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A CASA E O MUNDO
Foto: Denise Andrade

ENTREVISTA

RENATA MELLÃO

Publicado por A CASA em 7 de Maio de 2015
Por Ivan Vieira

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"Nos últimos anos, o artesanato tem conquistado novos patamares"

Renata Mellão é diretora de A CASA museu do objeto brasileiro.


Você é economista, com passagem pelas Ciências Sociais e com experiência nas Artes Plásticas e na Moda. Além disso, também já desenvolveu “curiosidades criativas”, como o projeto "Tulipas I” (plantação de flores de plástico na marginal do rio Pinheiros), “Tulipas II” (colocação de flores de plástico em dunas de Fortaleza por ocasião da 1ª mostra de Esculturas Efêmeras) e a instalação “Pulseira de Árvore” nos Jardins do MCB e no Parque do Ibirapuera. E, desde 1997, você é responsável pela diretoria geral de A CASA museu do objeto brasileiro. Fale um pouco sobre sua trajetória. Como aconteceu esse processo?

Sempre tive vontade de desenvolver algum projeto que falasse sobre o Brasil. Mas em inúmeros casos me perguntava como a realização dessa iniciativa seria possível. Foi nesse momento de questionamento que conheci Benjamim Taubkin. Ele é músico e também estava interessado em realizar projeto semelhante. Baseados nessa ideia, fundamos o Centro Cultural A CASA, em maio de 1997. A localização inicial era no bairro dos Jardins, numa casa projetada pelo arquiteto Eduardo Longo. Naquela época a internet ainda estava no começo. Então, nós preparávamos as programações mensais e enviávamos tudo pelos Correios.

Logo começamos a ter uma programação intensa que envolvia apresentações de música, palestras, teatro, mostras de cinema e gastronomia. A programação era muito variada. Em agosto de 1998, por exemplo, realizamos o projeto “Lampião vai À CASA”, que reuniu uma série de palestras, encontros e oficinas sobre Lampião. E grande parte dessas atividades eram realizadas dentro de uma piscina vazia. O espaço para todas essas manifestações ocorria dentro da piscina.

Um fato interessante é que o espaço começou a se chamar A CASA porque o local onde os eventos ocorriam era bonito e chamava muito a atenção. Depois de três anos, aproximadamente, começamos a receber um público cada vez maior. Com isso, a vizinhança começou a reclamar, dado que o centro cultural estava localizado numa área residencial. Assim, a Prefeitura nos notificou e tivemos que encerrar a oferta de atividades ao público.

Com esse impasse, o Benjamin não pode nos acompanhar dado que não tínhamos condições de fazer apresentações musicais. Porém, dado a situação, eu e Silvia Sasaoka pensamos em elaborar um museu virtual. Essa foi a forma que encontramos naquele momento para continuarmos com o nosso trabalho. Ao todo ficamos durante dez anos na casa dos Jardins, desenvolvendo e ampliando o museu virtual, sobretudo.

Depois desses dez anos nos mudamos para a Rua Cunha Gago, onde pudemos reabrir as nossas atividades ao público. Era um salão, e lá ficamos muito bem instalados durante seis anos, aproximadamente. Contudo, após um determinado período, o espaço foi vendido para que um edifício fosse construído no local.

Foi nesse momento que apareceu o terreno da Pedroso de Morais. Assim, com o objetivo de continuar e ampliar o trabalho do museu A CASA, realizamos a construção da nossa própria sede. E para dar início a este processo, encomendamos um projeto ao arquiteto Luiz Fernando Rocco e colocamos a mão na massa. Inauguramos a nova sede do museu em outubro de 2014.

Em relação às artes, em geral, meu interesse nasceu há muito tempo. Sempre visitei galerias regularmente e fiz um curso muito bom com o professor Carlos Fajardo. E com base nesse interesse, comecei a desenvolver as minhas próprias “curiosidades criativas”. Eu não pinto e nem desenho, mas gosto de realizar interferências urbanas. Foi assim que dei inicio a projetos de intervenção em estradas, viadutos e parques. O meu objetivo com essas ações, como a implantação de Tulipas na Marginal Pinheiros, era promover a arte em locais alimentados por diversas vias de acesso.

Como surgiu o museu A CASA? Desde a sua criação, em 1997, quais foram as ideias que nortearam a gênese e o desenvolvimento da instituição?

A ideia norteadora, logo no nascimento da instituição, baseava-se na realização de um projeto que falasse sobre o Brasil. Quando fundamos o minicentro cultural, portanto, promovemos algumas mesas redondas que buscavam reflexões a partir de temas como “o que há de brasileiro no design gráfico” ou “o que há de brasileiro na moda”. E dentro dessas reflexões, o artesanato era algo que despertava o meu interesse de forma muito intensa. Mesmo quando ainda estávamos com o centro cultural pequeno, eu já tinha uma historiadora realizando pesquisas sobre o artesanato nacional. Naquele momento eu estava fazendo investigações para saber como poderia ingressar nesse meio. E o Renato Imbroisi também estava começando as idas e vindas dele aí pelo Brasil. Então, foi assim que tudo começou.

Desde a sua origem, A CASA possui o objetivo básico de contribuir para o reconhecimento, valorização e desenvolvimento do artesanato e do design no Brasil. Como esse objetivo pode ser alcançado? Quais são os focos de trabalho da instituição?

Na minha opinião, a promoção do artesanato pode ocorrer em várias direções. A primeira delas é o estabelecimento direto de um contato com uma associação ou comunidade produtora para verificar quais são as dificuldades do grupo e como podemos auxiliar na superação desses entraves. Por intermédio desse contato podemos ajudar no desenvolvimento de novos produtos, por exemplo. A técnica já é algo próprio do artesão e isso nós não devemos modificar, mas de maneira respeitosa podemos desenvolver soluções criativas ligadas à questão do produto em si.

Outro caminho possível é construir um espaço para exibir as peças artesanais e fazer com que elas adquiram outro nível, outro status. Isso é o que conseguimos fazer agora com a nova sede do museu: valorizamos o artesanato ao vinculá-lo a uma boa iluminação, a uma boa montagem expositiva e ao divulgá-lo numa localização privilegiada. Todos esses fatores ajudam a agregar valor às peças artesanais.

E, também, um terceiro caminho para promover o artesanato é a venda dos produtos. Isso é importantíssimo. Somente através da comercialização e da geração de renda as comunidades de artesãos podem continuar o processo de elaboração e confecção de produtos. Assim, para mantermos a tradição artesanal brasileira, a venda dos produtos é algo que precisa estar sempre na nossa mira.

Atualmente, muitas instituições e profissionais que trabalham com comunidades de artesãos têm encontrado dificuldades na venda dos produtos. Em 2013, inclusive, o museu A CASA promoveu o Seminário Objeto Brasileiro e Mercado, que debateu algumas das questões relacionadas ao comércio de produtos artesanais. Na sua opinião, o que ocorre? Por que é tão difícil comercializá-los?

Se pensarmos de forma ampla, baseada numa macro visão, realmente percebemos que a comercialização do artesanato, em inúmeros casos, torna-se muito difícil. E isso ocorre devido à insuficiência ou a incapacidade das políticas públicas de resolverem os principais problemas dos artesãos. Entretanto, em relação a estas questões ligadas ao governo, não há nada muito satisfatório que possamos fazer no curtíssimo prazo.

Mas sobre a questão da venda, na minha opinião, nós podemos trabalhar de forma a ampliá-la. Nesse sentido, um fator essencial para se pensar é onde o produto artesanal está sendo comercializado. Precisamos mostrar um produto feito à mão que tenha condições de ser vendido na cidade, onde usualmente a maioria das vendas ocorre.

É dentro desse contexto que o trabalho de um designer, por exemplo, torna-se essencial para ampliar o escoamento da produção. Ao pensar junto com os artesãos formas de adequar e difundir o produto artesanal, o designer realiza um papel importantíssimo na promoção e no desenvolvimento de associações e comunidades produtoras.

Além desses pontos, acredito que no momento atual o público, em geral, está valorizando mais o bom artesanato. Antigamente as pessoas só olhavam para a produção que ocorria fora do Brasil ou para o design de última geração. Mas recentemente, e aos poucos, estas visões estão se alterando. Nos últimos anos o artesanato tem conquistando novos patamares.

E porque, na sua opinião, somente agora o artesanato está recebendo essa visão diferente por parte do público?

Imagino que esse processo esteja relacionado a movimentos que ocorrem no exterior. Pude constatar, em diversos casos, que o produto artesanal é muito mais valorizado em outros países. No Brasil, dado que muitas pessoas preferem passar as suas férias em outros países, a descoberta de produtos e produtores artesanais brasileiros, possível de ser realizada durante viagens nacionais, fica comprometida. Contudo, de maneira geral, acredito que esse quadro está se modificando aos poucos. O público, cada vez mais, está valorizando o objeto artesanal brasileiro.

Em 2000, visando a consolidação e potencialização dos seus próprios princípios, A CASA investiu no desenvolvimento de seu museu virtual. Qual foi a importância da introdução dessa nova ferramenta? Na sua opinião, como instituições culturais e museológicas podem utilizar o ambiente virtual para promover as suas atividades?

Hoje em dia, acredito que os principais canais de comunicação e pesquisa estão no mundo virtual. Portanto, penso que o ambiente virtual deve ser cada vez mais trabalhado e utilizado por instituições que atuam no segmento cultural e museológico. Atualmente, se fazemos uma bela exposição, rapidamente podemos divulga-la por meio das mídias digitais. Desse modo, com a facilidade do acesso à informação, quando expomos um projeto que acontece aqui em São Paulo, instantaneamente ele pode ser conhecido e compartilhado para todo o Brasil.

Então, acredito que A CASA ganhou muito ao utilizar essas ferramentas para divulgar os seus projetos. Além disso, hoje em dia servimos de referência para a pesquisa sobre o universo artesanal brasileiro. Muitos pesquisadores utilizam o nosso portal eletrônico e ficam satisfeitos com as informações que encontram em nosso banco de dados.

E, de forma complementar, A CASA foi pioneira nesse campo de atuação. Até hoje, se pesquisarmos, vamos ver que o número de museus virtuais é bem pequeno.

Nos últimos anos, A CASA promoveu encontros entre o design e o artesanato por meio da realização de projetos que uniram designers e comunidades de artesãos. Como resultado desses encontros foram apresentadas as exposições "Poética da palha – Cerro Azul", em 2011; "Boa Noite, Ilha do Ferro", em 2013; e "Renda-se", em 2015. Como projetos que trabalham com o encontro entre design e artesanato devem ser conduzidos para que se estabeleça uma relação positiva entre designers e artesãos?

Minha reflexão inicial parte da ideia de que nada pode ou deve ser imposto. Se o designer propõe uma novidade, por exemplo, ela precisa ser bem recebida por todos os artesãos que estão envolvidos no projeto. As relações devem ser horizontais, e não verticais. As pessoas precisam gostar e aprovar as mudanças que estão sendo respeitosamente propostas. Esse fenômeno aconteceu muito com o projeto RENDA-SE, onde as rendeiras tiveram que desenvolver um croqui proposto por um estilista ou designer de moda.

E esses processos, na minha visão, produzem resultados muito interessantes. A partir da realização do RENDA-SE, designers e artesãos criaram novas maneiras de inserir a renda no universo da moda. As propostas, de ambas as partes, foram muito bem recebidas e, no final, esses encontros produziram resultados incríveis.

No projeto “Poética da Palha” as experiências foram muito positivas também. Ao criar novos produtos associados à palha de milho, que é abundante no local, o trabalho desenvolvido pela associação de artesãos e pelo designer Renato Imbroisi foi belíssimo e impressionou a muitos que visitaram a exposição, em 2011.

Já no projeto “Boa Noite, Ilha do Ferro”, assim como em Cerro Azul, a introdução de elementos que tinham relação com o universo das artesãs fez com que as novas peças preservassem fortes relações com o ambiente produtivo. A incorporação de casinhas, barquinhos e a utilização de linhas mais coloridas produziu resultados encantadores.

Em comemoração aos seus 10 anos, o museu A CASA, durante a 13ª Paralela Gift, lançou o Prêmio Objeto Brasileiro. O concurso é um acontecimento bienal que tem o objetivo de "destacar e premiar o melhor da produção artesanal contemporânea no Brasil". Como o Prêmio pode contribuir para o desenvolvimento do artesanato brasileiro? Como você avalia o resultado das edições realizadas em 2008, 2010, 2012 e 2014?

Na primeira edição nós não tínhamos a menor ideia do que seria inscrito. E vieram muitos trabalhos manuais, por exemplo, que não era exatamente o que buscávamos. Já na segunda e na terceira edição os produtos inscritos dialogavam mais com o nosso universo de atuação. E no quarto prêmio, que ocorreu em 2014, a maioria dos objetos inscritos era muito boa. E imagino que esse processo esteja associado à divulgação do prêmio. Com o passar dos anos, nossa iniciativa foi sendo cada vez mais reconhecida. E o fato do prêmio ser em dinheiro incentiva as pessoas a participarem da ação.

Além disso, os objetos inscritos no Prêmio Objeto Brasileiro têm sido muito bem avaliados porque o júri é composto por pessoas que são referências no assunto. Desse modo, o prêmio acaba por espelhar a boa produção artesanal contemporânea que tem sido feita no Brasil.

Como surgiu o “A CASA viaja”? Quais são os principais objetivos dessa iniciativa?

Quando nós produzimos o livro Que Chita Bacana, em 2005, tivemos que realizar inúmeras viagens, principalmente ao Nordeste, para executar algumas pesquisas. E foi durante essas expedições que eu conheci o Cariri Cearense. Depois desse acontecimento, com a inauguração do Pavilhão das Culturas Brasileiras, conversei com algumas pessoas e senti que grande parte delas deram a entender que gostariam de conhecer o Cariri. Então, começamos a pesquisar um pouco mais sobre a região. Fizemos uma viagem de reconhecimento para ver quantos dias de viagem seriam necessários, o que podíamos visitar e onde seria o local de hospedagem. A partir disso, realizamos a nossa primeira viagem.

Já a segunda edição foi para a Ilha do ferro, que nós também já conhecíamos devido ao projeto de bordado que havíamos desenvolvido com as artesãs daquele local. A região pertence ao estado de Alagoas, mas o acesso ocorre por Sergipe – que também reúne várias associações artesanais interessantes para se conhecer. Essa viagem foi um sucesso. E as pessoas não só conheceram a vegetação e a arquitetura da região, que é belíssima, mas também tiveram a oportunidade de observar como é o dia a dia de um artesão e puderam comprar uma série de peças.

De modo geral, portanto, o objetivo principal dessas viagens é unir, de forma direta, o produtor artesanal e o seu ambiente de trabalho com pessoas interessadas no tema. Ao invés de apenas trazermos uma exposição para São Paulo, queremos levar viajantes para desvendar o universo onde o artesão vive e desenvolve as suas criações. Além disso, acaba sendo também uma forma de estimular o turismo interno, já que brasileiro não faz muita viagem pelo Brasil – e quando viaja, prefere destinos como Rio de Janeiro ou as praias do Nordeste.

Tendo em vista que A CASA completa 18 anos no próximo dia 24 de maio, o que poderia ser destacado como a principal dificuldade de trabalho do museu ao longo de sua trajetória?

Para ser sincera, eu não vejo muitas dificuldades. Em geral, acredito que nós não podemos mudar muito as coisas. Não podemos querer que tudo seja muito rápido. Cada ação tem um tempo determinado para se desenvolver. O nosso papel, portanto, é trabalhar as iniciativas para que, aos poucos, elas se transformem em ações bem sucedidas. E trabalhar com o artesanato, sobretudo, exige dedicação, exige tempo. Mas se esse trabalho for bem feito e realizado com empenho e devoção, ele se desenvolve.

A instituição A CASA já passou por períodos e fases distintas. Do Centro Cultural A CASA, em 1997, na Rua Irlandino Sandoval, até a mudança no final de 2014 para um prédio próprio na Avenida Pedroso de Morais, A CASA museu do objeto brasileiro, segundo Adélia Borges, tornou-se nesse tempo "a principal referência no campo da colaboração entre artesãos e designers em nosso país". De forma resumida, como você avalia as mudanças e as conquistas já alcançadas pela instituição? E, na sua visão, quais são os principais desafios para o futuro?

Um dos principais desafios que A CASA tem enfrentado desde o seu nascimento tem sido a questão monetária. Você sempre quer fazer mais coisas do que os seus recursos permitem. Entretanto, agora nós temos um espaço para eventos, que já está conseguindo gerar renda para a instituição. E isso é importante porque com esses novos recursos podemos desenvolver novos projetos, em outros lugares e com várias tipologias.

Então, resumidamente, acredito que o nosso principal desafio para o futuro é ampliar o que já está sendo feito. Durante a nossa trajetória, que agora completa 18 anos, o caminho percorrido as vezes foi lento, porém sempre contínuo. Com o passar do tempo fomos percebendo o progresso das nossas iniciativas. Sinceramente eu não sei se novas ideias irão surgir num futuro próximo, mas posso afirmar que estou supersatisfeita com os direcionamentos e projetos que nós promovemos e desenvolvemos até o presente momento.