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ARTIGO

O SETOR ARTESANAL BRASILEIRO DO PONTO DE VISTA DA ESTRATÉGIA PORTERIANA

Publicado por A CASA em 11 de Outubro de 2013
Por Andressa Messa Trivelli

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Trivelli, Andressa Messa. Mestranda em Administração de Empresas. Fundação Getulio Vargas - SP.
Orientador: Professor Sérvio Tulio Prado Júnior


Apresentarei ao longo desse trabalho argumentos sob o ponto de vista de Estratégia Empresarial, para embasar a afirmação de que ações focadas nas comunidades que produzem, e nas empresas que comercializam artesanato brasileiro, para potencializar a geração de renda sustentável desses grupos não são efetivas. Por meio da minha análise, mostrarei que o Setor do Artesanato Brasileiro tem uma lacuna que apenas uma reestruturação da Indústria poderá cobrir e fazer com que essa prática seja efetiva.
É importante contextualizar para o leitor sobre o tipo de artesanato que aqui se está tratando. Falamos de produtos feitos por artesãos brasileiros organizados em grupo formalmente ou não, que têm por objetivo essa ser uma atividade econômica, que gere renda complementar ou principal. Os produtos são feitos com técnicas tradicionais, ou modernas, com matéria prima natural ou industrial, e conceitual e visualmente com temas que remetam à identidade cultural do grupo, seja ela regional, ou brasileira. Os produtores e produtos aos que me refiro estão listados e detalhados na Base Conceitual do Artesanato Brasileiro, documento desenvolvido pelo Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Na atualidade, esses artesãos contam com o apoio essencialmente de organizações como SEBRAE para alcançar os diversos mercados possíveis para seus produtos. O SEBRAE organiza gratuitamente rodadas de Negócio, na expectativa de geração de pedidos entre artesãos e lojistas. Hoje, no Brasil, não há levantamentos consistentes, únicos e confiáveis de dados sobre esse mercado, porque muitas das relações comerciais são informais: tanto por parte dos artesãos, como por parte dos lojistas. Podemos elencar os distribuidores de artesanato em seis grandes tipos: grandes varejistas; pequenas lojas e boutiques; pequenas lojas de souvenirs direcionadas para turistas; market places na internet; empresas e lojas direcionadas às vendas corporativas (brindes); ONGs e diversas organizações com apoios institucional e financeiro governamental ou privado a fundo perdido.
Utilizarei as Cinco Forças de Porter para analisar o Setor Artesanal no Brasil. Para tal, é importante explorar a dessincronia que existe no setor entre fornecedores e distribuidores. De um lado, temos dois públicos-alvo dos produtos artesanais; de outro, os fornecedores que são os produtores-artesãos.
Os lojistas, os “primeiros compradores”, deveriam tomar suas decisões de compra de acordo com as preferências dos seus clientes, os consumidores finais. Nesse lado da cadeia, temos empresas altamente profissionalizadas como Pão de Açúcar e TokStok; e também temos empresas de porte muito menor, como lojas de rua e ONGs que buscam clientes sem planejamento consistente, e em geral, não tomam as decisões de compra da maneira racional.
Os consumidores finais por sua vez, à exceção das organizações que trabalham no mercado de brindes corporativos, são pessoas físicas, em sua maioria mulheres urbanas, jovens e adultas, de nível superior, com alguma consciência ambiental e compromisso social, das classes A e B, com interesse em presentear ou presentear-se. Esses consumidores, no processo de valoração, escolha e tomada de decisão de compra prezam utilidade, beleza (senso estético), novidade e preço do produto. Além disso, apreciam que o produto tenha envolvimento com causas socioambientais, e, havendo o desejo da aquisição, a praticidade da compra é um dos fatores mais decisivos.
Do ponto de vista dos fornecedores, temos pulverizados por todo o Brasil (capitais e interior das cinco regiões do país), milhares de grupos que produzem e vendem desordenadamente outros milhares de tipos de produtos, com as mais diversas técnicas de produção, feitos de maneira artesanal, não escalável e com as mais variadas matérias primas que possamos imaginar. Os dados oficiais e não oficiais relativos à mensuração desse setor são difusos e contraditórios, também devido às diferentes metodologias de mensuração e às diferentes definições utilizadas no que se refere à delimitação do que é artesanato e de quem são os artesãos.
Desde o Censo realizado pelo IBGE em 2000, no qual foram identificados 8,5 milhões de brasileiros artesãos, esse número é utilizado como base para análises macro no setor. No entanto, no sistema do PAB, o SICAB, que compila artesãos que espontaneamente se cadastram no Programa, o mesmo número (datado de 01/04/2013) é de 77.094. De acordo com o Munic e IPEA (2006), 64,3% dos municípios brasileiros têm algum tipo de produção artesanal. E sem fontes oficiais, a estimativa que circula no mercado e nas organizações é que o volume financeiro anual que essa indústria movimenta no Brasil é da ordem de R$50bilhões.
Distribuidores e artesãos trabalham com produtos altamente substituíveis, tanto do ponto de vista de bens substitutos, quanto da ameaça de substituição. Um artesanato pode ser comparado a qualquer outro produto não artesanal que estiver no mercado. Para efeito de exemplificação, tomemos uma moringa para água feita de cerâmica e artesanalmente. Para simplificação da análise, ignoraremos a questão estética. Sua função utilitária é armazenar certa quantidade de água, mantê-la fresca e em alguns modelos até mesmo servir como filtro.
Na esfera da substituição do bem, a moringa pode ser trocada por uma gama sem tamanho de outros produtos feitos de qualquer outro material: copos, cuias, jarras, garrafas, de plástico, de vidro, de PVC, de porcelana, duráveis, descartáveis, nacionais, importados etc.. Do ponto de vista da ameaça de substituição, ela pode ser trocada por outras tecnologias, ou outros modelos de negócio como filtros de água conectados ao abastecimento da casa, água mineral engarrafada e no que tange a manutenção do frescor, a geladeira é a ameaça mais óbvia.
Com o exemplo acima, percebe-se que outras indústrias devem ser consideradas nas análises de competição e viabilidade do setor artesanal. Encarar as cinco forças de Porter como se cada uma tivesse peso igual, e crer que “ameaça de substitutos” é apenas “mais uma” das forças, é uma miopia que foi construída nos últimos anos nesse setor e que vem empurrando decisões de políticas em direções pouco eficientes.
As infinitas possibilidades de substituição dos bens artesanais concorrem diretamente com esses produtos. Grande parte das poucas análises já feitas sobre esse mercado afirma que produtos artesanais concorrem de forma indireta e marginalmente com produtos industrializados. Tal afirmação sempre é feita baseada no potencial valor que o apelo social e ambiental agrega ao artesanato: a “vantagem competitiva” que o industrial não tem e nunca terá.
É nítido que, do ponto de vista utilitário, não faz diferença o produto ser artesanal ou não, e é relevante o impacto que o “poder da substituição” tem na dinâmica do setor. No que se refere ao aumento da disposição do cliente a pagar causado pela sua ligação do produto a causas socioambientais, desconheço pesquisas que mensurem o limite dessa elasticidade. Elasticidade essa que aos olhos dos fornecedores, é infinita; e aos olhos dos distribuidores (compradores), é inexistente.
Quando analisamos a rivalidade entre concorrentes, deveríamos diferenciar a rivalidade entre compradores e fornecedores: no entanto, ambos sofrem exatamente do mesmo mal. Em um cenário em que qualquer produto pode ser substituto, nem comprador, nem fornecedor podem efetivamente ter algum poder de barganha. Em um cenário no qual a competição é altíssima, naturalmente, a lucratividade é baixa.
Há muito engano ao perceber a competição no setor, pois como já dito anteriormente, as análises, em geral, não consideram outras indústrias como concorrentes diretas e, já que os fornecedores e sua produção são desordenados, a sensação é de que a competição é baixa, mas não é! Os fornecedores dos produtos substitutos nem ao mesmo entendem produtos artesanais como ameaças: eles têm maior margem, conseguem ter excedente do comprador e consequentemente entregam para o consumidor final um produto com valor realmente percebido maior, por meio de uma eficiência operacional muito superior aos produtores de artesanato.
O negócio que for se aventurar nesse mercado, seja ele um grande varejista ou a loja no bairro para turistas, deve ter em mente que por mais que seus recursos e competências sejam fabulosamente bem geridos e que já tenha conseguido construir uma cadeia de valor significativa, a indústria do artesanato sofre e sofrerá imensa e constantemente com o que estou considerando a força mais impactante das Cinco Forças de Porter: Ameaça de Produtos Substitutos.
A iniciativa ou organização que for capacitar e apoiar um grupo produtivo artesanal também deve saber que formar um grupo que gerencie bem seus recursos, chegar a um modelo de precificação adequado, encaminhar para que o grupo aprenda tomar boas decisões sozinho etc., tudo isso, não bastará para que essa atividade econômica seja um meio espetacular de geração de renda para essas pessoas.
Quanto mais fracas são as Forças de Porter coletivamente, maiores são as chances de alta performance do setor; e o contrário também é válido. Performance aqui lê-se de um lado, a geração de renda das comunidades e grupos produtivos; de outro, a lucratividade das empresas e organizações que vivem da comercialização desses produtos. Ao longo desse texto, me concentrei em esmiuçar como uma das Forças é extremamente forte, mas igualmente, poderia analisar com mais profundidade como o Poder de Barganha em diversas instâncias também é forte: está claro que o setor do artesanato tem poucas chances de alta performance.
Como recomendação final, para os que pensam nas diretrizes de trabalho das organizações que capacitam grupos produtivos artesanais: não ignorem o fato de que os produtos artesanais são sim substituíveis. Creio que dedicar mais tempo tentando descobrir novos modelos de produção mais escaláveis e produtos menos utilitários, seja mais útil no que se refere à emancipação social e o impacto na geração de renda sustentável real e futura, que seguir realizando oficinas de precificação.
Para os empresários, um modelo de negócio exclusivamente baseado na venda de artesanato como o caracterizado nesse trabalho, está fadado ao fracasso econômico. A combinação de um mix de produtos é a solução ideal: os substitutos e os substituíveis convivendo juntos poderão trazer resultados financeiros de maior consistência.
Luís Eduardo Parreiras, pesquisador do IPEA, na apresentação de uma publicação do IBGE sobre a distribuição geográfica do artesanato no Brasil, diz que justamente por essa atividade estar historicamente à margem do processo e da lógica de acumulação de capital, carece de dados consistentes que a caracterize e dimensione, e, portanto não se pode direcionar a formulação de políticas de apoio e estímulo eficientes. No entanto, no decorrer desse trabalho, pudemos perceber que não importando o quanto consigamos organizar informações, o modelo dessa indústria não se sustentará como negócio rentável e, portanto, tentar resolver a questão da baixa geração de renda nas comunidades com uma solução que economicamente não é viável, não é uma decisão estratégica eficiente do ponto de vista de políticas púbicas econômicas.