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Figura 1: Estrela de valor – representações sobre o valor do artesanato produzido em Alcântara (MA)

ARTIGO

ERA UMA VEZ NO QUILOMBO - NARRATIVAS SOBRE TURISMO, AUTENTICIDADE E TRADIÇÃO ENTRE ARTESÃS DE ALCÂNTARA (MA)

Publicado por A CASA em 6 de Agosto de 2015


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Neste texto percorro categorias como autenticidade, comoditização e tradição à luz de alguns autores que pertencem ao campo da antropologia do turismo e apresentam importantes chaves para entender a produção e o consumo artesanal em Alcântara. O que significa comprar um produto artesanal produzido por uma comunidade quilombola? Como as artesãs interpretam e operacionalizam, em seus cotidianos, o interesse dos outros por seu artesanato, considerando este último um recurso metonímico que substitui sua própria identidade étnica?

COMODITIZAÇÃO; IDENTIDADE ÉTNICA; ARTESANATO.

NORONHA, Raquel Gomes. Era uma vez no quilombo: narrativas sobre turismo, autenticidade e tradição entre artesãs de Alcântara (MA). Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v.12, n.1, p. 43-60, mai. 2015.

ONCE UPON A TIME IN THE QUILOMBO - NARRATIVES OF TOURISM, AUTHENTICITY AND TRADITION AMONG THE ARTISANS OF ALCÂNTARA (STATE OF MARANHÃO/BRAZIL)

The present work seeks to analyze categories such as authenticity, commoditization, and tradition in the light of authors writing in the field of Anthropology of Tourism, and who present important keys to the understanding of the production and consumption of handcrafted goods in Alcântara. What does it mean to buy a handcrafted product produced by a quilombola community? How do artisans, in their everyday lives, construct and make use of the interest shown by others in their handcrafted products, considering the latter as a metonymy that stands for their own ethnic identity?

HANDCRAFT; ETHNIC IDENTITY; COMMODITIZATION.


Em Itamatatiua, povoado com aproximadamente 100 famílias, localizado no interior do município de Alcântara, observo nos discursos e nas práticas das artesãs a presença das atividades turísticas, a visita mais frequente de turistas e a atuação de profissionais (formais e informais) relacionados à atividade nesse espaço que, além de autodenominado terra de preto, retoma a denominação quilombo.
Em Santa Maria, outro povoado da mesma região, também autodenomidado quilombo, a presença do turismo e de seus atores não é física, mas simbólica, e também influencia a produção artesanal. Isso pode ser percebido nas adequações dos produtos ao mercado externo. O que é produzido em ambas as localidades não o é para o consumo interno, mas sim para o outro.
Já tive a oportunidade de descrever e de analisar as representações e as práticas das artesãs sobre esse outro, para quem dirigem sua produção (noronha, 2011). A partir da categoria encomenda se estabelece o contato entre as artesãs e os consumidores, ainda que mediado por outros agentes de suas cadeias produtivas. A compra pode ser realizada na loja de artesanato da sede do município, no varejo ou por meio de encomendas maiores, mediadas pelo Sebrae ou pelo Instituto Meio,[1] ou ainda por contato telefônico.
Analiso aqui, a partir de textos de relevância para o campo da antropologia do turismo, os processos de ressemantização provocados pelas disputas visando ao reconhecimento dos territórios quilombolas e o modo como a questão do turismo e a presença do turista influenciam essas negociações. Para isso lanço mão de categorias analíticas como autenticidade e tradição, discutidas por Dean MacCannell (1989), Erik Cohen (1988), Carlos Steil (2004), Pierre Van den Berg (1994).

SER PRETO, SER QUILOMBOLA: CONTEXTUALIZANDO ALCÂNTARA

 “Itamatatiua sempre foi terra de preto. Aqui a gente é preto. Mas também é quilombola. É bom ser quilombola, dá orgulho, e a gente consegue as coisas assim.” Diante dessa afirmação de uma artesã de Itamatatiua, é possível perceber que o processo de constituição da identidade étnica não é apenas uma diferenciação, uma demarcação de fronteiras; trata-se de processo mais amplo, de autorrepresentação. Ser quilombola, em Itamatatiua, não significa um passado de sofrimento, mas um futuro de conquistas, de acesso às políticas públicas, aos editais de fomento à produção artesanal, ao interesse de pesquisadores e gestores públicos. A nomenclatura quilombola não é autodenominação recente. Alfredo Wagner Berno de Almeida (2002, p. 89, v.2) já identificara uma alusão à formação de quilombo em Itamatatiua em carta de um senhor de engenho relatando a situação de seus escravos ao vice-presidente da Província do Maranhão em 1837. A retomada de sua utilização, porém, é recente, fruto dos embates perante a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
Por outro lado, a expressão terra de preto diz respeito ao passado, ao uso comunitário da terra, ao momento, ainda no século XIX, em que os grandes proprietários de Alcântara abandonaram seus engenhos, durante o período da decadência da lavoura (almeida, 1983). Com o abandono das fazendas e o consequente afrouxamento dos artifícios de coerção social, aos quais eram submetidos seus respectivos escravos, estes últimos se organizaram, comunalmente, em torno das terras que passariam a ser deles próprios, os pretos.
Em Santa Maria, ser quilombola é realidade há pouco mais de uma década, e a forma como percebi o uso da categoria pela primeira vez relaciona-se a um processo de cadastramento promovido pela Associação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq): “A gente aqui se inscreveu para ser quilombola... Senão, a gente ia perder nossas terras, nossas roças...” A fala da artesã de Santa Maria remete à condição de permanência naquele lugar, frente ao atual processo de expansão da base, como os nativos denominam o CLA. Essa comunidade está assentada em Alcântara desde a década de 1970 e foi constituída por um grupo de pessoas que trouxe a arte de trabalhar com a fibra de buriti de Barreirinhas, localidade situada no litoral leste do Maranhão, dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
A cosmologia local sobre a constituição do território étnico de Alcântara (ALMEIDA, 2002) está relacionada ao compartilhamento dos recursos naturais, ao uso comum da terra e à identidade étnica. As dinâmicas político-espaciais relacionam-se ao abandono da cidade, com a chamada decadência da lavoura (almeida, 1983). Com a falência dos negócios relacionados ao algodão e aos engenhos de açúcar, os grandes senhores mudaram-se para a capital do estado, em torno de 1850. As terras, a infraestrutura e os escravos foram abandonados nas mãos dos prepostos das fazendas. Os escravos, portanto, tornaram-se “libertos” antes mesmo da Abolição. O processo de ocupação das antigas fazendas deu-se a partir do uso comum da terra, que passou a ser autogerida. “A terra é representada com um recurso aberto, acessível em princípio a todas as unidades familiares, mas como um bem limitado, cujo uso é controlado no plano organizativo dos povoados” (almeida, 2006, p.94). O processo de “mudança da fisionomia étnica”, conforme descrito por esse autor, deu-se em função do estabelecimento dessa população negra, que se tornara livre, pois não havia senhores a quem fosse subordinada. Alcântara tornara-se então, terra de preto. Segundo Almeida (2006, p.96), “A expressão terra de preto refere-se ao mesmo tempo a uma forma de produzir, a um espaço social e político e a uma identidade étnica”.
Tomando os dados atuais do Incra, das 408 certificações já concedidas pela Fundação Palmares[2] em reconhecimento às comunidades remanescentes de quilombos no Maranhão, 156 delas foram concedidas a comunidades localizadas em Alcântara, o que caracteriza concentração de um terço das comunidades remanescentes de quilombos do estado[3] em apenas um município. Essa informação corrobora o que fora caracterizado por Almeida(2002) como território étnico de Alcântara, no Laudo Antropológico que elaborou para o processo de expansão da base.
Desde a organização das chamadas terras de preto, não houvera grandes pressões sobre a estrutura fundiária de Alcântara até a década de 1980, com o processo de implantação do CLA. Como lugar privilegiado para o lançamento de foguetes, Alcântara despertou a cobiça do governo federal/Ministério da Aeronáutica ainda no período do regime militar no país. Sob o discurso de que a cidade seria um grande “vazio demográfico”, a implantação do CLA não representaria grande impacto territorial, alegavam os militares. O que Almeida descreve em seu Laudo é outra realidade: a implantação da base desencadeou o deslocamento compulsório de diversas comunidades camponesas, que viviam do extrativismo de mariscos e da agricultura de subsistência, para as chamadas agrovilas, limitando seu acesso às fontes de recursos naturais e as colocando em condições de insalubridade e de insegurança alimentar (andrade, souza filho, 2009).
A possibilidade de negociação com o governo, frente aos novos projetos de expansão da base, agora associada à Ucrânia pelo consórcio Cyclone-Space [4], passa a ser a identidade étnica quilombola, que se constitui a partir da territorialidade. Durante a pesquisa de campo em Alcântara observei que a identidade étnica está relacionada principalmente à ligação com o território e não à questão racial. Muitos moradores se autoidentificam como quilombolas na luta pelo território e não pela cor da pele ou traços fenotípicos. É recorrente escutar em Santa Maria: “Eu tenho olho verde e sou loura, mas sou quilombola, porque aqui é minha terra.”
A necessidade da luta pelo território faz renascer o uso de antigas categorias de resistência como novas categorias políticas. A operacionalização das categorias quilombo e quilombola pelas artesãs, especificamente, e pelos moradores dos povoados, em geral, faz parte de um processo recente de tomada de consciência dos novos valores da própria identidade e da percepção do interesse de agentes externos às comunidades, como pesquisadores, turistas, compradores do artesanato, gestores de políticas públicas, o Estado. Aqui, este último é entendido a partir de sua capilarização, podendo ser analisado a partir das múltiplas instituições e seus agentes, por intermédio dos quais há o contato com a comunidade: o Incra; a Fundação Palmares; o Ministério da Defesa, da Cultura e do Desenvolvimento Agrário diretamente, e tantos outros, como o Ministério da Previdência Social e da Saúde. É importante ressaltar o papel do Sebrae-MA como importante interlocutor das artesãs no diálogo sobre o incentivo ao turismo e o fomento da cadeia produtiva do artesanato, ligado ao próprio turismo.
Esse processo que demonstro não é de forma alguma evolutivo – não abandonam a categoria preto para se tornar quilombolas. Ambas estão presentes nos discursos e nas representações – para elas próprias e para os outros – nos diferentes espaços de negociação.
Com a sobreposição de interesses de setores do próprio estado, o status atual de Alcântara em relação à titulação dos territórios quilombolas é estacionário. Desde 2003, quando a atribuição das titulações dos territórios ficou a cargo do Incra (antes a responsável era a Fundação Palmares), foram abertos 1.167 processos de solicitação de titulação de territórios quilombolas (Incra, 2012). É importante ressaltar que o primeiro passo para a titulação definitiva dos territórios é a certificação, emitida pela Fundação Palmares e fruto de uma manifestação da própria comunidade (daí a mobilização promovida pela Aconeruq para cadastrar comunidades, como explicitei acima). No território étnico de Alcântara são 156 comunidades[4] reconhecidas pela Fundação Palmares, e os processos de titulação definitiva encontram-se parados no Instituto de Terras do Maranhão (Iterma). No Maranhão foram concedidas titulações definitivas a 23 comunidades. Nenhuma na área do território étnico de Alcântara, a maior concentração de comunidades remanescentes de quilombos do país.
Esses dados apontam para a complexidade do conflito e a sobreposição de interesses sobre esse território. A importância de apresentar esse panorama é situar a procura turística do quilombo e de seu artesanato como uma questão de temporalidade. As teorias defendidas pelos autores que ora apresento defendem, de forma geral, que a busca da autenticidade na experiência turística é uma forma de trazer para o presente algo que já foi perdido na experiência pós-moderna. A aproximação de um outro puro, guardado pelo isolamento e pela tradição imutável, é um anseio do presente ao passado.
Como foi possível observar, as disputas em torno do ser quilombola é contingência do presente e, por que não dizer, fruto da mesma pós-modernidade que impulsiona a busca da autenticidade. Vivendo o mesmo tempo, mas em busca de temporalidades diferentes, interesses de quilombolas e turistas parecem sobrepor-se e simultaneamente parecem dirigir-se para lados divergentes. Esses entrecruzamentos de práticas e discursos constituem o ponto de meu interesse.

O QUILOMBO ENCENADO

Neste item apresento alguns referenciais teóricos e metodológicos para pensar o interesse dos turistas pelo quilombo e o interesse recíproco das artesãs quilombolas pelos consumidores de seus produtos. A possibilidade e a chegada (de fato) do turismo nesses povoados estudados revelam-se importante chave de análise para entender a produção artesanal como um espaço de negociação, um lócus no qual o discurso sobre a identidade étnica aflora. Carlos Steil (2004, p.3) chama a atenção para que se pense o turismo para além de uma abordagem funcionalista e essencializada, encerrada na ideia de impacto. Sugere que é preciso “direcionar o foco da análise para as fronteiras que se estabelecem entre os nativos e os turistas como um espaço de negociações e trocas culturais”. Dessa forma, o autor traz a cultura local para um âmbito dinâmico e contemporâneo de discussão. A cultura local deixa de ser naturalizada e abre espaço para as interações e diálogos para além da “comunidade”, outra categoria problematizada pelo autor. Para ele, esse grupo de atores sociais identificados por comunidade está longe de se apresentar a partir de interesses e mesmo identidades homogêneas.
Tomando o caso exemplar das disputas jurídicas em torno das identidades quilombolas e indígenas em Sergipe (Mocambo e Xocó), analisadas por Jan French (2009), no seu livro Legalizing identities, identifico que o que a autora descreve como hipótese de mutualidade pode ser útil para entender o conflito identitário em Alcântara. Ela argumenta que as leis e seus reflexos na vida cotidiana não obedecem a uma sequência cronológica linear, mas ocorrem a partir da ideia de que uma “lei pega” ou “não pega”: os dispositivos legais são atualizados e negociados pelo grau de ressonância que causam no cotidiano.
Dessa forma, as leis não tratam apenas de identidades existentes; criam novas identidades que podem ou não encontrar eco na sociedade. O movimento inverso também é possível: novas identidades são constituídas no bojo das disputas e só então, com sua visibilidade nos conflitos, passam a ter algum tipo de amparo ou menção legal.
Para o âmbito da análise aqui proposta, a abordagem da autora é relevante por trazer a questão da temporalidade e da contextualidade nas negociações para as construções identitárias. É sabido que o interesse do turista ou consumidor local pelo “artesanato do quilombo” revela a busca da autenticidade perdida nas sociedades pós-modernas (cohen, 1988; van vden berg, 1994; steil, 2004). O quilombo, nesse contexto, pode ser considerado o local da memória, o lugar do outro distante, da realidade romântica idealizada pelo turista. É possível supor que tanto no imaginário de artesãs quanto no de turistas haja uma série de representações sobre a vida e o lugar em que vive o outro.
A reflexão teórico-metodológica de French (2009) é pertinente para pensar essa questão. As comunidades do território étnico de Acântara, nas disputas com o CLA, perante o Incra, o Iterma, afirmam sua identidade étnica como um vínculo territorial atual, uma identidade que reflete a ancestralidade e a ligação com aquele meio ambiente. Identificando-se ao mesmo tempo como pretos ou como migrantes, as comunidades encenam (maccannell, 1989), discursivamente e também na prática, a nova/antiga identidade consituída pela necessidade do reconhecimento para titulação do território. Isso não quer dizer que finjam ser quilombolas. French (2009, p.150) alerta: é preciso tratar a identidade étnica como instância em fluxo, não encerrada; e que sejamos cuidadosos com a dicotomia essencialismo x instrumentalismo. Pensar a identidade étnica de grupos quilombolas implica lidar com um leque de significados e que, perante o conflito, a performance é necessária para trazer de forma visível os traços diacríticos que caracterizam ser quilombola.
Ainda segundo a autora, a imposição mecânica de leis aplicadas a contextos de disputas identitárias pode ser a criação de novas categorias de personalidade (french, 2009, p.6). Assim, é necessário investigar aprofundadamente, nas práticas e nos discursos, como essa categoria quilombola – que, como observei na introdução, não é uma novidade em Alcântara – retorna ao cotidiano das comunidades e o que passa a significar para eles.
* * *
A autenticidade encenada, como apresenta MacCannell (1989), ajuda a elucidar alguns pontos do problema abordado. O primeiro ponto é que, segundo o autor, há graus diferenciados de encenação; penso que, dependendo do espaço de negociação e dos atores nela envolvidos, os moradores dos povoados e, mais especificamente, as artesãs precisam aparentar ser “mais ou menos quilombolas”; a expectativa da “audiência” é fator relevante para delinear o grau da encenação; o objetivo da encenação deve ser considerado: vender um pote de cerâmica para um turista ou dialogar com um gestor de políticas públicas afirmativas sobre aposentadoria para comunidades remanescentes de quilombo? Penso que o tom do discurso pode ser diferente.
Outro ponto levantado por MacCannell (1989) é a existência de um front e um back stage, referenciando as reflexões de Ervin Goffman (2011) sobre comportamento público e comportamento íntimo, em A representação do eu na vida cotidiana. Em Alcântara, as artesãs transitam por esses espaços e muitas vezes se posicionam em suas fronteiras, em postos de negociação, mais uma vez, dependendo dos atores envolvidos.
É fundamental ressaltar o papel dos antropólogos nessas interações. Impossível negar que também transitamos nessas fronteiras e temos papel ativo nas encenações. French (2009) dedica um capítulo de seu livro ao papel dos antropólogos nos processos e na elaboração de laudos de titulação de territórios quilombolas. A leitura do Laudo Antropológico de Alcântara, elaborado em 2002 pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida foi, para mim, um ponto de partida para o início das pesquisas em Alcântara. Entender o papel desse e de outros antropólogos que atuam no duplo papel de pesquisadores e “intelectuais orgânicos” ajuda na compreensão dos caminhos percorridos pelas comunidades e o status atual dos conflitos.
Não posso isentar-me de uma autorreflexão, como pesquisadora que também atua junto às comunidades na elaboração de projeto para editais de acesso a recursos públicos e que, consequentemente, opera as categorias políticas e identitárias discutidas neste paper. Mais recentemente, venho sendo abordada por uma agência de intercâmbio que oferece a turistas estrangeiros a possibilidade de realizar “trabalho voluntário” em “comunidades”. O seu interesse é levar turistas para fazer “alguma coisa” no quilombo. Partem do princípio de que sempre há alguma coisa que se possa ensinar, e sempre há alguma coisa que se possa aprender, e que o importante é o contato e o aprendizado. Dessa forma, a teoria apresentada por MacCannell (1989) é interessante, pois permite pensar a instância da performance de turistas e nativos. Porém, como observa Cohen (1988), é pessimista, pois encerra esses dois agentes em um ciclo de comoditização. Para ele a comoditização provocaria a perda da autenticidade e a destruição de todos os significados culturais locais. Para além desse pensamento, filio-me às abordagens de Steil (2004), French (2009) e Cohen (1988), nas quais é possível entender que o “encontro” provocado pelo turismo abre espaço para outros processos de significação cultural.

TRADIÇÃO E AUTENTICIDADE ENTRE ARTESÃS E TURISTAS 

A pesquisa etnográfica realizada entre 2010 e 2012, com diversos períodos de permanência em campo, foi fundamental para o mapeamento das representações das artesãs sobre sua produção artesanal. A partir da categoria valor, foi possível mapear seis instâncias de atribuição de valor ao artesanato pelas artesãs e, consequentemente, também foi possível identificar suas suposições e percepções sobre o que os outros – turistas e consumidores locais de seus produtos – valorizam em sua produção e por que consomem seus produtos. O diagra ma da figura 1 foi elaborado segundo o modelo da estrela de valor, concebido por Lia Krucken (2009), para identificar e mapear os processos de valoração de produtos com identidade cultural local.[5]
Nesse processo de atribuição de valor, verifico como os discursos sobre o passado quilombola se tornam presentes. Na verdade, a alusão ao quilombo, por parte das artesãs, não surge na forma de uma memória, de um mito de origem de povoamento do lugar. Surge como categoria política do presente, articulada, a partir da territorialidade, a sua relação com a natureza e sua permanência nos territórios que ocupam perante os conflitos fundiários.
Das representações sobre os valores da produção artesanal mapeados acima analisarei as que se referem aos valores simbólicos e culturais, os emocionais e os ambientais, pois revelam o quanto a questão da busca de autenticidade e mais ainda – a busca de apresentar a autenticidade ao outro – é uma questão presente entre os grupos pesquisados.
Em Alcântara, ao mapear as cadeias produtivas do artesanato, identifiquei que há uma etapa da produção que caracteriza essa ligação da comunidade com os atores externos. É a etapa inicial, denominada pelos nativos encomenda. Na encomenda inicia-se o processo produtivo e as negociações sobre o aspecto final do produto. Cor, forma, tamanho, preço, todos esses atributos podem ser negociados, em variados níveis, na encomenda. Esse espaço de “contato” entre artesãs e consumidores (ou intermediários) pode ser lido a partir do que foi exposto por Steil (2004), como uma fronteira, um lugar de interação, em que os signos e sinais diacríticos da identidade são negociados.
Determinados aspectos são característicos da produção de cada uma das comunidades, e as estratégias discursivas para sua manutenção são habilmente negociadas. Como exemplo, cito um caso de Santa Maria. A produção de artefatos em fibra de buriti (jogos americanos, sacolas, porta-copos etc.) desse povoado é caracterizada pelo uso exclusivo do “linho”, a parte mais delgada da fibra do buriti. O processo de “desfiar”6 a fibra para separar o linho é lento e delicado. As artesãs se orgulham de só trabalhar com o linho e sempre apresentam essa característica como peculiaridade do artesanato de Santa Maria. Argumentam que em Barreirinhas só trabalham com a borra (fibra integral) e que isso resulta em um tecido mais grosseiro e mal-acabado.
Certa vez receberam uma encomenda para produzir o tecido de buriti a metro e vendê-lo a preço mais baixo, pois não haveria necessidade de fazer acabamento para transformar em um produto específico, como uma bolsa. E que poderiam “bater”[7] com a borra mesmo, para acelerar e baratear o processo. Era época chuvosa e havia muito tempo que não recebiam encomenda alguma. Estavam sem recursos financeiros mas, ainda assim, depois de muita discussão no grupo das artesãs, recusaram-se a produzir com a borra. Negaram a encomenda e desde então assumem o uso do linho como um “diferencial” do seu artesanato.
Essa passagem também é importante para o entendimento sobre o papel do tempo e da consolidação das tradições, e, consequentemente, de suas atualizações. As falas dos pioneiros que povoaram o lugar na década de 1970 revelam que são provenientes de Barreirinhas, comunidade também produtora de tecelagem de fibra de buriti, mas que trabalha com a borra. Ao assumir o uso do linho como um traço diacrítico perante a produção da comunidade de onde vieram, estão atribuindo novos sentidos a signos que fazem parte de sua própria identidade, legitimando normas e regras de reprodução social que ordenam sua relação com o novo território que ocupam.
Percebo que o fato de assumirem o uso do linho como uma característica do artesanato do lugar, e isso se tornar até então invariável, revela um aspecto específico das tradições inventadas (hobsbawn, ranger, 1997), que é a construção no presente, de uma relação com o passado. O fato de ser uma comunidade migrante em Alcântara não os coloca na mesma condição de outras comunidades perante a eminência da expropriação territorial. Não há uma relação ancestral com o território, e a territorialidade é construída pautada em algum ponto tangível, materializado e de fácil comprovação. A natureza – o buritizal – e o “artesanato tradicional” (mais adiante problematizarei essa categoria) do lugar estabelecem esse vínculo com o território.
No diagrama da estrela de valor, é possível perceber no valor ambiental clara referência ao uso de materiais naturais. As artesãs têm consciência da importância que os turistas veem em adquirir produtos naturais, caracterizados pelo uso de fibra tingida com urucum, salsão, pau de mangue, entre outros, em detrimento do tingimento com anilina. Como está indicado no diagrama, a líder no grupo afirma que “o nosso produto atende ao projeto deles”. A artesã refere-se à empresa Natura, que certa vez encomendou 100 sacolas, e a única solicitação era que fossem utilizados corantes naturais, porque era condizente com a ação promocional na qual usariam as sacolas. O discurso da sustentabilidade subjaz às trocas comerciais e simbólicas do quilombo.
* * *
Seguindo as orientações dos autores quanto à necessidade de reflexão sobre o processo de recepção dos produtos turístico, incluindo-se aí o artesanato, problematizo e levanto hipóteses sobre o motivo pelo qual o quilombo e, por extensão, o artesanato quilombola são consumidos a partir do registro da autenticidade.
Como é observado na argumentação de Cohen (1988, p.378), a autenticidade não é um conceito absoluto, mas intensamente negociado.
Artesanato e danças performatizadas exclusivamente para turistas podem, ao longo do tempo, tornar-se autênticas. A presença de um novo público externo, os turistas, oferece a oportunidade da incorporação de novos produtos culturais em seu “romance”, como mensagens autênticas.[8]
French (2009, p.150) apresenta a perspectiva de que nos contextos de “legalização de identidade”, como o conflito étnico-territorial em Alcântara, “as formas culturais expressam e consolidam sentimentos e idententidades de pessoas que se aproximam como resultado de uma condição político-econômica específica”. Acrescenta ainda que, ao evocar a tradição, é revelado um aspecto de seletividade, que certamente envolve uma dimensão sentimental e outra pragmática, em uma conjuntura específica, que é o conflito.
A visão dos autores é importante para a análise de outro elemento do diagrama da estrela de valor, que é o valor simbólico. O discurso sobre a “boneca do quilombo” remete a duas situações que exemplificam a existência real de uma negociação consciente, prática e que não precisa abandonar a dimensão simbólica para ser eficaz.
A primeira relaciona-se ao fato de terem iniciado a produção das tais bonecas há menos de cinco anos, após uma oficina de qualificação do artesanato, promovida pelo Sebrae-MA e ministrada por um designer. A partir do projeto de incentivo de formação e fortalecimento de arranjos produtivos locais (APLs), o incentivo ao turismo nas comunidades de Alcântara passou a ser uma das diretrizes dessas oficinas (além da qualificação artesanal houve outras: de hospitalidade e de elaboração de roteiros turísticos). Com isso, a boneca do quilombo foi ensinada para que se tornasse o símbolo do lugar. E assim aconteceu. Hoje, as artesãs relatam que é uma das peças mais procuradas pelos turistas, e que todos querem a boneca do quilombo.
Certa vez estava em Itamatatiua e presenciei um debate das artesãs sobre o uso da pintura a frio (pós-queima da cerâmica) nas bonecas. Umas diziam que sim, argumentando que ficava alegre, e que os turistas gostavam. Outras defendiam o ponto de vista do designer que introduziu a boneca em Itamatatiua, que não era para ser pintada, pois a cerâmica tradicional do quilombo não era pintada. Argumentavam ainda, que quando os turistas chegavam, queriam levar a boneca sem pintura, porque era a tradicional do quilombo.
Nesse mercado de trocas econômicas e simbólicas é possível observar o processo de construção da identidade quilombola a partir de referenciais externos, trazidos por atores também envolvidos na construção do “quilombo” como lugar de interesse turístico. Nesse sentido, para além da ideia de autenticidade encenada (do quilombo) (maccannell, 1989), a ideia de autenticidade emergente, apresentada e defendida por Cohen (1988, p. 379) parece ser útil para a reflexão sobre o evento descrito acima.
O autor argumenta que, se a autenticidade não é algo essencial, mas negociável, isso permite a possibilidade de sua gradual emergência, aos olhos dos visitantes da cultura local. Em outras palavras, um produto considerado inautêntico pode vir a tornar-se autêntico, com o passar do tempo. É impossível
deixar de pensar no processo descrito por Hobsbawm e Ranger (1997) como a invenção de tradições, que opera no mesmo registro de atualizar antigas tradições ou eleger algo do presente que se possa tornar uma tradição.
O interessante é que não apenas para quem é “de fora” a percepção da autenticidade se efetiva. Verifica-se a possibilidade de ser percebida também por quem produz e por especialistas, como analisa Cohen (1988). A autenticidade não é uma qualidade intrínseca ao produto cultural, mas algo em processo, assim como as identidades em jogo.
Outro momento em que pude perceber a busca de autenticidade – dessa vez por parte dos turistas – foi quando estava em Itamatatiua, em janeiro de 2012, e assisti à chegada de um grupo de três turistas, vindas do Rio de Janeiro. Chegaram à sede das artesãs de Itamatatiua em busca do quilombo. “Nunca vi um quilombo. Lá no Rio não tem essas coisas”, disse uma delas. Prontamente as artesãs afirmaram que eram quilombolas e que aquele era o “artesanato do quilombo”. Fiquei pensando sobre o fato de afirmarem que no Rio de Janeiro não há quilombos. Sabe-se que mesmo no perímetro urbano da cidade há inúmeros quilombos. Mas não há um “quilombo” como aquele! No imaginário romântico de quem é “de fora”, o quilombo se constitui como um lugar inatingível, intocado pelo tempo. Para os turistas, o quilombo é coisa do passado. Para as artesãs, quilombo é coisa do presente.
Por Cohen (1988) e Steil (2004), a autenticidade é percebida como um valor pré-moderno. Com o aprofundamento do individualismo nas sociedades contemporâneas e a perda de peso das instituições, o desejo de autenticidade “representa um mergulho na intimidade em busca da autenticidade. E quando nos damos conta de que em nossa vida cotidiana isso não existe, buscamos em um outro mais puro, mais distante, a autenticidade por nós perdida” (cohen, 1998, p.373).
Por outro lado, as artesãs de Alcântara já direcionam sua produção para o consumo externo há mais de duas décadas, inserindo-os no processo que Canclini (1983) descreve como trânsito intercultural. O artesanato em Alcântara é produzido para o turista ou o consumidor local externo. As artesãs também visam ao outro. O processo de comoditização que se estabelece, dessa forma, é uma via de mão dupla, e penso que, em vez de anular os significados intrínsecos ao artesanato, são produzidos novos significados, novas formas de sociabilidade que precisam ser investigadas empiricamente.
Nesse sentido, são úteis para a análise em questão as considerações de Van Den Berg sobre o turismo étnico que, nas palavras do autor, é uma viagem motivada primeiramente pela busca do que é de primeira mão, o autêntico e algumas vezes um contato mais próximo com aqueles cujas raízes étnicas e culturais são diferentes das dos próprios turistas. Van Den Berg apresenta uma importante definição, que atribui aos nativos um papel que vai além daquele de anfitriões: na denominação touree, o autor os qualifica como
o próprio espetáculo que buscam os turistas. Um objeto de curiosidade, o touree está em cena, queira ele ou não. E deve fazer um espetáculo dele mesmo. Só permanece autêntico, entretanto, enquanto não modifica seu comportamento para tornar-se mais atraente para o turista (van den berg, 1994, p.9).
Como uma grande contradição dessa forma de turismo, o autor aponta seu potencial autodestrutivo: a presença dos turistas destrói os nativos. Nas reflexões de Van den Berg, é possível apreender de certa forma a ideia de impacto. Ao considerar a destruição do nativo pela presença do turismo, ele corrobora a visão de que os nativos são passivos e que não há a possibilidade de negociação entre esses atores. Como já argumentei, a busca do outro é mútua. Com isso não quero dizer que nessa busca não haja conflito – há relações assimétricas de poder que precisam ser investigadas.
Dessa forma, o conceito de autenticidade emergente, construído por Cohen (1988) é bastante interessante para pensarmos as atualizações e as ressemantizações da produção artesanal, perante a negociação com o outro. O grau de encenação da autenticidade, conforme descreve MacCannell (1989), pode ser aceito pelo turista desde que preencha suas expectativas – que são variáveis, de acordo com Cohen (1988). Por outro lado, dependendo do grau de consciência sobre o objetivo dos turistas em relação a seus produtos, as artesãs podem enfatizar a relação com o passado em maior ou menor intensidade, construindo narrativas diferentes sobre o que seja o quilombo. São essas questões que precisam ser aprofundadas empiricamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O “artesanato tradicional” produzido no quilombo pode ser pensado como lócus da materialização dessas representações de turistas, artesãs, especialistas e pesquisadores sobre o assunto. O turista nem precisa realmente ir ao quilombo para ter um artefato de lá. Como elemento metonímico, o artesanato sai do quilombo levando consigo a territorialidade e a temporalidade de sua produção. Para finalizar esta breve reflexão, gostaria de retomar a categoria artesanato tradicional – acredito que sua problematização em si mesma já é uma síntese das hipóteses e possibilidades levantadas durante este ensaio.
Ricardo Gomes Lima (2010, p.40) o caracteriza como sendo portador de um valor agregado a priori, sem precisar de artifícios para a construção de valor, já que o artesanato tradicional possui lastro cultural aparente. Um desses valores é ter sido feito por mãos humanas. “É sempre irregular. Perfeitamente irregular” (p.42). O autor reflete ainda sobre a necessidade de aprofundamentos etnográficos quanto à recepção de produtos artesanais e que para se pensar no seu consumo, os aspectos de sua produção precisam ser entendidos, como o tempo e o ritmo de produção, a autoria dos artesãos, a possibilidade de atualização do artesanato.
Além da confecção manual, outros fatores caracterizam o produto tradicional, autêntico. Entre os curadores de artes, a utilização de matéria-prima natural e local e o não direcionamento ao mercado também caracterizam o chamado artesanato tradicional. Nas palavras de Erik Cohen (1988, p.375),
Na concepção de um especialista, arte africana genuína é uma peça produzida artesanalmente, com materiais tradicionais, feitos e utilizados por membros do grupo, e não por estrangeiros. Em suma, para ser autêntico, o produto não deve ser manufaturado especificamente para o mercado.
No processo de atribuição de valor que tive a oportunidade de analisar em Alcântara, a qualificação de tradicional para o artesanato vem acompanhada de outros termos: herança, tradição, beleza e gosto.
O gostar das peças é associado à herança, ao saber que é passado de geração a geração. O caráter manual da produção de Itamatatiua é ressaltado em relação à produção da cidade de Rosário, onde a cerâmica é produzida no torno. No depoimento da artesã, observo representações sobre o caráter geracional da produção, orgulho pelo trabalho e pelo sustento da família fazendo louça:
Aprendi a cerâmica com minha mãe, quando eu tava com 11 anos a minha mãe era viva. Quando eu tava com 12 anos a minha mãe morreu, aí eu já sabia fazer várias coisas, já sabia fazer o pote, o jarro. Quando eu tinha 18 anos meu pai faleceu, mas como eu já era dona da minha venta, já me responsabilizava por minhas despesas. Aí depois arranjei filho e marido, comecei a fazer louça, vendia, adquiria dinheiro e comprava as coisas do meu filho. Por isso tenho maior orgulho e nunca largo de fazer, por que foi uma coisa muito importante pra mim, criei meus filhos foi fazendo louça. Por isso que gosto e nunca deixo de fazer, só depois de morrer. É uma coisa muito importante (Artesã de Itamatatiua, 2010).
Nas falas das artesãs observa-se a repetição do gosto e do orgulho associados à herança e ao fato de terem conseguido criar os filhos com a produção cerâmica. A autoestima é alimentada pelo fato de terem conseguido satisfazer uma necessidade a partir do que aprenderam com os antepassados, e pelo fato de isso ser reconhecido pelo outro, no seu gostar.
O papel da temporalidade da produção artesanal, mais uma vez, emerge como uma pista para o entendimento de sua natureza. O tempo da produção, diferente do tempo da indústria, revela o saber fazer que é tranmitido pela oralidade, que demora a ser produzido, que depende de condições climáticas, que remete a outro tempo – o tempo da narrativa, como aponta Walter Benjamin (1994).
Se o turismo é um produto da modernidade, e esta produz homogeneização, instabilidade e inautenticidade, como foi possível perceber nos textos visitados, o artesanato que hoje é produzido também é um produto da modernidade, mas materializa o oposto.
Como pude delinear acima, a concepção de quilombo em Alcântara não está referenciada em um discurso sobre o passado, mas a uma contingência do presente. Isso não quer dizer que aquele lugar não tenha sido ocupado por quilombos, mas que o imaginário contemporâneo dessas comunidades sobre o
quilombo talvez não esteja ancorado somente em referências da memória e do passado, mas também no atual momento que vivem.
Quando as artesãs de Itamatatiua falam do artesanato do quilombo e valorizam a produção da boneca tradicional do quilombo, estão construindo no presente uma ponte com o passado e abrindo portas para o futuro. Sem o intuito de estabeler a dicotomia presente-passado, o objetivo deste ensaio foi explicitar possíveis percursos analíticos e bases metodológicas para a análise da produção, circulação e consumo do artesanato local. Onde se estabelece o encontro de turistas e artesãs.

NOTAS

1 O Instituto Meio intermedeia trocas comerciais entre comunidades produtoras e o consumidor, pautando suas atividades em preceitos de economia solidária e comércio justo. Para saber mais: www.institutomeio.org.br
2 A certificação concedida pela Fundação Cultural Palmares é o primeiro passo rumo à titulação dos territórios quilombolas. Nesse processo inicial, é a autodeterminação coletiva do grupo que origina o processo de reconhecimento, que será analisado e posteriormente certificado pela instituição.
3 O Maranhão é o primeiro estado em quantidade de identificações de comunidades remanescentes de quilombo. Em termos de certificação pela FCP é o segundo do Brasil, ficando atrás apenas da Bahia.
4 Santa Maria recebeu a certificação de reconhecimento pela Fundação Palmares em 10/12/2004 e Itamatatiua em 12/05/2006.
5 Lia Krucken (2009) analisa o processo de atribuição de valor à produtos terroir, ou seja, produtos ligados ao território. Estou utilizando a denominação produto com identidade cultural local no mesmo sentido.
6 Os nativos denominam esse processo de separação de linho e borra riscamento.
7 O batimento é uma etapa da cadeia produtiva da tecelagem. Consiste em, já com os fios da fibra de buriti dispostos no tear, passar fios perpendiculares e, a cada fio colocado, “bater” com uma espátula de madeira, para comprimir os fios e formar o tecido.
8 Nessa e nas demais citações em idiomas estrangeiros a tradução é de minha autoria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Raquel Gomes Noronha é designer, mestre (PPGCSoc-UFMA) e doutora (PPCIS-UERJ) em Ciências Sociais. Professora-adjunta da Universidade Federal do Maranhão, onde coordena o Núcleo de Pesquisas em Imagem, Design e Antropologia (NIDA).

Recebido em: 22/04/2014
Aceito em: 22/06/2014