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A CASA E O MUNDO
Revista Movendo Ideias ISSN: 1517-199x Vol. 17, Nº 1 - janeiro a junho de 2012 Ver-as-Ervas sofreu variações metodológicas que diferem do padrão exercido pela maioria dos profissionais que atuam no ca














ARTIGO

O DESIGN PARTICIPATIVO COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CULTURAL DA ASSOCIAÇÃO VER-AS-ERVAS, EM BELÉM-PA.

Publicado por A CASA em 5 de Maio de 2014
Por Sâmia Batista e Silva

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Resumo

O presente artigo relata de forma sucinta pesquisa realizada sobre o projeto de design participativo conduzido entre os anos de 2006 e 2007 pelo escritório Mapinguari design com a Associação Ver-as-Ervas – Associação das Erveiras e dos Erveiros do Ver-o-Peso –, em resposta a uma solicitação da empresa de cosméticos Natura, que culminou no estabelecimento de uma identidade visual para representar a referida associação.

Palavras-chave: design, participação, identidade cultural.

1. Design Participativo: o desenvolvimento de uma nova maneira de projetar.

Entre os anos de 2006 e 2007 foi desenvolvido, de forma participativa, o Sistema de Identidade Visual da Associação de Erveiros e Erveiras do Ver-o-Peso. A metodologia participativa em design gráfico era, até aquele momento, inédita. A reflexão sobre esse processo foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura – Mestrado – em setembro de 2011, em pesquisa com o título “Comercializando tradições: o Design Participativo como elemento de valorização da produção cultural da Associação Ver-as-Ervas, em Belém-PA”.
Como Sistema de Identidade Visual entende-se a configuração visual dos conceitos apresentados por uma instituição ao seu público atendido. Esses conceitos são representados simbolicamente por meio de elementos gráficos, cores e relações espaciais, conferindo identidade à instituição. Em termos práticos, configura-se por meio de um logotipo, símbolo, cores e alfabeto institucionais.
O Design Participativo baseia-se na metodologia projetual de design, que busca a solução gráfica mais adequada para o estabelecimento simbólico dos conceitos trabalhados pela instituição. Por meio de entrevistas com o cliente e o público alvo, com o uso de pesquisas sobre a concorrência e definição simbólica dos conceitos, parte-se em seguida para a concepção da solução gráfica. Posteriormente, uma vez testada e aprovada, a solução gráfica é institucionalizada e aplicada em diversos suportes de uso. Esse percurso divide-se assim em três fases: problematização, concepção e especificação. No Design Participativo esse percurso é tradicionalmente seguido, porém com a colaboração do cliente, como foi o caso da Associação Ver-as-Ervas.
Em linhas gerais, o projeto de identidade visual realizado pelo Mapinguari design com a Associação Ver-as-Ervas sofreu variações metodológicas que diferem do padrão exercido pela maioria dos profissionais que atuam no campo do design gráfico. De forma experimental, os erveiros e erveiras foram envolvidos na concepção do projeto, o transformando então em um modelo participativo. Associados e designers trabalharam juntos para reunir dados e estudar as características marcantes do cotidiano das erveiras e erveiros. Configurou-se um processo de percepção cultural desenrolado através do método de design, e materializado iconograficamente por meio de oficinas de desenho, fotografia e pintura. O universo revelado foi refinado pelo escritório e culminou no estabelecimento da marca e da linguagem visual hoje utilizada pelo grupo, que votou em assembléia pela escolha da marca final.
O desdobramento dessa nova prática de design proporcionou a repetição desta experiência com outras organizações de base comunitária. A Associação Ver-as-Ervas foi a pedra fundamental desta nova maneira de projetar. As outras experiências que se seguiram foram igualmente importantes, sendo úteis para solidificar a metodologia proposta naquele primeiro momento. Foram realizadas intervenções na Associação Comunitária dos Artesãos e Lapidários de Floresta do Araguaia – ACOALFA (2008), na cooperativa Cardume de Mães, em São Paulo (2009) e no grupo de mulheres ceramistas de Parauapebas – Associação Mulheres de Barro (2010).

2. Os sujeitos da pesquisa: a Associação Ver-as-Ervas.

É no principal ponto turístico de Belém – o mercado do Ver-o-Peso –que encontram-se os sujeitos da pesquisa: a comunidade de erveiros e erveiras, atualmente congregados sob a denominação de Associação Ver-as-Ervas. Ocupando o conjunto de barracas localizado ao lado do mercado de peixe, constituem uma pequena parte da maior feira livre da América Latina, onde são comercializadas crenças e saberes materializados em garrafadas, perfumes, banhos, cremes e sabonetes, além de ervas frescas e secas, óleos, cascas e outros itens, beneficiados artesanalmente segundo tradições seculares. Contando com aproximadamente 80 barracas, é sem dúvida, um dos setores mais visitados da feira.
À época do desenvolvimento da metodologia participativa em design, a recém constituída Associação Ver-as-Ervas contava com 102 participantes, e passava por um momento de fortalecimento institucional e organizacional provocado pelo processo de negociação que se desenrolava com a Natura Cosméticos. Na pesquisa optou-se pelo não- julgamento da empresa Natura com relação às negociações efetivadas com a referida associação. A descrição dos fatos se deu unicamente pela necessidade de apresentar o processo de constituição jurídica da Associação.
No processo de constituição legal da associação, os erveiros e erveiras contaram com o auxílio da OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Instituto Peabiru, que criou o Estatuto com base nas exigências dos associados. A negociação com a Natura resultou em um acordo pioneiro no Brasil. Com os recursos provenientes da conciliação, foi possível à Ver-as-Ervas adquirir sua sede, inaugurada no dia 9 de janeiro de 2006. O uso da sede previa essencialmente a manipulação e estoque adequados das ervas, em melhores condições de higiene e segurança.
O Instituto Peabiru, ao assumir o papel de intermediar a aplicação dos benefícios advindos do acordo, diagnosticou a situação da Associação e levantou as suas principais necessidades, como foi o caso da sede. Outra necessidade apontada foi o projeto de identidade visual. Diagnosticou-se que a referida associação precisava se apresentar ao mercado por meio de uma marca aplicada em seus produtos e todas as outras interfaces com os clientes (uniformes, sinalização, embalagens, dentre outros). Atualmente, o Instituto Peabiru não possui nenhuma relação formal com a Associação Ver-as-Ervas, prestando apoio somente quando solicitado. À época em que mediava o acordo entre as duas organizações, o Peabiru subcontratou o escritório Mapinguari design em função de sua ampla experiência em projetos de Identidade Corporativa.
Em função do quadro analisado, o Mapinguari design estabeleceu como prioridade compreender a importância e a realidade do mercado de ervas, bem como investigar as diferenças existentes entre o setor das ervas e seus concorrentes, sem esquecer da relação de ambos com o consumidor final. Nesse percurso, ficou claro que, para concorrer no mercado, manter e ganhar clientes, a Associação Ver-as-Ervas deveria, de maneira estratégica, promover melhorias em seus produtos, desde o cultivo e manipulação das ervas até sua apresentação visual aos consumidores, por meio de rótulos, embalagens e materiais promocionais no ponto de venda.
Dessa forma, supôs-se que a melhoria no processo de fabricação de seus produtos, aliada a um projeto de design que ampliasse seu valor percebido, valorizando a identidade cultural do grupo e o seu conhecimento tradicional, requalificaria seus produtos para melhor concorrer no mercado. A premissa era não perder a riqueza de seus traços culturais, para que esse procedimento resultasse na melhoria de posicionamento da Associação e, conseqüentemente, das vendas e da renda dos associados, ampliando o público comprador, bem como a auto-estima e a qualidade de vida dos erveiros e erveiras do Ver-o-Peso.
Muitas, porém, foram as mudanças ocorridas desde a fundação da Associação Ver-as-Ervas, que surgiu com o objetivo principal de representar os associados e seus interesses perante a Natura e os demais órgãos com os quais se relaciona. Atualmente, este objetivo teoricamente se ampliou, e o que se pretende hoje, segundo a atual diretoria, é conservar e valorizar o conhecimento tradicional sobre o uso místico, medicinal, cosmético, alimentar e ornamental das ervas da Amazônia, pelo qual se sustentam.

3. O desdobramento da pesquisa.

Durante a pesquisa bibliográfica, além de autores vinculados à comunicação, autores relacionados ao design e aos estudos culturais também foram propositalmente privilegiados. Dentre os principais conceitos, aqueles relacionados ao sentido de identidade foram igualmente valorizados. Sobre o seu significado, Cuche (2002, p.177) afirma que “a identidade cultural aparece como uma modalidade de categorização da distinção nós/eles, baseada na diferença cultural”. Para a análise aqui empreendida, o sentido de identidade se vincula ora ao sentido individual, ora ao sentido de grupo, no caso, dos erveiros do mercado do Ver-o-Peso.

A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente. Mas a identidade social não diz respeito unicamente aos indivíduos. Todo grupo é dotado de uma identidade que corresponde à sua definição social, definição que permite situá-lo no conjunto social. A identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob um certo ponto de vista) e o distingue dos outros grupos (cujos membros são diferentes dos primeiros sob o mesmo ponto de vista) (CUCHE, 2002, p. 176-177).

Mesmo cientes de que a manutenção das tradições resguardadas pelos erveiros depende em parte do aumento do consumo dos produtos oferecidos por eles, percebe-se que a crença na medicina popular e nos rituais místicos vêm caindo em desuso pela maioria da população. Abalados, ainda pela concorrência local, nacional e mesmo internacional de empresas que oferecem produtos de natureza semelhante, mostra-se então necessário utilizar mecanismos que aumentem a visibilidade da Associação Ver-as-Ervas aos consumidores, de forma a enfrentar a concorrência de maneira mais eficaz, ampliando sua participação no mercado por meio das vendas e inserindo-os efetivamente em um patamar global de abrangência.
Por esse motivo, especialmente em um momento histórico no qual a cultura de mercado se estabelece como dominante, a inserção de grupos periféricos no mercado global se traduz como importante ferramenta de democratização social. Integrar tais grupos tradicionais às redes globais e inseri-los nos movimentos do mercado é uma das maneiras de não os deixar esquecidos às margens da globalização. Conhecemos a irreversibilidade deste processo, porém é possível reverter o apagamento gradativo dos atores sociais ao promover sua participação neste mesmo processo.

À medida que encontramos atores que escolhem, tomam decisões e provocam efeitos (que poderiam ter sido outros), a globalização deixa de ser um jogo anônimo de forças do mercado regidas apenas pela exigência de conseguir sempre o lucro máximo na concorrência supranacional. (...) Mas o argumento que mais interessa é que o ressurgimento das pessoas e dos grupos na teoria social permite conceber a globalização de outras maneiras (CANCLINI, 2003, p. 59).

    Essa reversão pode se dar a partir da valorização do chamado “pensamento liminar” proposto por Mignolo (2003), que em tese referencia os saberes reprimidos pelo pensamento dominante da época colonial, predominantemente de caráter científico ou religioso, pautados pelo nascente cientificismo e pela intolerância religiosa. O autor chama atenção à necessidade de reverter os processos de desigualdade social provocados pela Globalização finalmente dando voz aos saberes subalternos como alternativa de pensamento, em busca de novas soluções para os problemas locais, a partir da ótica dos excluídos. Bhabha (2003) justifica a importância da valorização dos discursos não-hegemônicos como forma de combater o etnocentrismo excludente e contraproducente, especialmente nos dias atuais.

A significação mais ampla da condição pós-moderna reside na consciência de que "os limites" epistemológicos daquelas idéias etnocêntricas são também as fronteiras enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes - mulheres, colonizados, grupos minoritários, os portadores de sexualidades policiadas. Isto porque a demografia do novo internacionalismo é a história da migração pós-colonial, as narrativas da diáspora cultural e política, os grandes deslocamentos sociais de comunidades camponesas e aborígenes, as poéticas do exílio, a prosa austera dos refugiados políticos e econômicos (BHABHA, 2003, p.23-24).

    Em consonância às questões relativas à dinâmica do mercado e os conseqüentes ajustamentos requeridos à identidade cultural de grupos e associações de base comunitária, esta análise é posteriormente direcionada ao universo particular da Associação Ver-as-Ervas, a fim de compreendê-la enquanto organismo social vivo e em constante adaptação, seja às exigências de seu público externo (consumidores) quanto de seu público interno (associados). O conceito de Participação surge então como mais um pilar de análise. Bordenave (1994, p. 58) afirma que a

participação comunitária consiste num micro-cosmos político-social suficientemente complexo e dinâmico de forma a representar a própria sociedade ou nação. Quer dizer que a participação das pessoas em nível de sua comunidade é a melhor preparação para a sua participação como cidadãos em nível da sociedade global.

Esta reafirmação identitária trabalhada pelos novos movimentos sociais estabelece relações com questões simbólicas, conceituais e estratégicas também relacionadas ao design. Por definição do ICSID (The International Council of Design Societies), design consiste em uma atividade criativa, cuja finalidade é estabelecer as qualidades multifacetadas de objetos, processos, serviços e sistemas, compreendendo todo seu ciclo de vida e, portanto, seus impactos resultantes. Este conceito, de certo abrangente, permite vislumbrar o alcance das ações concernentes à atividade desta espécie de projetista, que é o designer. Projetar soluções, resumindo, torna-se a sua principal função. Niemeyer (2003) confirma a abrangência do escopo de atuação do profissional de design, dando ênfase aos aspectos subjetivos de sua atividade.

Com a evolução do design e a ampliação de seu papel, o seu caráter estratégico adquire crescente força. Além do papel do design na manutenção da produção e da circulação de produtos e serviços – o seu vetor econômico –, é relevante a sua contribuição na elevação da qualidade de vida individual e social – o vetor social do design (NIEMEYER, 2003, p.15-16).

Por meio de entrevista, a pesquisa de campo foi realizada no período compreendido entre os dias 27 e 30 de julho de 2010, com 20 vendedores de ervas, entre homens e mulheres, jovens e idosos. Optou-se por não utilizar um critério numérico fechado, muito menos um equilíbrio com relação à faixa etária. A escolha dos personagens se deu, então, pela seguinte ordem de importância: (1) a indicação pelos próprios erveiros, pelo fato do indicado ser o representante mais antigo, por exemplo; (2) a percepção da pesquisadora sobre personagens considerados “líderes” ou “formadores de opinião” naquele grupo, (3) a disponibilidade em ser entrevistado, uma vez que muitos deles demonstravam oposição ao fato de serem abordados.
O processo de escuta sobre a realidade social dos erveiros se deu por meio das entrevistas, realizadas, em sua maioria, no próprio setor das ervas, concorrendo com o atendimento a clientes. Algumas porém, se deram na sede da Associação, em horário alternado ao trabalho na feira, a fim de não atrapalhar as vendas. O roteiro utilizado foi inicialmente testado com um dos erveiros, e ainda foi sendo adaptado durante as entrevistas. Tais adaptações, entretanto, não comprometeram a integridade dos questionamentos principais, sendo necessárias no sentido de estimular uma participação mais efetiva do entrevistado.
Metodologicamente, optou-se pela História Oral enquanto instrumento de coleta de dados. Essa opção delineou-se como a mais apropriada no sentido de captar as impressões pessoais dos sujeitos pesquisados. São depoimentos orais dessa natureza que permitem entender a Belém de outrora e, quem sabe, prever alguns aspectos sobre a Belém de amanhã. "A temporalidade dos narradores de Belém, esta capital periférica da modernidade, pressupõe que eles tenham nascido para lembrar, numa terra de esquecimentos" (CASTRO, 2010, p.201). Historicamente consideradas subalternas, suas vozes expressam de fato os aspectos que caracterizam a identidade cultural do referido grupo social. Nada mais justo do que democratizar tais narrativas dando-lhe a verdadeira importância, enquanto ferramenta de diagnóstico sócio-cultural.
Um dos principais objetivos da entrevista foi obter informações sobre a formação e funcionamento da Associação Ver-as-Ervas, a partir dos depoimentos dos sujeitos que constituem a associação. Além deste, o de conhecer as principais características das relações existentes entre a associação e o mercado, o poder público e entre os próprios associados. Por fim, detectar as diferenças de pensamento entre a velha e a nova geração de erveiros também se configurou como um dos objetivos da entrevista. Por certo, é possível afirmar que, durante o processo de coleta de depoimentos, muitas outras nuances da realidade social dos erveiros foram reveladas. Aí está, sem dúvida, o verdadeiro valor deste processo.
   
4. Conclusão.

A pesquisa por fim revelou que os problemas da Associação Ver-as-Ervas vão além de questões mercadológicas, fundamentando-se essencialmente em questões associativas. Em 2006, o que se esperava era compreender quais problemas a associação enfrentava em sua relação com o mercado; qual a percepção que os associados possuíam de si e da associação, além de saber como gostariam de ser percebidos pelos seus clientes e concorrentes. Já em 2011, interessava entender quais mudanças ocorreram na associação desde a sua constituição, e qual seria a visão dos associados sobre sua organização associativa, bem como quais mudanças foram percebidas por eles após a instituição da identidade visual da Ver-as-Ervas.
    Os depoimentos orais permitiram a construção de um quadro identitário peculiar e cativante sobre os sujeitos desta investigação: são homens e mulheres que nos ilustram a arte de sobreviver apoiando-se na ancestralidade de seus saberes e nas requeridas adaptações exigidas à tradição. É essa realidade que esses sujeitos vivem todos os dias: o conflito entre suas dúvidas e certezas; entre tradição e ciência, entre a negação e a reafirmação de suas próprias identidades. Nesse processo de reafirmação identitária, concorda-se com os autores citados neste trabalho que, em coro, declaram a transitoriedade das identidades como exercício necessário à uma melhor adaptação aos tempos globalizados. Esse exercício – prescrito e já exercido pela Ver-as-Ervas – comprova, em última instância, que as identidades “não são estáveis e, muito menos, se configuram como uma propriedade sólida à qual nos basta apenas recorrer. É preciso construí-las” (VILLAS-BOAS, 2009, p.65). Essa construção permite transformar as tradições de forma a mantê-las vivas sob novos contornos, conforme as necessidades dos novos sujeitos.
    Sob uma ótica mercadológica, sabe-se que diversas outras apropriações dos saberes das erveiras e erveiros do Ver-o-Peso já haviam sido realizadas por outras entidades, sejam elas comerciais ou não. Não apenas em Belém, mas mesmo em outras cidades, é possível encontrar referências relacionadas aos saberes tradicionais amazônicos. Perfumes, medicamentos e receitas místicas que já perderam sua origem no tempo, mas que têm em comum o apelo – mesmo que somente com o intuito propagandístico – às tradições transmitidas por índios e caboclos. O episódio com a Natura nos mostra que, em função da estatura da empresa, desenhou-se nos imaginário dos erveiros e erveiras a possibilidade de uma grande mudança de vida.
    Mas não foi o que aconteceu. O desenrolar dos anos nos mostra que a Associação Ver-as-Ervas ainda busca o seu rumo nas tenebrosas águas da autonomia, seja ela política, social ou econômica. Embora apresentando esse dado como conclusivo, importa alertar que não se pretendeu, neste trabalho, criticar negativamente o processo de gestão da associação, e sim descrever os sintomas características desse processo. Os fatos mais evidentes, porém, devem ser destacados, com a promessa de retornar ao grupo pesquisado e propor uma reflexão coletiva sobre tal diagnóstico. Nessa e em outras oportunidades, é necessária a inserção efetiva de processos participativos em todas as esferas de decisão da Ver-as-Ervas. Este parece ser um dos caminhos aconselháveis para permitir um maior equilíbrio nessas águas revoltas. Há de se encontrar maneiras de promover tal realidade.
Como sintoma geral, percebe-se portanto que as associações de base comunitária, na tentativa de se adequarem à dinâmica globalizante do mercado, em sua maioria prescindem do conhecimento sobre gestão de negócios comunitários, ainda pouco disseminado em experiências semelhantes na Amazônia. A falta de tradição política é outro grave sintoma, que afeta o comprometimento e a participação individual nos processos decisórios. Tal realidade atrasa participação de tais grupos no mercado e abala sua competitividade. Sem processos participativos, a competitividade entre os pares aumenta, e a falta de união é percebida pelos consumidores que muitas vezes se aproveitam da fragilidade do grupo e regateiam preços, condições e benefícios, abalando ainda mais a necessidade de coesão comunitária.
Sobre o design participativo, é possível afirmar que essa metodologia se inscreve – assim como as mais diversas dinâmicas participativas que buscam dar voz aos excluídos da história – na modalidade das novas práticas que refletem a junção dos saberes subalternos aos saberes balizados pelo academicismo. Sob a ótica do interventor (o designer), inúmeros são os desafios apresentados pelos grupos trabalhados, em sua maioria relativos à desigualdade social, ao fantasma do assistencialismo, à inexistente tradição participativa e às desvantagens competitivas. Atuando como mediador, o designer deve aprender a conduzir tais grupos em processos de auto-conhecimento, elevando seus saberes a uma esfera de igualdade cognitiva, assim contrariando a tradição cientificista que teima em diminuí-los.
    Nestas últimas linhas, fica registrado o desejo de compartilhar essa experiência com os profissionais de design e áreas próximas, a fim de sensibilizá-los para o pleno exercício de sua mais alta missão, que é a de tornar a vida mais justa e igualitária para todos, e em especial, aos amazônidas.


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