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Figura 01 Sandália modelo Maria Bonita.



ARTIGO

ESPEDITO SELEIRO: ELEMENTOS FIGURATIVOS DE UM DESIGN DE SUPERFÍCIE NATURAL

Publicado por A CASA em 28 de Junho de 2013
Por Valeska Alecsandra de Souza Zuim , Ana Claudia Silva Farias , Maria Silvia Barros de Held e Antonio Takao Kanamaru

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Valeska Alecsandra de Souza Zuim [1]

Ana Claudia Silva Farias [2]

Maria Silvia Barros de Held [3]

Antonio Takao Kanamaru [4]

RESUMO

Este artigo tem por propósito verificar se no trabalho do artesão nordestino Espedito Seleiro existem traços que podem se caracterizar como Design de Superfície. Ele é um dos poucos artesãos que trabalha diretamente com o corte do couro. Seu trabalho é contemporâneo e original. Os métodos utilizados na pesquisa são de natureza aplicada, com abordagem qualitativa, pesquisa bibliográfica e análise de registros fotográficos. Através destes registros e sua análise, pode-se constatar que o referido trabalho trata-se de um trabalho de Design de Superfície, elaborado de forma artesanal e original.

PALAVRAS – CHAVE: Design de Superfície, Artesanato, Espedito Seleiro, Elementos Visuais.
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1. A ARTE DO COURO E SUA RELAÇÃO COM O DESIGN DE SUPERFÍCIE

Na região do sertão cearense, ainda se vê, principalmente com os antigos, a prática de se trabalhar com o couro curtido. Mas, esta é uma atividade que paulatinamente vem diminuindo, apesar de ser transmitida tradicionalmente de geração em geração. Com a crescente prática da migração dos habitantes do campo para a metrópole em busca de novas oportunidades de trabalho, foi observado que o uso da matéria-prima couro no sertão nordestino tem se restringido a poucos trabalhadores, o que torna escassa a produção manufaturada de seus produtos. A constante migração dos trabalhadores do sertão para a zona urbana causa um choque de paradigmas culturais e as consequências, como desemprego, doenças, falta de moradia, entre outros, contribuem para a construção do colapso social urbano. Para dar conta da realidade vivenciada no cenário urbano e social contemporâneo faz-se pertinente uma breve abordagem histórica acerca da ocupação do interior do Brasil e, mais especificamente, do Nordeste. Segundo Couto Filho (2000), a colonização do território brasileiro teve duas vertentes (cultural e econômica): a cultura da cana-de-açúcar, nas áreas litorâneas, e a criação de gado, no interior, que servia ao mesmo tempo de transporte para mercadorias e mantimentos para as áreas de plantio de cana-de-açúcar inicialmente e depois, de algodão. Assim, abriram-se novos caminhos rumo ao interior do Nordeste e alcançavam-se outras regiões que passaram a ser, também, povoadas. Dessa forma, a comercialização do gado e as técnicas de beneficiamento do couro tiveram grande influência na economia cearense, uma vez que o Ceará situava-se como entreposto entre as capitanias produtoras de açúcar e era caminho para a passagem desse gado em direção às outras áreas do Nordeste que tinham maior “vocação” para o plantio de cana-de-açúcar.
Além de sua importância econômica, o couro faz parte de uma tradição cultural familiar, como pode ser observado na fala de Porto Alegre (1994, p. 64): “a figura paterna é frequentemente citada, com respeito e admiração, pelos integrantes de sua família, onde a pessoa do pai e do mestre se confunde. A hierarquia aparece como natural e desejada”. As questões até então abordadas servem de parâmetro para pensarmos nas técnicas de beneficiamento do couro atuais como uma herança tradicional que faz parte da nossa história e que hoje pode ser rememorada através do trabalho de um artesão conhecido como Espedito Seleiro. Este é um dos poucos artesãos do nordeste que trabalha diretamente como corte do couro, formando desenhos exclusivos, com sobreposições e cores diversas. Seu trabalho é contemporâneo e original, destacando-se por suas composições nesta superfície animal – “couro”. Então, Podemos considerar que ele trabalha diretamente com a técnica do Design de Superfície ou Surface Design? Antes de o termo ser introduzido no Brasil, na década de 1980, já era bem conhecido nos Estados Unidos, como é designado por Rubim (2010, p. 21) em sua fala: “O termo é amplamente utilizado nos Estados Unidos para definir todo projeto elaborado por um designer no que diz respeito ao tratamento e cor utilizada em uma superfície, industrial, ou não”. Torna-se relevante para o desenvolvimento da pesquisa partir-se do entendimento sobre o design de superfície apontado por Rüthschilling (2008 p. 23): Design de Superfície é uma atividade criativa e técnica que se ocupa com a criação e desenvolvimento de qualidades estéticas, funcionais e estruturais, projetadas especificamente para constituição e / ou tratamentos de superfícies, adequadas ao contexto sociocultural e às diferentes necessidades e processos produtivos.
Neste artigo, pretende-se aprofundar o olhar sobre a técnica de Espedito Seleiro e sua metodologia de trabalho a fim de compreender como é possível aliar tradição e modernidade no tocante ao Design de Superfície.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A presente pesquisa é de natureza aplicada. Parte da abordagem qualitativa utiliza, como procedimento técnico, a pesquisa bibliográfica cotejando com a pesquisa de campo. Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudanças de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. (RICHARDSON, 2007, p. 80). Nesse sentido, foram analisadas a forma e as estruturas trabalhadas pelo referido artesão no couro. Para tanto, partiu-se das seguintes indagações: Como foram feitos os desenhos? Seguem alguma sequência e/ou repetição? Seguem sempre a mesma ordem dependendo do modelo e/ou tema? Que materiais foram utilizados no processo de trabalho? Existe uma harmonia visual no conjunto? Será que podemos observar a existência dos módulos nos seus produtos? Esses e outros questionamentos nortearam a pesquisa, e, a partir disso, passou-se à coleta dos dados referentes ao processo de trabalho do artesão do couro Espedito Seleiro.
Foram levantados e analisados registros documentais e fotográficos para que, a partir da relação entre teoria e prática, pudéssemos responder à pergunta sobre a possível relação deste tipo de trabalho artesanal com o Design de Superfície. Para Richardson (2007), a observação, quando adequadamente conduzida, pode revelar inesperados e surpreendentes resultados que, possivelmente, não seriam examinados em estudos que utilizassem técnicas diretivas. Estes enfoques merecem um lugar neste volume por três razões. A primeira, é que a imagem, com ou sem acompanhamento de som, oferece um registro restrito mas poderoso das ações temporais e dos acontecimento reais – concretos, materiais. Isto é verdade tanto sendo fotografia produzida quimicamente ou eletronicamente, uma fotografia única, ou imagens em movimento. A segunda razão é que embora a pesquisa social esteja tipicamente a serviço de complexas questões teóricas e abstratas, ela pode empregar, como dados primários, informação visual que não necessita ser nem em forma de palavras escritas, nem em forma de números (...) (BAUER e GASKELl, 2008, p. 137). Portanto, no caminho metodológico procurou-se observar a realidade não como forma absoluta e objetiva que requer normas e métodos específicos de análise, mas como teias de relações estruturadas às quais os agentes sociais atribuem significados (Burdieu, 1989). Percebendo a produção artesanal, não só como uma atividade comum dos artesãos, mas, também, como uma forma definida de Design de Superfície.

3. DA TEORIA À PRÁTICA DE ESPEDITO SELEIRO

Durante a pesquisa sobre as técnicas e metodologia utilizadas pelo artesão Espedito Seleiro, foram observados alguns elementos figurativos que norteiam seu trabalho e relatam seu contexto sociocultural.

3.1 A origem do trabalho de Espedito Seleiro.

Como o estudo parte da relação entre o trabalho de Espedito Seleiro e seus elementos figurativos para o Design de Superfície, torna-se pertinente uma breve biografia desse mestre-artesão cearense. O mestre Espedito Seleiro é um homem de 73 anos, simples, de origem humilde, que estudou somente até a quarta série do Ensino Fundamental e aprendeu com o pai a profissão de seleiro. Seu nome de batismo é Espedito Veloso de Carvalho, porém, ficou conhecido como Seleiro por fazer selas para os vaqueiros, como seu pai, Raimundo Seleiro; seu avô, Gonçalo Seleiro; e seu bisavô, Antônio Seleiro. Logo, pode-se perceber que o adjetivo seleiro (devido ao ofício) foi adotado quase como sobrenome ao longo das gerações desses artesãos. A respeito deste aspecto, Porto Alegre observa: [...] Quando o artesanato é reproduzido dentro de uma tradição familiar, é muito comum a constante das formas e produtos não se preocupando em aprender outros padrões, estilos e modelos. Tudo o que sabem, vêm de sua própria experiência familiar e vicinal. Mesmo ultrapassando as fronteiras sociais, familiares e sofrendo outras influências, não esquecem o que aprenderam com o pai. (PORTO ALEGRE, 1994, p. 65-66) Na fala da autora citada acima, nota-se que, apesar do aprendizado ser transmitido de geração em geração, as formas de fazer dos artesãos não permanecem estáticas ao longo dos anos, mas recebem as influências de seu próprio tempo, como nota-se adiante com a descrição do trabalho de Espedito Seleiro.
Com a morte do pai, em 1971, Espedito Seleiro, ainda jovem e filho mais velho, precisou assumir a família. Montou uma pequena oficina de artefatos em couro na cidade de Nova Olinda, sertão do Cariri, localizada a 500 quilômetros de Fortaleza, e convocou todos os irmãos para trabalharem com ele. Ao todo, eram cinco irmãos e quatro irmãs. Mais tarde, teve seis filhos e todos aprenderam a trabalhar com o couro. Toda a família ajudava na confecção de produtos como: sela, gibão, alforje, chapéu, perneira, bornal e arreios que eram voltados para as necessidades de seus principais clientes - vaqueiros, tropeiros e cangaceiros. Mas, pelas dificuldades encontradas no sertão, como as secas, por exemplo, muitos vaqueiros migraram para as cidades e, dessa forma, houve uma diminuição considerável na procura pelos bens produzidos pelos seleiros. Estes não eram mais solicitados para confecção da indumentária de vaqueiros ou cangaceiros.
Porém, ao contrário de seus colegas de ofício que buscaram outros modos de sobrevivência e largaram a profissão de seleiro, Espedito resolveu investir na criação e no desenvolvimento de outro tipo de produto, mas com a mesma matéria-prima, o couro. O insight de Espedito veio quando um cliente pediu para que ele fizesse uma sandália como as que os cangaceiros usavam. Então, o artesão lembrou que seu pai guardava uma caixinha que continha alguns moldes de sandália e algumas ferramentas. Coincidentemente ou não, esses moldes foram os que seu pai utilizou para fazer as sandálias do conhecido Cangaceiro Lampião5. Em uma de suas entrevistas para um jornal local, Espedito Seleiro conta um pouco dessa história: Um dia chegou à oficina do meu pai um cabra de Lampião, o rei do Cangaço, com uma sandália. Todo mundo sabia pra quem era a sandália e meu pai fez ligeiro. O molde ficou comigo e quando recebi um pedido de um amigo pra fazer igual, todo mundo gostou. (Espedito Seleiro. Entrevistado em 17/11/2010 pelo jornal Jangadeiro, Nova Olinda – Ce.)
5 Seu pai além de seleiro e vaqueiro produzia exclusivamente para Lampião a sandália de solado retangular, que foi pensada para confundir os rastros de Lampião e seu bando, assim, ninguém sabia para que lados se deslocavam. Lampião desenhava os motivos e os modelos que desejava e o pai de Espedito encarregava-se da confecção dos mesmos.

Como a sandália que reproduziu foi bem aceita pelos clientes da região, Espedito resolveu enveredar por este ramo, como bottes ugg uma saída para crise financeira. Nesse momento, Espedito Seleiro deparou-se com uma situação que é mencionada por Baxter (2000), quando afirma que na atividade de desenvolvimento de novos produtos, a incerteza é alta na fase inicial e não se tem uma ideia clara do que resultará, como vai ser feito, fifa 15 coins quanto custará e qual será o grau de aceitação dos consumidores. Espedito criou a sandália “Maria Bonita” a partir do momento de crise e ela é hoje uma das maiores referências do trabalho. Esta sandália se tornou bastante difundida no mundo da moda, tornando-se até temática de uma coleção da marca Cavalera em 2005. Atualmente, Espedito Seleiro é figura chave quando se trata de figurinos para a TV e o cinema relacionados ao sertão. Ele foi o responsável pela confecção da vestimenta para Marcos Palmeira usar no filme “O Homem que desafiou o diabo” em 2007. Teve suas peças expostas durante a semana de moda nacional, no 19º São Paulo Fashion Week, em julho de 2005, quando inspirou e produziu acessórios para a marca Cavalera, sendo o convidado de honra no desfile. Observar o trabalho do artesão Espedito Seleiro também significa apoiar e preservar a memória cultural do povo cearense, além de transmitir às gerações futuras um pouco sobre o saber e a arte de um dos seus patrimônios imateriais. De acordo com a SECULT (Secretaria da Cultura do Ceará), foi publicado no Diário Oficial do Estado do Ceará, nº 227, a Lei dos Tesouros Vivos da Cultura (Nº 13.842, em 30 de novembro de 2006), com o objetivo de garantir o registro dos mestres da Cultura Tradicional Popular. Espedito Seleiro foi diplomado “Tesouro Vivo” em 2008 e seu nome inscrito no registro dos mestres da Cultura Tradicional Popular. No livro Mestres – artesãos (2000, p. 07), encontramos uma frase bem clara, que apoia o artesanato como “uma atividade econômica de grande potencial, além de instrumento inestimável no processo de fortalecimento ou recuperação de identidades culturais regionais”.
De acordo com o registro no portal da Secretaria de Cultura e Turismo de Nova Olinda, Ceará, no dia do município, em 14 de abril de 2009, Espedito Seleiro foi homenageado como Mestre da Cultura pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. O artesão desfilou em carro alegórico especialmente enfeitado com peças de couro produzidas por sua própria oficina. Durante o passeio pelas principais ruas da cidade, o artesão recebeu o carinho do público e foi aplaudido por mais de três mil estudantes das escolas públicas e particulares. Esse reconhecimento, em vida, retrata o que Alencar e Fleith (2003) citam sobre esse aspecto (ALENCAR;FLEITH, 2003 apud STEIN, 1974, p. 12): Estimular a criatividade envolve não apenas estimular o indivíduo, mas também afetar seu ambiente social e as pessoas que nele vivem. Se aqueles que circundam o indivíduo não valorizam a criatividade, não oferecem o ambiente de apoio necessário, não aceitam o trabalho criativo quando este é apresentado, então é possível que os esforços criativos do indivíduo encontrem obstáculos sérios, senão intransponíveis. Ao criar uma nova linha de produtos a partir dos conhecimentos adquiridos pelo aprendizado com os antepassados, Espedito não tinha ideia da repercussão que isso teria no mercado da moda.

3.2 Elementos Figurativos encontrados nos produtos de Espedito Seleiro

Sua metodologia de trabalho e o estilo de seus desenhos são bastante sugestivos, o que gera muitas possibilidades de inovação para o design de moda de maneira geral. Pela observação de seu trabalho, pode-se afirmar que o diferencial do trabalho realizado por Espedito Seleiro está no fato de ele associar seu talento à criatividade, habilidade, bom gosto e qualidade estética, inserindo elementos das indumentárias dos vaqueiros nas criações das peças e não os extinguindo. Esses elementos que o artesão utiliza em suas criações são frutos culturais, produto de sua história e vivência no sertão. Salles (1998) afirma que o crescimento e as transformações que vão dando materialidade ao artefato que passa a existir não ocorrem em segundos mágicos, mas ao longo de um percurso de maturação. O tempo do trabalho é o grande sintetizador do processo criador. A concretização do trabalho se dá exatamente ao longo desse processo permanente de maturação. Sobre isso, Canclini (1983, p. 65) considera que “as peças de artesanato podem colaborar para a revitalização do consumo, por introduzirem na produção industrial e urbana, a um custo relativamente baixo, o diferencial simbólico e desenhos originais”, por remeterem a modos de vida mais simples, evocando certa natureza nostálgica nativa e indígena, que não pertencem ao cenário urbano e cosmopolita. Pode-se considerar esse contexto apresentado por Canclini como uma das causas do sucesso do trabalho de Espedito Seleiro na atualidade. Espedito Seleiro é um homem simples, interiorano e sem muitos estudos, porém, fez intuitivamente o que está na cartilha de muitos intelectuais das áreas de artes e do design. Atualmente, os produtos que existem na loja de Seleiro são bem diferentes daqueles que existiam na época de seu avô. Em lugar de bainhas de faca, selas para montaria, alforjes, chapéus, há outra linha de produtos bem diversificada, e lá hoje pode-se encontrar bolsas, carteiras, cintos, sapatilhas, pastas, chapéus, porta CD´S, selas e acessórios em geral. Com a metodologia ancestral, Espedito consegue trabalhar em suas peças rústicas em couro legítimo um design inovador, com cores fortes e, ao mesmo tempo, com formas harmoniosas.
Com a figura 01, encontramos elementos visuais táteis. Rüthschilling (2008, p. 61) explica que a sintaxe visual dos elementos que compõem o Design de Superfície podem se manifestar de diferentes maneiras. Na figura acima, faz-se presente a função de elemento visual “Figuras ou motivos”, que Rüthschilling (2008, p. 61-62) define como “formas ou conjunto de formas não interrompidas”, invocando tensão e alternância visual entre figura e fundo. Também podemos encontrar “Ritmo”, que tem mais força visual que os demais, conseguida pela cor, posição e configuração do espaço. Rubim (2010, p. 34) ressalta que “Design de Superfície é sempre um projeto para uma superfície, seja ela de que natureza for”.
Ao observar o processo criativo de Espedito Seleiro e a metodologia adotada pelo artesão em seu trabalho, pode-se encontrar uma riqueza muito grande de elementos de repetição de traços e figuras, gerando um ritmo visual único. Em “declaração para a revista “Entrevista” - nº 26, dos alunos de jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)”, em 05 de junho de 2011, Espedito relata que acorda às quatro horas da manhã para fazer as criações dos motivos para uma peça. Diz, ainda, que o desenho que faz é muito ruim e que só ele entende, então prefere fazer o molde sozinho, cortando direto no couro.
No trabalho de Espedito Seleiro, pode-se observar muitas interferências nas peças que enriquecem o trabalho, tais como: texturas com sobreposições, cores e contrastes, além de elementos por vezes repetitivos em sentidos diferentes ou formando figuras distintas. Tudo isso demanda, além da destreza e perícia do artesão, um custo elevado no que diz respeito ao tempo e ao desgaste físico e psíquico investido na elaboração de cada detalhe de cada peça. É muito interessante observar que ele utiliza elementos naturais à sua volta como fontes de inspiração, como tema para o desenvolvimento de suas peças. Tanto os motivos, como as cores, harmonizam-se perfeitamente com a paisagem do sertão. Assim, ele consegue fazer a união da tradição com a contemporaneidade.
Atualmente, muitos turistas nacionais e internacionais que visitam o Cariri levam suas peças, outros as colocam em suas lojas para revenda. Dessa forma, pode-se encontrá-las em Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e até na Espanha. Existe um livro de visitas para as pessoas que passam pela sua loja em Nova Olinda, que contém assinaturas de pessoas procedentes de vários lugares do mundo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este artigo, pudemos constatar a riqueza de possibilidades que podem ser desenvolvidas especificamente no design de superfície, a partir da união do design com metodologias mais tradicionais de criação e desenvolvimento de produtos. Nesse sentido, podemos dizer que, mesmo na sociedade contemporânea, em que a tecnologia industrial ou virtual se sobressai às práticas manuais, é possível se atrelar o fazer artesanal ao design, uma vez que possui características que atendem aos interesses da sociedade de consumo e agrega o valor estético e simbólico aos bens produzidos. Assim, tanto o designer como o artesão podem trabalhar um produto ou objeto de forma singular, utilizando, ao mesmo tempo, o repertório de suas vivências e experiências com os recursos tecnológicos disponíveis.
Como explica Mirian Levinbook (2008, p. 371), na obra Design de Moda, Olhares Diversos, “O design de Superfície no Brasil é uma área em construção, ainda pouco explorada como campo de conhecimento e de produção científica no que se refere à história e aos desenvolvimentos técnicos”. Dessa forma, esta é uma área em expansão e o Brasil possui um campo propício para a criação de novas metodologias em design de superfície, principalmente pela variedade de técnicas artesanais que são desenvolvidas em todas as regiões do país e que servem de referência estética e também técnica. Rubim (2010, p. 35) ressalta, ainda, que o “design de Superfície pode ser representado pelas mais diversas formas, desde que aceitemos que qualquer superfície pode receber um projeto”. O design em geral (e o de superfície em particular) pode ser um forte aliado em trabalhos comunitários, beneficiando grupos inteiros, se bem orientados. Também é valioso que profissionais competentes se ocupem de repartir conhecimentos com as mais diversas áreas interessadas, tais como: estudantes, criadores em indústrias, professores dos níveis fundamental e médio, multiplicadores de conhecimento em geral. (RUBIM, 2010, p. 61). Em relação ao trabalho de Espedito Seleiro, pode-se perceber a presença de diversos fatores que, entrelaçados, se mostram como forças motrizes do novo olhar dado ao trabalho do artesão, como, por exemplo, as tecnologias que podem vir a auxiliá-lo em uma continuidade aprimorada. Não obstante, a observação e o estudo de trabalhos desenvolvidos por artesãos como Espedito Seleiro são, também, um meio de se promover no design uma continuidade aprimorada com a inserção de um valor simbólico ou cultural aos bens produzidos.

5. REFERÊNCIAS

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BAUER, Martin W. e GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
BAXTER, Mike R. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. 2ª Ed. São Paulo: Blucher, 2000.
BURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Difel, 1989.
CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
COUTO FILHO, Cândido. Ceará: a civilização do couro. Fortaleza: Edição do autor, 2000.
ESTRADA, Maria Helena. Sete anos de transformações: design, artesanato, indústria e mercado. Revista Arc Design, n.38. São Paulo: Quadrifólio Editora, 2004.
Lipovetsky, Gilles, O império do efêmero: A Moda e o seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.
PIRES, Dorotéia Baduy. Org. Design de moda: Olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e cores Editora, 2008.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2007.
RUBIM, Renata. Desenhando a superfície. 2ª edição. São Paulo: Editora Rosari, 2010.
RÜTHSCHILING, Evelise Anicet. Design de Superfície. Porto alegre: Editora da UFRGS, 2008.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: FAPESP: Annablume, 1998.
SESC – SP, Mestres – artesãos. São Paulo: Sesc, 2000
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.
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WEBGRAFIA

Disponível: http://www.secult.ce.gov.br/patrimônio-cultural2008 acesso em 04/09/2011
Disponível: http://dc273.4shared.com/doc/yembYGPb/preview.html acesso em 04/09/2011
Disponível: http://pmnosecult.blogspot.com/de pai pra filho, acesso em 25/08/2011
Disponível: http://search.4shared.com/q/1/revista%20entrevista%20com%20espedito%20seleiro?view=searchMainField, acesso em 04/09/2011
Disponível: http://www.euamoisso.com.br/blog/2011/07/23/espedito-seleiro-artefatos-em-couro-de-nova-olinda-para-o-mundo/, acesso em 29/03/2011

DOCUMENTOS

Diário Oficial do Estado do Ceará - Editoração SEAD Ceará. - nº 227 (Lei dos Tesouros Vivos da Cultura). Série 2 Ano IX, caderno 1/2, capítulos de I a III em Fortaleza, 30 de novembro de 2006.

Jornal Jangadeiro, Matéria em áudio e vídeo com Espedito Seleiro, Nova Olinda – Ce. em 17/11/2010
Revista Entrevista. Entrevista com Espedito Seleiro, em 5 de junho de 2011, nº 26, p.p. 109 a 129. A revista é um projeto desenvolvido pelo Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC)

NOTAS:

1 Pós-Graduanda em Têxtil e Moda pela (USP), especialização em Arte e Educação pelo (CEFET), Bacharel em Estilismo e Moda (UFC). Tem experiência na área de Design de Moda, atuando principalmente em temas como: Desenhos (Moda, Técnico e Informatizado), Desenvolvimento de Produto e Design Têxtil. E-mail: valeskazuim.usp@gmail.com

2 Pós-Graduanda em Têxtil e Moda pela (USP), especialização em Publicidade e Propaganda na (UNIFOR). Bacharel em Estilismo e Moda pela (UFC). Tem experiência na área de Criação e Artes, com ênfase em Estilismo e Moda, atuando principalmente nos seguintes temas: criação, design, produção, arte, eventos e teatro. E-mail: claudiafarias@usp.br

 3 Graduação em Artes e em Publicidade / Propaganda pela PUC de Campinas, Mestrado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP e Doutorado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente é Professora efetiva da USP, na (EACH-USP) no Curso de Têxtil e Moda. E-mail: silviaheld.usp@gmail.com

 4 Professor com licenciatura plena em artes (registro MEC-LP 9611240) e habilitado artista plástico pelo IA-UNESP. Mestre em artes visuais - IA/UNESP. Doutor na área de design pela FAU/USP. Atualmente é professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH/USP) Têxtil e Moda. E-mail: kanamaru@usp.br


Fonte: Iara – Revista de Moda, Cultura e Arte - São Paulo – V. 6 | Número 1 / 2013 – Artigo 27