"Quando a gente
nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar
para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha 'Pátria de
Escolha', e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri, ao
Triângulo Mineiro, às cidades do Interior e as da Fronteira”.
Em virtude das
comemorações do centenário de nascimento da arquiteta Lina Bo Bardi (Roma,
Itália, 1914 – São Paulo, SP, 1992), a Matéria do Mês procura desvelar a
contribuição de Lina no campo das culturas e das artes populares.
A arquitetura de Lina
Bo Bardi quebra a rigidez de fronteiras espaciais e busca a criação de espaços
de diálogo que promovam o encontro de pessoas e o convívio social na cidade,
bem como supera os limites de possibilidades de usos entre diferentes tipos de
materiais. Entre os seus projetos se destacam: a Casa
de Vidro (1949), o Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand - MASP (1957) e o Sesc
Pompeia (1977).
O pensamento
humanista e libertário de Lina Bo Bardi perpassava diferentes esferas do
conhecimento. O legado de Lina extrapola o campo da arquitetura, pois ela
também trouxe contribuições também para o design, a museografia e a cenografia.
Entre 1958 e 1964
Lina Bo Bardi morou em Salvador, BA. Nesse período, ela entrou em contato com
as matrizes das culturas e das artes populares do Nordeste. A partir de 1959,
ela projeta o restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século
XVI, e sua adaptação para abrigar a sede do Museu de Arte Moderna da Bahia
(MAM-BA). Em 1963, Lina inaugura nesse espaço o Museu de Arte Popular do Unhão
(MAP) com a mostra “Nordeste”, que contava com artefatos feitos de madeira e de
argila, peças feitas de material reciclado, ex-votos, santos e objetos do
Candomblé. O projeto de Lina para o Solar era muito mais amplo, ela desejava
criar uma Universidade Popular que unisse escolas de desenho industrial e de
artesanato, pois ela acreditava que a industrialização brasileira poderia se
desenvolver a partir das matrizes culturais do Brasil.
Do encontro entre
Lina e o Nordeste veio a transformação que influenciaria os trabalhos
posteriores da arquiteta: a articulação entre o popular e o moderno, que
pode ser observada em trabalhos como a “Cadeira de beira de estrada”, criada por ela em
1967, e a “Grande Vaca Mecânica” idealizada por Lina em
parceria com o arquiteto Marcelo Suzuki.
Lina Bo Bardi possuía
um olhar sensível para a cultura popular brasileira. Ela não via a arte popular
como “folclore” e sim como algo que “que define a atitude progressiva da
cultura ligada a problemas reais”[1]. Para Lina: “Arte popular é o que está mais
longe daquilo que se costuma chamar de Arte pela Arte. Arte popular, neste
sentido, é o que mais perto está da necessidade de cada dia, NÃO-ALIENAÇÃO,
possibilidade em todos os sentidos. (...). Precisamos desmitificar
imediatamente qualquer romantismo a respeito da arte popular, precisamos nos
libertar de toda mitologia paternalista, precisamos ver, com frieza crítica e
objetividade histórica, dentro do quadro da cultura brasileira, qual o lugar
que à arte popular compete, qual sua verdadeira significação, qual o seu
aproveitamento fora dos esquemas românticos do perigoso folclore popular”[2].
Com o olhar
antropológico Lina Bo Bardi coletou diversas peças de arte popular ao longo de
sua vida. Esses acervos estão salvaguardados no Instituto Lina Bo e
P. M. Bardi que abriga cerca de 200 objetos de arte popular e
no Centro
Cultural Solar Ferrão no Pelourinho em Salvador, que guarda cerca de
800 peças oriundas da coleção organizada por ela nas décadas de 50 e 60, em sua
passagem pelos estados da Bahia, Pernambuco e Ceará.
Em 2014 estão previstas várias atividades e exposições que apresentam por diferentes vieses a versatilidade de Lina Bo Bardi. Agora a expectativa é que ocorram mais mostras que exibam ao público os objetos que representam o olhar de Lina sobre a arte popular brasileira.
Notas:
[1] BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse. Ed. Instituto Lina
Bo e P. M. Bardi, São Paulo, 1994, p. 37
[2] Ibid., p. 2