Você é escritora, editora, fotógrafa e empreendedora das áreas cultural e social. Nasceu na Colômbia, mas mora atualmente em Nova York e já trabalhou em vários países. Além disso, estudou História e Literatura na Brown University e realizou dois cursos de mestrado: em “Publicação de Livros e Revistas”, no Radcliffe College; e outro em “Desenvolvimento Sustentável”, na Universidade Jorge Tadeo Lozano (Bogotá, Colômbia). Você também é diretora da SURevolution, atuou como consultora para a UNESCO, Artesanías de Colombia e para os governos do Peru e da Colômbia. Conte-nos um pouco de sua trajetória. Desde criança eu me interessava por todo o trabalho que fosse realizado com as mãos. Aos quatro anos já fazia meus próprios presentes de natal. Um ano eram sabonetes, outro ano eram velas e no outro caixinhas pintadas. E à medida em que fui crescendo, fui me interessando pela arte e pelas pessoas que construíam a sua vida em torno do trabalho artesanal. Descobri os artesãos e me interessei em aprender talha em madeira, batik, vitrais e joalheria.
Quando comecei a pensar na universidade que iria cursar, acreditava que seria na área de arte. Me inscrevi nas melhores faculdades de arte e design do mundo, mas chegado o momento da decisão final, uma pergunta de minha mãe mudou o meu rumo. Ela me perguntou: "Como artista, que história você irá contar?". Resolvi ir então para a Brown University, onde me dediquei obsessivamente a descobrir o que outras pessoas haviam dito e como contavam suas histórias na literatura. Terminado o curso e de volta à Colômbia, fui atraída para o mundo editorial, pois achava que era preciso contar histórias de artesãos e de pessoas que tinham construído suas vidas com o trabalho feito à mão. A pergunta era sempre a mesma: “Como contar essas histórias moldadas por texturas e objetos, sem mostrá-los?”. E esse era o problema, pois muitos artesãos já tinham mudado de ofício e dessa herança restavam apenas lembranças.
Como o assunto me interessava tanto, comecei a trabalhar com alguns artesãos individualmente, procurando um meio de patrociná-los para que voltassem a trabalhar. No começo, meu único objetivo era contar visualmente as histórias nas revistas de arquitetura e decoração das quais eu era colaboradora - muitas delas na Europa e nos Estados Unidos. E como os objetos fazem seu próprio caminho, logo começaram a chegar pedidos.
Com o passar do tempo, a questão era levar essa ideia a uma escala significativa e sustentável. Um dia, viajando por Catacaos, no Peru, pensei: como era possível que essas tradições milenares estivessem se perdendo e ninguém fizesse nada? Resolvi, portanto, mandar alguns e-mails e recebi da equipe de
Donna Karan um convite para visitar os escritórios da marca em Nova York. E lá estava eu, em pleno Fashion District, diante de uma mesa cheia de amostras e peças artesanais maravilhosas que eu tinha enfiado de última hora na mala. Quando a Donna Karan passou pela sala, ali mesmo ela me disse que iria lançar minha empresa - e assim nasceu a SURevolution, um projeto que durou até 2010. Foi um marco em Nova York, numa época em que ninguém imaginava ver nas vitrines da Madison Avenue um cesto Maku, feito pelos nativos da Região Amazônica, ao lado de artigos de grande luxo. A presença do artesanato de alta qualidade em lojas ícones como Barneys, Takashima e em revistas como Vogue, Vanity Fair, Architectural Digest, Wall Paper e Domino abriu um universo imenso de possibilidades para o mundo artesanal sob esse novo foco de excelência.
Hoje o meu trabalho consiste em dirigir minha consultoria, trabalhando com empresas ou instituições interessadas na articulação entre luxo, sustentabilidade e turismo. Minha abordagem parte da marca como eixo de toda a estratégia. Atualmente trabalho no Tibete com a marca
Norlha Textiles, de tecidos feitos com lã de Iaque para o mercado de luxo. Trabalho também com a Norden Travel, o hotel nômade criado próximo ao mosteiro de Labrang e decorado com os tecidos da Norlha.
Além disso, junto com minha mãe, Clara Saldarriaga, fazemos oficinas de criação de marca e desenvolvimento de produto no Peru, Paraguai, Chile e Bolívia. E ainda damos assessoria a projetos coletivos, não só nesses países, mas também no México, Guatemala e Curaçao. Também fazemos conferências em todo o mundo sobre temas de sustentabilidade e design.
Nova York é uma metrópole onde tudo repercute de forma mais intensa. A partir desse ponto de vista, como você descreveria as principais características do artesanato latino americano? Poderia estabelecer relações de proximidade e/ou diferença entre a produção dos países da região, incluindo o Brasil?
As pessoas dizem que em Nova York tem de tudo. E isso é verdade, se falarmos de coisas materiais, particularmente de cunho industrial. Entretanto o mundo artesanal, especialmente o latino americano, mal chegou a Nova York. Ainda há muitas histórias para contar e muitas texturas e objetos para apreciar. A presença do artesanato brasileiro é mínima, para não dizer nula. E os demais países aparecem com um ou outro produto, que muitas vezes acaba atropelado pela corrida frenética das tendências. Foi o caso, por exemplo, das bolsas
Wayuu da Colômbia, que já estão em todo lugar, mas ao invés de subir em qualidade, decaíram, em todos os sentidos, e essa bolha repercutiu negativamente na comunidade indígena.
Como é a relação entre design e artesanato na América Latina?
O artesanato latino americano é tão diverso quanto cada um dos países da região. O artesanato indígena é tão peculiar que praticamente se mantém fechado nos seus códigos milenares e o seu conhecimento e apreciação ficam restritos aos museus e colecionadores sofisticados. O artesanato rural e urbano sofreu muitas intervenções do design industrial e os resultados disso foram mistos, pois há muita confusão entre linguagens, intenções e formas.
Você também desenvolve projetos e ministrou conferências em países fora do continente americano. Seria possível realizar uma comparação entre essas experiências?
Há muitos países com uma clara vocação artesanal de origem milenar. É o caso da China, Índia e Tibete. Nesses países, a intenção está profundamente gravada no DNA dos povos. E, nesses lugares, tecer é tão natural quanto falar e não existe distanciamento entre a vida cotidiana e os ofícios.
Você já publicou uma série de artigos sobre artesanato na revista "Avianca en revista", uma publicação distribuída a passageiros durante os voos da companhia. Qual é a receptividade dessas matérias entre os passageiros? É possível despertar o interesse pelo artesanato entre um público tão diverso?
Hoje em dia os viajantes têm a facilidade de visitar os mais diversos lugares, mas poucos têm acesso à realidade mais profunda dos povos, guiada pelas mãos dos que fazem os produtos e vivem segundo perspectivas distintas. Por isso, a “Avianca em revista” resolveu dar as ferramentas para aqueles que realmente querem ir mais fundo, publicando relatos que contam as histórias de artesãos e comunidades, com guias completos sobre produtos e serviços sustentáveis que somente especialistas e conhecedores da área poderiam apresentar.
Como aconteceu o seu envolvimento com a Norlha, do Tibete, e como desenvolveu o projeto com eles?
O meu trabalho com a Norlha já tem 6 anos e o projeto começou desde a criação da marca até o desenvolvimento de produtos. E, recentemente, estamos promovendo o lançamento da marca nos Estados Unidos. A Norlha passou de uma manufatura de tecidos de Iaque de luxo a uma das marcas locais sustentáveis e responsáveis mais conhecidas na China e no Tibete. E agora começa a ser conhecida nos Estados Unidos, associada ao luxo, sustentabilidade e respeito ao meio ambiente.
A Norlha é também um de seus clientes favoritos. Quais foram as principais características dos produtos feitos por essa associação que chamaram sua atenção para o projeto?
A Norlha trabalha o fio de Iaque como fibra básica, transformando-o em produtos para um estilo de vida completo: feltros de uso doméstico, tecelagens para casa e decoração, móveis, bolsas, etc. A Norlha redefiniu o significado de trabalhar a partir da base. Todos os artesãos eram nômades, que graças a esse projeto agora podem permanecer em suas terras de origem e alcançar um bom nível de vida com o seu trabalho manual e os recursos naturais provenientes da terra. A Norlha faz o design, depois produz e vende os artigos feitos com fibras de Iaque. Um verdadeiro exemplo de indústria local com visão internacional.
Clara Saldarriaga, artista plástica da Colômbia, trabalha com o conceito de "Joias da Natureza". Por que essa conexão entre joias (artigo de luxo) e natureza (ou sustentabilidade) é tão importante atualmente?
Clara Saldarriaga não é apenas minha mestre e designer preferida, como é também minha mãe. Com ela, levamos a vida nesta viagem maravilhosa que é unir o ser e o fazer. A sua coleção de joias, chamada “Joias da natureza” consiste em edições limitadas que colocam em evidência as flores e a folhas dos trópicos graças aos metais preciosos. Sua pesquisa não termina com ela nem com sua marca. Foi compartilhada com comunidades artesanais em muitos países, nas oficinas criadas por ela com a metodologia
"Consciência para Criar".
SURevolution é uma instituição cuja missão é desenvolver o artesanato contemporâneo para mercados de luxo. Como se desenvolveu o trabalho desta organização?
O trabalho de SURevolution continua na minha empresa de consultoria. Procuramos encontrar a essência de cada organização para trabalhar a partir da marca, e daí passamos ao desenvolvimento de produtos à comercialização, de maneira organizada e estratégica. Uma das coisas que aprendemos com o projeto SURevolution foi que muitos produtos pretendiam chegar ao mercado sem estar prontos, ou quando já haviam atingido o final de seu ciclo de vida e começavam a ficar obsoletos. Por isso agora vamos direto ao coração das organizações e ao coração das pessoas, que é de onde provém tudo o que é real e autêntico.
Por que o trabalho da SURevolution tem como objetivo criar produtos para o mercado de luxo? Como explicar essa relação entre o artesanato e o mercado de luxo e o mercado "de massa" nos dias de hoje?
O mercado de luxo permite trabalhar com os melhores materiais e processos. Dessa forma, possibilita uma elevação do nível do trabalho feito à mão. O mercado de massa busca exatamente o oposto: quantidade com menor qualidade e menor preço. Em um mundo onde se procura resgatar tradições perdidas, nada mais lógico do que começar elevando o nível e fazendo as coisas bem feitas. Isto exige recursos e clientes que apreciem e queiram pagar por esses produtos. É desse modo que surge a ligação entre luxo e artesanato.
Em sua opinião, quais seriam as principais dificuldades para o crescimento do artesanato nos países não desenvolvidos ou em desenvolvimento, como Brasil, Colômbia e Peru?
Há muitos desafios. O principal deles somos nós mesmos, pois não se dá real valor ao que é próprio de cada povo, nem há uma apreciação sincera pelo artesanato. Em geral, nos nossos países se dá mais valor ao que vem de fora, ao que é industrializado, produzido em massa. Se houvesse realmente essa valorização, haveria investimento privado e público, haveriam políticas para o setor, estratégias coerentes. Muitas vezes o artesanato é visto como o patinho feio, como um setor que ninguém sabe bem onde situar. O artesanato ocupa um espaço confuso, em um momento também de muita confusão e velocidade.