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Figura 1: Papel de parede “Alcachofra”, John Henry Dearle para William Morris & Co., 1897 (Victoria and Albert Museum)




ARTIGO

DESIGN E ARTESANATO: ENTRELAÇAMENTOS CONCEITUAIS SOBRE PROCESSOS DE CRIAÇÃO NA PRODUÇÃO DE VESTUÁRIO/MODA

Publicado por A CASA em 9 de Dezembro de 2013
Por Adair Marques Filho , Gisele Costa Ferreira da Silva e Quéfren Crillanovick

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Design and workmanship: conceptual entanglements on creation processes in the production of clothing/ fashion

Resumo

O artigo que aqui é apresentado surge da discussão que tem como foco principal o
entrelaçamento das experiências de três designers-professores/as. A metodologia parte da perspectiva da pesquisa narrativa de forma que são colocadas em debate experiências com os processos de criação em moda e vestuário e as questões que colocam em pontos opostos os conceitos sobre design e artesanato. Como resultado dessa investigação, o que se encontra é um olhar que coloca em cheque a visão dicotômica que a relação design e artesanato e ressalta a importância da experiência como processo de criação.

Palavras Chave: design; artesanato; criação e produção.

Abstract

The paper here presented arrises from the discussion that’s primarily focus is the experiences entanglement of three designers-teachers experiences. The methodology begins from the narrative research perspective in ways that are placed in debating experiences with the creative processes in fashion/clothing and the issues that put the concepts of design and workmanship at opposite points. As a result of this investigation, it is presented a look that tries to put into question the dichotomy in the relationship between design and workmanship, and highlights the importance of the experience as a creative process.

Keywords: design; workmanship; creation and production.

Escritas iniciais

Refletindo sobre as diferenças conceituais e, porque não dizer nos modos de fazer,
entre designers contemporâneos e artesãos no Brasil, nos deparamos com definições que tendem a colocar em pólos opostos dois campos de atuação, produção e mercado. Se de um lado temos o profissional que deve desempenhar seu papel por meio de métodos projetuais bem delimitados, de outro, temos o trabalho de artesania que poderia ser entendido, grosso modo, como atividades que demandariam uma menor sistematização.
Partindo dessas primeiras delimitações, podemos compreender que o primeiro está
intimamente ligado à produção industrial, ao mercado, ao atendimento das necessidades dos usuários, enquanto que o segundo se caracteriza como um produto de uso mais restrito, ligado que é à produção em pequena escala, geralmente ligado à cultura popular e comunidades com caráter colaborativo.
Historicamente, a articulação entre design e artesanato não é novidade. Em resposta aos produtos oriundos da popularização da indústria, em meados do século XIX, designers como William Morris “travaram uma batalha contra a era em que viviam e advogaram uma abordagem mais simples e ética ao design e à manufactura” (FIELL, 2001, p. 62). Em outras palavras, o que antes da primeira Revolução Industrial era resultado de um trabalho de criação e produção com autoria definida tem seu modo de funcionamento alterado. Na era industrial, o que caracteriza o design – concepção e planejamento – passa a fazer parte de um processo de divisão do trabalho, e a execução, antes sob o olhar do designer/artesão, passa para as mãos dos operários.
A ideia de design, como a entendemos dentro da academia, nos dias de hoje, tem
como origem o início da produção mecanizada através dos processos industriais. Como bons herdeiros do design moderno, ainda não conseguimos nos desvincular da necessidade de um entendimento homogeinezador em busca da ideia de ‘progresso’. Nesse cenário, continuamos o impasse que dicotomiza o pensar e o fazer, a técnica e a tecnologia, e seguimos tentando um olhar pós-estruturalista para um sistema que ainda não se viu livre do positivismo.
Tendo em mente a relação, por muitas vezes conflituosa, entre design e artesanato, voltamos nosso olhar para uma tendência que tem sido observada: a aproximação entre os dois campos na busca de aliar aos produtos do vestuário/moda elementos que remetam ao exclusivo, ao feito à mão, através de trabalhos de intervenção tais como bordados manuais, tecidos artesanais e demais elementos que enriquecem as produções de moda e vice-versa.
A escrita desse artigo constitui-se em um exercício de discussão que tem como viés o caminhar por entre a(s) linha(s) que liga(m) tantos extremos. Entrelaçar os focos de pesquisa dos três designers-professores-pesquisadores-autores, nesse texto, significa usar da pesquisa narrativa como metodologia para um debate que se dá através da experiência com o design, nas formas de pensá-lo e relacioná-lo com os sujeitos que nele estão envolvidos, através de seus próprios produtos. Aqui, nosso objetivo é apresentar alguns exemplos das inter-relações entre design e artesanato através dos processos criativos de produção de vestuário/moda, abordando os limiares, as contaminações, as diferenças e aproximações entre os dois campos de atuação/produção dentro do contexto da moda. Ao buscarmos alinhavar estes conceitos/contextos, partimos do que Mônica Moura (2008) define como moda:

A moda é uma importante área de produção e expressão da cultura contemporânea. Tanto apresenta reflexos e referências da sociedade quanto dos usos e costumes do cotidiano. A dinâmica da moda permite refletir, criar, participar, interagir e disseminar estes costumes. Portanto, o desenvolvimento e a expressão da moda ocorrem a partir das inter-relações entre criação, a cultura e a tecnologia, bem como dos aspectos históricos, sociopolíticos e econômicos (p. 37).

Serão por meio destas inter-relações e conexões que nos propomos a refletir sobre
as contaminações entre design e artesanato e da maneira como são entendidos e levados a cabo na contemporaneidade.

Aproximando design e artesanato: algumas questões conceituais

A aproximação a qual nos propomos a fazer neste texto resulta das experiências
distintas dos autores com as atividades de criação, envolvendo o planejamento de coleções de moda e as reflexões teóricas, bem como as práticas sobre os processos criativos, experimentações de materiais e nossa aproximação com a cultura popular vivenciadas na prática pedagógica.
O entrelaçamento de experiências encontra-se com fronteiras pouco delimitadas
que imaginam separar fazeres e atuações que caminham lado a lado muito freqüentemente. A tentativa de trabalhar dois conceitos seria menos desafiadora se ao menos um deles fosse mais facilmente determinável. No entanto, não há grandes certezas em nenhum deles. A simples menção a uma das palavras, design e/ou artesanato, já traz à tona uma incontável variável de idéias, conceituações, determinações e pré-concepções.
Ao falar de design, o que vem à mente é um termo ‘importado’ e a menção ao artesanal remete à noção de manual. Assim, de que forma poderíamos dar início ao que seria um conceito de cada um desses termos? Quando em busca das origens de tais termos nos encontramos com conflitos que vem de longa data (CARDOSO, 2008). De acordo com Marilena Chauí (2009), o próprio conceito de artesanato confundese, em sua origem, com o de arte. Ou seja,

A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo grego tékhne, ‘técnica’, significando ‘toda atividade humana submetida a regras em vista da fabricação de alguma coisa’. Em latim, artesão, artífice ou artista se diz artifex, ‘o que faz com a arte’, e também opficis, ‘o que exerce um ofício’; e o resultado de sua ação se diz opus (no singular) e opera (no plural), isto é, em português, ‘obra’. A arte ou técnica era, portanto, uma atividade regrada em vista da produção de uma obra (p. 275).

Nesse sentido, é importante lembrar que nosso objetivo não é o de estender a
discussão para o campo da arte, enquanto conceito. Todavia, faz-se necessário que fique claro que este também é um debate intenso e repleto de conflitos. Assim, tendo como base o entendimento de que o artesanato seria uma atividade humana que tem como finalidade a produção de uma obra, não estaríamos nos aproximando também do modo como temos definido o design?
Caso a proposta da discussão fosse voltar à etimologia do termo design,
revisitaríamos o latim na expressão designare (de + signum) e iríamos em direção à ideia de desenvolvimento e concepção. No Renascimento, já encontraríamos a noção de esboço, desenho, projeto e forma, culminando na combinação entre processo e resultado (SCHNEIDER, 2010). Ainda esperaríamos alguns séculos para a entrada do processo de produção industrial, e, em fins do século XVIII, a sensação que teríamos de que o processo do design começou a fazer parte de uma engrenagem muito maior do que poderíamos supor: a indústria, a produção constante de produtos em volumes cada vez maiores para um mercado consumidor também crescente. Em consonância com estas falas, Mônica Moura (2008), define em linhas gerais, os papeis a serem desempenhados pelos designers que,

Normalmente atendem a demandas da indústria, do comércio ou do setor de serviços com vistas à solução de problemas. Atualmente, porém, cabe ao designer também propor soluções inovadoras antes de uma solicitação de demanda. Porque hoje, mais do que em qualquer outro momento da história do design, o profissional desta área é aquele que, a partir de um panorama cultural e social, apresenta propostas visando melhorias da qualidade de vida do ser humano em seus núcleos socioculturais e econômicos (p. 40).

Dessa forma, embora não estejamos trabalhando em um artigo etimológico, o que a
procura por clareza conceitual nos traz como contribuição é a percepção de que a tentativa de separar tais conceitos – design e artesanato – e armazená-los em gavetas não tem trazido frutos como previam os entusiastas das filosofias positivistas. Nossa proposta é a de trabalhar a partir do diálogo entre concepções, tentando compreender mais do que duas ideias fragmentadas. A direção é o trabalho rumo ao sistêmico.
Tanto artesanato quanto o design, enquanto campos de estudo, possuem pontos que os aproximam. Voltando o olhar para um pouco da história do design no mundo ocidental, do qual somos herdeiros, pode-se afirmar que nossos pioneiros – que tanto nos influenciam até os dias atuais – já haviam se dado conta do potencial dessas relações há muito tempo. Um bom exemplo dessa visão é o movimento Arts and Crafts, que tinha como líder o socialista William Morris, influenciado pelos ideais de John Ruskin. A defesa era a de que o artesanato era a fonte criativa que seria a alternativa à produção em massa e à mecanização. Aqui nascia a concepção de designer como a ensinamos hoje nas instituições de ensino – embora ainda não fosse atribuído esse nome. Para Morris, esse sujeito seria o artesão-artista (ARGAN, 1992).
Embora o movimento tenha tido curta duração, não se pode negligenciar a forte
influência que o Arts and Crafts (Figura 1) exerceria no tempo que estava por vir. Esse foi o momento em que houve uma classificação dos fazeres que envolvessem a ideia geral dos fazeres da arte, aqui surgiam as “denominações distintas, a arte pura e a arte aplicada, que vieram a ser conhecidas como arte maior e arte menor e, ainda, como belas-artes e artesanato” (MORAES, 1997, pp. 24-25). Para além de uma forte preocupação com a baixa qualidade do que estava sendo produzido pela indústria, havia, a partir de então, diferentes tipos de atuações e possibilidades.

Ainda no sentido de um apanhado histórico, encontramo-nos com o Art Nouveau
(Figura 2) e o desejo de libertação estética em relação ao academicismo em voga aliado ao interesse em dialogar com as técnicas e materiais que o processo de industrialização tornava possível.
Na Alemanha, o Werkbund (Figura 3) retoma a ênfase nas dúvidas sobre o modelo
de produção que se instaurava e a questão da relação entre forma e função indicava que a primeira era função do artista-designer e a segunda, cabia ao operário. Ou seja, fortalecia-se a separação entre o pensar/planejar e o executar.
Em outras palavras, a revisitação ao contexto histórico do design no início do
século XX e fins do século XIX pode sinalizar pontos que ainda estão presentes nas concepções difundidas sobre os ofícios ligados ao design e ao artesanato. Tanto a preocupação com a delimitação da área, passando pela libertação da questão estética e chegando à dicotomia forma X função, o que temos vivenciado no século XXI ainda retoma muitos desses pontos de polêmica.
Neste contexto atual, mais especificamente no campo da moda “o design é em sua
essência um processo criativo e inovador, provedor de soluções para problemas de
importância fundamental para as esferas produtivas, tecnológicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais” (MOURA, 2008, p. 71).

Processos criativos e experiências na produção de vestuário/moda

A par das breves conceituações acima apresentadas, procuramos situar nossas
experiências com o ensino de design e moda e a maneira como estes conceitos nos impelem para a arena de discussões sobre as conceituações e caracterizações do design, mais especificamente no campo da produção de vestuário/moda. Atualmente, existe um debate que se desenrola, sobretudo, a partir dos congressos e encontros de professores e profissionais do campo do Design de Moda, sobre a atuação desses profissionais com o cotidiano da moda.
Falar da atuação em design de moda é, também, falar de conhecimento. Um conhecimento que se constrói através das disciplinas e conteúdos que “ativam” a criatividade, de metodologias projetuais que dão suporte às ações de pesquisa e criação, não nos esquecendo da importância cada vez maior da gestão do design. Cumpre salientar aqui que esta criatividade não deve se resumir apenas ao processo de concepção de produtos. A criatividade, em um sentido mais amplo, deve todos os ambitos da cadeia de criação/produção, tanto na área de vestuário/moda quanto em qualquer outro campo de atuação.
Claro está que não podemos confundir os processos criativos que caracterizam a
atuação de designers e artesãos, considerando primeiramente as caracterizações expostas acima sobre cada um dos dois campos, e em segundo que, mesmo com as aproximações, design e artesanato guardam suas peculiaridades, suas diferenças. Na maioria das vezes, nossas experiências apontam para as dificuldades em aliar os processos que envolvem o ato criativo e a metodologia projetual em design.
Dentre as várias divisões e categorizações dos processos criativos, utilizaremos
aqui a que nos parece mais apropriada, as definições de Luis Vidigal Negreiros Gomes (2001), citado por Cleuza Bittencourt Ribas Fornasier et all (2008, p. 140-141), divididas em sete etapas:

1 – Identificação – esta primeira etapa se configura como a mais complexa e
determinante do processo, uma vez que nesta fase são definidos os entendimentos do contexto que gera as necessidades e objetivos.
2 – Preparação – se caracteriza como a procura de dados, informações e conceitos que possam contribuir tanto no processo quanto no projeto.
3 – Incubação – é a fase em que se precisa descansar para deixar o inconsciente fazer o trabalho e associação de ideias, realizando analogias.
4 – Esquentação – É a fase na qual é acionada a habilidade para se experimentar, em forma de desenhos ou outra mais adequada a situação.
5 – Iluminação – é a fase que termina com a angustia, quando a imaginação das ideias e sua visualização permitem entender como resolver o problema.
6 – Elaboração – é a fase de realizar o projeto de forma que a técnica escolhida seja a ideal para demonstrar o produto ou o processo.
7 – Verificação – é a fase na qual se analisa os requisitos dos objetivos e do problema de forma crítica e consciente, não esquecendo de verificar o grau de inovação do projeto realizado.

As dificuldades em aplicar estas etapas no processo criativo, mais especificamente no campo do design parecem emergir ainda, de uma compreensão parcial do funcionamento dos processos no cotidiano das indústrias do vestuário/moda. Estes processos não são, de modo algum, aplicados aos produtos feitos artesanalmente, que estarão mais voltados ao fazer, sem necessariamente atenderem a uma rigidez metodológica, conforme podemos perceber quando se trata do design.
Faz-se necessário salientar, nesta relação entre design e artesanato, o momento
atual em que o Brasil se encontra. Passando pela busca de sua identidade nacional, com os elementos que nos caracterizam, para, em seguida, nos apropriarmos desses elementos que podem contribuir para a consolidação do design de moda no país. De acordo com Dijon de Moraes “o design brasileiro nasce, se alimenta e lentamente se renova, traçando, a partir do período de sua instituição, um verdadeiro percurso experimental que prossegue adiante em uma espécie de metabolismo e metamorfose correlata” (2006, p. 77). Pensar esta(s) identidade(s) brasileira(s) na contemporaneidade contribui para a compreensão dos elementos que caracterizam cada campo, ao mesmo tempo em que favorece a inserção de elementos feitos à mão dentro de um sistema industrial.
Ainda de acordo com Nelson Somma Junior (2009),

O artesanato é originalmente entendido como coisas feitas à mão por algumas comunidades, geralmente pobres, que, longe das cidades, e dos parques industriais, criavam objetos que poderiam ser feios ou bonitos. Estes eram vistos, sobretudo, como deleite para os turistas, sem grande importância (p. 147).

Alguns exemplos podem ser elencados, se considerarmos este fazer que se
aproxime do artesanato “o tempo é relativo” e que a produção desses objetos busca expressar o patrimônio cultural dessas comunidades, na maioria das vezes e que, os objetos expressam também sua “singularidade, isto é, os objetos querem expressar coisas diferenciadas, e são essas coisas diferenciadas que são os seus elementos simbólicos” (SOMMA JUNIOR, 2009, p. 148).
A Coopa Roca, uma cooperativa criada nos anos de 1980 na Favela da Rocinha é
um desses exemplos em que, a aproximação entre design e artesanato no campo da moda se configura como um caso de sucesso. Os trabalhos desenvolvidos por esta cooperativa conquistaram designers brasileiros e se projetou para além das fronteiras brasileiras. Os trabalhos manuais (Figura 4) se tornam elementos que agregam valor as criações de vários designers brasileiros e estrangeiros.
Mais um exemplo que pode ser elencado e que ganha destaque no mundo da moda,
também vem do Rio de Janeiro. A exemplo da Coopa Roca, a Cooperativa Feminina do Complexo do Alemão vem desenvolvendo suas atividades, aliando os aspectos da cultura negra e a valorização de suas raízes e sua inclusão social através da moda. Algumas marcas já perceberam a importância cada vez maior rumo a sustentabilidade e responsabilidade social.
Nossas experiências também apontam para uma (re)aproximação crescente entre as atividades artesanais e as produções industriais, por meio de empresas e marcas que desejam imprimir novas concepções relativas a responsabilidade social nas comunidades e grupos de moradores, tanto nas favelas do Rio de Janeiro, quanto nas demais comunidades que atuam com artesanato nos demais cantos do Brasil.

Processos criativos e percursos experimentais

Forma e função não são o único destino para a elaboração de produtos. Delinear uma trajetória para a atividade do designer é propor uma expedição de reconhecimento aos modelos de sociabilidade nos quais estamos imersos. Assim, dicotomias conceituais entre design e artesanato determinantes de metodologias de trabalho poderiam ser postas de lado para se abraçar uma atuação em que designers possam ser vistos como profissionais que fugindo de lugares comuns buscam outros lugares, mais aprimorados. Para isto, o designer faz um deslocamento tendo na bagagem duas perguntas: Onde as imagens e os objetos estão sendo produzidos? e Como estas imagens e objetos são recebidos pelas pessoas? Para descobrir estes locais é necessário instalar-se em áreas que não são suas (originalmente). É necessário habitar objetos já existentes.
Se o passado moderno buscou honrar a razão humana, a necessidade de desvincular o entendimento homogeinezador da prática do design em busca da ideia de ‘progresso’, colocase como requisito para pensar outro destino e para se perguntar O que é um designer hoje?
Possivelmente uma resposta possa ser encontrada no pensamento de Lina Bardi que:

deixa claro que o projeto do desenho industrial não cumpriu suas promessas libertárias. A poética de John Ruskin e William Morris, que pretende dar consciência estética à produção de bens de consumo para as massas, cai no vazio. A época do racionalismo triunfante, cujo lema está patente no aforismo de Georges Braque, “amo a regra que corrige a emoção”, encerra-se amargando o fracasso, assim como o projeto de trazer as classes operária e camponesa ao paraíso. A emoção, aqui, corrige a regra, sobretudo enquanto a distribuição de rendas semear desigualdades (ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS ARTES VISUAIS, p. 31).

Longe de apenas pôr em melhor estado, ou fazer funcionar melhor o que é impreciso, o designer deve estar atento a inventar trajetórias entre signos. Deve propor que ligações sejam criadas entre os objetos em circulação. Desta maneira, o trabalho da emoção de corrigir regras estabelecidas tornar-se-ia um dos passos para se orientar em meio a um ambiente cheio de imposições de consumo. Regras tão presentes na promoção de produtos de vestuário/moda! A antiga pergunta Com que roupa eu vou? desdobrar-se-ia em outra, Que tipo de experiência eu quero ter com esta roupa? Isto nos aproximaria do pensamento de Nicolas Bourriaud que revela que “a obra de arte contemporânea não se coloca como término do “processo criativo” (um “produto acabado” pronto para ser contemplado), mas como um local de manobras, um portal, um gerador de atividades” (2009, p. 16). O produto da investigação de um designer também não deveria ser pensado como um “produto acabado” mas sim como um gerador de experiências.
Por este caminho a prática do design surgiria como um local aprimorado para experimentações sociais. Como assinala Cardoso “As formas dos artefatos não possuem um significado fixo, mas antes são expressivas de um processo de significação – ou seja, a troca entre aquilo que está embutido em sua materialidade e aquilo que pode ser depreendido delas por nossa experiência (2012, p.35).
Retomando a ideia anterior de expedição de reconhecimento realizada pelo designer e o que ela traz consigo, o encontro, muitas vezes inesperado, com imagens e objetos distantes da prática industrial, as ações de pesquisa e criação na presença de práticas artesanais revelariam que não existem receitas formais capazes de equacionar os desafios da atualidade (CARDOSO, 2012, p.41). Novamente, é necessário habitar objetos já existentes, sejam eles bordados, tecelagens, colcha de retalhos, fuxicos..., permitindo que sua materialidade ative o surgimento de metodologias projetuais particulares onde contaminações entre design e artesanato sejam postas como um verdadeiro percurso experimental, longe de uma rigidez metodológica e provocador do surgimento de artefatos que nos ajudem a interagir com o mundo.


Referências

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS ARTES VISUAIS. (São Paulo, SP). Arte Popular: Mostra do redescobrimento: catálogo. São Paulo, 2000.
BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Blucher, 2008.
__________. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2009.
FIELL, Charlotte & Peter. Design do século XX. Londres: Taschen, 2001.
FORNASIER, Cleuza B. R. et all. O ensino da disciplina de desenvolvimento de projetos como sistema de gestão do conhecimento. In: PIRES, Dorotéia Baduy. (Org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores Editora, 2008, p. 127-152.
MORAES, Dijon. Limites do Design. São Paulo: Estúdio Nobel, 1997.
MORAES, Dijon. Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Edgar Blücher, 2006.
MOURA, Mônica. A moda entre a arte e o design. In: PIRES, Dorotéia Baduy. (Org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores Editora, 2008, p. 37-73.
SCHNEIDER, Beat. O Design no contexto social, cultural e econômico. São Paulo: Edgard Blücher, 2010.
SOMMA JUNIOR, Nelson. Artesanato: patrimônio cultural. In: MOURA, Mônica. (Org.) .Faces do design 2: ensaios sobre arte, cultural visual, design gráfico e novas mídias. SãoPaulo: Edições Rosari, 2009, p. 145-151.

Notas

[1] Doutorando em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações PPGPSTO/UnB; Mestre em Cultura Visual e Bacharel em Design de Moda pela FAV/UFG. Professor Assistente do Curso de Design de Moda da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia.

[2] Graduada em Design pela PUC-Goiás, mestre em Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pós-graduada em Patrimônio Histórico e Musealização pela PUC - Minas Gerais. Professora assistente I da Faculdade de Artes Visuais/UFG, atua nos cursos de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade à distância e Design de Moda. Investiga questões relacionadas a identidades e subjetividades dos sujeitos através das representações visuais.

[3] Graduado em Geografia, bacharelado (1997) e licenciatura (2000) pela Universidade de Brasília, mestre em Artes pela Universidade de Brasília (2002). Professor assistente nível 2 da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Moda, atuando principalmente nos seguintes temas: corpo, performance e processos de criação.