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Figura 1 e 2: Artesanato de Capim Dourado e ramos de capim dourado. Fonte: Foto da autora



ARTIGO

DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL

Publicado por A CASA em 13 de Agosto de 2013
Por Lília Diniz

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Resumo:

Este artigo tem como objetivo discutir a importância do papel social do designer no mundo contemporâneo mostrando a necessidade de cada vez mais o design se envolver em projetos de abordagem social que contribuam para modificar práticas culturais, sociais e econômicas de pequenas comunidade artesãs gerando inclusão social e se aproximando do modelo humanístico projetual proposto por Bonsiepe. Traz um estudo de caso realizado na comunidade Mumbuca localizada na região do Jalapão e que produz o artesanato de capim dourado e tem recebido interações sistemáticas de designers, apresentando resultados preliminares desta pesquisa que está em andamento para a conclusão da dissertação de Mestrado em Design

Palavras chave: design, artesanato, design social e inclusão social.


Abstract:

This article aims to discuss the importance of the social role of the designer in the contemporary world showing the need to increasingly engage in design projects that contribute to social approach to modify cultural, social and economic practices of small artisan communities creating social inclusion and approaching the humanistic projectual model proposed by Bonsiepe. Also bring a case study conducted in the community Mumbuca located in the region of Jalapão and that produces the golden grass handicrafts and has received systematic designers interactions, presenting preliminary results of this research is underway to complete the dissertation for Master of Design

Keywords: design, crafts, social design and social inclusion.


1.    Apresentação

Este artigo é fruto das pesquisas em andamento para a conclusão da dissertação do mestrado em design que estuda as relações entre design e artesanato.
A questão social que sempre esteve presente desde o início da formação do design reaparece hoje dentro de outro contexto político e econômico, que visa descobrir o papel do artesão na produção em massa e a concepção de objetos realizada com o viés amplo do pensamento social.
Dentro desse amplo pensamento social direcionaremos nossos esforços para a prática artesanal especificamente da comunidade artesã da Mumbuca localizada no Parque Estadual do Jalapão no estado do Tocantins, Brasil.

2.    Introdução

Nos últimos anos vêm se propagando no Brasil iniciativas promovidas por instituições públicas e privadas, para a inclusão social das pessoas por meio da potencialização das suas vocações produtivas, iniciativas que pensam a profissão do designer sob o ponto de vista social. Sob esse ponto de vista diversas ações de interação entre design e o artesanato tem se desenvolvido no Brasil.
Entretanto, antes de iniciar essa discussão sobre a aproximação entre artesanato e design no Brasil é necessário definir o que se entende por artesanato. Várias discussões sobre essa definição podem ser encontradas em muitos livros e artigos, esse artigo irá adotar o significado da palavra artesanato adotado pela Unesco em 1997:

Produtos artesanais são aqueles confeccionados por artesãos, seja totalmente a mão, com uso de ferramentas ou até mesmo por meios mecânicos, desde que a contribuição direta manual do artesão permaneça como o componente mais substancial do produto acabado. Essas peças são produzidas sem restrição em termos de quantidade e com uso de matérias-primas de recursos sustentáveis. A natureza especial dos produtos artesanais deriva de suas características distintas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, de caráter cultural e simbólicas e significativas do ponto de vista social.

Com a definição do conceito de artesanato resolvida podemos começar a rever como essas aproximações iniciaram e tem se desenvolvido até nos dias de hoje

3.    Relações Históricas

As discussões sobre as relações entre design e artesanato sempre estiveram presentes desde a formação de um pensamento em design, sendo discutidas e postas em questões sob os mais diversos pontos de vista, inclusive o social.
O design como conceito e prática está implicado historicamente em qualquer fazer artesanal. Quando o design se estabeleceu como disciplina, ele surgiu vinculado aos processos produtivos tradicionais (artesanato) e também aos processos produtivos emergentes (indústria).
Mas, segundo Bonsiepe e Fernandez (2008), devido à carência de análise teórica da prática do design, ele foi posto numa posição oposta ao artesanato, o que derivou em uma distinção prática entre produção em série e produção manual.  Essa distinção criada fez do artesão uma mão-de-obra obsoleta, uma vez que perdeu o prestígio de sua função. “Em vez de contratar muitos artesãos habilitados, bastava um bom designer para gerar o projeto, um bom gerente para supervisionar a produção e um grande número de operários sem qualificação nenhuma para executar as etapas [...]” (Denis, 2000)
Na tentativa de lidar com essas contradições da Revolução Industrial vários movimentos foram criados.William Morris e John Ruskin fundaram um dos mais notáveis, o grupo Arts and Crafts[1] na segunda metade do século XIX,na Inglaterra, tentando valorizar o trabalho artesanal e se opondo à mecanização.
O Movimento Arts and Crafts foi o disparador do pensamento social para o design. Essa tendência artística da segunda metade do século XIX lutou para revitalizar o artesanato e as artes aplicadas durante uma época de crescente produção em série e também defendia o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa.

Morris também propunha a idéia da união entre o artesão e o designer. Para ele, os artistas deveriam ser transformados em artesãos-designers, para tanto o designer aprenderia com os técnicos e artesãos e estes aprenderiam com os designers [...].Aprimorando assim a qualidade do produto final e solidificando um pensamento de design social, onde o artista manual não perderia seu espaço no mundo industrial. (Pevsner,2002)

De ideologia parecida já no início do século XX  surge a campanha intitulada de Deutscher Werkbund, liderada por Hermann Muthesius. A preocupação, na época, era a padronização das partes construtivas dos objetos industrializados e de pensar formas de inserção de artistas nas indústrias.

A aspiração desse movimento era reunir os melhores representantes da arte, da indústria e do artesanato e do comércio, de conjugar todos os esforços para a produção de trabalho industrial de alta qualidade e de constituir uma plataforma de união para todos aqueles que quisessem e fossem capazes de trabalhar para conseguir uma qualidade superior(Pevsner,2002).

Seguindo objetivos parecidos , a Bauhaus, fundada em 1919 na Alemanha, primeiramente sob a direção de Walter Groupius que tinha como idéia fundamental, a utilização do artesanato como uma metodologia didática, com o objetivo de preparar os projetistas modernos para produzirem produtos industriais com uma orientação formal e não apenas focados no uso.
Groupius juntamente a Bauhaus pregava uma relação de mão dupla entre o artesanato e a indústria, e não como dois pólos opostos.( Carmel-Arthur,2001)
Numa linha de pensamento mais social e radical, Victor Papanek em 1971 lança o livro Design For The Real World (1971), que veio a ser um dos marcos importantes na história dessa relação entre design e artesanato; nesse livro Papanek propôs que os designers voltassem a sua atenção prioritariamente para a solução de problemas sociais em favor de uma abordagem mais solidária, encorajados a abandonar a política de design pelo lucro.
''Essa abordagem social proposta por Papanek é ainda utilizada como referência para o desenvolvimento de projetos de design social e que aproximam a atividade industrial à atividade artesanal''.(Whiteley,1998)
Radicais ou sociais essas discussões e uma própria mudança de pensamento no design foram abrindo alguns caminhos possíveis para a sua relação com o artesanato. Como o pensamento predominante nos anos 80 e 90 caracterizado pela compra de produtos e serviços socialmente responsáveis e éticos foi facilitado pela disseminação de pesquisa no campo da sustentabilidade(Santos,2005); esse  conceito de sustentabilidade, sempre fez parte do trabalho do artesão: as matérias-primas regionais; o modo de fazer tradicional, passado de geração a geração; o respeito ao meio ambiente.(Cavalcanti e Nascimento, 2009)
E nos anos 2000, temos disseminado o conceito de acessibilidade e inclusão e a produção artesanal ressurge como uma importante função laboral e ocupacional, permitindo que excluídos do mercado de trabalho formal criem novas ocupações para a geração de renda.
Precisamos entender mais esse processo em que novos usos vêm sendo atribuídos à cultura e o que isso pode acrescentar às políticas de promoção do artesanato como vetor de desenvolvimento local.(Sampaio,2005)
Nesse campo temos a construção do Design Social que conforme Margolyn(2004) aponta é voltado para as necessidades sociais e é regido pela lógica do usuário ao invés da lógica da produção.
Margolyn(2004) concorda com Bonsiepe(2005) quando também aponta em seu artigo(Design e Democracia) que o paradigma de design dominante sempre foi o de desenhar para o mercado e que alternativas devem ser criadas para um design que não vise exclusivamente o mercado.
Desse modo, a relação entre o design e o artesanato ganhou espaço como campo de atuação e revelou que apesar das diferenças entre o design e o artesanato, a existência do design vinculado à produção industrial não precisa significar o fim da prática artesanal

4.    Relações Contemporâneas

O artesanato, [assim como o design], é patrimônio inestimável que nenhum povo pode se dar ao luxo de perder. Mas esse patrimônio não deve ser congelado no tempo. Congelado ele morre. E é na transformação respeitosa que entra o papel dos designers.(Borges, 2002, p. 68).

Nos últimos anos vêm se propagando no Brasil iniciativas promovidas por instituições públicas e privadas, para a inclusão social das pessoas por meio da potencialização das suas vocações produtivas, esta pesquisa constatou a existência de uma crescente participação do design junto ao segmento do artesanato. Especialmente no ano de 2003 onde foram criados no Brasil 120 núcleos de design, dos quais vinte por cento tinham uma atuação voltada para o artesanato. (Sebrae,2010)
E além da criação desses núcleos de design, políticas de incentivo e fomento ao artesanato têm sido priorizadas por instituições públicas e privadas e também a criação de várias ong´s,empresas e movimentos para resgatar o artesanato  tem aproximado cada vez mais o design do artesanato.
Esta parceria busca através da comercialização dos produtos artesanais, uma maior inserção no mercado globalizado, desenvolvimento sócio-econômico dos artesãos e a conseqüente manutenção e auto-suficiência da atividade artesanal.
Com o crescimento dessas parcerias alguns designers já se autodenominam “designer de artesanato” e o fruto de sua intervenção como “artesanato de referência cultural” (segundo o Termo de Referência do Sebrae(2004).
Diversos autores defendem a interação entre design e artesanato como Cipiunik(2006) que considera possível o diálogo entre o desenho industrial e o artesanato, até porque a maior parte da produção nacional não é proveniente da indústria de alta tecnologia; trabalhando na produção artesanal, 8,5 milhões de pessoas.
Segundo dados do ministério da indústria e comércio, o artesanato é responsável por 2,8% do PIB – Produto Interno Bruto Brasileiro. A indústria do vestuário representa 2,7%, a indústria da bebida representa 1% e a indústria automobilística representa 5,4% do mesmo PIB. Apesar desta significativa importância econômica, o artesanato e principalmente os artesãos que produzem esta riqueza estão jogados na informalidade na quase totalidade do país.
Assim como Aloísio Magalhães (1997) que empenhou-se pela inserção do artesanato em uma categoria que se equivalesse à arte e ao design e ainda afirmou que o artesão brasileiro é basicamente um designer em potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico
Para João Branco (2002), esta aproximação entre o artesanato e o design, independentemente da fórmula exata, parece poder constituir um pólo inesgotável para parcerias, para atuações interativas, que os mercados sublimam com agrado.
Essa relação, no entanto também é posta em questão, pois se de um lado existem políticas de fomento que estimulam a atuação do designer sobre o artesanato, de outro existem críticas a essas atuações, anunciando seu caráter de dominação, que ocorre no processo de imposição do saber do designer sobre o saber dos detentores do artesanato tradicional.
Conforme diz Branco (2002): A interação entre design e artesanato renovará as ofertas dos produtos, deixando-os mais diferenciados e atrativos para os consumidores.
Barros (1971) também concorda com esse tipo de interação, no sentido de trabalhar o design para valorizar ainda mais o produto artesanal e diz que a valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser ao mesmo tempo uma fórmula contra o risco de extinção da atividade e uma forma de satisfação ao desejo gerado na sociedade pós-industrial.
É importante ressaltar que todas essas atitudes, relações, interações e projetos ,essa transformação tem que ser respeitosa e principalmente caracterizada pela ética do “interferir sem ferir”, que respeita e valoriza as tradições e cultura locais; não impõe formas, mas dialoga sobre caminhos e trocas possíveis em que artesãos e designers se beneficiam.
Seja como for, o designer deveria atuar considerando principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de produção (Freitas, 2006).
Nesse contexto a mudança na produção de artesanato aconteceria naturalmente pois os saberes do artesão estariam sendo considerados, isto é, reconhecidos em um processo de transformação e preservação.


5.    A comunidade Mumbuca

Hoje o artesanato voltou a ser valorizado. A peça única tornou-se o contraponto natural à uniformização tecnológica em série, à mecanização, à padronização. Por isso, o artesanato é identidade, pois promove o resgate cultural, a valorização do humano e a preservação dos costumes regionais e do folclore em geral (Mayworm, 2009, p. 12).

5.1    Dados Gerais

Dentro dessas ações de design em comunidades temos a comunidade da Mumbuca, que é o estudo de caso dessa pesquisa. Localizada no Parque Estadual do Jalapão no estado do Tocantins.  A escolha dessa comunidade se deu não somente pelo fato de sua historicidade e riqueza cultural, (Mumbuca é uma comunidade de ex-escravos, remanescentes de quilombolas) mas também pelo fato do artesanato com o capim dourado ter nascido nessa comunidade e depois se expandido.
Segundo Trombini(2009),os trabalhos artesanais dividem-se em dois grupos: produtos ligados à cultura de uma comunidade, à tradição e ao “saber fazer”; e os trabalhos manuais, que utilizam matéria-prima industrializada, não resultantes diretamente de heranças culturais.
Pertencendo ao primeiro grupo está a comunidade artesã da Mumbuca que se tornou conhecida pelo artesanato produzido a partir do capim dourado na região do Jalapão e que passou a ser divulgado em todo o Estado, em grandes cidades brasileiras e também no exterior a partir de meados da década de 1990.
O capim dourado cujo nome científico é Syngonanthus Nitens, é uma sempre-viva da Família botânica das Eriocauláceas. Sua característica principal é a cor dourada como a do ouro.
O extrativismo[2] de capim dourado no Tocantins constitui uma alternativa de conservação do Cerrado, aliada à geração de emprego e renda para comunidades rurais e locais.

Adultos e crianças se aventuram sob o sol forte do cerrado recolhendo os ramos dessa matéria prima onde os sertanejos com sua arte transformam em peças artesanais, que vão desde objetos utilitários até acessórios como colares e brincos. Magia de talento e paciência, é esse trabalho que torna mais digna a vida de toda uma comunidade que ao inventar o seu próprio modo de subsistência, inventou também um dos mais belos artesanatos do país.
Para esses moradores, o artesanato com o capim dourado, constitui importante fonte de renda , sendo o principal, e por vezes único, rendimento de muitas famílias, especialmente das mulheres,   conforme dizia Dona Miúda nascida na comunidade da Mumbuca no Jalapão, matriarca e precursora dessa prática que depois se estendeu para fora do Brasil.

Esta comunidade, como tantas outras no Brasil, representa muito da cultura que hoje está sendo recuperada através do artesanato e tem sido tocado pela mão do designer. Tratam-se de ações em que o designer redescobre o antigo fazer artesanal e orienta sem ferir sua expressão original no sentido de torná-lo adequado ao mercado, com destaque na sua importância não só como resgate da cultura, como também um vetor de inclusão e desenvolvimento social. Assunto que nos últimos anos vem sido tratado por diversos autores (Papanek, 1985, Bicknell, 1977, Whiteley,1998, Margolyn, 2002, Bonsiepe, 2005, Santos, 2005, Flusser, 2007, Sena, 1995, Cavalcanti, 1998) que reafirmam a necessidade do designer se preocupar com sua contribuição social.

Abordar problemas sociais em projetos de Design não é um tema novo (...) Mas nos coloca mais uma vez defronte da(...) necessidade de questionamento da ordem vigente(...) e de encararmos(...) o papel do designer como um formador de opinião com um discurso ativo na produção de contribuições significativas à sociedade. (Couto,2006)

5.2    Procedimentos Metodológicos

A proposta desta pesquisa seguiu um caminho inverso, a comunidade estudo de caso desta pesquisa já estava escolhida desde o começo, aliás a pesquisa foi redimensionada porque antes estava muito restrita à comunidade Mumbuca. A opção pelo estudo de caso veio da idéia de poder mostrar através das pesquisas de campo a opinião dos artesãos que muitas vezes não são contempladas.
A opção pela comunidade Mumbuca se deu principalmente pelo fato de ser o berço do artesanato de capim dourado , região onde moro e apesar de todas as intervenções ainda conservar os traços tradicionais de seu artesanato o que não ocorre com frequência nas outras comunidades pertencentes ao Parque.
Assim a pesquisa proposta foi do tipo exploratória e descritiva, baseada em estudo de caso com análise comparativa, utilizando procedimentos qualitativos e quantitativos.
Foram realizadas pesquisas bibliográficas e pesquisas de campo nas quais foram realizadas inserções e observações bem como entrevistas informais, não-estruturadas e semi-estruturadas, filmagens e fotografias que contemplaram a história oral, de vida e de memória dos artesãos da área de estudo. As entrevistas foram feitas de modo a dar liberdade para os entrevistados discorrerem livremente sobre o assunto, porém inclui também algumas perguntas sobre a questão da inserção do design na comunidade e das oficinas realizadas possibilitando um direcionamento para a problemática central do estudo
Também foram realizadas entrevistas e levantamento de dados junto aos órgãos e pessoas responsáveis pelo gerenciamento da produção do capim dourado na região.
A opção da metodologia adotada para este estudo veio pela luz da antropologia. Optar por realizar um estudo de caso com observação do cotidiano dos artesãos possibilitou criar laços e confiança com os mesmos e obter uma compreensão mais profunda de sua realidade o que só foi possível com a vivência e convivência no tempo passado na comunidade atendendo ao tipo de pesquisa qualitativa adotada no estudo.
A seleção dos entrevistados se baseou principalmente no seu papel ativo na comunidade, procurei artesãos bem envolvidos com a causa da comunidade porém em diferentes faixas etárias, possibilitando uma perspectiva diferente sobre o assunto, por exemplo: entrevistei a artesã mais velha da comunidade que é a matriarca e também a artesã de 21 anos responsável pela juventude da comunidade

5.3        Resultados Preliminares

Em viagem de pesquisa de campo à comunidade, e nas pesquisas bibliográficas e entrevistas realizadas com os órgãos responsáveis por esse trabalho de capacitação dos artesãos envolvidos com o capim dourado pude observar alguns aspectos dessa interação do design na comunidade e seus desdobramentos com o tema da dissertação.
Aos olhos dos artesãos é visível as melhorias e o desenvolvimento que as oficinas realizadas trouxeram,porém as principais queixas dos artesãos demonstram a falta de diálogo entre os órgãos responsáveis e os artesãos que reclamaram que não são consultados acerca do tema das oficinas e também da continuidade delas, já que gostariam de aprender mais..
 O Sebrae é o orgão com atuação mais relevante na região e possui um projeto de gestão do artesanato de Capim Dourado que funciona desde o ano de 2001, catalogando as comunidades, formando associações, qualificando os artesãos e o artesanato no intuito de desenvolver e comercializar os produtos frutos dessas ações. Desse trabalho de gestão uma oficina que é muio lembrada pelos artesãos foi a primeira oficina realizada no ano de 2001 com o designer brasileiro Renato Imbroisi
Renato Imbroisi foi pioneiro no trabalho de inserção do design na comunidade da Mumbuca. Também foi o primeiro a realizar oficinas com as artesãs da região do Jalapão, sob a iniciativa de um trabalho realizado pela Secretaria da Cultura de 1997 a 2001. Nessa ocasião, Imbroisi ensinou e disseminou a criação de mandalas ou sousplat, como ficaram conhecidos os círculos de capim dourado. Os primeiros trabalhos realizados pelo designer foram em uma época em que o capim dourado ainda era pouco conhecido e a infraestrutura da região era bem precária, pois não havia nem energia elétrica. Mesmo assim as oficinas tiveram resultados significativos e esse trabalho é sempre lembrado com muito carinho pela comunidade, como se pôde constatar nas entrevistas realizadas na pesquisa de campo.
Em uma entrevista cedida à A CASA (Museu do Objeto Brasileiro) Ana Claudia Matos – artesã de capim dourado, agente cultural e diretora de projetos da Associação de Artesãos e Extrativistas do Povoado de Mumbuca – relembrou da ética do trabalho do Imbroisi na comunidade reforçando o porquê de suas intervenções serem tão bem aceitas pelos artesãos. Ela acredita que

O diferencial do trabalho do Renato Imbroisi é que quando ele chega à comunidade, não fala assim: “Faz esse modelo”. Ele fala: “Vamos criar juntos”. Aí alguém diz: “Ah, Renato, eu pensei em criar um jabuti”. E ele responde: “Então cria o jabuti, se vira com o jabuti”. Ele dá a liberdade para a pessoa desafiar sua própria inteligência (Entrevista cedida à A CASA por Daniel Douek, 2011)

O trabalho de Renato Imbroisi que foi feito de maneira ética e respeitosa demostra um diálogo possível de ser construído com os artesãos e que os fazem perceber a importância de estar em ligação com o mercado atual e da melhoria das técnicas que foram aprendidas de geração em geração.
 Apesar de existir uma diferença muito grande entre o artesanato aprendido nas oficinas e o tradicional, um importante dado no processo de pesquisa foi a alternativa encontrada por eles mesmos para não perder a sua própria identidade que é a coexistência desses dois tipos de produto que são vendidos no espaço da Associação de Artesãos da Mumbuca. Os próprios artesãos relatam que os dois tipos de produtos artesanais atendem desejos diferentes de diferentes tipos de consumidores. Os turistas que viajam mais tempo até chegar na comunidade da Mumbuca que é a mais afastada da região vão para conhecer o berço do artesanato de capim dourado e por isso esperam encontrar peças tradicionais com caráter de objeto de desejo e que corresponde a um nicho de significação muito diferente dos produtos resultantes de oficinas que são comprados para serem utilizados no dia-a-dia.
Outro aspecto muito importante nesse trabalho que está sendo desenvolvido nessas oficinas é a conscientização para a colheita não predatória do material, os objetos passaram a usar quantidades menores de matéra-prima. Além disso a conscientização para a sustentabilidade do capim dourado é reforçada através de técnicas do manejo correto que visa a manutenção da espécie que só é encontrada nessa região.
Outros dados aprendidos nas pesquisas estão sendo analisados e serão incluídos na versão final da dissertação para defesa do título de Mestre em Design.

6.     Considerações Finais

A pesquisa continua em andamento num momento de entrelaçar, todos os dados apreendidos num fluxo de relações entre o design, o artesanato, a sociedade e a cultura material.Porque mais importante do que propor ações é preciso dar continuidade a esses processos que irão ajudar a salvaguardar não só comunidades e seus indivíduos, mas também valores simbólicos intrínsecos no artesanato tradicional e que exprimem a cultura material, memória e identidade de uma sociedade.

Penso que as técnicas manuais são o passado, e agora são o futuro. São artes tradicionais e de infinitas possibilidades para a qual eu oferto a minha visão. Essa fantástica combinação de uma agulha, fios, mãos e mente presente me encanta sobremaneira e meu esforço em renovar a técnica é, além de realização pessoal e crença, uma vontade sincera de que a técnica se mantenha viva carregando consigo a mudança dos tempos. (Rödel, 2010)

Esse tema e sua proposta crítica se encaixam na atual realidade da prática do design que tem destacado a importância desse pensamento do design e da moda para o aspecto social, visto que o papel do design na sociedade mudou como afirma Whiteley (1998), ”o design se transformou em uma atividade de ordem cultural e não mais de ordem utilitária ou comercial”.
Pesquisar formas do design, contribuir para a manutenção e autonomia do artesão e do fazer artesanal é uma forma de caminhar em direção ao humanismo projetual apontado por Bonsiepe (2005).O autor afirma que “o humanismo projetual seria o exercício das faculdades do design para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas viáveis emancipatórias em forma de artefatos instrumentais e artefatos semióticos”.
Conseguimos identificar este conceito de humanismo projetual na produção de artesanato da comunidade da Mumbuca no Jalapão, visto que essa prática artesanal já se tornou muito mais que uma atividade de ordem cultural e sim uma forma de superar a pobreza da região e trilhar um caminho para a auto-suficiência, dignidade e emancipação de seus integrantes.


7.    Referências

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Notas:

 [1]“Em oposição ao crescente prestígio do industrialismo, surgiu o Movimento Artes e Ofícios (Arts and Crafts Movement), liderado pelo escritor e projetista britânico Wiliam Morris (1834-96). Através da Europa e da América do Norte, o movimento Artes e Ofícios no final do século XIX influenciou desde as artes decorativas de papéis de paredes e tecidos até o projeto de livros. O grupo advogava o retorno à tradição artesanal da arte “feita pelo povo e para o povo, como uma felicidade para quem fazia e para quem usava” (STRICKLAND, 1999, p. 90).

[2] atividades de coleta de produtos naturais, sejam estes produtos de origem animal, vegetal ou mineral.