglomerado da Serra, conjunto de vilas e favelas da cidade de Belo Horizonte-MG. Em março deste ano, um dos braços do projeto denominado ASAS_Aglomeradas obteve CNPJ próprio. “Após seis anos de trabalho, as artesãs hoje estão totalmente empoderadas, ganharam autonomia, e já vão participar de outros projetos do Governo Federal em parceria com empresas de Belo Horizonte”, conta a professora Natacha Rena, umas das idealizadoras do ASAS, e que atualmente coordena o Deseja.ca (UFMG).
Já a ONG paulistana Design Possível nasceu de um projeto de cooperação entre a universidade Mackenzie e a Universidade de Firenze – Itália, coordenado pelo professor Ivo Pons, que visava promover ações sociais e ecológicas através do design, com o intercâmbio de alunos das duas instituições de ensino. Em 2004, numa primeira etapa do projeto, foi desenvolvida uma linha de produtos junto a ONGs que trabalham com reaproveitamento ou reutilização de resíduo industrial em favelas e regiões periféricas da grande São Paulo – Aldeia do Futuro/Associação Mundaréu, Projeto Arrastão, Recicla Jeans/Florescer e Associação Comunitária Monte Azul. A continuidade do projeto deu origem à empresa com sede e CNPJ próprios, que hoje conta com a participação de estudantes, profissionais, ONGs e empresas para o desenvolvimento de produtos, palestras e cursos. Apesar de hoje ser independente da universidade, a ONG tem em sua equipe ex-alunos do Mackenzie e mantém o trabalho de pesquisa através do LEDS, Laboratório de Estudos em Design.