Faça seu Login para que possamos configurar a navegação de acordo com as suas preferências.
Não está cadastrado?Clique aqui.

BIBLIOTECA

ARQUIVO:
COLEÇÕES
BIBLIOTECA
VIDEOTECA
EXPOSIÇÕES VIRTUAIS
SOCIOAMBIENTAL
A CASA E O MUNDO

ENCONTROS

RICARDO LIMA, UM ANTROPÓLOGO DE MÃOS DADAS COM O ARTESANATO

Publicado por A CASA em 15 de Agosto de 2003
Por Marina Vidigal

Diminuir o texto Tamanho da letraAumentar o texto

Ricardo Gomes Lima (25/12/1950, Campos, RJ) é antropólogo e tem uma estreita ligação com o artesanato.

Ainda estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, onde se graduaria em 1976, foi admitido no Setor de Etnografia do Museu Nacional como estagiário. Foram onze anos de permanência no museu, durante os quais trabalhou com arte e artesanato indígena, atuando em pesquisa, inventário de coleções, etc.

No final da década de 70, começou um mestrado em antropologia, que teria como tema de dissertação grupos de Folia de Reis. Em saídas para pesquisa de campo no noroeste do Estado do Rio de Janeiro, encantou-se com o trabalho de política cultural. "Foi um desdobramento quase natural: da pesquisa, do estudo sobre o assunto, sobre as folias, acabei enveredando pela ação cultural, me envolvi com as dificuldades dos municípios de interior e, quando me dei conta, estava atuando em políticas de apoio à cultura popular". Lima acabou não defendendo sua dissertação de mestrado, mas pôde descobrir, nesta empreitada, o gosto pela cultura popular e pelo trabalho junto às comunidades.

De 1989 a 1993, Lima ainda fez o mestrado em História da Arte, com concentração em Antropologia da Arte, pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na mesma universidade, iniciou em 2001 o doutorado em Antropologia, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (ainda em andamento). Ao longo da carreira, já lecionou em algumas faculdades e universidades, e atualmente é professor assistente do Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

A antropologia no artesanato

Em 1983, Lima foi convidado a trabalhar no Museu de Folclore Edison Carneiro, no Rio de Janeiro, do então Instituto Nacional de Folclore (hoje denominado Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular). O objetivo da direção do instituto era dar um viés mais antropológico às coleções, pesquisas e exposições do museu. O acervo, a partir de então, deveria ter objetos devidamente documentados, com origem, autoria, etc. Além disso, decidiram criar no museu a Sala do Artista Popular, um espaço destinado a expor trabalhos artesanais de todo o país, com base em pesquisas e que, devidamente documentados fossem porta-vozes de seus autores e das realidades que lhes davam origem. Trocando em miúdos, o museu queria ir além dos objetos e mostrar os pensamentos, as sensações, os sentimentos, as inquietações e o modo de vida das pessoas que estavam por trás deles.

O trabalho no Museu de Folclore aproximou tanto os pesquisadores do artesanato, da arte popular e das comunidades artesãs, que, no início dos anos 90, eles já não se satisfaziam apenas com as pesquisas e exposições. Queriam ter maior participação junto às comunidades, atuando nas inúmeras dificuldades que sabiam cercar o trabalho dos artesãos. "Houve um tempo em que eu via o artesanato a partir de uma perspectiva meramente intelectual e acadêmica, de pesquisa e reflexão. A partir de meados dos anos 90, no entanto, em um certo sentido a minha vida mudou muito, e comecei a pensar o artesanato do ponto de vista da intervenção na realidade social", detalha Lima.

Nasce o Artesanato Solidário

Era 1998, a vontade de intervir nos entraves com que as comunidades artesãs se deparavam no processo de produção permanecia latente na equipe do Museu de Folclore e eis que, enfim, o Conselho da Comunidade Solidária os procurou visando uma atuação conjunta no artesanato. O museu abraçou a causa na mesma hora.

Desenvolvido no museu e coordenado por Ricardo Lima, o projeto piloto do Programa Artesanato Solidário aconteceu na comunidade do Candeal, localizada no Vale de São Francisco, no norte de Minas Gerais. "Eu havia conhecido o trabalho em cerâmica desta comunidade em 1992. Na época, me impressionou demais o contraste entre a riqueza do saber daqueles artesãos e a extrema pobreza da região".

Ao chegar ao Candeal para a implantação do projeto, Lima encontrou apenas quatro ou cinco artesãs trabalhando com cerâmica. As vendas, feitas por intermédio de atravessadores, resultavam em valores irrisórios pelos produtos, em geral trocados por mercadorias da venda local. As artesãs estavam endividadas, em péssimas condições financeiras e sem o menor estímulo para produzir – suas moradias eram péssimas, faltava água, havia muita doença e fome. "Diante de um cenário desses, minha visão de antropólogo não deixava dúvidas de que aquelas pessoas jamais teriam condições de produzir mercadorias de qualidade se não tivessem seus problemas básicos solucionados", lembra Lima, que começou logo a trabalhar em prol da comunidade. "Com condições mais dignas de vida, o artesanato renasceria naturalmente, pois o homem é um ser integrado, não apenas um produtor de cerâmica".

Por meio de parcerias, conseguiram fazer um poço artesiano e as casas passaram a receber água potável. A pedido das artesãs, foi erguido um galpão (com recursos da Sudene), a fim de que a produção nos quintais não precisasse ser interrompida nos períodos de chuvas. Uma mudança social efetiva estava sendo realizada no local. Daí para frente, para os produtos deslancharem bastou o antropólogo incentivar a produção, o aprimoramento da qualidade e apoiar a criação de novas peças. Promovendo uma exposição no Rio de Janeiro, enfim, o museu auxiliou-os na abertura de novos mercados e seus potes, panelas, travessas, pratos e moringas de cerâmica (em geral desenhados com tauá, um pigmento natural vermelho) rapidamente começaram a ser comercializados.

"O resultado do projeto foi excelente. Hoje 25 famílias do Candeal estão envolvidas na produção de cerâmica, com boas condições de vida e auto-estima. Os barracos de pau-a-pique onde moravam foram reerguidos, com tijolos e telhas feitos por eles mesmos. Os moradores perceberam seu valor e isso transformou a comunidade", diz Lima, afirmando ser este um feliz exemplo de intervenção de caráter antropológico junto a uma comunidade produtora de artesanato.

Brasil adentro

Depois da concretização do primeiro projeto, Ricardo Lima viveu experiências em inúmeras comunidades ligadas ao artesanato. Em Abaetetuba, no Pará, 18 meses em parceria com o Sebrae (a partir do início de 2002) foram suficientes para que a comunidade produtora de brinquedos de miriti, muito conhecidos como brinquedos do Círio de Belém, se estruturasse e começasse a andar com as próprias pernas. As principais intervenções foram o estímulo ao trabalho associativo e a abertura de espaços para comercialização. "Para se ter uma idéia, o grupo que tinha 25 artesãos dispersos organizou-se e quadruplicou. Reunidos em associação, os artesãos têm capacidade para atender grandes encomendas e estão com clientes em vários pontos do Brasil".

Já no município de Pedras de Maria da Cruz, em Minas Gerais, o trabalho (realizado a partir de 2002) foi bem diferente. Situado à margem do rio São Francisco, o local era parada obrigatória para quem pegava a balsa para ir de Montes Claros a Januária. Mas por conta da construção de uma ponte, Pedras de Maria da Cruz deixou de fazer parte de um trajeto relativamente movimentado e ficou esquecida, parada no tempo. Artesãos que comercializavam colheres de pau, gamelas, pilões e outros belos utensílios de madeira em barracas à beira da estrada, viram seu negócio praticamente se extinguir.

Para resolver o problema sem alterar a estrutura familiar daquelas pessoas (que trabalhavam em frente de casa, perto dos filhos e sem a necessidade de deslocamento), contaram com a ajuda do DER e da Petrobras. Seus recursos possibilitaram a construção de barracas de alvenaria, a terraplanagem e a ampliação da rodovia (com criação de acostamento para facilitar a parada dos compradores). Além disso, o Ibama, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e o Horto de Januária realizaram um trabalho de produção de mudas e reflorestamento da região com as madeiras utilizadas pelos artesãos. Estes últimos foram conscientizados da importância da preservação e receberam mudas e orientações para replantio sistemático do que será sua matéria-prima nos próximos anos.

Na opinião de Lima, a atuação diante do poder público das comunidades é primordial para a implantação e continuidade das ações. "Uma de nossas preocupações é mudar a mentalidade do poder público e das entidades locais, mostrando a eles que o artesanato é um bem cultural, um patrimônio a ser zelado. Procuramos mostrar que o progresso se faz também com a reafirmação da identidade cultural e isso às vezes surpreende pessoas que estão habituadas a ver utensílios artesanais como sinônimos de pobreza e atraso".

Ainda no norte de Minas Gerais, também em 2002, o antropólogo viveu outra interessante experiência com artesanato – desta fez, foi na comunidade de Lapão, situada na zona rural no município de Januária. Dois irmãos produziam cestos, peneiras e balaios com trançados de bambu, usando uma técnica que na região era conhecida exclusivamente por eles. Ambos já passavam dos quarenta anos e, pelo que tudo indicava, aquela arte morreria com eles. Diante do cenário, a preocupação de Lima foi possibilitar o repasse do conhecimento para jovens da comunidade. Por meio de oficinas, os irmãos habilitaram quase 30 jovens para a confecção de peças naquele trançado. Em alguns meses, todos já estavam comercializando seus primeiros trabalhos. O IEF e a EMATER também participaram do projeto, orientando a comunidade em relação à produção de mudas, plantio e cuidados com o bambu.

Sempre em parceria com o Programa Artesanato Solidário, Lima, através do Museu de Folclore, também atuou em uma comunidade produtora de cerâmica do município de Irará, na Bahia (perto de Feira de Santana). No ano de 2001, quando chegou ao local, uma das dificuldades observadas era a comercialização, já que o único ponto de venda que tinham, a Feira de Irará, funcionava somente aos sábados. A equipe conseguiu criar uma Casa da Cultura Popular, na qual os artesãos poderiam comercializar suas peças permanentemente. Para facilitar o transporte dos produtos (da comunidade à Casa da Cultura e à feira), conseguiram um burro e uma carroça para a comunidade, uma solução econômica, funcional e absolutamente integrada à cultura local. Em relação à produção, fizeram coberturas para os fornos, a fim de que as chuvas não interrompessem nem danificassem o trabalho dos artesãos. Finalmente, promoveram exposições no Rio de Janeiro, editaram catálogos e cartões postais dos produtos – potes, travessas, aribés, moringas, etc. –, divulgando e abrindo mercado para a comunidade.

Outra intervenção interessante aos olhos de Lima aconteceu em Santarém, no interior do Pará. No local, havia cinco comunidades produtoras de cuias, vendendo uma dúzia delas por apenas três reais. Os produtos iam para a cidade, onde eram desenhados ou pintados por outros artesãos, para depois serem comercializados. Pela parceria com o Programa Artesanato Solidário, a equipe do museu, sob coordenação da antropóloga Luciana Carvalho, e as comunidades envolvidas investiram no resgate de pinturas antigas, realizadas em técnica chamada de rascunho (trata-se de incisões e raspagens feitas com agulhas ou facas na cuia preta, de modo que os "machucados" tragam a tona o fundo branco das peças e dêem forma aos desenhos desejados). "Fizemos levantamento nas coleções do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, do Museu de Folclore Edison Carneiro, do Museu do Índio e do Museu Nacional no Rio de Janeiro, além de coleções particulares e encontramos um vasto repertório de rascunhos de cuias. Juntamos a isso padrões de cerâmica tapajônica (da região), criamos uma apostila com padrões tradicionais e os modelos arqueológicos e a destinamos às artesãs. Elas ficaram extremamente motivadas com as novas possibilidades. No final das contas, elas mesmas fizeram outros levantamentos, deixaram a criatividade correr solta".

No que se refere a essas cuias, o antropólogo ainda chama atenção para o processo produtivo. Elas recebem um tingimento vegetal de cumaté, uma espécie de tintura extraída da casca de uma árvore da região. Depois de aplicada a tintura nas cuias, que ficam com coloração avermelhada, é armada uma “cama” com cinzas (de fogão), regadas com urina humana feminina e coberta com palhas de coqueiro. Sobre as palhas colocam-se as cuias e cobre-se tudo. Passados três dias, a amônia da urina oxida e as cuias adquirem coloração preta, com brilho totalmente natural. Para Lima, o mais interessante disso tudo é o fato de a urina ter de ser feminina. "Como as mulheres precisam de muita urina, umas guardam urina para outras, criando uma rede de ajuda, aliança e reciprocidade entre elas. E é interessante o fato de a obrigatoriedade da urina vir das mulheres. Na região, existe a crença de que se for usada a urina de um homem, este fica 'panema', ou seja, ele terá azar. Acredito que por trás dessa imposição esteja a questão das classificações sociais por gênero e o desejo das mulheres de preservar a intimidade de seus maridos; uma coisa é uma mulher presentear a vizinha com sua própria urina, outra é seu marido fazê-lo ou ser ela mesma quem leva a urina dele para outra pessoa".

Designers x antropólogos x artesãos

Por conta dos trabalhos em parceria com o Programa Artesanato Solidário, Lima vem tendo muito contato com designers nos últimos anos, em situações por vezes promissoras, por vezes tensas. "Com o Sebrae do Pará, por exemplo, temos mantido um diálogo muito intenso no sentido de respeitar e entender o artesanato local, a fim de que os profissionais se coloquem diante das comunidades muito mais para discutir o artesanato, do que para introduzir valores e modelos. Entretanto, com freqüência ainda nos deparamos com designers que acreditam deter o gosto, o padrão, o correto e o bonito. Sou contrário a atitudes impositivas. Acho que esses profissionais devem trocar informações com os artesãos e interagir com as comunidades, sem jamais descaracterizar as produções originais e seu lastro cultural".

Uma intervenção que Lima julgou extremamente oportuna aconteceu em Abaetetuba, no Pará. Entre outros brinquedos, a comunidade produzia barquinhos de miriti, que com o tempo se tornaram símbolos do Círio de Belém. Os visitantes começaram a adquiri-los como suvenires, mas, por conta de seu desenho e da ausência de embalagens adequadas, algumas de suas partes salientes costumavam se quebrar no transporte. O trabalho dos designers consistiu em fazer espécies de articulações nas extremidades, deixando-as dobráveis e bem protegidas no transporte. "Este sim é o exemplo de uma mudança necessária, sensível e bonita, que a meu ver mereceria um prêmio de intervenção".

Em alguns outros aspectos, no entanto, Lima crê que os designers devem ser muito cautelosos. Um dos pontos que ele defende é a beleza do irregular. Considerando-se um saudosista, "por ver beleza na marca das mãos no objeto", ele acredita que a industrialização modificou a estética brasileira, que passou a valorizar exclusivamente o retinho, o supostamente perfeito. A reflexão o fez lembrar de uma citação de Cecília Meireles, proferida na década de 50: "O mundo feito à máquina não compreende os bordos irregulares do barro, não gosta dos vidrados escorridos desigualmente, não aparecia a boniteza torta das canecas, das jarrinhas sem equilíbrio total".

O antropólogo conta uma história que vivenciou na comunidade baiana de Passagem, à beira do rio São Francisco. As artesãs queimavam seus potes de cerâmica em fogueiras a céu aberto, uma técnica milenar que gera marcas pretas nas peças. "De acordo com a estética industrializada, poderíamos dizer que os potes ficavam cheios de defeitos. Como antropólogo, porém, eu me encanto com essas marcas culturais decorrentes de um dos sistemas mais primitivos de queima de cerâmica do mundo. Eu as vejo como um patrimônio da humanidade, digno de ser preservado".

Mas Lima não é irredutível. "Quando estivemos em Passagem pela parceria com o Artesanato Solidário, as artesãs se queixaram de que o público não gostava daquelas marcas e não compravam seus produtos". Por isso, elas queriam aprender a fazer queimas em forno, como se pratica atualmente. "Construímos os fornos e promovemos oficinas com artesãos que trabalhavam com esse tipo de queima. Ainda assim, aconselhei-as a manter parte da produção à moda antiga, para que não perdessem o velho saber. A fim de estimular a venda dos produtos 'marcados', colocaríamos neles uma etiqueta, explicando a origem e história daquelas marcas".

Outro aspecto que Ricardo Lima faz questão de frisar é que o artesanato tradicional não é simplesmente uma mercadoria, mas um sistema que traz em si uma série de valores, culturas e crenças. Em suas andanças pelo país, já pôde observar mulheres que produziam peças quase compulsivamente, pelo simples hábito de fazê-las. Foi em Rio Real, no norte da Bahia. Havia dois anos que uma senhora artesã, Dona Nitinha, produzia potes de cerâmica, que não estavam sendo vendidos. Sua casa estava abarrotada, havia potes saindo pelas janelas e a família se queixava muito disso. Quando tentou parar de fazê-los a artesã disse ter ficado "muito triste e doente". A solução para não morrer foi continuar fazendo-os. "A produção tinha uma dimensão simbólica cultural para aquela mulher, independentemente da falta de retorno econômico. Eram determinações que estavam sendo alcançadas quando ela produzia seus potes", analisa o antropólogo.

Em relação à herança cultural manifestada no artesanato, Lima cita os presépios de barro produzidos em Taubaté. Todos trazem a figura de um gambá, pois há uma lenda na região, segundo a qual quando Menino Jesus nasceu, Nossa Senhora não tinha leite para amamentá-lo; sabendo disso, uma fêmea de gambá que tinha acabado de parir procurou-os para oferecer seu leite. Nossa Senhora, devido a seu lado humano, teve nojo da gambá, pelo cheiro que exalava, e recusou a oferta; porém, com seu poder de mãe de Deus, abençoou o pequeno animal, que dali em diante não deveria mais sofrer as dores do parto. O gambá é um marsupial e a lenda explica essa sua característica.

"Como se vê, há um motivo de aquele gambá estar no presépio. Ele representa um conteúdo cultural, uma crença". Para se ter uma idéia da força dessa lenda, as parteiras da região colocam um pedaço de pele de gambá na barriga das mulheres que estão prestes a ter filhos, para que não sintam dores. Diante desse cenário, o antropólogo adverte o designer sobre a importância de traços que podem parecer incoerentes em um primeiro momento. "É por essas e outras que as intervenções em design têm de ser feitas com muito cuidado. Em vez de passar por cima dos porquês e impor padrões, é fundamental adotar uma postura igualitária e trocar informações com as pessoas. Só assim é possível entender o que há por trás dos objetos. Falando do gambazinho, acredito que o design só tem a ganhar apropriando-se dele. São argumentos que valorizam ainda mais os presépios, agregam a eles um valor cultural".

Outra questão levantada é ética e se refere à facilidade com que as empresas se apropriam indiscriminadamente de certas criações artesanais. Como exemplo, conta a história de umas cobrinhas moduláveis vendidas no Círio de Nazaré. "Um personagem meio maluco e simpático de uma novela da Globo, interpretado justamente por um ator paraense, começou a aparecer nas telas repetidas vezes com este brinquedo. A peça rapidamente chamou a atenção da indústria e, em pouco tempo, estava nas lojas, feita em plástico, com ótimo acabamento e extremamente bem resolvida". Diante disso, o antropólogo aponta a dificuldade (ou total impossibilidade) de a comunidade competir com os baixos custos industriais e aponta que, apesar de as peças terem sido criadas pelas comunidades, nunca houve sequer um centavo de direitos autorais para aquelas pessoas.

Na visão antropológica de Lima, também é importante que todo designer ou profissional que pense em interagir com comunidades artesãs compreenda o ritmo de vida e o tempo de produção dessas comunidades. Muitos artesãos são antes de tudo agricultores, que têm no artesanato uma atividade sazonal, a ser realizada em períodos de seca, quando o trabalho na lavoura tem de ser interrompido. Não adianta chegar nas comunidades com uma série de encomendas, imaginando que serão capazes de produzir tal qual uma indústria. O artesanato no Brasil é realizado basicamente por camponeses, regidos pelo clima e não por contratos. São pessoas que só vão se entregar exclusivamente ao artesanato se este se mostrar uma fonte de renda sólida para eles.

Exemplificando, ele volta a falar da comunidade de Passagem, que vive – e produz seu artesanato – absolutamente em função do rio São Francisco. Os homens vivem da pesca e, em períodos de seca, plantam mandioca nas terras baixas e férteis que surgem às margens do rio. Depois do plantio, partem para São Paulo por meses, deixando as mulheres em casa cuidando dos filhos e da plantação. Do leito seco, elas recolhem barro e sedimentos de argila e tocam sua produção artesanal, um rendimento extra para este período do ano, até que venham as chuvas, o leito do rio suba e cubra tudo. Não é possível, portanto, assinar contratos com o comércio contando com a produtividade mensal e regular das artesãs; não é esse o ritmo da comunidade e ninguém deve interferir em seu equilíbrio.

Com mais de 20 anos de experiência em artesanato, Lima está certo de que interferências positivas podem ser um excelente instrumento para o desenvolvimento social, geração de renda e de emprego. Ainda assim, aponta a responsabilidade de todo e qualquer profissional que lida especialmente com comunidades tradicionais. "Para mim, o trabalho com artesanato tem representado um constante aprendizado. As intervenções têm de ser organizadas, dirigidas e conscientes, já que, de certa forma, lidar com o artesanato significa trabalhar com pessoas, com suas raízes, valores culturais e modo de vida".

Contatos para comercialização dos produtos:

Casa do Artesão de Januária

Rua Lindolfo Caetano, 141 – Januária, MG

(38) 3621-4733

Associação dos Oleiros do Candeal

(38) 3621-2094

Museu de Folclore Edison Carneiro

Rua do Catete, 179 – Rio de Janeiro, RJ

(21) 285-0441 ou 285-0891

e-mail: folclore@funarte.gov.br

Central ArteSol/ Programa Artesanato Solidário/ Comunitas

Rua Alves Guimarães, 436 – São Paulo, SP

(11) 3082-8591 ou 3082-8691

Contatos artesãos Lapão (Januária - MG)

(38) 3621-4714 ou 3621-2691

Casa do Artesão de Irará

Rua Coronel Eupídeo Nogueira, 102 – Irará, BA

CEP: 44255-000

Instituto Mauá

Praça Azevedo Fernandes, 2 – Salvador, BA

(71) 264-5440

ou Rua Gregório de Matos, 27 – Salvador, BA

(71) 321-5501