Você é economista, com passagem pelas Ciências Sociais e com
experiência nas Artes Plásticas e na Moda. Além disso, também já desenvolveu “curiosidades
criativas”, como o projeto "Tulipas I” (plantação de flores de plástico na
marginal do rio Pinheiros), “Tulipas II” (colocação de flores de plástico em
dunas de Fortaleza por ocasião da 1ª mostra de Esculturas Efêmeras) e a
instalação “Pulseira de Árvore” nos Jardins do MCB e no Parque do Ibirapuera.
E, desde 1997, você é responsável pela diretoria geral de A CASA museu do
objeto brasileiro. Fale um pouco sobre sua trajetória. Como aconteceu esse
processo?
Sempre tive vontade de desenvolver
algum projeto que falasse sobre o Brasil. Mas em inúmeros casos me perguntava
como a realização dessa iniciativa seria possível. Foi nesse momento de
questionamento que conheci Benjamim Taubkin. Ele é músico e também estava
interessado em realizar projeto semelhante. Baseados nessa ideia, fundamos o
Centro Cultural A CASA, em maio de 1997. A localização inicial era no bairro
dos Jardins, numa casa projetada pelo arquiteto Eduardo Longo. Naquela época a
internet ainda estava no começo. Então, nós preparávamos as programações
mensais e enviávamos tudo pelos Correios.
Logo começamos a ter uma
programação intensa que envolvia apresentações de música, palestras, teatro,
mostras de cinema e gastronomia. A programação era muito variada. Em agosto de
1998, por exemplo, realizamos o projeto “Lampião vai À CASA”, que reuniu
uma série de palestras, encontros e oficinas sobre Lampião. E grande parte
dessas atividades eram realizadas dentro de uma piscina vazia. O espaço para
todas essas manifestações ocorria dentro da piscina.
Um fato interessante é que o
espaço começou a se chamar A CASA porque o local onde os eventos ocorriam era
bonito e chamava muito a atenção. Depois de três anos, aproximadamente, começamos
a receber um público cada vez maior. Com isso, a vizinhança começou a reclamar,
dado que o centro cultural estava localizado numa área residencial. Assim, a Prefeitura
nos notificou e tivemos que encerrar a oferta de atividades ao público.
Com esse impasse, o Benjamin não
pode nos acompanhar dado que não tínhamos condições de fazer apresentações musicais.
Porém, dado a situação, eu e Silvia Sasaoka pensamos em elaborar um museu
virtual. Essa foi a forma que encontramos naquele momento para continuarmos com
o nosso trabalho. Ao todo ficamos durante dez anos na casa dos Jardins,
desenvolvendo e ampliando o museu virtual, sobretudo.
Depois desses dez anos nos
mudamos para a Rua Cunha Gago, onde pudemos reabrir as nossas atividades ao
público. Era um salão, e lá ficamos muito bem instalados durante seis anos,
aproximadamente. Contudo, após um determinado período, o espaço foi vendido
para que um edifício fosse construído no local.
Foi nesse momento que apareceu o terreno
da Pedroso de Morais. Assim, com o objetivo de continuar e ampliar o trabalho
do museu A CASA, realizamos a construção da nossa própria sede. E para dar
início a este processo, encomendamos um projeto ao arquiteto Luiz Fernando
Rocco e colocamos a mão na massa. Inauguramos a nova sede do museu em outubro
de 2014.
Em relação às artes, em geral,
meu interesse nasceu há muito tempo. Sempre visitei galerias regularmente e fiz
um curso muito bom com o professor Carlos Fajardo. E com base nesse interesse, comecei
a desenvolver as minhas próprias “curiosidades criativas”. Eu não pinto e nem
desenho, mas gosto de realizar interferências urbanas. Foi assim que dei inicio
a projetos de intervenção em estradas, viadutos e parques. O meu objetivo com
essas ações, como a implantação de Tulipas na Marginal Pinheiros, era promover
a arte em locais alimentados por diversas vias de acesso.
Como surgiu o museu A CASA? Desde a sua criação, em 1997, quais foram
as ideias que nortearam a gênese e o desenvolvimento da instituição?
A ideia norteadora, logo no
nascimento da instituição, baseava-se na realização de um projeto que falasse
sobre o Brasil. Quando fundamos o minicentro cultural, portanto, promovemos
algumas mesas redondas que buscavam reflexões a partir de temas como “o que há
de brasileiro no design gráfico” ou “o que há de brasileiro na moda”. E dentro
dessas reflexões, o artesanato era algo que despertava o meu interesse de forma
muito intensa. Mesmo quando ainda estávamos com o centro cultural pequeno, eu
já tinha uma historiadora realizando pesquisas sobre o artesanato nacional. Naquele
momento eu estava fazendo investigações para saber como poderia ingressar nesse
meio. E o Renato Imbroisi também estava começando as idas e vindas dele aí pelo
Brasil. Então, foi assim que tudo começou.
Desde a sua origem, A CASA possui o objetivo básico de contribuir para
o reconhecimento, valorização e desenvolvimento do artesanato e do design no
Brasil. Como esse objetivo pode ser alcançado? Quais são os focos de trabalho
da instituição?
Na minha opinião, a promoção do
artesanato pode ocorrer em várias direções. A primeira delas é o
estabelecimento direto de um contato com uma associação ou comunidade produtora
para verificar quais são as dificuldades do grupo e como podemos auxiliar na
superação desses entraves. Por intermédio desse contato podemos ajudar no
desenvolvimento de novos produtos, por exemplo. A técnica já é algo próprio do
artesão e isso nós não devemos modificar, mas de maneira respeitosa podemos
desenvolver soluções criativas ligadas à questão do produto em si.
Outro caminho possível é
construir um espaço para exibir as peças artesanais e fazer com que elas adquiram
outro nível, outro status. Isso é o que conseguimos fazer agora com a nova sede
do museu: valorizamos o artesanato ao vinculá-lo a uma boa iluminação, a uma
boa montagem expositiva e ao divulgá-lo numa localização privilegiada. Todos esses
fatores ajudam a agregar valor às peças artesanais.
E, também, um terceiro caminho para
promover o artesanato é a venda dos produtos. Isso é importantíssimo. Somente
através da comercialização e da geração de renda as comunidades de artesãos podem
continuar o processo de elaboração e confecção de produtos. Assim, para
mantermos a tradição artesanal brasileira, a venda dos produtos é algo que
precisa estar sempre na nossa mira.
Atualmente, muitas instituições e profissionais que trabalham com comunidades
de artesãos têm encontrado dificuldades na venda dos produtos. Em 2013,
inclusive, o museu A CASA promoveu o Seminário Objeto Brasileiro e Mercado, que
debateu algumas das questões relacionadas ao comércio de produtos artesanais.
Na sua opinião, o que ocorre? Por que é tão difícil comercializá-los?
Se pensarmos de forma ampla,
baseada numa macro visão, realmente percebemos que a comercialização do
artesanato, em inúmeros casos, torna-se muito difícil. E isso ocorre devido à
insuficiência ou a incapacidade das políticas públicas de resolverem os principais
problemas dos artesãos. Entretanto, em relação a estas questões ligadas ao
governo, não há nada muito satisfatório que possamos fazer no curtíssimo prazo.
Mas sobre a questão da venda, na
minha opinião, nós podemos trabalhar de forma a ampliá-la. Nesse sentido, um fator
essencial para se pensar é onde o produto artesanal está sendo comercializado.
Precisamos mostrar um produto feito à mão que tenha condições de ser vendido na
cidade, onde usualmente a maioria das vendas ocorre.
É dentro desse contexto que o
trabalho de um designer, por exemplo, torna-se essencial para ampliar o
escoamento da produção. Ao pensar junto com os artesãos formas de adequar e
difundir o produto artesanal, o designer realiza um papel importantíssimo na
promoção e no desenvolvimento de associações e comunidades produtoras.
Além desses pontos, acredito que
no momento atual o público, em geral, está valorizando mais o bom artesanato. Antigamente
as pessoas só olhavam para a produção que ocorria fora do Brasil ou para o
design de última geração. Mas recentemente, e aos poucos, estas visões estão se
alterando. Nos últimos anos o artesanato tem conquistando novos patamares.
E porque, na sua opinião, somente agora o artesanato está recebendo
essa visão diferente por parte do público?
Imagino que esse processo esteja
relacionado a movimentos que ocorrem no exterior. Pude constatar, em diversos
casos, que o produto artesanal é muito mais valorizado em outros países. No
Brasil, dado que muitas pessoas preferem passar as suas férias em outros
países, a descoberta de produtos e produtores artesanais brasileiros, possível
de ser realizada durante viagens nacionais, fica comprometida. Contudo, de maneira
geral, acredito que esse quadro está se modificando aos poucos. O público, cada
vez mais, está valorizando o objeto artesanal brasileiro.
Em 2000, visando a consolidação e potencialização dos seus próprios
princípios, A CASA investiu no desenvolvimento de seu museu virtual. Qual foi a
importância da introdução dessa nova ferramenta? Na sua opinião, como
instituições culturais e museológicas podem utilizar o ambiente virtual para
promover as suas atividades?
Hoje em dia, acredito que os
principais canais de comunicação e pesquisa estão no mundo virtual. Portanto,
penso que o ambiente virtual deve ser cada vez mais trabalhado e utilizado por
instituições que atuam no segmento cultural e museológico. Atualmente, se
fazemos uma bela exposição, rapidamente podemos divulga-la por meio das mídias
digitais. Desse modo, com a facilidade do acesso à informação, quando expomos
um projeto que acontece aqui em São Paulo, instantaneamente ele pode ser
conhecido e compartilhado para todo o Brasil.
Então, acredito que A CASA ganhou
muito ao utilizar essas ferramentas para divulgar os seus projetos. Além disso,
hoje em dia servimos de referência para a pesquisa sobre o universo artesanal
brasileiro. Muitos pesquisadores utilizam o nosso portal eletrônico e ficam
satisfeitos com as informações que encontram em nosso banco de dados.
E, de forma complementar, A CASA
foi pioneira nesse campo de atuação. Até hoje, se pesquisarmos, vamos ver que o
número de museus virtuais é bem pequeno.
Nos últimos anos, A CASA promoveu encontros entre o design e o
artesanato por meio da realização de projetos que uniram designers e
comunidades de artesãos. Como resultado desses encontros foram apresentadas as
exposições "Poética da palha – Cerro Azul", em 2011; "Boa Noite,
Ilha do Ferro", em 2013; e "Renda-se", em 2015. Como projetos
que trabalham com o encontro entre design e artesanato devem ser conduzidos
para que se estabeleça uma relação positiva entre designers e artesãos?
Minha reflexão inicial parte da ideia
de que nada pode ou deve ser imposto. Se o designer propõe uma novidade, por
exemplo, ela precisa ser bem recebida por todos os artesãos que estão
envolvidos no projeto. As relações devem ser horizontais, e não verticais. As
pessoas precisam gostar e aprovar as mudanças que estão sendo respeitosamente
propostas. Esse fenômeno aconteceu muito com o projeto RENDA-SE, onde as
rendeiras tiveram que desenvolver um croqui proposto por um estilista ou designer
de moda.
E esses processos, na minha
visão, produzem resultados muito interessantes. A partir da realização do
RENDA-SE, designers e artesãos criaram novas maneiras de inserir a renda no
universo da moda. As propostas, de ambas as partes, foram muito bem recebidas
e, no final, esses encontros produziram resultados incríveis.
No projeto “Poética da Palha” as
experiências foram muito positivas também. Ao criar novos produtos associados à
palha de milho, que é abundante no local, o trabalho desenvolvido pela
associação de artesãos e pelo designer Renato Imbroisi foi belíssimo e
impressionou a muitos que visitaram a exposição, em 2011.
Já no projeto “Boa Noite, Ilha do
Ferro”, assim como em Cerro Azul, a introdução de elementos que tinham relação
com o universo das artesãs fez com que as novas peças preservassem fortes
relações com o ambiente produtivo. A incorporação de casinhas, barquinhos e a
utilização de linhas mais coloridas produziu resultados encantadores.
Em comemoração aos seus 10 anos, o museu A CASA, durante a 13ª Paralela
Gift, lançou o Prêmio Objeto Brasileiro. O concurso é um acontecimento bienal
que tem o objetivo de "destacar e premiar o melhor da produção artesanal
contemporânea no Brasil". Como o Prêmio pode contribuir para o
desenvolvimento do artesanato brasileiro? Como você avalia o resultado das
edições realizadas em 2008, 2010, 2012 e 2014?
Na primeira edição nós não
tínhamos a menor ideia do que seria inscrito. E vieram muitos trabalhos
manuais, por exemplo, que não era exatamente o que buscávamos. Já na segunda e
na terceira edição os produtos inscritos dialogavam mais com o nosso universo
de atuação. E no quarto prêmio, que ocorreu em 2014, a maioria dos objetos
inscritos era muito boa. E imagino que esse processo esteja associado à
divulgação do prêmio. Com o passar dos anos, nossa iniciativa foi sendo cada
vez mais reconhecida. E o fato do prêmio ser em dinheiro incentiva as pessoas a
participarem da ação.
Além disso, os objetos inscritos
no Prêmio Objeto Brasileiro têm sido muito bem avaliados porque o júri é
composto por pessoas que são referências no assunto. Desse modo, o prêmio acaba
por espelhar a boa produção artesanal contemporânea que tem sido feita no
Brasil.
Como surgiu o “A CASA viaja”? Quais são os principais objetivos dessa
iniciativa?
Quando nós produzimos o livro Que
Chita Bacana, em 2005, tivemos que realizar inúmeras viagens,
principalmente ao Nordeste, para executar algumas pesquisas. E foi durante
essas expedições que eu conheci o Cariri Cearense. Depois desse acontecimento,
com a inauguração do Pavilhão das Culturas Brasileiras, conversei com algumas pessoas e senti que grande parte delas deram
a entender que gostariam de conhecer o Cariri. Então, começamos a pesquisar um
pouco mais sobre a região. Fizemos uma viagem de reconhecimento para ver
quantos dias de viagem seriam necessários, o que podíamos visitar e onde seria
o local de hospedagem. A partir disso, realizamos a nossa primeira viagem.
Já a segunda edição foi para a
Ilha do ferro, que nós também já conhecíamos devido ao projeto de bordado que
havíamos desenvolvido com as artesãs daquele local. A região pertence ao estado
de Alagoas, mas o acesso ocorre por Sergipe – que também reúne várias
associações artesanais interessantes para se conhecer. Essa viagem foi um
sucesso. E as pessoas não só conheceram a vegetação e a arquitetura da região, que
é belíssima, mas também tiveram a oportunidade de observar como é o dia a dia
de um artesão e puderam comprar uma série de peças.
De modo geral, portanto, o
objetivo principal dessas viagens é unir, de forma direta, o produtor artesanal
e o seu ambiente de trabalho com pessoas interessadas no tema. Ao invés de
apenas trazermos uma exposição para São Paulo, queremos levar viajantes para
desvendar o universo onde o artesão vive e desenvolve as suas criações. Além
disso, acaba sendo também uma forma de estimular o turismo interno, já que brasileiro
não faz muita viagem pelo Brasil – e quando viaja, prefere destinos como Rio de
Janeiro ou as praias do Nordeste.
Tendo em vista que A CASA completa 18 anos no próximo dia 24 de maio, o
que poderia ser destacado como a principal dificuldade de trabalho do museu ao
longo de sua trajetória?
Para ser sincera, eu não vejo
muitas dificuldades. Em geral, acredito que nós não podemos mudar muito as
coisas. Não podemos querer que tudo seja muito rápido. Cada ação tem um tempo
determinado para se desenvolver. O nosso papel, portanto, é trabalhar as
iniciativas para que, aos poucos, elas se transformem em ações bem sucedidas. E
trabalhar com o artesanato, sobretudo, exige dedicação, exige tempo. Mas se
esse trabalho for bem feito e realizado com empenho e devoção, ele se desenvolve.
A instituição A CASA já passou por períodos e fases distintas. Do
Centro Cultural A CASA, em 1997, na Rua Irlandino Sandoval, até a mudança no
final de 2014 para um prédio próprio na Avenida Pedroso de Morais, A CASA museu
do objeto brasileiro, segundo Adélia Borges, tornou-se nesse tempo "a
principal referência no campo da colaboração entre artesãos e designers em
nosso país". De forma resumida, como você avalia as mudanças e as
conquistas já alcançadas pela instituição? E, na sua visão, quais são os
principais desafios para o futuro?
Um dos principais desafios que A
CASA tem enfrentado desde o seu nascimento tem sido a questão monetária. Você
sempre quer fazer mais coisas do que os seus recursos permitem. Entretanto, agora
nós temos um espaço para eventos, que já está conseguindo gerar renda para a
instituição. E isso é importante porque com esses novos recursos podemos desenvolver
novos projetos, em outros lugares e com várias tipologias.
Então, resumidamente, acredito
que o nosso principal desafio para o futuro é ampliar o que já está sendo feito.
Durante a nossa trajetória, que agora completa 18 anos, o caminho percorrido as
vezes foi lento, porém sempre contínuo. Com o passar do tempo fomos percebendo
o progresso das nossas iniciativas. Sinceramente eu não sei se novas ideias irão
surgir num futuro próximo, mas posso afirmar que estou supersatisfeita com os
direcionamentos e projetos que nós promovemos e desenvolvemos até o presente
momento.