Figura 1A-F: Extração do barro na jazida do Carmo. Fonte: Thiago Guará
ARTIGO
DESIGN E PRODUÇÃO ARTESANAL EM CERÂMICA: UM ESTUDO DE CASO EM ROSÁRIO – MA
Publicado por A CASA em 6 de Agosto de 2014
Por
Luciana Bugarin Caracas
,
Denilson Moreira Santos
,
Thiago Duarte Guará
,
Jocy Meneses dos Santos Jr
e
Elí James da Silva Guedêlha

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Design and handmade ceramic production: a case study in Rosário – MA
Resumo
Trata da produção artesanal em cerâmica e da possibilidade de intervenção do designer em seu processo. Tem como estudo de caso um grupo de ceramistas da cidade de Rosário – MA.
Busca apreender a realidade do grupo, seu sistema produtivo e, a partir disso, propõe melhorias preliminares de cunho estratégico no desenvolvimento de produtos e no arranjo físico.
Palavras Chave: design; produção artesanal; cerâmica.
Abstract
Handcrafted ceramic production and the possibility of a designer intervention in the process are demonstrated. As a case study, it has been chosen a group of potters from the city of Rosario – MA. The realities of the group, its production system are apprehended and, from that point, preliminary improvements of strategic nature related to product development and physical arrangement are proposed.
Keywords: design; handmade production; ceramic.
Introdução
Este artigo aborda a relação entre cerâmica e design, tendo um grupo de artesãos da cidade de Rosário, no estado do Maranhão, como estudo de caso que envolve um dos sistemas de produção artesanal característico da região e pretende propor, de forma preliminar, melhorias nesse processo. Mais especificamente, busca apreender a realidade do trabalho do grupo em questão, abordando aspectos relativos à estratégia de negócios, ao desenvolvimento de produtos e ao espaço físico.
A região de Rosário é considerada um dos principais polos cerâmicos maranhenses e se caracteriza por ser uma localidade onde há abundância, tanto de matéria-prima (argila), quanto de produção de artefatos. Destacam-se os produtos destinados à construção civil (tijolos e telhas em cerâmica vermelha) nas empresas de maior porte e as peças utilitárias e decorativas produzidas por grupos de artesãos.
O sistema artesanal de produção em cerâmica, envolvendo a elaboração de peças à mão, resume-se a três técnicas básicas: a modelação, o torneamento e o molde (FRIGOLA, 2002), sendo que cada uma delas implica etapas específicas nas quais os profissionais repetem quase sempre o mesmo processo, diferenciando-se entre si pela habilidade do artesão em combinar e criar efeitos, além de seu domínio plástico do material.
E, dentre as técnicas citadas, o fazer cotidiano em Rosário adotou o uso do torno.
O grupo objeto do estudo de caso
Nosso estudo tem como foco um grupo de uma olaria existente há mais de 50 anos, cuja produção inicialmente se resumia em fazer potes, vendidos em grande quantidade, tanto na própria localidade, quanto em outros municípios, visto ser comum guardar água potável neste tipo de vasilhame. Com o tempo, outros produtos foram ganhando espaço na produção, como filtros, manilhas e vasos.
Os avanços tecnológicos e as mudanças nos hábitos de consumo exigiram a busca por novos rumos, o que, ainda hoje, representa um desafio para os oleiros, estando atualmente limitados a produzir filtros, vasos, porquinhos, entre outros itens, para o mercado local e regional.
O processo produtivo segue técnicas rudimentares. Inicialmente a argila é retirada dos barreiros nas adjacências do Rio Itapecuru, conhecida como Carmo, cedida pela prefeitura da cidade. Após amassado com os pés, o barro é vendido aos oleiros em blocos ou “bolas” (Figura 1A-F).
Na olaria, o barro é estocado (figura 2A-C) e a chuva se encarrega de umedecer a
matéria-prima em parte do ano, enquanto no verão, é molhada duas a três vezes ao dia.
Nas tarefas diárias, retiram-se com um fio de nylon as impurezas ou matérias não
argilosas e faz-se um amassamento manual da argila umedecida, a fim de eliminar bolhas de ar e conseguir uma pasta mais consistente e uniforme, montando-se então, os impelos ou blocos tratados prontos para o uso no torno (figura 3A-D).
A modelagem (figura 4A-D) é feita em torno movido pela força do pé do oleiro. O
artesão também utiliza suas mãos, água e algumas ferramentas são utilizadas para conformar a peça em um processo empírico, com as dimensões estabelecidas pela visão e pequenas réguas improvisadas. Em seguida, as peças passam pela pré-secagem, apoiadas no piso do barracão e seguem para o acabamento final realizado com facas, escovão e pedaços de plástico.
As peças, então, ficam armazenadas em outro barracão até a secagem final, quando vão para a queima em um forno do tipo Caieira (figura 5A-D).
Os produtos são, finalmente, destinados à comercialização, excetuando-se os filtros que recebem no torno, uma pintura de linhas simples, com tinta a óleo (figura 6A-C).
O desenvolvimento das tarefas durante o ciclo produtivo na olaria (figura 7) conta com ferramentas, acessórios e equipamentos diversos, muitas vezes criados ou adaptados pelos artesãos, como fio de náilon, pedaços de plástico, colher, pedra, etc.
O espaço físico (figura 8) conta com uma área de aproximadamente 265m² em que: o estoque, beneficiamento da matéria-prima e modelagem ocupam uma área de 142m² (E e F); a queima abrange um espaço de 77m² (B, C e D); o estoque e a venda de produtos finalizados estão alocados em um cômodo de 46m² (A), que também funciona como depósito de materiais diversos.
No local acima citado, o trabalho acontece de forma hierarquizada e o controle do
artesão sobre todo o processo produtivo caracteriza o sistema artesanal, como é o caso do grupo em estudo que, no entanto, associa esse controle à divisão do trabalho.
As tarefas são divididas segundo as habilidades e o tempo de vivência em olaria, o que no grupo se traduz nas funções de aprendiz, ajudante e oleiro.
O iniciante aprendiz, em muitos casos, começa o ofício muito jovem (entre oito e doze anos) e tem como tarefas: limpar o barro, juntar argila excedente (raspa) do torneamento, ajudar a enfornar e desenfornar as peças, entre diversas outras. Quando é promovido a ajudante, tem como principal tarefa limpar e amassar o barro e dar polimento nas peças modeladas. Já o oleiro domina todo o processo e sabe fazer peças com precisão no torno, trabalho considerado difícil, segundo depoimento dos próprios artesãos, que necessita de dedicação e paciência.
O mercado de produtos cerâmicos em Rosário e São Luís MA
Realizamos visitas a olarias, lojas, centros de artesanato e feiras com o objetivo de compreender aspectos do mercado de artefatos em cerâmica como: a tipologia dos produtos vendidos, o perfil dos consumidores desses produtos, o ponto de venda (PDV), os preços praticados, as embalagens, entre outros. O procedimento metodológico baseou-se na observação direta (assistemática/sistemática) com registro fotográfico e caderno de campo, complementados por entrevistas semi-estruturadas para orientar a coleta de dados junto aos trabalhadores e clientes escolhidos aleatoriamente nos locais de venda.
Com base nos dados coletados, concluiu-se que em Rosário, os produtos mais comuns são os filtros, vasos, cofrinhos, as tigelas, objetos para decoração, panelas e potes com pouco aceitação entre os próprios habitantes. A maioria dos consumidores é formada de comerciantes de outras cidades como Viana e, especialmente, São Luís, ou seja, o mercado apresenta-se sem grandes perspectivas para venda local, pois os moradores pouco exigentes de Rosário procuram produtos de baixo custo. Os compradores vindos de outras cidades também consideram o valor econômico no momento da aquisição das peças, porém selecionam aquelas com maior qualidade. Há também outro grupo de consumidores mais frequentes: as pessoas que estão de passagem pela cidade, muitos indo para Barreirinhas, região dos Lençóis Maranhenses.
Já em São Luís, capital do estado, os produtos cerâmicos (vasos diversos, casas de passarinho, luminárias, objetos para decoração, potes, garrafas, tigelas, souvenires, bolas para jardim, etc) têm grandes perspectivas comerciais devido ao crescimento do paisagismo e a valorização (status) do uso de peças com valor sociocultural, existindo, portanto, uma maior diversidade do público consumidor, dividido em: um grupo fácil de contentar que compra em feiras e mercados populares; os advindos do turismo que são um pouco mais exigentes; e os moradores locais que se preocupam com a aparência e o status de seus espaços (trabalho/moradia/lazer), sendo bastante criteriosos ao buscar lojas especializadas em ambientação, com o suporte de designers e arquitetos, em alguns casos.
A comercialização dos produtos em cerâmica: caminhos possíveis
Após conhecer o trabalho do grupo, efetuar levantamentos, analisar os dados
coletados, registrar e avaliar os artefatos, refletimos sobre as solicitações e necessidades que nos foram apresentadas sob a forma de uma complexa realidade pautada na busca estratégica por melhorias.
Segundo Baxter (1998), a primeira pergunta a se fazer no desenvolvimento de uma estratégia é: “onde estamos?”. Portanto, em relação ao mercado, é necessário entender o atual posicionamento dos produtos do grupo e, para tanto, realizamos um mapeamento (figura 9), considerando a cerâmica em Rosário e São Luís, categorizando-a segundo o consumo (elitizado/popular) e sua estética/acabamento (requintado/rústico).
No quadrante “A”, produtos mais requintados e elitizados estão à venda em lojas
voltadas ao design de interiores/decoração que contemplam produtos nacionais e importados, associados ao prestígio de marcas/fabricantes ou pelo acabamento de alta qualidade (diferenciado), visando um público de poder aquisitivo superior.
No setor “B”, entendido como requintado e popular, localizam-se lojas de artesanato com produtos de boa qualidade, acabamento primoroso e que intencionam retratar a cultura do lugar onde foram produzidos, destinados a um consumidor formado, em sua maioria, por turista de renda variável.
No quadrante “C”, rústico e elitizado, encontram-se as lojas de paisagismo e
jardinagem onde os produtos vendidos são simples, de qualidade e buscam caracterizar grupos e locais de produção, tendo como principais clientes os moradores de São Luís, com poder aquisitivo diverso.
No setor “D”, produtos rústicos e populares, consideramos a maioria das olarias
artesanais de Rosário, pois seus artefatos tem uma simplicidade específica e interessante, porém muitas vezes apresentam-se com problemas decorrentes do processo produtivo, como a manipulação, o armazenamento e os detalhes do acabamento. Nesse sentido, seu valor de troca é reduzido entre o público-alvo que varia de moradores locais a pequenos e grandes revendedores, cujo poder aquisitivo oscila conforme seu perfil.
Assim, compreendemos que os produtos do grupo em estudo se localizam no
quadrante “D”, apresentando potencial para ampliação de mercado em dois caminhos possíveis: inserção no quadrante “C” (rústico/elitizado – lojas de jardinagem/paisagismo) ou direcioná-lo ao “B” (requintado/popular – lojas de artesanato).
A opção pelo setor “C” pode envolver a produção de peças para jardins, tais como
vasos de estilos e tamanhos variados, e também luminárias de diferentes tipos (arandelas, balizadores, pendentes, etc). Já a opção pelo quadrante “B” requer a produção de peças que receberão tratamento de superfície (pintura a frio/vitrificação/detalhes em materiais diferentes) executado por outros profissionais – mandalas, vasos, garrafas, pratos, copos e tigelas, somando-se novas possibilidades à produção habitual dos artesãos.
Diante das possibilidades apresentadas, considerando a realidade econômica, estrutural e cultural do grupo, bem como o crescimento do design de interiores e do paisagismo, optamos por desenvolver sugestões preliminares de produtos para jardins, nos reportando ao artesanato contemporâneo com vasto campo de intervenção para o design.
Dessa forma, visamos atender às novas necessidades funcionais, estéticas e simbólicas relativas às áreas externas de espaços privados e públicos, pois jardins, varandas, fachadas, muros, playgrounds e garagens tem se destacado nos imóveis e construções, despertando valores subjetivos que representam vivências, ideologias e reconhecimento socioeconômico e cultural dos indivíduos. Em suma, significa produzir vasos para plantas, peças decorativas, objetos lúdicos, luminárias e muitos outros.
Face ao cenário identificado, os novos produtos podem apresentar os seguintes
atributos:
1. Tamanho – grande, médio ou compacto;
2. Conter diversidade de materiais na sua estrutura e acabamento – utilização de
peças/acessórios pré-existentes no mercado ou reuso de materiais/componentes descartados de outros produtos;
3. Enfoque sociocultural fortalecido por sua especificidade produtiva baseada na
tradição do fazer manual local;
4. Soluções estético-formais inovadoras decorrentes da intervenção de designers,
por meio de parcerias com instituições públicas, privadas ou organizações não governamentais.
Um caminho estratégico
O que, como e onde se faz, quais as preferências do consumidor, as tecnologias, a logística, a responsabilidade social, ou seja, os desafios do trabalho, do mercado, da tecnologia e do meio ambiente são questões intrínsecas à administração da produção, fundamental para a existência de qualquer organização (SLACK, 2002).
Antes de ser adotada qualquer estratégia empresarial, deve-se atentar às
particularidades do sistema artesanal que, em sua essência, indica o domínio do artesão sobre as diversas fases do processo produtivo – da aquisição da matéria-prima até a venda, ou seja, uma verdadeira conjunção de tarefas, diferentemente das grandes organizações que destinam profissionais para desempenhar funções específicas.
Outro ponto seria promover o crescimento e a sustentabilidade da organização que, segundo Slack (2002), a nível operacional, está ligado aos seguintes objetivos de desempenho: a) executar suas atribuições adequadamente, obtendo “qualidade”e diminuindo o retrabalho, o desperdício de tempo e de materiais; b) fazer com “rapidez” e no tempo previsto para atender aos prazos de entrega, garantindo a “confiabilidade”; c) adaptar-se às circunstancias para, quando necessário, variar produtos ou prestar atendimento personalizado, adquirindo “flexibilidade”; d) produzir mediante “custos apropriados” ao mercado que viabilizem o retorno financeiro ou lucro.
O sucesso decorrente das medidas acima favoreceria os consumidores, os
fornecedores, a sociedade e, especialmente, os artesãos, com pagamento justo por seus produtos, condições de trabalho adequadas, estimulando o interesse e a permanência nesse ofício.
Tais considerações resultaram na intervenção em design junto ao grupo de oleiros da cidade de Rosário – MA, no qual os sujeitos desenvolvem diferentes tarefas, havendo uma divisão do trabalho operacional, nem sempre eficiente.
Quanto à organização e ao planejamento, constatou-se que inexiste qualificação para funções de desenvolvimento de produtos, rotinas administrativa e contábil-financeira, marketing, vendas e recursos humanos, agravado pelo fato de o trabalho cotidiano fluir empiricamente sem controle de qualidade, do volume de produção, do estoque, dos custos e a suspensão do registro das vendas. Além disso, as atividades são interrompidas para atender outras demandas e o contato com o consumidor é informal, sem espaço adequado para este fim. Toda essa carência na gestão do empreendimento compromete suas expectativas futuras.
No propósito de iniciar o processo de mudança no grupo, propusemos, em curto prazo introduzir melhorias no tratamento e composição da matéria-prima, assim como no acabamento dos produtos, organizar o espaço (trabalho/armazenamento/vendas), melhorar o acesso à área de exposição das peças, reformular o atendimento ao cliente, destinando um local apropriado para sua acomodação, oferecendo pequenos benefícios como café, água e lanches típicos da região servidos em utilitários de cerâmica produzidos pelo grupo.
Em médio prazo, faz-se necessário investir na reforma do espaço de exposição e venda dos produtos, promover cursos de capacitação destinados a sistematizar as compras, a produção, comercialização e o atendimento, contratar novos oleiros para que o coordenador ou líder possa, de forma mais eficaz, acompanhar e controlar os trabalhos, além de atender efetivamente os clientes, identificando novas oportunidades de mercado e, também, desenvolver uma identidade visual para o grupo (marca/cartão de visitas/embalagens).
A perspectiva em longo prazo pode priorizar uma reforma na estrutura física dos
espaços de produção visando, inclusive, permitir visitas culturais que divulguem o fazer artesanal, bem como a bela paisagem local apreciada junto ao rio, a venda por catálogo, a consolidação da marca, a criação de um sistema de transporte e distribuição dos produtos.
Trata-se, pois, de planejamento e inovação baseados em uma estratégia bem definida que permite aproveitar as oportunidades e alcançar os objetivos. No grupo em questão, apesar dos muitos obstáculos enfrentados, a busca por novos produtos e mercados é um começo plenamente viável.
Novos produtos: alternativas iniciais
As informações apuradas até aqui nos levou à criação de modelos-padrão para os
artefatos cerâmicos, servindo de referência técnico-produtiva em sua execução visando a melhoria tanto da superfície, quanto dos aspectos estético-formais que irão promove uma renovação na imagem das peças confeccionadas. Assim, foram desenvolvidas quatro alternativas (figuras 10 a 14): vasos, luminárias e uma mesa de apoio, para jardins, produzidos em série e conforme o processo produtivo artesanal do grupo, nos quais serão possivelmente testados novos materiais associados à argila, como o resíduo de vidro.
Sugestões preliminares de melhorias no arranjo físico
Em se tratando da organização do espaço de trabalho, armazenamento e venda das peças foram pensadas proposições preliminares, pois novas pesquisas e testes devem aprofundar o tema.
O termo arranjo físico, baseado em Slack (2002) e Caracas (2008), refere-se à
disposição dos elementos que melhor conjuguem as instalações, as máquinas e equipamentos, os materiais, a administração, o pessoal da produção, a movimentação de pessoas e de recursos materiais, ou seja, envolve a melhor combinação de tudo que concorre para a produção ou serviço, dentro de um espaço disponível.
Como são muitas as ações necessárias, abordaremos alguns aspectos mais
emergenciais, apreendidos através da observação assistemática e sistemática realizadas nos quarenta dias de permanência na olaria, e também, nas conversas informais que tratam da implantação de um ambiente mais favorável ao trabalho pautado no(a): ordem, limpeza, diminuição das perdas e danos de materiais/produtos, motivação, autoestima e satisfação dos artesãos, melhor comunicação, coordenação e supervisão. Outro ponto relevante seria a
criação de um espaço que melhor receba os clientes e visitantes, causando um impacto positivo com a diminuição da confusão visual, além de valorizar os produtos, expostos de maneira adequada.
Após o levantamento e análise das dimensões dos espaços, produtos, fluxos e
necessidades, verificamos possíveis mudanças estruturais e organizacionais.
No local destinado ao beneficiamento da matéria-prima e execução das peças, o barro armazenado fica no chão, próximo ao rio. No galpão, a limpeza e a preparação do impelo é realizada em bancos (figura 15) e, logo à esquerda, acontece o torneamento e a modelagem.
Entre os problemas identificados, o espaço de circulação é inadequado, o fluxo de pessoas interrompe a atividade, o ambiente está constantemente sujo, com muitos restos de argila, que comprometem a qualidade do produto e as ferramentas são colocadas juntas em uma só caixa, dificultando a localização das mesmas.
Para este espaço, sugerimos bancadas de madeira (com posterior estudo ergonômico), colocadas ao lado esquerdo para o beneficiamento e a modelagem manual sem torno (figura 16). Em frente a elas ficariam dois tanques de tijolo para armazenar a argila e facilitar o acesso à matéria-prima e, no lado direito, os três tornos posicionados, com espaço mais livre para a circulação de pessoas e mercadorias. Próximo às escadas de acesso à área de secagem, estariam as prateleiras, sendo uma para guardar a matéria prima já tratada, ensacada e pronta para uso (impelo), e outra para guardar caixas com ferramentas separadas por funções de uso.
No setor de estoque e secagem (figura 17), a organização, a circulação e a forma de disposição das peças comprometem a qualidade dos produtos que, sobrepostos e em contato direto com o piso, ficam suscetíveis ao acúmulo de sujeira, a uma secagem irregular e a quebras ou deformações devido à circulação das pessoas que tropeçam neles.
A proposta é reorganizar (figura 18), dividindo o espaço com prateleiras em duas
partes: uma para a primeira secagem e outra para a secagem final, após o tratamento de superfície dos produtos. Assim, os problemas são amenizados e o espaço passa a comportar um maior número de peças.
Após a secagem e a queima, os produtos são armazenados em uma sala, aguardando a venda. No interior desta (figura 19), os produtos e outros artigos (jornais/papelões/madeira) estão alocados desordenadamente pelo piso, comprometendo a circulação, a visualização e a valorização dos artefatos, evidenciado pela presença do cliente equilibrando-se sobre tábuas de madeira.
Assim, optou-se por móveis simples, executáveis com materiais e mão de obra locais, ocupando a mesma área construída, o que melhoraria o acesso, a circulação, a exposição e, consequentemente, a venda dos produtos (figura 20).
Atendimento profissional e conforto também podem ser melhorados, pois muitos
clientes permanecem na olaria aguardando o transporte e a falta de espaço próprio (figura 21) compromete a imagem do grupo. Portanto, a criação de um local (figura 22) onde clientes pudessem sentar e até usufruir da bela paisagem junto ao rio permitiria a exposição de peças e a venda de alimentos regionais, oportunizando a geração de rendas secundárias.
Com relação à área externa (figura 23) de acesso à olaria, prevalecem valas, sujeira e vegetação descuidada. Esta falha seria resolvida com a construção de um caminho preservando a vegetação nativa e criando um jardim (figura 24) com plantas típicas, mescladas às peças cerâmicas do grupo que destacaria o espaço na paisagem, além de atribuir uma identidade ao local.
Enfim, a partir do espaço existente (figura 25), foi elaborado um leiaute contendo as modificações sugeridas (figuras 26 e 27) que, embora ultrapasse a atual realidade econômica do grupo, implica uma abordagem mais profunda ao tratar de pontos citados pelos artesãos, buscando despertar a consciência do seu potencial cultural produtivo e mercadológico.
Conclusão
A experiência e o conhecimento adquiridos junto ao grupo contribuíram para a
construção de olhares diversos sobre o sistema artesanal de produtos cerâmicos em Rosário – MA, abordando seu processo produtivo, as hierarquias, relações de trabalho, dificuldades, os anseios, desejos, e muitos outros aspectos que despertaram ideias e expectativas.
Diante dos fatos, as diversas s vivências significavam uma enriquecedora troca de
saberes: o acadêmico (sistematizado por sucessivos estudos) e o empírico (transmitido e perpetuado de geração a outra).
Então, como intervir em processos e realidades tão complexos, propondo o que seria viável, possível ou ideal?
Grandes mudanças envolvem tempo e maiores investimentos, mas partem da firme percepção de que novos comportamentos são vitais. No caso dos artesãos, em um breve espaço de tempo, observamos a vontade de melhorar os produtos, refinar os acabamentos, aprimorar suas habilidades, tal como as reflexões iniciais sobre a gestão dos negócios, enfim, a valorização de um trabalho ancestral.
Dessa forma, o design e o planejamento podem ser verdadeiras ferramentas para o aprimoramento dos produtos, a organização da produção, culminado no crescimento e fortalecimento de grupos artesanais unidos em prol de uma atividade específica.
O estudo aqui apresentado requer pesquisas e intervenções adicionais que deverão ser desenvolvidas para aprofundar o conteúdo apreendido, verificando novos aspectos, visando beneficiar, não apenas o grupo em questão, mas todo o polo cerâmico artesanal da cidade de Rosário - MA.
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