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A CASA E O MUNDO

ENTREVISTA

ROBERTO LESSA

Publicado por A CASA em 2 de Julho de 2015
Por Ivan Vieira

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"O artesanato faz parte da formação do povo pernambucano"

Roberto Lessa é responsável pela Secretaria Executiva de Inovações Urbanas de Recife e entre 2009 e 2012 foi coordenador-geral da Fenearte.



Você foi coordenador da Fenearte (Feira Nacional de Negócios do Artesanato) entre 2009 e 2012. Como surgiu essa iniciativa?
A Fenearte, agora em 2015, já está na sua 16ª edição. Como se trata de um evento que ocorre anualmente, esta iniciativa surgiu em 2001, portanto. E acredito que a feira, desde o seu início, nasce para reforçar uma característica muito presente aqui em nossa região, sobretudo em Pernambuco, que é do trabalho que o povo nordestino desenvolve com as artes, de uma maneira geral, e com o artesanato, especialmente. Além disso, sempre tivemos uma relação muito forte com o comércio, dado a importância desta atividade econômica ao longo da história de nossa região. 
Essa troca de conhecimento e de entreposto comercial já havia surgido há muito tempo. Antes da Fenearte, existia uma feira em Pernambuco que se chamava “Feira dos Municípios”, promovida espontaneamente pelos próprios artesãos e com alguma ajuda governamental. Contudo, a partir de 2001, o governo constatou a necessidade de organizar de forma mais direta este evento. E aí surge a Fenearte, que desde então passou a ser realizada no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda. 
No início, a feira ainda estava muito conectada com a venda do artesanato pernambucano, mas com o tempo a iniciativa foi ganhando fama e se tornou uma feira regional. Com cinco anos de existência, aproximadamente, a Fenearte já atraía outros municípios e estados da região, e desde então não parou mais de crescer. Entre a sexta e a oitava edição, passaram a vir outros estados fora desse raio daqui do Nordeste, a ponto da feira, cada vez mais, abranger de forma mais representativa o artesanato nacional. 
Em 2009, quando me tornei coordenador, a feira já era muito grande, mas ainda estava um pouco desorganizada. Por maior que ela fosse nessa época, acho que não se esperava que crescesse tanto. Portanto, considerando o intenso fluxo de pessoas e de produtos que circulavam durante a realização do evento, precisávamos dar uma qualificação geral na feira. E foi esse o trabalho que nós começamos a fazer. Antes da minha chegada, o governo de Eduardo Campos já havia começado algo em 2007. E a partir de 2009, com essa dedicação e com algumas ações que foram tomadas pelo governo, começamos um trabalho que perdura até hoje. Percebemos que, com essa arrumação, o evento não parou mais de crescer. Tanto o público visitante e o público consumidor, quanto os próprios artesãos, quando sentiram que tudo estava sendo bem cuidado, passaram a ter mais interesse pela feira. 

A Fenearte surge, no início, como uma iniciativa da Prefeitura ou do Governo do Estado de Pernambuco?
Todas as edições já realizadas, desde 2001, foram organizadas pelo Governo do Estado. 

A Fenearte, atualmente, é a maior feira do segmento na América Latina e reúne cultura, gastronomia, moda, decoração, música e artesãos de Pernambuco, do Brasil e de mais 50 países. Na sua opinião, quais são fatores responsáveis por esse alcance da feira? 
Realmente, nos últimos anos a feira tem tido um alcance muito grande. E foi com esse crescimento que um grande problema começou, porque passamos com isso a ter uma demanda de expositores muito maior do que poderíamos suportar no Centro de Convenções. Acredito que isso ocorreu por vários fatores. 
Em primeiro lugar, pela a criatividade latente do povo pernambucano que impulsionou de maneira intensa o desenvolvimento da feira. A arte, e suas diversas manifestações, é a energia vital desta terra. O artesanato faz parte da formação do povo pernambucano. E nós também nos destacamos na música, no teatro, no cinema, nas artes plásticas e em vários outros campos da arte. E no caso específico do artesanato, junta-se essa criatividade do pernambucano com a dificuldade de algumas cidades do interior em ter acesso à postos formais de trabalho. Essa junção fez com que muitas pessoas reforçassem também esse aspecto da produção artesanal. É evidente que você tem os grandes mestres e os renomados artesãos, mas dado as característica da região, você passa a ter pessoas que se interessam familiarmente pelo trabalho feito à mão, porque a renda da família também passa a depender daquela atividade. A partir daí, você tem uma demanda ainda maior por espaços do que conseguimos oferecer. 
A feira não é pequena. Trabalhamos hoje num pavilhão com quase trinta mil metros quadrados de área expositiva. São quase oitocentos estandes com gastronomia, moda e artesanato, principalmente. E essa demanda só é atendida em parte, porque em 2012, por exemplo, para o espaço destinado apenas para artesãos individuais de Pernambuco, nós oferecemos aproximadamente 280 espaços de exposição, mas recebemos mais de 1.000 solicitações de artesãos com interesse em participar da feira. Com esses números é possível imaginar a defasagem que nós temos para o atendimento dessas solicitações. 
E por que precisamos, como comentei, promover uma reorganização a partir de 2009? Porque precisávamos trabalhar com mais critério e seriedade na seleção desses artesãos. Então, a nossa resposta foi explicar que na Fenearte as decisões não são tomadas com base em interesses políticos; nosso objetivo é selecionar o produto que mais se adeque às características da feira e, para isso, estabelecemos critério sérios para que o maior número possível de artesãos, dada as nossas condições, possam participar da feira. 
Essa guinada que a gente dá em 2007 e que começa a acelerar em 2009 trouxe ainda o que eu chamo de “Paradoxo da Fenearte”. Após a arrumação e organização, você causa um problema ainda maior de excedentes, porque com isso aumentou o número de pessoas que queriam participar do evento. E isso ocorre porque a feira se tornou mais interessante, passou a vender mais, passou a receber mais visitantes e, consequentemente, passa a ter mais demanda por participação. Tudo isso que foi mencionado fez com que a nossa fama crescesse e que, aos poucos, nos tornássemos a maior feira de artesanato da América Latina. 
Além disso, o apoio oferecido pelo governo, sobretudo pela primeira dama na época, Renata Campos, nos deu respaldo político para garantir e assegurar os critérios de qualidade da feira. Com esse apoio nós conseguimos fazer com que o principal critério de participação no evento seja os atributos e especificidades do produto, e não a indicação de terceiros. Essa seriedade e organização fez com que a feira ganhasse impulso, passando a ser o que ela é hoje.
De modo geral, acho que esses são os fatores que explicam o seu crescimento. A própria criatividade que os nossos artesãos possuem, em primeiro lugar, tem feito com que as sucessivas edições sejam bem sucedidas. Acredito que o próprio mestre Vitalino não surge em Pernambuco por acaso. Mestre Vitalino, com toda a sua genialidade individual, é também fruto de um povo talentoso. 

Você mencionou que nos anos anteriores a demanda foi muita grande por parte dos artesãos para participar da feira. Valendo-se deste fato, como é feita a seleção dos artesãos que participarão da feira?
Com essa demanda cada vez maior por participação, nós precisamos radicalizar, de certa forma, a questão dos critérios de escolha e seleção. Assim, adotamos o discurso de que entra na feira quem tem um “produto adequado”. E, no nosso caso, “produto adequado” não significa somente algo que uma pessoa, individualmente, ou o governo, ou um artista plástico considere ou avalie como adequado. Esse produto, portanto, vai ser caracterizado e definido por um conjunto de pessoas. E para que isso pudesse ter validade e eficácia dentro do governo, institui-se uma lei estadual. No dia 15 dezembro de 2009, 8 meses após a minha entrada na organização, o governador Eduardo Campos assinou a Lei nº 13.965, que instituiu o Programa de Artesanato de Pernambuco e criou o Fórum do Artesanato para que fossem discutidas as questões pertinentes a este setor. 
E essa lei, quando estabelece a criação de um fórum, coloca dentro dessa discussão integrantes do governo que trabalham em áreas correlatas ao campo artesanal. Assim, não foram diretamente ligados ao fórum apenas o pessoal que trabalha com cultura, mas também chamamos a Secretaria da Mulher, a Secretaria da Juventude e órgãos que desenvolvem um trabalho de qualificação e poderiam contribuir para a discussão. Vieram também pessoas da sociedade civil para participar desse fórum, como estava previsto na lei. Foram convidados artistas plásticos e, acima de tudo, os artesãos. Além disso, nós trouxemos a academia também para o debate. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), através do seu Laboratório de Design, passou a integrar e a contribuir com essas discussões. 
Esse formato adotado gerava muito trabalho e, em inúmeros casos, provocava fortes debates. Contudo, de modo diferente do que outros estados fizeram, nós procuramos não negar a discussão dessas dificuldades. E a participação dos artesãos foi crucial para a definição e estabelecimento dos critérios, assim como para a organização da própria feira.
Então, após esses debates, passamos a dividir a reponsabilidade pelas escolhas dos selecionados em todos os segmentos, uma vez que os espaços da feira estão agrupados por categorias distintas de participação. Como exemplos podemos citar a área para os mestres de Pernambuco, a área do artesanato tradicional, o espaço do artesanato indígena, etc. Contemplamos inclusive nesta divisão a questão das artes plásticas também. O que está privilegiado, acima de tudo, é o artesanato e suas diversas formas de expressão. Mas também veio inserido nesse contexto outros segmentos porque, afinal, a feira precisa ser diversa; a feira precisa atrair todos os públicos para que eles tenham a oportunidade de, ao irem ao Centro de Convenções atraídos por um interesse determinados, conheçam toda a diversidade que ela comporta. 
Um dos segmentos, inclusive, é o do artesanato internacional que, no início, foi muito questionado. Alguns artesãos diziam “Como é que vocês vão colocar artesanato internacional se não tem espaço para o artesão local participar?”. Porém, com a entrada dos próprios artesãos no debate, houve um entendimento de que era importante abrir para outros segmentos e, assim, alargar o público que visita os estandes favorecendo as vendas de maneira geral.
Então, essas discussões passaram a ser travadas de uma forma muito sincera, muito aberta. Você precisa estar disposto a enfrentar mesmo alguns debates mais acirrados para alcançar resultados positivos. E isso, no final de contas, foi muito salutar, porque trouxe uma confiança aos propósitos do evento. E essa confiança permitiu que fizéssemos diversos outros avanços ao longo das várias edições. 
Hoje em dia a feira é toda “manualizada”. Existe um manual de como o evento deve ser realizado, informando, por exemplo, o peso relativo para artesanato tradicional, para artes plásticas. Neste documento reunimos todos os critérios também. E essa definição foi feita de forma a garantir a imparcialidade das escolhas durante a seleção. Afinal, nessa mesma lei que eu mencionei, se instituiu uma curadoria formada por um grupo menor extraído do fórum, que desde então passou a escolher os trabalhos que iam integrar a feira. E no momento de seleção, para evitar que possíveis motivos pessoais interferissem no processo, as imagens das peças eram projetadas e todos as olhavam sem o nome do artesão que estava concorrendo à vaga. Baseados naqueles critérios, todos votavam e depois disso era compilado uma classificação de quem obteve as melhores notas. No final das contas, quem obtivesse as notas mais altas era inserido na feira. Com isso, ninguém mais desconfia desse processo seletivo porque nós mostramos que a passagem de entrada para a feira é o mérito do produto. 
Entretanto, acredito que sempre há coisas para melhorar. Precisamos estudar mais algumas coisas, analisar sugestões de segmentar mais a feira, de deixá-la com os espaços mais definidos. Imagino que o pessoal que está à frente da feira agora está analisando essas possibilidades. Tenho certeza de que a gestão atual, com a primeira dama Ana Luísa, tem dado prosseguimento ao trabalho que desenvolvemos desde 2009.

Para os artesãos que não possuem condições financeiras para alugar um estande, existe algum subsídio ou auxílio para que eles tenham a oportunidade de comercializar os seus produtos na feira?
Tem sim. Como já mencionei, a feira é totalmente segmentada. Nesses oitocentos espaços, existem subdivisões para garantir justamente a representatividade do que está sendo mostrado, para que não seja algo apenas de uma região, ou somente um tipo de produto, ou de uma única tipologia. 
Logo na entrada, colocamos, sem cobrar o aluguel dos estandes, uma boa parte dos mestres artesãos do estado, reconhecidos como aqueles que estão passando os seus saberes e fazeres para outras pessoas. Esse espaço é chamado de “Alameda dos Mestres”. E todos esses mestres, inclusive, são trazidos para a feira com passagem, hospedagem e alimentação custeados pela organização do evento. Muitos deles, por causa da idade, ainda trazem a mulher ou filho para acompanhar. Tudo isso é pago com recursos da feira, que provém de patrocínios, venda de estandes e da bilheteria. Esses são as três fontes de recurso que custeiam o evento. 
Seguindo o percurso da feira, logo após a Alameda dos Mestres, temos a área das prefeituras do interior de Pernambuco. Elas adquirem o estande, com preços subsidiados, e trazem gratuitamente artesãos dos seus municípios. Depois temos as associações de Pernambuco, que também adquirem o estande a preços diferenciados e trazem muitos artesãos para esses espaços. Depois nós temos os artesãos individuais de Pernambuco, que constituem a maior parte da feira. Eles têm um preço também subsidiado em relação ao valor pago por artesãos de outros estados ou outros países. É o metro quadrado de feira de grande porte mais barato do Brasil. Então, nesses 280 estandes iniciais estão esses artesãos de Pernambuco. Depois temos artesãos de outros estados, que pagam um valor mais caro, realmente. 
Além dos segmentos que já mencionei, a feira tem espaços que são de entidades solidárias. Dezoito desses espaços são fornecidos gratuitamente. Tem associações, por exemplo, mantidas por instituições diversas em Pernambuco que fazem trabalhos ligados ao artesanato. Então, essas associações pleiteiam e, depois de verificarmos se elas se encaixam nos critérios, cedemos o estande para elas também participarem gratuitamente. E, por fim, a outra previsão de gratuidade são os espaços indígenas. Em Pernambuco encontram-se distribuídos ao longo do estado muitas etnias indígenas, e todas elas podem participar gratuitamente da feira. 

Entre os dias 02 e 13 de julho ocorrerá a décima sexta edição da Fenearte. Você saberia me dizer qual é o volume de vendas esperado para essa edição de 2015, ou apresentar algum dado das edições que você coordenou?
Não tenho nenhuma dúvida de que a edição de 2015 será muito requisitada. A participação é sempre muito grande, não só de pernambucanos, mas de pessoas do Brasil inteiro, e às vezes até de outros países.
Em relação a edição de 2012, apenas para ter uma noção, tivemos a participação de, aproximadamente, 320 mil visitantes ao longo dos onze dias do evento. A Fenearte é também a maior feira de artesanato em duração do Brasil e da América Latina. Durante esses onze dias tivemos uma movimentação de mais de trinta milhões de reais em vendas realizadas a varejo.
Além disso, a feira também é uma excelente oportunidade para o artesão fazer contatos que podem garantir as suas vendas do ano todo. Isso ocorre porque, às vezes, colecionadores ou lojistas do Rio ou de São Paulo, de Santa Catarina ou da Bahia, fazem contato ali com o artesão e já reservam encomendas. Então, esse interesse de participação, por parte do artesão, é muito grande também por causa dessa possibilidade de desenvolver contatos. Afinal, sua participação na feira pode garantir a sua renda adicional do ano. 
Ainda, antes do Centro de Artesanato de Pernambuco, a Fenearte era o único momento em que você conseguia encontrar todo o artesanato do estado reunido num único lugar. Dada a distribuição geográfica de Pernambuco e a produção artesanal espalhada do litoral ao sertão, quando um turista chegava em Recife interessado em ver o artesanato, dificilmente encontraria uma produção representativa de todo o estado. Provavelmente ele precisaria viajar para essas cidades, ou encontrar estes produtos de forma muito esparsa em algumas lojas que tivessem esse tipo de venda.
E a Fenearte, nesse contexto, era o único momento em que você conseguia encontrar tudo isso junto no mesmo lugar, do litoral ao sertão. Mas com a criação do Centro de Artesanato, há dois anos, o acesso a produção artesanal do estado foi facilitado. 
Então, a feira tinha essa característica também, de representar esse momento único. As pessoas esperavam o ano todo para fazer ali suas compras. Tinham alguns artesãos, principalmente mestres, que antes da metade da feira já tinham vendido toda a sua produção. Claro, que isso não ocorria com todo mundo, mas quem tinha uma boa peça com preço adequado, com certeza vendia muito bem na feira.

Um dos objetivos da Fenearte é "valorizar o artesanato e a produção artesanal" e "promover a integração entre os segmentos de produção e comercialização do artesanato". Como você avalia essas questões? Na sua opinião, por que inúmeras comunidades de artesãos enfrentam dificuldades na comercialização dos seus produtos?
A comercialização do artesanato é um problema latente. No Brasil inteiro, isso é uma constatação real, infelizmente, porque é difícil para uma pessoa, individualmente, encontrar caminhos para vender seus produtos.
Quando nós fomos fazer o Centro de Artesanato, tive oportunidade de viajar pelo Brasil todo para conhecer exemplos exitosos nessa área e para tomar o cuidado de não incorrer em erros que outros já cometeram. Viajamos a alguns estados que são grandes produtores de artesanato, como Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Ceará, Piauí e Rio de Janeiro. E com essas visitas vimos que a dificuldade para a comercialização era muito grande. 
O artesanato é uma área que sempre que você mexe, como há uma demanda reprimida muito grande e durante muitos anos não foram feitas políticas públicas adequadas para o setor, os administradores públicos ficam com um certo receio de intervir e não encontrarem solução. Inclusive existem alguns lugares que sequer lidam com isso mais diretamente. Não se metem e pronto. Preferem muito mais a questão da qualificação ou capacitação. Acho que isso é um problema. Aqui nós também incorremos muitos anos nesse erro. Como é que você pega um estado que já tem uma vocação natural para o artesanato, como Pernambuco, e como  outros estados brasileiros, e aumenta o problema?
Quer dizer, você vende para a pessoa a ideia de que vai profissionalizá-la em algo onde o mercado já é complicado. Esse foi o erro que nós não cometemos. Nós dissemos “Olha, tem um gargalo aqui. Um funil que faz a passagem para um lado menor que é o da comercialização.” Então, o lado que precisamos ajudar é a comercialização. É o lado mais difícil, mas é o que precisa de intervenção. E nós trabalhamos fortemente nisso, qualificando a Fenearte e abrindo um centro de artesanato de mais de mil metros quadrados no lugar de maior movimentação turística de Pernambuco, na área portuária de Recife. Além disso, customizamos uma carreta e fizemos uma unidade móvel que já viajou por todos os lugares aqui em Pernambuco e pelo Brasil. É uma loja itinerante fantástica de artesanato. Para você ter uma ideia, até elevador de acessibilidade ela tem. Já levamos inclusive para a feira de artesanato “Mão de Minas”. Já rodamos muito com ela, sempre incentivando o lado da comercialização.
Vender é um processo muito difícil. Em minha opinião é a parte mais complexa de qualquer cadeia produtiva. E a partir desses problemas, trabalhamos para ganhar o mercado. A própria Janete Costa dizia “Ajuda na comercialização  abrindo  mercado que o artesão faz a parte dele”. Assim, tudo isso nós já aprendemos das lições de nossa saudosa Janete. Ainda temos problemas nessa área aqui em Pernambuco, temos um déficit de comercialização grande, mas está bem menor do que em 2007 porque o nosso trabalho passou a ser focado nesse ponto. E quando você mostra que esse caminho é o melhor, que é um caminho que pode ser exitoso, um caminho que, mesmo que trabalhoso, dá bons resultados, você abre novas janelas de oportunidades. 
E outra questão que é importante mencionar quando você pensa na comercialização é o processo de interiorização do desenvolvimento, muito discutido por economistas e governantes. Ao abrir centros de comercialização, sem tirarmos o artesão de seu lugar, do seu espaço, se oportuniza renda. Aí, quando alguém diz “Mas como você fala em política de interiorização de desenvolvimento num equipamento e numa feira que acontece na capital?”. Sim, é verdade. Ela acontece na capital, pois é o local onde há um maior fluxo de pessoas e onde estão indivíduos com maior poder aquisitivo para adquirir as peças. Mas os frutos dessas ações e políticas estão indo para o interior, onde a produção artesanal apresenta-se como um fator econômico importante.

Dada a sua experiência como coordenador da Fenearte e em outras ações ligadas ao artesanato, o que é necessário em um produto para que ele seja bem aceito no mercado? Beleza estética? Qualidade? Exclusividade? Algum compromisso social ou ambiental na forma como foi produzido?
Essa questão das características do produto que atraem o público depende muito do tipo de mercado que estamos trabalhando. Se considerarmos os colecionares, por exemplo, que sempre estão presentes na Fenearte, há uma demanda muito forte por artesanato de tradição do estado. Normalmente são peças de valor alto, mas que tem vendas garantidas porque esses objetos são valorizados por um tipo específico de público. Os artesãos que produzem estas peças costumam ficar com seus estandes vazios antes mesmo do meio da feira. 
Agora, se estivermos falando do mercado do público consumidor médio, aquele que é formado basicamente por turistas – por pessoas que gostam do artesanato, mas que não possuem um elevado grau de conhecimento sobre a área ou que não tem poder aquisitivo para adquirir peças de maior valor de artesãos renomados – aí acredito que o que vai contar mesmo é o encontro de fatores. É o que você falou: é um pouco de beleza estética, versus a qualidade, versus a utilidade, versus o preço. 
O que notamos é que público consumidor daqui de Pernambuco é muito habilidoso em fazer esse comparativo. Eles conseguem levar boas peças, de boa qualidade, com bom preço, porque no geral eles são grandes consumidores de peças artesanais. Eles se orgulham de ter entre suas peças algo de um artesão pernambucano. É engraçado isso, porque, nessas visitas que eu fiz em alguns estados, percebi que em algumas regiões conhecidas nacionalmente pela produção de artesanato de qualidade existe dificuldade na venda interna. Eles dependem muito do turista para comprar o artesanato local. Felizmente esse não é o caso de Pernambuco. Temos pesquisas que mostram que a maior parte das vendas da feira, cerca de70%, são realizadas por pernambucanos.
No Centro de Artesanato também percebemos isso. O pernambucano gosta e valoriza essa produção artesanal. O pernambucano se orgulha dos seus artistas. Somos grandes consumidores de cultura e somos admiradores do trabalho que os artistas, e em especial os artistas pernambucanos, fazem aqui na nossa terra.

De acordo com o Regimento da Fenearte, "excluem-se da participação na Feira toda a atividade industrial que elabore objetos obtidos por reprodução em série, salvo aqueles em que a manufatura supere a industrialização". Valendo-se deste ponto, você acredita que diálogos entre artesanato e indústria são possíveis?
Esta questão foi crucial no debate que travamos ao longo desse tempo, porque aí não entra apenas o problema do “industrianato”, que estamos abordando, mas também, e principalmente, levanta o ponto da problematização do trabalho manual. É aquele eterno debate: se é artesanato ou se é trabalho manual. E, aí, vou resgatar um pouco o que falei em outra pergunta. Quando você faz uma feira ou qualquer ação privada, os critérios são muito mais fáceis de definir, porque você faz isso normalmente com algum objetivo: do lucro ou da visão que você tenha do que é representativo. Mas quando você promove essas ações através do estado, você entra numa questão que coloca muito mais variáveis para serem analisadas.
Então, como falei, nós privilegiamos, nós tratamos como fator primordial a questão do nosso artesanato de tradição, do artista popular, do que nos é mais caro em nossa cultura. Mas não desconhecemos que há também que ser tratado uma gama de pessoas que são artistas e que também fazem belos trabalhos. Isso é algo colocado no debate, seja com a Fenearte, seja com o Centro de Artesanato, mesmo que em alguns casos sejamos mais ortodoxos. 
Acredito que o caminho e que a solução para isso é fazer “de tudo um pouco”. Devemos reservar uma parte de esforço do estado para contemplar essas pessoas. Assim, temos que promover políticas públicas também voltadas para pessoas que vão participar de feiras e que não produzem artesanato de tradição. E temos que ter outros espaços, como o Centro de Artesanato, em que somos mais rígidos nessa questão.

Como você enxerga a relação entre design e artesanato?
Pernambuco é uma terra privilegiada em relação a esse ponto porque tivemos aqui uma pessoa que é um marco na história do país no ponto de integração entre design e artesanato, que é Janete Costa. Janete não foi somente uma arquiteta reconhecida. Ela teve uma sensibilidade rara para entender essa questão do artista popular, do artesão, e fazer esse casamento com os conceitos de design. Isso deixou uma escola para o país todo. 
E foi isso que procuramos manter aqui. A UFPE hoje, no Labortório de Design, trabalha muito com comunidades e possui um papel muito importante nessa interação. E na própria feira, logo na entrada do centro de convenções, todo ano criamos o Espaço Interferência Janete Costa. É uma das filhas de Janete Costa, Roberta Borsoi, que também é arquiteta, junto com a Bete Paes, que organizam esse espaço e procuram manter o legado que a relação artesanato e design já trouxe não só para Pernambuco, mas para todo o nosso país.
Esse ano, inclusive pela primeira vez, homenagearemos dois estados brasileiros pela sua contribuição nessa área: Piauí e Minas Gerais. Eles estarão representados logo na entrada, nessa belíssima casa, que é toda ambientada com quarto, sala e varanda. Afinal, essa foi a grande contribuição que a Janete Costa trouxe. Janete quebrava completamente a visão de pessoas que ainda viam com alguma desconfiança ter uma peça de artesanato na sua sala. E procuramos mostrar isso nesse espaço. A ideia é que as pessoas tenham um choque logo na entrada da feira e dizer “Poxa, como isso é importante; como isso pode compor qualquer ambiente; como isso é de bom gosto”. Por fim, acho que levamos muita sorte nisso. Na verdade, esse é o ambiente propício para surgir também novas pessoas com talento e visão, com a força de Janete Costa.