ENTREVISTA
MIRIAM LIMA
Publicado por A CASA em 13 de Agosto de 2013
Por
Ivan Vieira

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"Faltam pessoas capacitadas em vendas para atuar nesse mercado"
Miriam Lima é coordenadora da Rede Asta em São Paulo
Fale um pouco sobre sua trajetória. Você é administradora de empresas (especializada em comércio exterior) de formação e, atualmente, desenvolve projetos sociais com a Rede Asta. Como aconteceu esse processo?
Eu trabalhei durante quinze anos na área comercial (importação e exportação) em empresas. Há mais ou menos cinco anos eu fiquei com vontade de fazer alguma coisa na área social - mas eu não tinha muita noção como que é que seria. E, aí, a ideia foi começar como voluntária, para conhecer o terceiro setor – porque eu sabia que era muito diferente da realidade que eu vivia, da empresa. Assim, eu entrei nessa área sendo voluntária na Associação Comunitária Monte Azul e na Associação Lua Nova. Os dois grupos possuem geração de renda por meio da produção: no caso da Monte Azul, com os jovens e mulheres; e na Lua Nova, com jovens grávidas em situação de vulnerabilidade social. Foi nesses locais que eu percebi o quanto essas ações mudavam e melhoravam a condição de vida dessas pessoas – não só pelo fato de ser uma oficina terapêutica, mas também por gerar renda para eles.
Isso me interessou muito, mas eu percebi que precisava conhecer mais sobre o terceiro setor. Então, eu fui trabalhar numa ONG que chama FICAS, onde era responsável pela articulação. É uma organização que trabalha para fortalecer outras ONGs na área de gestão e na área pedagógica. No FICAS conheci muita gente e aprendi muito sobre o terceiro setor, só que eu sentia muita falta de produto.
Quando chegou em 2010, eu conheci o que é o Comércio Justo, o Fair Trade. Com isso eu tive certeza que eu queria voltar a trabalhar com produto (porque eu realmente sentia muita falta). Então, eu fui para a Espanha e lá eu conheci como é que eles fazem esse trabalho. Conheci a Intermón Oxfam, uma organização internacional que trabalha com o comércio justo.
E, aí, eu tive a certeza que era isso o que eu queria fazer: aliar a minha experiência da área comercial de vendas e exportação, para um produto que fizesse sentido para o momento que eu estava vivenciando. Conheci as duas empreendedoras sociais da Asta (Alice Freitas e Rachel Schettino) e, realmente, me apaixonei pelo projeto, porque ele vinha de encontro com o que eu estava buscando. Em 2011, eu encontrei com uma delas aqui em São Paulo, num seminário sobre negócios sociais. Nesse encontro conversamos sobre a possibilidade de expansão da Asta em São Paulo e eu disse: “Para começar, vou eu vender ”. Todas as pessoas começaram a gostar muito e eu acabei me tornando uma conselheira – que são as nossas revendedoras. Eu comecei a vender muito, assim me tornei em quatro meses a segunda melhor conselheira do Brasil. Peguei toda a minha rede – que já não era pequena – e todo mundo adorou. Foi um sucesso.
Em janeiro, conseguimos viabilizar a vinda para São Paulo. Em março eu entrei na Asta e em abril de 2012 eu inaugurei o showroom.
O que é e como surgiu a Rede Asta? Como funciona a metodologia utilizada pelo projeto?
A Rede Asta começou, inicialmente, em 2003, com duas empreendedoras – Alice Freitas e Rachel Schettino – no Rio de Janeiro que formaram o Instituto Realice, um projeto de capacitação de grupos produtivos de artesãos. Assim, o instituto começou a fazer a capacitação e a treinar os grupos em gestão, precificação e em design. Elas perceberam que era importante ter um diferencial: era preciso ter um produto artesanal com design. Não com a imposição de como deveriam ser os produtos, mas deixando que o talento e a criatividade viessem deles.
Logo no começo elas perceberam a necessidade de comercializar. Então, o primeiro canal de venda que elas criaram foi o dos brindes corporativos – até porque as duas vieram do segundo setor. Três anos depois elas estruturaram a rede e tiveram a ideia de vender produtos sustentáveis pela venda direta com Conselheiras (revendedoras), por meio de catálogos. Assim, criaram a primeira rede de venda direta de produtos sustentáveis.
Elas foram pioneiras, aprenderam absolutamente com os erros. E assim a rede foi crescendo, com novas conselheiras-revendedoras que começaram a entrar, criando capilaridade.
Como surgiu a ideia da venda porta a porta (ou venda direta) por meio dos catálogos?
Elas contam que, num dia, bem no começo de tudo, elas estavam num salão de beleza, fazendo a unha, e conversavam:
“Nossa, a gente está sem dinheiro para pagar a conta de luz...”.
Mas, aí, viram o catálogo da Natura, e uma delas falou:
“Eu estou precisando disso!”.
E a outra falou:
“Mas a gente tá aqui, sem dinheiro para pagar a conta de luz, e mesmo assim estamos pensando em comprar esse produto? O catálogo chama muito a atenção, não é?”.
Aí, uma delas chegou para a manicure e falou:
“Olha, se a gente te der uns produtos, você pode vender? Vamos ver se dá certo?”
Aí, deram para a manicure os produtos e quando ela voltou, em dez dias, tinha vendido tudo.
Assim elas tiveram a ideia: “por que a gente, então, não pensa numa rede de venda direta com produtos sustentáveis?”. Foi desse jeito que elas tiveram essa ideia de atingir muitas mulheres por meio de uma rede em que todo mundo se beneficiava: quem vende, quem compra e quem produz.
O que significa o termo “Asta”?
Esse nome vem da mitologia, de uma deusa que se chamava Astrea. Essa deusa trouxe, numa época da humanidade de guerras, muita harmonia, igualdade e abundância. Então, de Astrea, ficou Asta.
No site de vocês diz: “A Rede Asta é um negócio social que promove redes e trabalha para transformar a vida das produtoras do bem”. Quem são as “produtoras do bem”?
As produtoras do bem são, na verdade, as pessoas que compõem os 45 grupos de artesãos. Nós falamos “produtoras” porque noventa por cento são mulheres. Inclusive, um dos critérios para a entrada na rede é de que sessenta por cento do grupo seja composto apenas por mulheres, porque é essa a nossa intenção. Hoje nós temos, mais ou menos, 650 pessoas que são esses produtores. E noventa por cento está no Rio de Janeiro – até pela questão de toda a equipe da Asta estar lá. Mas tem também São Paulo, Minas, Belém, Goiânia, Recife. E a intenção é ir crescendo.
De que forma a Rede Asta transforma a vida dessas produtoras?
Nós percebemos que está muito ligada a capacitação e ao treinamento que nós damos aos Grupos. Mas, a transformação realmente surge através da melhora na condição de vida dos grupos por meio do trabalho e do talento que eles possuem.
Entretanto, o grande desafio é, realmente, a venda. Quando você não dá possibilidade de mercado, esse talento muitas vezes fica lá escondido. Então, elas não conseguem viver do seu próprio trabalho. O que a gente sente de transformação, além da parte financeira (que é importante), é exatamente o resgate da autoestima, o resgate da condição de viver do seu próprio talento, sem ter que se preocupar como vender o produto, como fazer dinheiro ou como fazer para chegar nas pessoas. É uma possibilidade, realmente, de se concentrar nesse trabalho e executá-lo com paixão. E também de ter condições de sobreviver disso para ajudar a si mesmo e a família. Então, para nós, a transformação está diretamente ligada a como elas se empoderam e como a qualidade de vida delas melhora. Essa é a nossa grande missão, na verdade.
Qualquer pessoa pode se tornar uma conselheira? Existe algum critério de seleção?
Sim, qualquer pessoa pode ser uma conselheira. É só se cadastrar no site e comprar um kit. Nesse kit vem uma bolsa, um bloco de pedidos e um catálogo. Nós não temos nenhum tipo de exigência com relação a meta, com nada. A única coisa que nós pedimos é que cada pedido tem de ter, no mínimo, duzentos reais. Só. Não há nenhum critério.
São só mulheres?
Não, tem homens também. São poucos, mas tem.
Em 2010 a Rede Asta começou a realizar a comercialização de produtos pela internet. Quais foram os impactos trazidos com esse novo canal de venda? As conselheiras são incluídas, de alguma forma, nesse meio de comercialização?
A entrada da venda pelo site foi realmente algo interessante, porque só vem crescendo. Isso foi nitidamente percebido em todos os resultados das vendas mensais e da condição de crescimento da própria rede. A gente percebe que é um caminho muito interessante. Num outro dia ligou uma pessoa de Rondônia dizendo: “Aqui não há nenhuma conselheira, mas eu compro porque eu gosto”. Essa pessoa, então, compra pelo site. Quer dizer que não houve um conflito com as conselheiras porque, na verdade, as conselheiras acabam vendendo muito para a sua rede, para as pessoas que elas conhecem. O site virou um excelente canal de acesso para as pessoas que, por exemplo, estão distantes e sem uma conselheira por perto.
A missão da Rede Asta é “incluir economicamente grupos produtivos de comunidades do Brasil. Através do acesso a mercados, conhecimentos e criação de redes, os grupos são fortalecidos e a venda de seus produtos viabilizada, contribuindo assim para a diminuição da desigualdade social brasileira”. Esse objetivo é contemplado? Como vocês avaliam os resultados alcançados?
Sim, é o caminho que vem sendo percorrido ao longo desses anos. O interessante é que, para nós, o resultado está diretamente ligado à inclusão de novo grupos e, principalmente, a melhora na condição de vida deles. Verificar o quanto que eles recebiam antes de entrarem na rede e o quanto eles passaram a receber depois, para avaliar a melhora da condição financeira. Isso está diretamente ligado a nossa missão, porque para nós o que importa é o impacto e a inclusão social que o trabalho que está sendo feito gera para estas pessoas.
Sabemos que é um longo caminho e que não é fácil. No Seminário Objeto Brasileiro e Mercado (do museu A CASA) foi mencionado que são oito milhões de artesãos no Brasil, e que a maioria tem dificuldade de comercializar os seus produtos.
Nós realmente entendemos o quanto precisamos trabalhar para atingirmos os nossos objetivos. E, agora, nós sabemos também que não adianta fazer um catálogo enorme e com a presença de muitos grupos, pois não há a possibilidade de atender e fazer com que os que já estão na Rede continuem evoluindo. Nós queremos que eles se tornem um empreendimento e não dependam exclusivamente da Rede Asta.
Nós fazemos a medição desses impactos por meio de indicadores. Nós avaliamos os produtos, as vendas, a produção, as entregas, a renda gerada mensal e a evolução de cada grupo produtivo presente na rede.
A capacidade produtiva acaba sendo um problema nesse caso? Em determinados momentos, a demanda por um produto acaba sendo muito grande de modo que a comunidade não tem como produzir tudo o que foi pedido?
Na verdade, os grupos que estão trabalhando conosco já são bem estruturados. No caso dos brindes corporativos, por exemplo (já que o volume de produtos é maior), a partir do momento que a gente tem um pedido e que esse pedido é grande, se nós estávamos pensando em utilizar apenas um grupo para a produção, nós alteramos o processo e dividimos a produção entre vários grupos. Assim, a vantagem de ter noventa por cento dos grupos no Rio de Janeiro facilita todo o processo. Tanto que nós tivemos um pedido de três mil e quinhentas bolsas e foram três grupos de lá que fizeram. Não é um problema, porque os próprios grupos, hoje, possuem condições de atender a demanda. Nós fazemos uma programação de todo o processo, executando as parcerias e vendo os prazos para não ter problema no momento da entrega. E tudo ocorre bem, justamente por essa transparência e pela seriedade do trabalho que os grupos possuem. Tanto se fala sobre escala, negócio social e etc, mas eu acho que tudo depende muito de cada pedido e de cada negócio, tentamos sempre viabilizar a produção e atender o cliente.
Em 2012 a Rede Asta foi uma das premiadas pela campanha "Multiplique seu Presente", promovida pela Phillips. No blog de vocês diz que através da doação feita por essa campanha foi possível abrir a filial em São Paulo. De forma geral, como esse evento contribuiu para o projeto da Rede Asta?
Essa campanha foi muito interessante, porque as pessoas entravam no site e, além de votar num produto da Philips, votavam nas quatro organizações participantes. A Asta entrou na parte de sustentabilidade. Foi muito bom porque a gente recebeu o recurso deles – o que viabilizou a chegada da Asta em São Paulo, para montar o showroom – e ainda ganhamos visibilidade para o projeto. Muita gente que entrava no site para comprar um produto da Philips começou a se interessar pelas organizações que estavam participando, descobrindo o que é que elas faziam. Trouxe muita gente nova para participar da rede.
Como funciona a “Rede Asta para empresas”? Como surgiu a atuação de vocês na venda de brindes corporativos sustentáveis?
Os brindes corporativos surgiram como um canal de vendas. As empreendedoras da Asta começaram com essa ideia através do projeto Mãos Brasil, no Rio, há oito anos. Hoje chamamos de “Rede Asta para empresas”.
Esse é um canal muito interessante porque desenvolve a parceria de trabalhar com os resíduos que são gerados pelas empresas. A Asta pode ser uma alternativa para a reutilização desses materiais em forma de brindes. Essa iniciativa pode ser usada em ações internas da empresa: para presentear colaboradores, fornecedores e clientes. Assim, o processo agrega valor não só ambiental, mas econômico e social.
É onde eu estou bastante focada, principalmente aqui em São Paulo que é um mercado ideal para isso, porque é onde está localizada a grande parte das empresas. Queremos ver o crescimento dessas parcerias porque é algo novo e que vai de encontro com a destinação correta dos resíduos. Brindes as empresas já compram. Por que, então, não comprar um brinde que seja sustentável? A intenção é atuar: no ambiental, lidando de uma maneira correta com o descarte de resíduos; no social, possibilitando que esses 45 grupos possam viver do seu trabalho; e no econômico, estabelecendo uma cadeia transparente e justa no recebimento e na condição dos pedidos desses clientes.
As empresas estão em busca de algo novo. Todas as que eu já entrei em contato gostam muito desse trabalho. O caminho é por meio das parcerias, onde todos sejam beneficiados.
Através da capacitação oferecida aos grupos produtivos, que inclui temas como gestão, precificação, venda e treinamento em design de produtos, como é possível preservar “a história por trás de cada produto” sem que se percam as características culturais e regionais do local onde esses produtos são confeccionados?
A nossa intenção não é dizer aos produtores o que eles têm de fazer. Dentro do que os grupos já fazem, nós potencializamos alguns processos até esse produto acessar o mercado. Desta maneira, nós preservamos a história e as características culturais.
Por exemplo: cada grupo apresenta para a gente as fotos e amostras dos produtos. A designer observa o produto e trás algumas ideias para que fique com uma cara mais comercial. Mas, na grande maioria das vezes, as mudanças são muito pequenas. Os grupos já tem o design nos seus produtos.
A interferência do designer, então, é apenas para tornar o produto mais comercializável?
Sim, exatamente isso.
No Asta para Empresas, por exemplo, os produtos precisam ser feitos de acordo com os resíduos oferecidos pela empresa. Em alguns casos, os materiais disponíveis podem não ser os mesmos que o artesão utiliza habitualmente para confeccionar os seus produtos. Como acontece, nesses casos, essa relação entre o designer e o artesão?
No Asta para Empresas a relação muda um pouco. Temos como exemplo uma empresa que possui um resíduo diferente: chapas. O que acontece quando chega um resíduo que nunca trabalhamos? A designer vai observar os resíduos e pensar em algumas ideias com relação à como transformar aqueles resíduos em produtos. Então, por exemplo, se é um grupo só de costura, vamos ver o que esse grupo pode desenvolver. Se é um grupo que trabalha só com fibras naturais, ou só com latinha de refrigerante, vamos pensar em um produto que se adeque ao que eles já sabem fazer.
Hoje tem grupos que trabalham com vários tipos de materiais. Mesmo que eles nunca tenham trabalhado com essa chapa, alguma coisa eles já fizeram, que, com criatividade, nós podemos adequar ao que eles já tem de maquinário e de técnica. E, aí, é onde eles adoram, porque é o desafio de criar algo novo. É um aprendizado. E dá para fazer muita coisa porque eles são muito criativos. É muito bacana.
Na Rede Asta vocês têm várias áreas de atuação e vários tipos de clientela. Quais são os principais clientes de vocês?
Hoje nós temos quatro canais de venda: a loja física no Rio de Janeiro, a Asta para empresas (que trabalha com os brindes corporativos), o site e a venda direta. Então, podemos dizer que cinquenta por cento dos clientes são pessoas físicas, e cinquenta por cento são empresas. As principais empresas que nós trabalhamos são Coca-Cola, Ipiranga, Accenture, Tetra Pak (São Paulo), Oi, Lafarge e Cantão (Rio de Janeiro). O Instituto Coca-Cola é um grande parceiro. Em 2011, desenvolvemos um catálogo com seis grupos no Rio com os resíduos de pet e tetrapak, e neste ano o projeto foi com grupos na Amazônia, trabalhando direto com a população ribeirinha. Foi um desafio sair do Rio para trabalhar em outros locais, mas verificamos que temos condições de fazer isso por meio das parcerias.
Em relação às pessoas físicas, qual é o perfil socioeconômico da maioria dos clientes?
As nossas vendas estão muito ligadas ao gostar dos produtos e à história por trás de cada um deles. As pessoas estão se interessando pelo consumo consciente, pensando o que a sua compra realmente representa (e não mais comprar por comprar). Tem um movimento por trás que agrega valor. Hoje, basicamente, o nosso público é A e B – tanto no site, quanto no catálogo. Tem também público da classe C, mas o volume maior ainda é A e B.
Como a Rede Asta está constituída legalmente? Trata-se de uma instituição sem fins lucrativos ou uma empresa que visa gerar lucro a partir desse trabalho?
No Brasil nós ainda não temos uma legislação jurídica específica para os negócios sociais. A Asta é um negócio social, porque todo o recurso que entra é revertido para o próprio negócio. Nós começamos o projeto como o “Instituto Asta”, que hoje é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. E tem a Asta Corp que é uma microempresa no SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – para venda de produtos para as empresas. Portanto nós somos um modelo híbrido, é OSCIP de um lado e microempresa do outro.
Em termos de valores, quanto, em média, é revertido para as comunidades anualmente?
Cinquenta por cento dos valores dos produtos que nós faturamos vão para eles. No ano passado foram repassados, aproximadamente, 300 mil reais para os Grupos Produtivos.
Esse valor foi repassado para os 45 grupos?
Na verdade, depende dos grupos que trabalharam no período. Cada catálogo dura três meses e não entram os 45 grupos em cada edição. Em média entram 26 ou 27. E tem também os grupos que continuam por mais de um catálogo e outros que produzem para os brindes corporativos.
Atualmente, muitas instituições e profissionais que trabalham com comunidades de artesãos têm encontrado dificuldades na venda dos produtos. O que ocorre? Por que é tão difícil comercializá-los?
Primeiro ponto: vender não é fácil. Eu trabalhei uma boa parte da minha vida profissional com vendas e sempre tive este desafio. Não é pelo fato de ser produto artesanal que é complicado de vender. Tudo é difícil de vender, porque tem todo um caminho a ser percorrido, que é prospecção de clientes, custo, produto adequado, produção, formação de preço, concorrência, entrega e etc. Toda venda trás todas essas coisas juntas que, para atingir o consumidor final ou a empresa, dá muito trabalho. Na minha opinião, faltam pessoas que sejam capacitadas em vendas para atuar neste mercado.
A estruturação das comunidades de artesãos é uma condição essencial para que tenham um produto interessante e com design. Após esta etapa, é necessário ter pessoas que entendam de vendas e que busquem os canais de comercialização. Porque, se não, ficamos com o problema da consignação, que não é o ideal para os artesãos que precisam receber pelo seu trabalho no momento da venda, para que possam sobreviver do seu talento.
E por que, na sua opinião, falta gente com esse talento para vender? Faltam pessoas ou as que possuem essa habilidade não tem o interesse de vender artesanato?
Eu acho que, na verdade, são as duas coisas. Temos que nos unir, fortalecer parcerias e capacitar pessoas para gerar interesse nas vendas do artesanato. Com certeza há muitas pessoas que sabem vender e que poderiam ser ótimos parceiros para viabilizar a comercialização, mas seria necessário capacitá-las, trazer um olhar específico do produto e do mercado. Creio muito nas parcerias. Com cada um contribuindo com a sua expertise, podemos criar condições para comercializar os produtos. E eu não falo só de Brasil. Eu falo também de exportação. Temos que buscar caminhos juntos, trabalhar em rede.
Já aconteceu de alguém do exterior encomendar o produto de vocês?
Já. No ano passado vendemos para a Austrália. Quando ele chegou para conversar com a gente, disse que não tinha visto ninguém que tivesse uma estrutura de, por exemplo, receber um pedido e já ter o produto no estoque para mandar como nós.
E eu tenho a total intenção de crescer as vendas na exportação. Os volumes de vendas que são geradas pelo comércio justo (fair trade) na Europa e nos Estados Unidos só aumentam. E esses compradores são pessoas que começam a se engajar e a entender a importância do consumo consciente e da transparência nas relações comerciais, que sejam feitas de forma justa. Este é um caminho sem volta.
Como o mercado tem recebido os produtos presentes nos catálogos? O que é necessário para um produto fazer sucesso?
Eu percebo que hoje, muito das pessoas – ou que vem aqui, ou que participam dos bazares – querem algo diferente, algo que as faça dizer “Nossa que bacana, que diferente!”. Portanto, nós temos que sair da ideia daquele artesanato que não tem um diferencial, design.
Muitas perguntam:
- Nossa, quer dizer então que o bagaço de cana pode virar isso daqui? O banner pode virar isso aqui? O jornal pode virar isso aqui?
São materiais que para essas pessoas, na maioria de vezes, são lixos. Na verdade, se ninguém vai reutilizar o banner, ele vai para o lixo. O reaproveitamento pode fazer um produto virar uma coisa bacana, totalmente diferente. É a transformação do produto.
E uma dessas causas está ligada a importância do produto ser feito à mão, o que faz com que as pessoas passem a valorizar mais. Agora as pessoas percebem que é possível transformar Tetra Pak numa carteira, numa bolsa, ou que a caixinha de leite pode virar um produto muito bonito.
Não é só comprar porque achou legal e o preço estava bom. É algo a mais. É um produto que antes era um resíduo, que era um retalho, mas que virou algo bacana, diferente, e que trás toda uma história. Não é mais um ato de comprar por comprar, simplesmente. É participar de uma rede de gente que você não tem a menor ideia de onde esteja, mas que pensa de uma maneira muito semelhante. E eu percebo muito isso. Muito. É muito legal.
O que poderia ser destacado como a principal dificuldade do trabalho da Rede Asta?
Hoje é chegar num ponto de equilíbrio com as vendas. Para fazer todo este trabalho, você precisa de uma estrutura de pessoas. Aí que está o grande desafio, na verdade, de um negócio social. Hoje temos uma estrutura que dá para fazer um trabalho que atenda a condição do mercado. Mas para isso o volume de vendas tem de crescer. Eu nem penso isso como dificuldade (eu nem gosto de falar assim) mas é, na verdade, um caminho que nós estamos trilhando, que é o caminho para atingir o ponto de equilíbrio.
Mas a vinda para São Paulo foi muito importante. A história do trabalho em rede realmente funciona. É um trabalho de formiguinha, do boca a boca, mas que funciona. Portanto, vale muito a pena insistir e continuar trabalhando no que acreditamos.
A tendência é sempre o crescimento, e é exatamente isso que almejamos com o nosso trabalho.