ARTIGO
BIOJÓIAS EM CERÂMICA: O DESIGN NA PRODUÇÃO ARTESANAL DE UMA COMUNIDADE DA PERIFERIA LUDOVICENSE
Publicado por A CASA em 15 de Novembro de 2013
Por
Camila Contente Faria Soares
,
Luciana Bugarin Caracas
,
Denilson Moreira Santos
e
Larissa Lima Portela

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Ceramic biojewellery:design in craft production of an outskirts community from S.Luís
Resumo
Este
trabalho registra uma intervenção do design em um grupo de artesãs, da
periferia de São Luis, que produzem biojóias. Trata-se de um projeto que
desenvolve pesquisas em cerâmica, promove a qualificação da comunidade e
atua na criação e no aprimoramento dos produtos.
Aborda o conjunto
de ações integradas que envolveram a prática do design e construíram um
elo de extensão entre a comunidade acadêmica e a sociedade.
Palavras Chave: Design; Biojóias; Cerâmica.
Abstract
This
work registers a design intervention along a group of artisans women
from the outskirts of São Luis who produce biojewelry. This is a project
that conducts research with the ceramic, promotes the community
qualification and acts in creating and enhancing the products. Deals
with the set of integrated actions involving the practice of design, and
built up a link between the academic community and society.
Keywords: Design; Biojewelry; Ceramic.
Introdução
Desenvolvimento socioeconômico e cultural é desejo de toda sociedade e envolve
tanto a produção industrial quanto artesanal. A atividade artesanal é significativa em muitos países, especialmente no Brasil e promovê-la, principalmente na região nordeste, significa redistribuir melhor a renda e reduzir as desigualdades (CIPINIUK,2006). O artesanato, como um importante meio de inclusão sócio-econômica dos indivíduos sem ou com pouca escolaridade e qualificação, requer políticas públicas apropriadas, incentivo às práticas de responsabilidade social e empreendimentos de economia solidária.
Muito se fala em intervenção do design na produção artesanal, fato cada vez mais freqüente, seja na esfera pública ou privada. Instituições como as universidades – articulando ciência, ensino e sociedade - possuem um importante papel nesse processo, na medida em que promovem oportunidades, criam espaços e condições para que designers e estudantes possam intervir em grupos, associações e comunidades de baixa renda, exercendo, dessa forma, sua missão social.
Diante deste contexto surgiu o trabalho aqui apresentado, envolvendo o Curso de
Design da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e o Grupo ARZA, formado por artesãs que encontraram no trabalho associativo uma fonte de renda. Produzindo principalmente biojóias (produtos para ornamentação corporal ou acessórios de moda feitos preferencialmente com materiais naturais), vêm se estabelecendo como grupo produtivo nos últimos seis anos.
Porém, o competitivo mercado de bijuterias artesanais tem exigido esforços de
melhoria e inovação nos seus artefatos, fato que induz a novas buscas e parcerias com profissionais como designers. Fortificar conceitos, criando um diferencial, além de conquistar a mente e o coração do comprador, fazendo produtos de qualidade e de cultura elevada, segundo Krucken (2009), é o papel esperado do designer. É também fundamental a história contida e contada nos produtos.
No contato com o meio acadêmico, o grupo comunitário encontrou um apoio técnico e criativo junto ao Laboratório de Cerâmica do Curso de Design, que vinha desenvolvendo pesquisas de materiais - massa cerâmica - e novos produtos com argilas procedentes da região do Maranhão, particularmente de Rosário. A parceria representava uma oportunidade concreta de vivenciar o trabalho em design, transferir tecnologia, promover o artesanato local e contribuir para o desenvolvimento profissional, econômico e social da comunidade.
Os contatos foram iniciados em fins de 2009. O processo de intervenção em 2010 e 2011 contou com a adesão de mais de cinqüenta alunos voluntários, três bolsistas da extensão e dois da pesquisa. Dessa forma, desenvolveu-se novas composições em massa cerâmica, processos e técnicas foram adaptados à realidade local e do grupo, assim como novas experiências em relação ao processo de design foram colocadas em prática, criando-se mais de setenta novos produtos-colares com as artesãs.
Anteriormente, o grupo produzia bijuterias apenas com os tradicionais materiais naturais. Com base no processo de design e na aplicação de novas tecnologias, teve inicio a criação de biojóias com a inserção da cerâmica. A este material associou-se conceitos estético-formais relacionados à cultura maranhense e às linguagens contemporâneas. Assim, o objetivo é contribuir para o desenvolvimento do grupo, do artesanato contemporâneo maranhense e da valorização da cultura local.
As ações buscavam a interação entre trabalho intelectual e produtivo. A cada etapa realizada no processo – com reuniões, seminários, visitas técnicas, oficinas de criatividade e de qualificação em cerâmica, entre outros – destacavam-se questões como inovação, diferenciação, qualidade do produto, sustentabilidade ambiental e cultural, respeito aos conhecimentos, valores e especificidades locais e dos artesãos.
O grupo ARZA - mulheres produtoras de biojóias artesanais
O grupo ARZA é composto atualmente por dezessete mulheres moradoras dos bairrosbVila Embratel e Sá Viana, na periferia da cidade. Como já explicado, produzem bijuterias com materiais naturais (coco, madeira, babaçu, palhas, fibras de buriti, etc.), mas especialmente com sementes: açaí, jupati, jarina, flamboyant, saboneteira, chocalho de cobra, entre outras. Dentre as peças produzidas estão principalmente colares (figura 1), porém também fazem pulseiras, tiaras, fivelas, bolsas e outros acessórios da moda.
A criação do grupo se deu com o apoio do Núcleo de Extensão da Vila Embratel –
NEVE, órgão da UFMA, sendo até hoje o local de produção das artesãs.
Os produtos são comercializados pelas próprias artesãs principalmente em dois locais: na Universidade, ponto com maior movimento de consumidoras, na maioria mulheres jovens e adultas, que valorizam o trabalho do grupo e se interessam por artefatos relacionados à cultura regional; e no Centro de Comercialização de Produtos Artesanais do Maranhão- CEPRAMA, onde o movimento ocorre principalmente nos meses das férias escolares e o público é basicamente o turista. O grupo possui, também, um comprador internacional que, duas vezes ao ano, leva peças para revenda na Itália. Participam, também, de feiras, exposições, etc.
Na verdade, os produtos do grupo voltam-se para o artesanato contemporâneo ou urbano, em que o artesão deseja ser um empresário do ramo, sendo o ganho econômico e a sobrevivência sua principal motivação. Neste caso, as intervenções podem ir da matéria prima à gestão (Neto,1999). Estes sujeitos buscam melhorias em seus negócios e dependem de artefatos cujo valor de uso e valor de venda decorrem de sua relação com valores estéticos, simbólicos e culturais. No entanto, pôde-se perceber que essa expectativa, em grupos comunitários, vincula-se a muitas subjetividades e, em seis anos de história, verificou-se que as artesãs construíram relações não apenas de trocas materiais, mas também de afetividades, conflitos e confiança entre si e com diversos de seus compradores.
Compreendendo, problematizando e coletando dados: o contexto projetual
Recorreu-se a abordagens qualitativas e quantitativas na aproximação com o contextofoco dos trabalhos. Como projeto de extensão universitária em design, as ações aconteciam de maneira participativa, envolvendo e integrando alunos, professores e artesãs, tanto em etapas intelectuais, quanto produtivas.
Desse modo, todos tiveram acesso ao processo, podendo também trocar experiências e conhecimentos. Métodos, suas etapas e algumas técnicas, propostos por Munari (2008) e Baxter (2003) para fundamentar e direcionar as atividades, foram adaptados à realidade prática do projeto, em uma seqüência lógica: Compreensão da realidade/problema; Coleta e Análise de Dados (Preparação); Criatividade; Materiais e Tecnologias; Experimentação, Modelos, Verificações; Desenhos construtivos; e, por fim, determinação da chamada Solução.
Nas visitas técnicas ao Núcleo de Extensão-NEVE os alunos puderam conhecer as
artesãs e sua produção, os materiais e as técnicas utilizadas (figura 2).
Os contatos e pesquisas iniciais definiram as bases para toda a intervenção, que se seguiu com a delimitação dos componentes do problema, bem como os objetivos projetuais.
O projeto foi delineado visando desenvolver novas biojóias, explorando os materiais já utilizados pelo grupo e acrescentando a cerâmica como fator de inovação e diferenciação em relação às biojóias existentes no mercado local, cuja linguagem e material têm sido muito explorados e repetidos. Associados ao novo material e suas técnicas, conceitos estéticoformais seriam baseados na cultura e história local e poderiam utilizar tanto iconografias do projeto coordenado pela prof.ª Raquel Noronha, também do Curso de Design, quanto imagens e grafismo desenvolvidos pelos alunos voluntários da extensão.
Conhecer e analisar produtos e soluções existentes no mercado local, nacional e
global, inclusive aqueles produzidos pelo grupo, apreender tendências em moda e buscar referências culturais locais constituíram momentos da etapa “preparação”, de Baxter (2003).
A fase da preparação equivale à que Munari (2008) nomeia por coleta e análise de dados. De fato, esta se constitui da busca, compreensão e análise das informações pertinentes para o embasamento da etapa seguinte, a criatividade.
Para a pesquisa em âmbito local participou-se de eventos de moda, como o São Luís Fashion, onde se assistiu a desfiles e palestras sobre tendências de moda e acessórios.
Observações assistemáticas e sistemáticas foram feitas, registrando produtos diversos, inclusive, realizando entrevistas com vendedores e compradores de bijuterias em vários pontos de comercialização de São Luís, entre eles: Praça Central da Avenida Litorânea, CEPRAMA, Centro Histórico-Reviver, Feira da Criatividade na Praça Maria Aragão e duas lojas de acessórios em um shopping da cidade.
O Centro Histórico-Reviver e o CEPRAMA (figura 3) são os principais locais de
comercialização do artesanato maranhense. No Reviver, área de preservação considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, estão localizadas diversas lojas e barracas de artesanato e produtos da culinária regional. No CEPRAMA, antiga fábrica de tecido transformada em centro de referência do artesanato local, estão vários boxes. Nestes foram realizadas entrevistas em 16 pontos e se constatou que o consumidor de biojoias em geral são turistas do Brasil e do exterior, mulheres adultas que buscam a identidade local nos produtos, inclusive, demonstrando interesse pelas questões da sustentabilidade social e ambiental. Muitos querem saber quem produz, como se produz, como se extraem as sementes, etc.
Na Feira da Criatividade, evento que ocorre na primeira semana de cada mês e pretende incentivar o trabalho do artesão ludovicense, pôde-se notar, através das entrevistas, que o público predominante é o morador da ilha. O mesmo acontece na Praça Central da Avenida Litorânea, sendo que nesta a maioria dos compradores tem preferência por bijuterias sintéticas. As biojóias são compradas apenas por aqueles que vêem nos materiais naturais um valor cultural.
A pesquisa seguiu-se em duas das três lojas de bijuterias do maior shopping da cidade, na época. Seus principais consumidores são mulheres, moradoras locais, de maior poder aquisitivo. São lojas onde a exclusividade, a marca, a simbologia e status das peças têm prioridade, em detrimento de produtos artesanais relacionados à produção e cultura local.
Vendem artefatos assinados por designers de outras regiões como, por exemplo, Fabrizio Gianonne.
Quanto à pesquisa em âmbito nacional e internacional, foram desenvolvidas buscas em catálogos, eventos e sites na internet.
Uma análise paramétrica (BAXTER, 2003) foi realizada e aspectos quantitativos,
qualitativos e classificatórios contribuíram para a construção dos requisitos e características desejáveis nos produtos.
Os requisitos estruturais e de materiais implicam: o uso de distintos materiais com prioridade para os naturais (fibras, couros, cordões encerados, tecidos, sementes, cerâmica, coco, chifre, madeira, etc ), de forma que os sintéticos devem limitar-se a pequenas partes ou estruturas, inclusive podem ser elementos industrializados já existentes no mercado ou descartados de produtos em desuso; a cerâmica como matéria-prima indispensável; a integração dos distintos componentes, partes e elementos, criando unidades coerentes. O uso dos materiais já explorados pelo grupo é um requisito necessário, porém novas combinações de materiais, desde que acessíveis, devem ser exploradas.
Os princípios físico-químicos e técnicos de funcionamento do produto devem ser analisados em busca da melhor resistência possível, com o estudo do material e das formas mais apropriadas.
A interação direta entre produto e usuário (requisito de uso) deve refletir as variáveis peso, estética, simbolismo e tendências, sendo conveniente na sua relação com os indivíduos e não contendo riscos para a saúde, segurança, etc.
Os requisitos formais referem-se às características estéticas do produto e devem: apresentar acabamento de qualidade em todas as suas faces e partes; portar elementos semióticos que identifiquem o contexto em que está inserido; promover a identidade local através de imagens criadas pelos alunos da extensão ou com a utilização do projeto Iconografias do Maranhão.
Como técnico-produtivos, relativos aos meios e aos métodos de fabricação, estão: o uso de processo produtivo acessível pelo grupo de trabalho, ou seja, as limitações tecnológicas e a mão-de-obra local são fundamentais, mas deve-se buscar novas experimentações.
Sabe-se que é ingênuo supor que todos os requisitos serão plenamente atendidos ou que devem ter aceitação incondicional. É fundamental contextualizar.
Os três últimos eram prioritários.
O acabamento de qualidade é fator determinante para a aceitação dos produtos e foi citado pelas artesãs, no briefing, como sendo um de seus principais diferenciais frente à concorrência.
A identidade local, atrelada à imagem do grupo, é essencial para a valorização
simbólica dos artefatos. Este aspecto foi considerado relevante por todos os envolvidos no projeto da intervenção, inclusive um dos pedidos das artesãs foi no sentido de que o seu produto contasse uma “história”, uma “história” do Maranhão.
No requisito tecnológico, as técnicas de montagem dos colares já são conhecidas pela maioria das artesãs. A modelagem e vitrificação da cerâmica é o elemento novo. Envolve manualidade e maquinário, porém utiliza técnicas acessíveis e já utilizadas na região.
Simplificou-se ao máximo o processo produtivo visando adequá-lo às condições do grupo, como se verá mais à frente.
Mais detalhes foram discutidos e aprofundados. Em visitas a lojas de artigos para bijuterias (figura 4) buscou-se conhecer os materiais disponíveis no mercado, visando o uso de novos materiais que pudessem agregar valor aos colares. Fios, tecidos e detalhes diversos foram catalogados, bem como as diversas possibilidades de utilização destes.
Por fim, coletou-se dados acerca do bumba-meu-boi, tambor de crioula, dança do
cacuriá, reague, cachoeiras de Carolina, Lençóis Maranhenses, azulejos, calçadas e pedras de cantaria, entre outros e se compôs o repertório necessário para o desenvolvimento dos conceitos estético-formais.
As novas propostas deveriam considerar as referências da moda contemporânea, local e global, tendo em vista o principal público consumidor do grupo - mulheres jovens e adultas - e a criação de peças simbólicas, com valores relacionados à natureza, à tradição e à cultura maranhense. Seria focar tanto em biojóias comerciais, voltadas à venda cotidiana, quanto em simbólicas e exóticas a serem usadas para divulgação do grupo em desfiles e exposições.
Criando e selecionando alternativas
A etapa anterior forneceu material suficiente para a etapa da criatividade.
Diferentemente das idéias geradas ao acaso, a criação de alternativas se deu com o auxílio de técnicas adaptadas de Baxter (2003), a saber: “MESCRAI”, sigla que significa modifique, elimine, substitua, combine, rearranje, adapte e/ou inverta; e “Analogias”, ferramenta que nos traz como referência propriedades de outros objetos - no caso, o folclore, a tradição, os locais da nossa região. Ambas nos levaram a outras configurações (formais e funcionais) e novos significados.
Muitas alternativas surgiram. Uma seleção preliminar aconteceu com o uso de técnicas de votação e discussão entre professores e alunos. Em seguida, em seminários com a presença das artesãs, ocorreu a análise e seleção final. Nesses encontros, com os renderings, eram expostas as propostas e discutidos temas como design, tendências de mercado, particularidades do público consumidor, conceitos estético-formais, aspectos técnicos (materiais e execução), sustentabilidade, entre outros.
Pesquisando materiais e processos: a massa cerâmica, a modelagem e a vitrificação
Paralelamente ao processo criativo, experimentos aconteciam. Novas possibilidades de composição de massa cerâmica eram desenvolvidas, considerando a adição de resíduo de vidro, de pó de serragem e osso bovino à argila do tipo vermelha, advinda do pólo cerâmico do interior do estado, principalmente de Rosário.
Utilizou-se, para as bijuterias, a argila conhecida nas olarias como “raspa do torno”, ou seja, uma argila descartada no momento do torneamento de peças e não mais utilizada pelos ceramistas.
Esta argila é uma matéria-prima que, mesmo já tendo passado pelo processo de beneficiamento tradicional e artesanal característico da região, apresenta ainda muitas impurezas, até porque no torneamento, as raspas ou sobras vão sendo jogadas ao chão, em áreas sujas. A partir daí é ensacada e vendida seca.
É uma argila de grande plasticidade que, em seu estado natural, possui cor parda acinzentada, pelo alto teor de óxido de ferro, e, após a queima, adquire uma coloração avermelhada. Apresenta um índice de retração que varia entre 10 e 15% na secagem e queima que não deve ultrapassar 1050ºC.
Nas oficinas, pesquisas em busca de novas composições foram realizadas.
Resíduos de vidro decorrentes das vidraçarias da cidade eram moídos e adicionados à argila. A mistura apresentou melhorias consideráveis na qualidade da cerâmica, com a diminuição de trincas e rachaduras no processo de secagem, maior resistência, menor retração no processo de queima, etc. O vidro substituiu materiais como quartzo ou feldspato, os quais seriam mais caros e de difícil obtenção, já que viriam de outras regiões, como São Paulo.
Além disso, a substituição do material resultou em um processo mais ecologicamente correto, devido ao uso de resíduo de vidro e diminuição do lixo, redução de custos com compra e transporte, etc.
Outra experiência envolveu o uso do pó de serragem visando à redução do peso da
cerâmica. Após vários testes, a fim de verificar as porcentagens mais adequadas, chegou-se a um resultado de plasticidade satisfatória em que as peças ficaram 15% mais leves, favorecendo o conforto nos colares de maiores dimensões.
Já a adição de pó de osso na argila gerou texturas diferentes, porém a modelagem manual ainda não atende aos requisitos de qualidade de acabamento final. Mais testes ainda deverão ser feitos.
Quanto às técnicas de beneficiamento e produção, experimentos envolveram: a moagem e a purificação da argila a seco e molhada; o beneficiamento da matéria-prima para modelagem manual ou feitura de placas e da barbotina (suspensão espessa de argila, vidro e água); a modelagem manual, com placas e com moldes.
Diante de um grupo comunitário com poucos recursos econômicos para aquisição de equipamentos, a moagem e purificação a seco mostraram-se inadequadas. O uso da massa em placas de argila com o corte manual ou com ferramentas de corte apresentou complicações na execução, pois exigia maior habilidade manual, demandava maior tempo de trabalho e gerava sérias distorções na forma final das peças, comprometendo a qualidade.
O beneficiamento da argila molhada e a modelagem com o uso da barbotina, em moldes em gesso, e da massa cerâmica em ponto de couro, para as formas mais livres, foram os sistemas mais apropriados à realidade local, resultando em menos tempo, menos esforço físico e mais qualidade final. O processo é viável tanto com utensílios simples e baratos, como peneiras e acessórios de cozinha, quanto com o uso de equipamento como o moinho de bolas e peneiras, que poderão ser adquiridos posteriormente.
O método constitui-se em colocar a argila seca, a água e o vidro no moinho ou em deixar a argila em solução aquosa até que esta adquira uma consistência pastosa, quando se pode então retirar as impurezas da massa em peneiras domésticas de trama bem fechada e de baixo custo. Esta solução, após a adição do vidro, pode ser utilizada de duas maneiras: é derramada sobre placas de gesso e depois amassada, transformando-se em blocos apropriados para posterior modelagem manual de peças; ou é colocada em moldes de pressão ou colagem (figura 5), sendo retirada quando em ponto de couro, em configuração já delineada conforme projeto.
Após a secagem natural ou em estufa, as peças são lixadas e levadas à primeira queima, que ocorre em forno elétrico à temperatura de 900ºC.
Em seguida, vem outro momento de experimentações e testes: o envernizamento ou vitrificação. Trata-se da última fase do processo de produção da cerâmica. Os vernizes formam uma camada vítrea, fosca, brilhosa ou malte. A estética final da vitrificação era relativa ao projeto – sem detalhes ou com detalhes abstratos, figurativos, etc, caracterizando o design de superfície, que fortalecia as relações com a cultura local. Os detalhes eram executados com a técnica conhecida como “corda seca”, popular em trabalhos artesanais em São Luís (figura 6).
As oficinas: confeccionando peças em cerâmica e biojóias
Com as peças em cerâmica finalizadas, iniciava-se a fase de confecção ou montagem das biojóias. Materiais diversos eram utilizados. Alunos, professores e artesãs participavam das oficinas técnicas, colocando em prática a etapa de projetação de Munari (2008) – a Verificação. Nesse momento alguns projetos tinham aspectos reavaliados e modificados, devido a necessidades técnicas importantes para uma maior coerência entre as partes, a facilidade de manuseio/montagem e o acabamento de qualidade.
É importante lembrar que algumas alterações eram simples e pontuais. Outras eram mais amplas e inclusive novas idéias surgiam, indicando as possibilidades de mudança que poderiam ser elaboradas pelas artesãs na reprodução dos produtos. O fato significava a liberdade de intervir, criar e modificar, comum no artesanato, evitando a excessiva repetição dos produtos e criando a aura de único ou exclusivo.
O desenho técnico final e o memorial descritivo relativo a cada projeto de produto compunha um relatório ou caderno de referência para execuções posteriores.
Restava qualificar as artesãs na modelagem e vitrificação em cerâmica. Inicialmente o treinamento aconteceu na oficina/Laboratório de Cerâmica do Departamento de Desenho e Tecnologia da UFMA. Algumas artesãs foram indicadas pela coordenadora do Arza para esta tarefa, porém surgiram dificuldades com a conciliação entre horários para aprendizado, produção e vendas. As habilidades manuais também exigiam maior tempo de dedicação.
Reavaliações e modificações foram introduzidas no processo, explorando mais o uso de moldes e as oficinas foram transferidas para o Núcleo de Extensão da Vila Embratel (Figura 7). Os trabalhos continuam até hoje.
Organizando e divulgando resultados
A fim de preservar o conhecimento e os projetos desenvolvidos, foi produzido um
“caderno de referência”, ou seja, um manual contendo os dados necessários para a posterior reprodução dos artefatos. Cada projeto é apresentado com o rendering e/ou foto, o conceito, o designer (autor), os dados técnicos – materiais, desenho em escala do produto e desenho das peças cerâmicas em escala 1/1, etc.
O registro dos trabalhos também acontecia através da divulgação em reportagens na internet, como nas páginas do site da UFMA, em feiras e exposições nacionais.
No ano de 2010, o Grupo participou do Congresso de Águas Subterrâneas em São Luis, como representante do atrativo turístico do Maranhão, onde expôs, pela primeira vez, os colares e recebeu suas primeiras encomendas. No mesmo ano marcou presença na Feira de Artesanato da região - “Nordeste Criativo”.
Deve-se destacar, aqui, a seleção para a BIENAL BRASILEIRA DE DESIGN 2010 - Mostra “Novíssimos” - realizada em Curitiba, Paraná, com uma coleção de nove colares, que constam em livro publicado pela equipe da Bienal (figuras 8 e 9).
Outra coleção (figuras 10, 11, 12 e 13) foi selecionada para a IV Mostra Jovens
Designers 2011/2012, cuja exposição itinerante apresenta os trabalhos referência para o design brasileiro em cinco cidades, a saber: São Paulo, Recife, Curitiba, Milão e Belo Horizonte. Um livro-catálogo também foi criado.
Na Feira do Empreendedor 2011- EMPRETEC em São Luís, o SEBRAE-MA montou
um stand para as biojóias em cerâmica, visando apresentá-las como exemplo de qualidade e inovação do artesanato local (figura 14).
Considerações finais
Esta foi uma experiência multi e interdisciplinar, onde os participantes relacionaram conhecimentos de diversas áreas - design, produção, engenharia de materiais, educação, arte, comunicação e semiótica, economia, etc. - tendo em vista fatores sociais, humanos, tecnológicos, estéticos, organizacionais, entre outros mais.
Trata-se de vivenciar na prática o processo de design e explorar técnicas artesanais de produção, indicando uma possibilidade de trabalho profissional para os designers.
Associações, empresas públicas e privadas, Universidades, pesquisa, qualificação e design são partes essenciais na construção dos objetos, da cultura material e das relações na sociedade.
Se um objeto pode estar atrelado à modernidade, à inovação conceitual, formal e tecnológica, pode também promover valores subjetivos, tradicionais, emocionais e culturais, destacando aspectos tanto locais como globais, que interferem nas relações do trabalho, nas trocas econômicas e simbólicas.
Os artefatos e as vivências constituem-se em um contexto que se transforma sempre.
Por esse tempo, as artesãs tiveram acesso a novos conhecimentos, materiais e técnicas que podem ser, inclusive, aplicados a outras categorias de produtos. As ações contribuíram para o desenvolvimento do potencial artesanal do grupo, atuando na criação, inovação e aprimoramento dos produtos, ampliando suas possibilidades frente a um mercado tão competitivo. O processo continua em curso. As ações por vir devem contribuir para a sustentabilidade e permanência das conquistas.
Referências Bibliográficas
BAXTER, Mike. Projeto de Produto: guia prático para o design de novos produtos. 2ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2003..
CIPINIUK, Alberto. Design e artesanato: aproximações, métodos e justificativas. In: 7º P&D DESIGN, out 2006. Anais do 7º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Paraná, 2006.
KRUCKEN, Lia. Design e Território. Valorização de identidades e produtos locais. São Paulo: Nobel, 2009.
MANZINI, Ezio. Design para a inovação social e sustentabilidade: comunidades
criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. Rio de Janeiro: E-papers, 2008.104p.
MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
NETO, Eduardo Barroso. Diseño y artesania. In: 1ª Jornada Iberoamericana de Diseno em La Artesania. Documento Tecnico. Fortaleza-CE-BR, 1999
NORONHA, Raquel; OLIVEIRA, Hamilton; ANDRADE, Camila [orgs]. A cultura afromaranhense através de imagens. São Luís: Edufma, 2009.