As "Leis de Tesouros Humanos Vivos", também
conhecidas como “Leis de Mestres” ou "Leis de Patrimônio Vivo",
surgiram na segunda metade do século XX após a preocupação de alguns países com
o fenômeno de desaparecimento de habilidades específicas de suas próprias
culturas. Tais projetos buscavam, sobretudo, o reconhecimento formal de
indivíduos portadores do patrimônio cultural imaterial por meio da criação de
políticas nacionais de transmissão dos saberes e fazeres da cultura
tradicional.
Um dos primeiros projetos de proteção jurídica para a salvaguarda do
patrimônio cultural imaterial foi estabelecido no Japão, em 1950, com a aprovação da
"Lei Japonesa para a Proteção das Propriedades Culturais". O sistema
que esta lei estabeleceu baseava-se no princípio de que a proteção do
patrimônio cultural (tanto material como imaterial) era uma responsabilidade do
Estado e que, portanto, instituições do governo deveriam elaborar processos
para selecionar, proteger e valorizar grupos ou indivíduos com notáveis habilidades
e/ou conhecimentos sobre o patrimônio cultural nacional.
Em 1962, por meio do Ato nº 961, a República da Coreia (ou Coreia do Sul) criou o seu
programa nacional para a proteção dos bens culturais. Segundo Keith Howard, professor da Escola de Estudos Orientais da Universidade de
Londres, a República da Coreia "seguiu, em grande parte, a legislação
japonesa, mas por diferentes razões: para o país tornava-se necessário promover
uma cultura nacional, após séculos de soberania chinesa, 35 anos de
colonialismo japonês e, em seguida, o rápido processo de ocidentalização que
atingia inúmeros países asiáticos". Para Keith Howard, "contrariar a
ocidentalização ou a hegemonia ocidental é algo comum nos sistemas de proteção
do patrimônio local".
Após a implementação dos projetos no Japão e na República da
Coreia, Tailândia, Filipinas e França desenvolveram seus programas
nacionais para a proteção dos portadores de conhecimentos do patrimônio
cultural imaterial. Desde 1993, Romênia, República Tcheca, Nigéria e Senegal também aprovaram legislações para
estabelecer seus próprios sistemas.
Na década de 1990, inspirando-se essencialmente na
experiência coreana, a UNESCO elaborou seu modelo de "Tesouros Humanos
Vivos", com o objetivo de que cada país implementasse um programa de
valorização de mestres de diferentes ofícios. De acordo com Keith Howard, que
também contribuiu na elaboração das diretrizes para o sistema da UNESCO,
"até a década de 1990, o Japão foi um catalisador para a ação
internacional sobre o patrimônio imaterial. Mas na década de 1990, a Coréia
começou a colocar mais empenho na promoção deste sistema através da Comissão
Nacional Coreana para a UNESCO. A República da Coreia, então, realizou uma
série de workshops e simpósios e, assim, 'tomou' algumas das iniciativas do
Japão, incluindo o mapeamento das diretrizes para os programas de Tesouros
Humanos Vivos. O principal efeito destes esforços foi introduzir na agenda
internacional a ideia de que artistas e artesãos precisam de apoio
institucional. Nos últimos anos, a China tem assumido este papel na liderança
para o desenvolvimento de políticas e sistemas de proteção do patrimônio
cultural imaterial".
No documento Diretrizes para o Estabelecimento de Tesouros Humanos Vivos, desenvolvido inicialmente em 1993 e
atualizado em 2002, a UNESCO define os Tesouros Humanos Vivos como indivíduos
que possuem "os conhecimentos e as habilidades necessárias para executar ou
recriar elementos específicos do patrimônio cultural imaterial". De acordo
com o mesmo documento, a criação do sistema torna-se necessário dado que
"o patrimônio cultural imaterial local está sendo rapidamente substituído
por uma cultura internacional padronizada, fomentada não só pela modernização
socioeconômica, mas também pelos rápidos avanços na disseminação da informação
e do transporte. O patrimônio cultural imaterial é inerentemente vulnerável
devido à sua natureza não-física. A sua preservação, promoção, divulgação e
revitalização são, portanto, de extrema urgência".
Após a Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial, realizada em 2003, inúmeras iniciativas que seguem as diretrizes da UNESCO
têm sido desenvolvidas em países como Angola, Burkina Faso, Cabo Verde, Egito, Madagascar, Mali, Myanmar, Mongólia e Vietnã.
No contexto latino americano, o Chile, em 2010, criou seu programa nacional de Tesouros Humanos Vivos com a Resolução
nº 2656. Segundo o Conselho Nacional da Cultura e das Artes do país, o programa
premia, anualmente, 3 indivíduos e 3 comunidades que são “portadores de
conhecimentos, expressões e/ou técnicas arraigadas nas tradições culturais
representativas de uma comunidade ou grupo determinado”. O reconhecimento
concedido pelo sistema é para toda a vida. Cada ganhador individual recebe um
auxílio econômico único no valor de 3 milhões de pesos chilenos (cerca de R$14.700).
Em contrapartida, cada comunidade nomeada com o título recebe o benefício único
de 7 milhões de pesos chilenos (aproximadamente R$34.300). Dominga Neculmán e a União de Artesãs de Quinchamalí são exemplos de indivíduos/grupos
reconhecidos pelo programa.