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AS LEIS DE TESOUROS HUMANOS VIVOS NUMA PERSPECTIVA GLOBAL

Publicado por A CASA em 9 de Junho de 2015
Por Ivan Vieira

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As "Leis de Tesouros Humanos Vivos", também conhecidas como “Leis de Mestres” ou "Leis de Patrimônio Vivo", surgiram na segunda metade do século XX após a preocupação de alguns países com o fenômeno de desaparecimento de habilidades específicas de suas próprias culturas. Tais projetos buscavam, sobretudo, o reconhecimento formal de indivíduos portadores do patrimônio cultural imaterial por meio da criação de políticas nacionais de transmissão dos saberes e fazeres da cultura tradicional.

Um dos primeiros projetos de proteção jurídica para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial foi estabelecido no Japão, em 1950, com a aprovação da "Lei Japonesa para a Proteção das Propriedades Culturais". O sistema que esta lei estabeleceu baseava-se no princípio de que a proteção do patrimônio cultural (tanto material como imaterial) era uma responsabilidade do Estado e que, portanto, instituições do governo deveriam elaborar processos para selecionar, proteger e valorizar grupos ou indivíduos com notáveis habilidades e/ou conhecimentos sobre o patrimônio cultural nacional. 

Em 1962, por meio do Ato nº 961, a República da Coreia (ou Coreia do Sul) criou o seu programa nacional para a proteção dos bens culturais. Segundo Keith Howard, professor da Escola de Estudos Orientais da Universidade de Londres, a República da Coreia "seguiu, em grande parte, a legislação japonesa, mas por diferentes razões: para o país tornava-se necessário promover uma cultura nacional, após séculos de soberania chinesa, 35 anos de colonialismo japonês e, em seguida, o rápido processo de ocidentalização que atingia inúmeros países asiáticos". Para Keith Howard, "contrariar a ocidentalização ou a hegemonia ocidental é algo comum nos sistemas de proteção do patrimônio local".

Após a implementação dos projetos no Japão e na República da Coreia, Tailândia, Filipinas e França desenvolveram seus programas nacionais para a proteção dos portadores de conhecimentos do patrimônio cultural imaterial. Desde 1993, Romênia, República Tcheca, Nigéria e Senegal também aprovaram legislações para estabelecer seus próprios sistemas.

Na década de 1990, inspirando-se essencialmente na experiência coreana, a UNESCO elaborou seu modelo de "Tesouros Humanos Vivos", com o objetivo de que cada país implementasse um programa de valorização de mestres de diferentes ofícios. De acordo com Keith Howard, que também contribuiu na elaboração das diretrizes para o sistema da UNESCO, "até a década de 1990, o Japão foi um catalisador para a ação internacional sobre o patrimônio imaterial. Mas na década de 1990, a Coréia começou a colocar mais empenho na promoção deste sistema através da Comissão Nacional Coreana para a UNESCO. A República da Coreia, então, realizou uma série de workshops e simpósios e, assim, 'tomou' algumas das iniciativas do Japão, incluindo o mapeamento das diretrizes para os programas de Tesouros Humanos Vivos. O principal efeito destes esforços foi introduzir na agenda internacional a ideia de que artistas e artesãos precisam de apoio institucional. Nos últimos anos, a China tem assumido este papel na liderança para o desenvolvimento de políticas e sistemas de proteção do patrimônio cultural imaterial".

No documento Diretrizes para o Estabelecimento de Tesouros Humanos Vivos, desenvolvido inicialmente em 1993 e atualizado em 2002, a UNESCO define os Tesouros Humanos Vivos como indivíduos que possuem "os conhecimentos e as habilidades necessárias para executar ou recriar elementos específicos do patrimônio cultural imaterial". De acordo com o mesmo documento, a criação do sistema torna-se necessário dado que "o patrimônio cultural imaterial local está sendo rapidamente substituído por uma cultura internacional padronizada, fomentada não só pela modernização socioeconômica, mas também pelos rápidos avanços na disseminação da informação e do transporte. O patrimônio cultural imaterial é inerentemente vulnerável devido à sua natureza não-física. A sua preservação, promoção, divulgação e revitalização são, portanto, de extrema urgência".

Após a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada em 2003, inúmeras iniciativas que seguem as diretrizes da UNESCO têm sido desenvolvidas em países como Angola, Burkina Faso, Cabo Verde, Egito, Madagascar, Mali, Myanmar, Mongólia e Vietnã.

No contexto latino americano, o Chile, em 2010, criou seu programa nacional de Tesouros Humanos Vivos com a Resolução nº 2656. Segundo o Conselho Nacional da Cultura e das Artes do país, o programa premia, anualmente, 3 indivíduos e 3 comunidades que são “portadores de conhecimentos, expressões e/ou técnicas arraigadas nas tradições culturais representativas de uma comunidade ou grupo determinado”. O reconhecimento concedido pelo sistema é para toda a vida. Cada ganhador individual recebe um auxílio econômico único no valor de 3 milhões de pesos chilenos (cerca de R$14.700). Em contrapartida, cada comunidade nomeada com o título recebe o benefício único de 7 milhões de pesos chilenos (aproximadamente R$34.300). Dominga Neculmán e a União de Artesãs de Quinchamalí são exemplos de indivíduos/grupos reconhecidos pelo programa.

No Brasil, conforme divulgado pelo museu A CASA em novembro de 2012, o sistema Tesouros Humanos Vivos ainda não foi implementado no âmbito federal. Entretanto, o Plano Nacional de Cultura, de 02 de dezembro de 2010, coloca entre suas estratégias e ações o reconhecimento da "atividade profissional dos mestres de ofícios por meio do título de 'notório saber'" e o estabelecimento de “leis específicas” e “bolsas de auxílio”. Atualmente, apenas estados como Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas e Bahia possuem políticas locais de reconhecimento e valorização de mestres.