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A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

CLAUDIO PADUA E SUZANA PADUA

Publicado por A CASA em 7 de Agosto de 2014
Por Ivan Vieira

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“Trabalhar com comunidade não é fácil, mas é extremamente importante e compensador”

Claudio Padua e Suzana Padua são, respectivamente, vice-presidente e presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

Vocês são presidente e vice-presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas – órgão que foi fundado oficialmente em 1992, mas que atua na área de conservação ambiental desde 1978. De onde vem e como surgiu a relação de vocês com essa área? O que é e como surgiu o IPÊ?

Claudio: Sou formado em administração de empresas e, antigamente, atuava como executivo no Rio de Janeiro. Entretanto, no final dos anos 70, resolvi que iria sair do escritório e me dedicar a outra coisa. Decidi que não voltaria a trabalhar mais como executivo. E a minha missão naquele momento era me envolver com a natureza brasileira. E, assim, começa uma saga, uma luta de mudança – de uma mudança de opção que não é muito fácil. E isso no começo teve muitas dificuldades, mas depois, felizmente, foi evoluindo. E, com muita alegria, a Suzana acabou se envolvendo na história também.

Suzana: Porém, no inicio, eu achei que o Cláudio tinha ficado maluco. Quando ele falou que ia trabalhar com a conservação da natureza, esse conceito praticamente nem existia. Era uma coisa muito excêntrica. Assim, eu achei que não ia dar certo, etc. Mas, no final, ele mostrou que estava realmente interessado nisso. Voltou para a universidade, estudou biologia e, aí, a ele foi fazer mestrado e doutorado nos Estados Unidos e, na hora que ele foi colher os dados para o doutorado, comecei a me envolver com a educação ambiental.

Eu sou designer e programadora visual de formação. Só comecei a trabalhar com educação ambiental quando a gente foi morar no Pontal do Paranapanema, no interior do estado de São Paulo, dentro do Parque Estadual do Morro do Diabo (Instituto Florestal de São Paulo). E, aí, comecei a perceber que a minha vida tinha muito mais significado trabalhando por uma causa. Não que eu não gostasse de design e de programação visual; era uma profissão legal, que eu me envolvia, que eu me realizava. Mas, trabalhar por uma causa vai além da gente, dá uma energia muito forte. Dá um propósito de vida que trás muita força e muita vontade de levar adiante as ideias de conservação.

Então, no momento que vocês saem do Rio de Janeiro e vão para o interior de São Paulo, ocorre uma mudança significativa no dia a dia e no trabalho que vocês desenvolviam.

Suzana: Sim. Houve uma grande mudança. E também a gente tinha poucos recursos para fazer tudo isso na época. Era uma coisa de coragem mesmo.

E o que eu acho interessante é que o IPÊ nasce a partir de um grupo de estagiários e estudantes que vieram para o Claudio (na parte mais de ecologia e ciência) e para o meu lado (na área mais social). Então, houve um equilíbrio interessante aí. E quando a gente começou a formar esse grupo de jovens que também queriam mudar o mundo, interessados em sair da caixa e sair do padrão, a gente fundou o IPÊ – com umas oito ou dez pessoas, no máximo.

Tudo isso quando vocês estavam no interior de São Paulo?

Suzana: É. A gente começou a formar esse grupo no Pontal do Paranapanema. Depois, fomos para os Estados Unidos para finalizar os estudos. Mas, durante esse tempo, vários deles continuaram – até para poder dar continuidade no trabalho que a gente tinha iniciado.

Cláudio: Porém, na verdade, o grupo foi oficialmente formado quando o IPÊ nasceu, em 1992. Na época eu estava como professor visitante na ESALQ, em Piracicaba.

Atualmente, o IPÊ é a terceira maior ONG ambiental do Brasil e possui um corpo de quase cem pessoas, aproximadamente, e uma rede que atinge cerca de 10 mil pessoas, entre beneficiários e apoiadores. Além disso, vocês atuam em cinco diferentes regiões do Brasil formulando projetos e modelos para a conservação da biodiversidade. Tendo em vista que o IPÊ é um projeto que surgiu inicialmente a partir do trabalho que vocês dois desenvolveram em Paranapanema, como ocorreu essa expansão?

Claudio: Na época em que eu estava como professor visitante na ESALQ, tive a ideia de criar um curso de mestrado lá. E, aí, fiquei um ano e meio tentando realizar esse projeto. Eu adoro a ESALQ, mas a burocracia na USP é muito grande. Então, depois desse período, pensei o seguinte: “Quer saber, vou sair, porque aqui eu não vou conseguir fazer o que pretendo”. A burocracia era grande e, consequentemente, o processo era muito lento. E resolvemos, portanto, que tínhamos que criar uma instituição para repassar os novos conhecimentos que adquirimos durante o tempo que ficamos nos Estados Unidos. A ideia foi criar um instituto de pesquisa. E, assim, fundamos o IPÊ.

E, quando eu saí da ESALQ, vários estudantes de graduação, que são esses oito ou dez que a Suzana mencionou, falaram: “Onde vocês forem, nós vamos juntos. Nós vamos trabalhar com vocês no instituto”. E, naquele momento, eu disse: “Mas eu não sou patrão de ninguém. Todo mundo é sócio aqui. Nós vamos trabalhar juntos. E todos tem que ajudar, tem que fazer pesquisa e aplicá-la, porque nós precisamos nos desenvolver e captar recursos”. E, assim, nasceu um grupo que foi se expandindo e hoje tem cerca de noventa pessoas. Mas todos são coparticipantes.

Suzana: É como se fosse uma cooperativa de projetos interligados. E a expansão do IPÊ começa quando os nossos participantes mais graduados, que chamamos de seniores, se interessam em levar a semente para outro lugar. Foi assim que o IPÊ chegou há quase vinte anos na Amazônia, por exemplo. No Pontal do Paranapanema a gente está há trinta anos. Em Nazaré Paulista, desde 1996. Quando um sênior quer começar um trabalho num novo local, nós sempre apoiamos. A Patrícia Médici, por exemplo, se mudou para o Pantanal. Ela é uma pesquisadora que fez parte do início do IPÊ e sabe a linguagem que a gente usa e como é que são os nossos valores. Assim, se torna possível começar um novo projeto. Mas a demanda é enorme. Eu recebo pedidos para começar um em Minas, em Angra dos Reis e outros locais. Infelizmente, a gente não tem perna para fazer tudo o que gostaríamos de fazer.

E nós vamos para os locais para promover uma conservação socioambiental. Trabalhamos muito com a parte ambiental, mas temos um lado social também. Afinal, você não tem como não lidar com as necessidades humanas. Precisamos do envolvimento das pessoas locais para que elas se tornem aliadas da conservação.

E, seguindo essa ideia do Claudio de elaborar um curso de mestrado, nós acabamos desenvolvendo um braço muito forte na área da educação. É como se esse elemento pertencesse ao DNA da instituição. Então, temos uma preocupação de passar os conhecimentos que a gente já sabe, ou de trazer profissionais muito competentes para compartilhar temas que são importantes na atualidade e que ninguém está ensinando. Assim, acho que esse é um passo do IPÊ muito importante - e foi o que nos levou a Piracicaba e a Nazaré Paulista. Em Nazaré temos uma escola, chamada ESCAS - Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade. A ESCAS começou com cursos de curta duração, mas agora também já temos o mestrado e o MBA.

Além dos projetos de pesquisa, o IPÊ tem realizado uma série de cursos que abordam temas relacionados à Biologia, Ecologia e manejo sustentável, por exemplo. E, com a construção da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (ESCAS) e o MBA em Gestão de Negócios Socioambientais, o IPÊ se tornou uma instituição pioneira no país ao oferecer o seu próprio curso de mestrado. De modo geral, qual foi a importância da criação e elaboração desses cursos? Como eles contribuem com as ações desenvolvidas pelo IPÊ?

Claudio: A educação está na própria estratégia institucional do IPÊ, porque nós criamos alguns modelos e queríamos repassá-los para uma escala maior. Não dava para criar o IPÊ e expandi-lo para o Brasil todo, mas dava para formar pessoas que servissem de sementes, espalhando ideias pelo Brasil afora.

E, além disso, nós queríamos ensinar coisas que as escolas tradicionalmente não ensinam. Coisas mais aplicadas de como fazer e como resolver. Então, a nossa escola nasce com essa ideia: formar líderes, ensinando as pessoas a como fazer e como realizar. Mas, acima de tudo, com o ideal de ser como uma fonte de sementes, espalhando pelo Brasil afora o Modelo IPÊ de Conservação Socioambiental.

Suzana: Essa é uma das angústias da gente. O Brasil é um país megadiverso, mas grande parte das pessoas não dá o devido valor a toda essa riqueza. Então, precisamos de uma massa de pessoas bem formadas. E isso não está acontecendo. Eu admiro muito as universidades. Não quero falar mal. Porém, em geral, os cursos são muito teóricos. Aí, fica um ensino muito voltado à formação de acadêmicos. Precisamos de gente com conhecimentos teóricos, mas que possuam experiência prática para colocar a mão na massa e implementar ideias inovadoras que visem resolver problemas reais.

Quando vocês fundaram a ESCAS?

Suzana: Em 1996 nós fundamos a escola de cursos de curta duração e em 2005 o mestrado.

Claudio: Todo esse processo foi uma sucessão. Não podíamos fazer mestrado no início porque não tínhamos doutores suficientes para conseguir a autorização necessária. Então, começamos fazendo cursos que aconteciam durante o fim de semana ou de segunda a sexta. E a partir desses cursos livres, quando a gente alcançou o número de doutores suficiente, pedimos autorização ao Ministério da Educação e conseguimos aprovação para oferecer o mestrado. Posteriormente, fizemos uma associação com um grupo da CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor - FIA, da USP e montamos o MBA. E no futuro a gente sonha em ter doutorado.

Suzana: Até escola infantil a gente já pensou em desenvolver no IPÊ. Porque, afinal, queremos formar gente com uma mentalidade de sustentabilidade, de valorização da natureza e das culturas locais.

Essa ideia da educação infantil é bem interessante, porque uma formação sobre a conservação da biodiversidade logo nas primeiras fases da vida é muito importante.

Claudio: Sim. Tem uma parte do nosso grupo que trabalha muito com o ensino formal, desenvolvendo projetos com as Secretarias de Educação.

Suzana: Temos trabalhado muito com isso no Pontal do Paranapanema. A Secretaria de Educação envolveu a educação ambiental, integrando-a no currículo escolar. E em Nazaré a gente está trabalhando fortemente com essa política de ensino formal.

No site de vocês diz que a missão do IPÊ é “desenvolver e disseminar modelos inovadores de conservação da biodiversidade que promovam benefícios socioeconômicos por meio de ciência, educação e negócios sustentáveis”. Como a realização dessa missão é possível? Como funciona a metodologia e as estratégias utilizadas pelo instituto?

Claudio: Há uns anos atrás estávamos num evento internacional e eu fui desafiado a falar o que eu achava que o IPÊ fazia de inovador. Foi nesse momento que parei para pensar o que tinha de diferente nas ações que nós promovíamos. Aí, fui andando para trás no meu pensamento, refletindo sobre o que nós já tínhamos feito.

Assim, desenhei um modelo institucional que posteriormente nós oficializamos. Toda essa reflexão foi importante porque nós iniciamos o trabalho do IPÊ com a conservação da biodiversidade; porém, comecei a pensar que somente isso não era suficiente, pois, afinal, nós tínhamos que fazer algo pelas pessoas que estavam envolvidas com esse projeto de conservação. Com isso, começamos a trabalhar com educação ambiental.

Mas, aí, descobrimos que ainda assim o assunto envolvia atividades econômicas, já que as pessoas possuem necessidades básicas. Então, começamos a desenvolver atividades econômicas sustentáveis. Passamos a olhar para a paisagem junto com as comunidades, planejando a região. Porém, ainda assim, não era suficiente. Finalmente, tentamos influenciar a formulação de algumas políticas públicas (porque certas coisas somente o governo pode fazer), com o objetivo de potencializar a nossa ação local também.

Suzana: Um exemplo dessas ações é o mapa dos sonhos, que é um planejamento regional em que nós realizamos um estudo, com base na ciência, para ver, por exemplo, onde é necessário plantar um corredor de mata para proteger as espécies e a água de um determinado local.

Claudio: No fundo, o mapa dos sonhos busca dizer como é que podemos combinar atividades econômicas com a sustentabilidade. O governo nos pediu esse projeto e está trabalhando conosco para transformar isso numa política pública para todo o estado de São Paulo.

Suzana: E os nossos projetos de negócios sustentáveis surgiram em 2002, quando fizemos a nossa primeira parceria com o setor privado. Na verdade, nós sempre quisemos ter parceiras com o setor privado, mas não sabíamos como. O nosso primeiro parceiro foi o grupo Martins, de Uberlândia. Eles nos ajudaram a comprar o barco-escola na Amazônia. E, com essa parceria, abriu-se uma porta para o mundo empresarial que nos era muito distante. Nós tínhamos sempre como parceiros o mundo acadêmico e outras ONGs. E às vezes o governo, com raras exceções. Porém, o Juscelino Martins, do grupo Martins, nos ajudou a abrir outras portas.

As Havaianas IPÊ é um exemplo dessa atuação do IPÊ no mundo empresarial. Essa parceria foi um caso de sucesso de marketing relacionado à nossa causa, já que todo mundo ganhou: as Havaianas, porque participa de uma ação de responsabilidade socioambiental de maneira criativa e inovadora; e o IPÊ, que ganha financeiramente - 7% do que é arrecadado com a venda da coleção - e contribui para disseminar a biodiversidade brasileira de forma educativa para um público absolutamente amplo e irrestrito, porque as Havaianas chegam, na verdade, no mundo inteiro. E, por fim, a natureza também ganha, porque ações como essa atraem adeptos.

Temos outra parceira com a Danone também. Com eles, estamos desenvolvendo um trabalho muito de vanguarda, que é analisar o DNA da biodiversidade. Eles estão interessados em saber como a fertilidade de solo, a água, o morango, o açúcar e outras coisas que eles usam estarão daqui a dez anos. A questão central é: como é que eles podem manter a produção numa qualidade igual ou melhor durante o passar do tempo? Estamos ajudando nessa mesma linha a Nespresso também.

Claudio: Além disso, temos desenvolvido alguns trabalhos com comunidades. Temos alguns projetos para as cadeias produtivas das 5 mil pessoas com as quais a gente trabalha lá no Baixo Rio Negro.

Suzana: E a história desses projetos com as comunidades começou quando a gente estava trabalhando lá no Pontal do Paranapanema. Depois de algum tempo, o MST chegou maciçamente no local. Com isso, nós percebemos a pobreza e o abandono enorme que ocorria ali. A gente estava levantando verba para salvar o Mico, para reflorestar, e, ao mesmo tempo, observávamos que as pessoas estavam com uma necessidade muito premente. E foi aí que a gente começou a trabalhar com alternativas de renda para as comunidades. Começamos a pensar: o que é que dá para fazer para que a natureza e essas pessoas ganhem?

Iniciamos com o reflorestamento, com viveiros de mudas comunitários. E também dávamos todo o subsídio técnico para que algumas famílias pudessem trabalhar e vender as mudas – inclusive para o IPÊ, que é o maior reflorestador do Pontal. Mas eles também podem vender para quem eles quiserem.

Para as mulheres, nós desenvolvemos projetos de artesanato. Na nossa loja virtual é possível comprar camisetas com o Mico-Leão preto e outras espécies brasileiras, as buchas ecológicas em formatos dos animais e outros produtos. Então, de maneira geral, pensamos em alternativas para que as pessoas melhorem a qualidade de vida e a natureza seja beneficiada.

E tem outro projeto que nós estamos começando a desenvolver, que é de levar “chefs” para as comunidades a fim de aprimorar a qualidade dos produtos. Já levamos dois chefs para dar dicas de como desenvolver a culinária regional – e estamos com a ideia de convidar mais dois. Assim, eu acho que tudo melhora. Já levamos o chef Felipe Schaedler, do restaurante Banzeiro, e o chef Daniel Briand, um francês que mora em Brasília. O Daniel falou para mim, quando voltou: “Olha, dá vontade de fechar meu restaurante e só fazer isso. Porque isso é que está certo. Vocês estão fazendo uma coisa que eu sinto que está melhorando a qualidade de vida das pessoas de uma maneira muito forte”. É esse tipo de oportunidade que a gente quer propiciar cada vez mais.

Atualmente vocês desenvolvem quantos projetos, aproximadamente?

Claudio: Atuamos em cinco regiões e existem áreas com vinte projetos e outras com um ou dois. Varia bastante.

Suzana: Isso sem considerar a parte de educação, que é mais concentrada em Nazaré Paulista. Mas temos um mestrado no sul da Bahia e já desenhamos alguns cursos em outros locais também (como na Amazônia, por exemplo, onde demos mais de 20 cursos para gestores de áreas protegidas junto com o WWF).

Atualmente, 3% do financiamento do IPÊ vêm da venda de produtos – como os desenvolvidos pelas 12 famílias do projeto Costurando o Futuro, por exemplo. Nesse contexto da comercialização, muitas instituições e profissionais que trabalham com comunidades produtivas têm relatado dificuldades na venda dos produtos. De modo geral, esse mesmo problema também tem acontecido com os produtos do IPÊ?

Suzana: Sem dúvida alguma. Escoar produto não é fácil. Atualmente os nossos canais de venda são o site, os congressos e demais eventos que o IPÊ participa. Porém, a maioria das pessoas que vai nesses eventos são conservacionistas, então a gente acaba só contagiando a nós mesmos. Meu sonho era uma loja nos principais aeroportos para produtos comunitários. E, assim como as Havaianas, quem sabe ter na Renner, Riachuelo ou outro grande magazine, por exemplo, uma camiseta da biodiversidade brasileira que mudasse a cada dois meses com uma espécie nova. Seria bom para o IPÊ, para as lojas e para o público!

Claudio: E nós temos um trabalho muito grande junto às comunidades nas questões de preço, prazo e qualidade. Afinal, para entrar no mercado, mesmo que seja de uma forma singela, é necessário ter alguma organização produtiva. Temos que trabalhar junto com as comunidades para evoluir nesse rumo.

Suzana: Trabalhar com comunidade não é fácil, mas é extremamente importante e compensador. Não dá para não ter. Mas você tem que aprender como é que se faz isso de uma forma correta. O IPÊ ainda está crescendo nesse processo. Temos muito a aprender. Agora, temos duas pessoas que nos ajudam e muito com a questão do design dos produtos: a Ana Maria Laet (RJ)  e a Sarita Dal Pozzo (SP). Nós temos muita sorte de contar com o apoio delas. Tudo o que elas fazem possui um grande nível de qualidade.

E, atualmente, qual é o principal canal de venda de vocês?

Suzana: Acredito que seja o site, mas vendemos muito na sede do IPÊ por causa do grande movimento de pessoas que passam por lá. Sempre há muitos cursos acontecendo, então as pessoas aproveitam e compram alguns produtos também.

Claudio: Estamos pensando em abrir uma loja em Manaus. Queremos testar novas possibilidades também.

Suzana: É, mas até isso é complicado. Não é algo simples, porque além de mantermos o espaço, precisamos manter um bom nível na escala de produção dos objetos.

Nos últimos anos nós vemos que as questões do movimento ambientalista têm evoluído no debate nacional. Na opinião de vocês, essa evolução observada até agora é um reflexo de um público que se preocupa cada vez mais com a conservação ambiental e com um comércio ético, solidário e sustentável?

Suzana: Na minha opinião, hoje em dia não dá mais para fingir que o mundo não necessita de preocupação. Quando a gente começou há trinta anos, nossas famílias achavam que nós estávamos indo para um rumo de moda, que era algo excêntrico e passageiro. Atualmente quase ninguém mais fala isso. Não há mais esse espaço, porque está evidente que essa questão precisa ser tratada com seriedade. Não dá mais para falar que quem precisa se envolver com o meio ambiente é só o professor, é só o cientista ou é só o governo. Considero que todos os cidadãos do planeta precisam estar preocupados com a sua sobrevivência, com a sobrevivência das espécies e dos próprios processos evolutivos naturais que hoje estão em perigo.

E a questão do consumo consciente, na minha opinião, está mais forte na Europa do que no Brasil. Nós algumas vezes vamos para lá e vemos casos como a BIO, na França, por exemplo.

Claudio: Eu vejo uma preocupação crescente com a questão da saúde também.

Suzana: Sim, exatamente. Porque a gente está sendo envenenado o tempo todo. Achamos que estamos comendo um produto sadio, mas no fundo ele não é. Recentemente eu assisti um vídeo na internet, uma entrevista, onde uma mulher fala de como que o marketing rotula algumas coisas para que elas pareçam belas. Eu sou vegetariana, então me senti um pouco mais tranquila, mas nas fazendas atuais, por exemplo, a porca fica dentro de uma gaiola que não tem espaço para ela se mexer e os porquinhos ficam do lado de fora, separados da mãe. Esse tipo de processo antiético tem que ser divulgado, mas é vendido como criação moderna e limpa. Aquela porca estava infeliz ali. Com certeza aquilo não pode te fazer bem. Isso é um exemplo de milhares de coisas. Existe a questão dos agrotóxicos também, que são usados de forma excessiva.

Claudio: Porém, atualmente nós progredimos muito. Tem uma nova geração muito mais consciente. Mas ainda tem muito coisa a se fazer. Estou tentando me envolver um pouco mais com a economia nos últimos anos, para pensar em meios de como o próprio sistema pode trazer alternativas sustentáveis.

Suzana: Isso é muito importante porque, afinal, a economia é o que rege o planeta e a sociedade. Se a gente não conseguir atingir o mundo econômico, vai ser difícil introduzir grandes mudanças.

O termo sustentável tem sido utilizado em larga escala e, muitas vezes, sem critério. Muitos afirmam que, por conta disso, esse termo já está desgastado, esvaziado de significado, sem que tenhamos conseguido atingir uma produção realmente sustentável. Então, para vocês e para o IPÊ, o que é sustentabilidade? Como vocês enxergam a sustentabilidade no real sentido do termo?

Claudio: Eu sou um seguidor da economia ecológica. E o que essa área vem pregando é que precisamos formar uma sociedade mais equilibrada. Então, isso significa que nós temos que construir um tamanho de economia e não crescer mais. A ideia central é: parar de crescer e operar dentro de um determinado tamanho. Isso é uma coisa difícil, mas acho que vale a pena a gente buscar esse processo estacionário da economia e que ela circule entre os diversos países.

Além disso, sou seguidor do John Elkington, a pessoa que cunhou o termo do Triple Bottom Line (Tripé da Sustentabilidade). Então, acredito que nós devemos olhar para o social, para o ambiental e para o econômico. Porém, vem acontecendo algo recentemente que é preocupante. Um dia eu perguntei para o Zé Augusto, meu irmão, que é historiador da área ambiental: “O que é desenvolvimento sustentável?” Ele falou: “O pessoal diz aí que é a mesma coisa que o desenvolvimento econômico comum, só que com um novo diretor de marketing”. Infelizmente, tem muita sustentabilidade desse tipo por aí. Mas tem algumas experiências bem interessantes, em compensação.

Para melhorarmos esse quadro geral, precisamos de um esforço geral e global. Nós, como humanidade, precisamos tomar decisões altruísticas e de consenso geral para todos. E isso é muito difícil, porque nós crescemos dentro da diversidade, da valorização de criação de fronteiras entre países, de fronteiras entre cidades, de fronteiras entre pessoas. Porém, agora, a própria evolução do mundo está lidando com o dilema de ter que tomar decisões de grande porte, de consenso humanitário e que sejam altruísticas, principalmente.

Suzana: Mas, infelizmente, a gente não está vendo isso. O que a gente vê é a concentração de renda cada vez maior – não só no Brasil, mas em todo mundo. Atualmente, 1% da população controla, mais ou menos, 70% da economia. Isso é uma barbaridade. E ninguém está a fim de abrir mão.

Quando falamos de altruísmo, talvez essa seja a palavra mais complicada. O propósito não é abrir mão da sua riqueza; é abrir mão em favor de algo que é maior do que você: a vida. Uma celebração da própria vida. Um propósito de proteger a vida. É toda uma nova maneira de ver o mundo. É uma mudança paradigmática mesmo, para usar as expressões da moda. Mas que é verdade. A gente precisa ter uma mudança muito mais profunda na forma como enxergamos o mundo e no modo como agimos.

E o que poderia ser destacado como a principal dificuldade do trabalho do IPÊ? Quais são os próximos projetos previstos?

Suzana: O nosso grande sonho é aumentar a escola, porque essa é nossa principal maneira de envolver mais pessoas no processo.

Claudio: Nesse momento estamos nos preparando para a construção de um novo campus. Já temos o projeto da construção e agora estamos captando recursos.

Suzana: Exatamente. E, falando nisso, acho que na vida de uma ONG, de uma OSIP, ou de qualquer organização sem fins lucrativos, o grande desafio é a captação de recursos. É sempre uma saga. A gente precisa aprender a ser muito bom nisso, a ser criativo, a mostrar o trabalho que a gente faz de uma maneira inovadora para atrair mais interessados em apoiar os nossos sonhos.

Claudio: E, depois, a questão da cultura institucional é sempre um desafio também. Queremos evoluir e crescer, mas mantendo uma cultura institucional estável. Crescer sem perder a ternura e os propósitos que nos inspiraram no início, ou outros que surgiram no caminho.




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