Quais são as principais características do artesanato chileno? Quais os materiais mais utilizados?
Bárbara: A diversidade geográfica do Chile se reflete em um artesanato rico e heterogêneo. De acordo com a nossa política pública, definimos um determinado grupo de ofícios artesanais presentes no país, aqueles que correspondem às diversas expressões da produção artesanal, caracterizada por culturas e matérias primas representativas do território chileno. Cada um desses ofícios representa em si uma disciplina com diferentes significados, níveis e processos produtivos – conforme o território e a identidade de quem os executa ou transmite.
Entre os ofícios ou categorias de artesanato, destacam-se a tecelagem, o trabalho em madeira, cestaria, cerâmica, trabalhos em couro, ourivesaria e entalhe em pedra.
TECELAGEM
É o processo de produção que se inicia com o cuidado dos animais, envolvendo a tosquia, fiação, tecelagem e diversas etapas de preparação da fibra. A estes processos somam-se os instrumentos e insumos para tingir, estampar e bordar, além da aplicação de técnicas como fusos para fiar teares verticais, horizontais, de cintura, de pedal, de quatro estacas, no solo, tear de quatro pentes e outros, bem como o tear de palitos e crochê.
Utiliza-se na produção técnicas tradicionais de trançado do tecido com urdumes listados, complementares e de duas faces, que produz um efeito positivo-negativo nas duas faces do tecido, e técnicas como a da reserva por amarra e tingimentos com tinturas vegetais e artificiais.
Os desenhos, as cores e o simbolismo dos tecidos descrevem diferentes expressões culturais e significados característicos e representativos de cada região do país. As fibras têxteis abrangem um amplo espectro de substratos e de materiais de origem vegetal (algodão, linho, juta, cânhamo, entre outros) e animal (ovelha, alpaca, vicunha, guanaco, entre outros).
TRABALHO EM MADEIRA
Trabalho artesanal que é expresso em mobiliário, objetos utilitários, figuras, entre outros. Conforme a área geográfica, podem ser encontrados objetos feitos de madeira de bambu, cacto, “
quillay” (árvore saponina), laranjeira, louro, castanheira, álamo, “
mañío” (podocarpus) e “
raulí” (Lophozonia alpina). O entalhe pode ser feito com diversas ferramentas, como formão, faca, machado e machadinhas – e outras mais elaboradas como serras, tupias, furadeiras e lixadeiras.
No entalhe das peças vemos produtos elaborados com grande habilidade, representando figuras de caráter mitológico e religioso, artefatos utilitários de decoração, estribos, caixas e outros objetos, cuja característica comum é o entalhe das peças.
CERÂMICA
Este é um trabalho feito com grande variedade de argilas, que posteriormente passam por um processo de preparação, elaboração, queima e cozimento, dando forma a uma ampla gama de objetos artesanais, de Norte a Sul do país. A matéria prima natural é obtida nas jazidas naturais locais (a Cordilheira do litoral, rica em quartzo e ferro). O material é transformado de maneira totalmente manual ou com auxílio de ferramentas simples como paus, pedras, pincéis, conchas, colheres, ou com as ferramentas próprias de cada processo de produção. No que diz respeito à elaboração, as peças têm basicamente uma finalidade utilitária, porém é comum seu uso em reproduções de peças arqueológicas sendo, portanto, uma expressão importante, que resgata e recria formas primitivas. As decorações baseiam-se principalmente no uso de engobe, por meio da pintura e desenhos com
cinzel, e acabamentos como
brunimento, envelhecimento, incisões, pinturas e outras, aplicadas no final do cozimento. Atualmente é possível ver cerâmicas feitas com sistemas controlados de preparação, cozimento, aplicação de esmaltes e pigmentos policromados.
É importante destacar na produção cerâmica tradicional chilena que ainda existem, nos espaços rurais, escolas autodidatas de representação plástica de temas religiosos, geralmente realista e com fins devocionais.
CESTARIA
São as técnicas de tecido de fibras vegetais, de acordo com suas características, para estruturar e fazer objetos de formas planas ou volumétricas. O material, feito de plantas ou trepadeiras, é cuidadosamente colhido e selecionado, cortado, encanado, descascado, branqueado e afinado, conforme a técnica a ser usada: redes e malhas feitas com nós, tramas simples, tramas duplas, entrelaçado, urdume simples, trançados ou com tecidos em espiral, unindo as tranças com costuras muito finas. Ás vezes os artesãos misturam palha natural com palha tingida em cores vivas, complementando com cordões trançados do mesmo material. Não é fácil para os artesãos e artesãs encontrarem essa matéria prima, pois ela ocorre naturalmente nas florestas nativas, que hoje estão sendo substituídas por outras espécies.
TALABARTARIA
É o processo de curtimento, depilação e tingimento de peças de couro bovino, ovino, caprino, etc. O couro poderá ser trabalhado curtido ou não, depilado ou com pelos, e esses processos irão afetar as características do material, o desenho a ser aplicado, o tingimento e os usos do objeto final. Nas áreas rurais, a produção é basicamente dirigida à fabricação de arreios, e o couro é trabalhado para a confecção de carteiras, moedeiros, cintos e outros objetos. Esse tipo de artesanato é característico das áreas de pecuária, onde é possível obter a matéria prima.
OURIVESARIA
São os processos que envolvem a fundição,
forja, lavrado, martelagem e outras técnicas de fabricação de peças em ferro, prata, cobre, bronze, ouro e ligas de diferentes materiais, que permitem a confecção dos mais variados objetos.
Os objetos vinculados às culturas nativas – sobretudo mapuche e aymara – têm fins simbólicos ou decorativos. Os de tradição hispana são de caráter mais funcional e contemporâneo.
Cada vez há mais criadores nacionais dedicados à sua produção. Com isso, as peças apresentam mais inovação e melhor qualidade, como por exemplo as combinações com materiais como pedras, fibras vegetais e outros. Isto permite a integração da ourivesaria com outras disciplinas do artesanato, a fusão de diversas técnicas e insumos e a incorporação de um valor agregado numa produção orientada principalmente para o mercado e para demandas especializadas.
TRABALHO EM PEDRA
É o artesanato que faz uso das pedras de pedreiras e de seixos dos rios e depende das diferentes características da matéria prima: cores, texturas, brilho, densidade e peso. A pedra é trabalhada de diversas maneiras, podendo ser talhada com cinzel ou goivos, ou ainda torneada, laminada, polida e com acabamentos que se adequam a objetos utilitários, decorativos ou funcionais.
Na região Norte, é comum o trabalho em pedras vulcânicas representando cenas cotidianas da comunidade e reproduzindo as construções das igrejas nortistas. Na região insular, na Ilha da Páscoa, encontramos basalto, variedades de escória e obsidiana, além da rocha ígnea, que definem o trabalho dos moais, esculturas e joias.
Na região Sul, de influência mapuche em toda a sua dimensão cultural, destaca-se o trabalho em pedra nas “joias líticas” – peças associadas a insígnias de comando chamadas clavas, e também nos cachimbos, apitos e flautas. Já em Chiloé, o arenito permite a elaboração de braseiros, chaminés e tijolos, além de personagens da
mitologia chilota.
Segundo o Censo de 2002, 4,6% da população chilena (ou seja, 692.192 pessoas) pertencem a algum povo indígena. E ainda, a grande maioria (87%) considera-se Mapuche. Há alguma influência desses povos indígenas, especialmente dos Mapuches, na produção do artesanato chileno?
Eileen: Claramente sim, a influência mapuche é visível no artesanato, nas técnicas, nas peças e no uso das matérias primas, sobretudo na região sul do país. Há também povos que tiveram forte influência cultural em outros territórios, como os aymara e likanantai, no Norte. Da mesma forma, encontramos artesãos tradicionais de destaque descendentes dos povos nativos. Por exemplo, nos Tesouros Humanos Vivos estão duas artesãs mapuches de renome, como Dominga Neculmán na cerâmica e Amalia Quilapi, que conserva a técnica do trarikan própria da tecelagem mapuche, assim como o agrupamento de artesãos em cestaria, de Püll Püll Foki.
Mas existem também certos tipos de artesanato dos povos nativos que foram se perdendo por escassez de matéria prima ou pela falta de nichos de comercialização. Nesse sentido, a partir do Departamento de Patrimônio Imaterial do
Conselho Nacional da Cultura e das Artes, tem sido realizado um trabalho de pesquisa para a salvaguarda da cestaria yagan e do artesanato rapanui, ambos oriundos dos nativos assentados no Chile insular.
No Brasil e em outros países do mundo as universidades têm um papel importante na valorização e reconhecimento dos artesãos e artesãs. O mesmo ocorre no Chile?
Eileen: Embora tenha havido universidades que deram uma contribuição para a valorização do artesanato, a minha impressão é que isso foi principalmente no design e nas artes. Uma das principais iniciativas é a
Feira Internacional de Artesanato da Universidade Católica do Chile, que congrega anualmente os artesãos e já teve mais de 40 versões. No entanto, na esfera acadêmica, há muito ainda para contribuir, especialmente a partir de uma abordagem mais cultural.
O “Tesouros Humanos Vivos” foi um programa criado pela UNESCO na década de 1990. Como surgiu essa iniciativa no Chile, em 2009?
Eileen: No Chile, esse reconhecimento começou a ser feito assim que foi ratificada a Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, no ano de 2008. O programa entrou em vigor em 2009, tornando-se o Conselho Nacional da Cultura e das Artes o órgão estatal responsável pelo seu cumprimento. Assim, foi iniciada a construção de um modelo de implementação, baseado nas diretrizes da UNESCO e adaptado à realidade do país. Conforme esse modelo, anualmente é feita uma convocação pública para que as pessoas indiquem para o reconhecimento como Tesouro Humano Vivo aqueles cultores ou cultoras que criam, recriam e transmitem os saberes e técnicas que herdaram e que fortalecem a identidade de suas comunidades, enriquecendo a diversidade cultural presente no Chile. O reconhecimento consiste em uma certidão pública da qualidade do Tesouro Humano Vivo, além de um incentivo econômico único, para as categorias abaixo, com os seguintes valores:
a) Para três pessoas físicas, ou cultores/as individuais: um prêmio de $3.000.000.- (três milhões de pesos - equivalente a U$4.500) para cada um dos três cultores/as;
b) Para três coletivos ou comunidades: um prêmio de $7.000.000.- (sete milhões de pesos - equivalente a U$10.600) para cada uma das três entidades.
Quais são os direitos e obrigações dos portadores do título? Há alguma garantia de que os “tesouros” estejam efetivamente transmitindo conhecimento (uma vez que o patrimônio está em risco de desaparecimento)?
Eileen: Por um lado, os Tesouros Humanos Vivos, a partir do momento em que se candidatam ao título, assinam uma declaração em cartório na qual manifestam a intenção de difundir e transmitir o patrimônio cultural imaterial pelo qual são reconhecidos. Da mesma forma, o Estado se compromete a salvaguardar o patrimônio cultural imaterial reconhecido, o que irá depender da disponibilidade orçamentária do Conselho de Cultura e Artes.
O Conselho Nacional de Cultura e Artes faz um registro audiovisual, fotográfico e etnográfico de cada um dos Tesouros Humanos Vivos. Cerca de 50% dos Tesouros Humanos Vivos realizam oficinas de valorização e transmissão, tanto na educação formal como informalmente, dentro de um programa denominado “Portadores de Tradição”, organizado pelo próprio departamento de patrimônio cultural imaterial do Conselho.
Atualmente estamos iniciando algumas pesquisas sobre as expressões desenvolvidas por essas oficinas, para que sejam incluídas no Inventário Priorizado do patrimônio cultural imaterial do Chile.
Existe algum incentivo para a comercialização dos objetos feitos pelos portadores do título?
Eileen: O foco do programa não é a comercialização dos produtos dos patrimônios reconhecidos. Aliás, muitos deles desenvolvem expressões vinculadas à ritualidade e não são nem comercializáveis nem podem ser objeto de dramatização. Quanto aos artesãos, particularmente, eles são colocados no circuito de feiras ou exposições de artesanato tradicional, sempre mediante seu consentimento e acordo prévio.
Qual é a situação legal do programa “Tesouros Humanos Vivos" do Chile? Esse programa é um projeto de lei (ou seja, existe independentemente do governo que estiver no poder) ou é um programa específico do atual governo?
Eileen: O Programa de Reconhecimento dos Tesouros Humanos Vivos foi desenvolvido a partir de atos administrativos baixados pelo próprio organismo responsável, o Conselho Nacional da Cultura e das Artes, ao amparo da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO. Este é um instrumento internacional de reconhecimento legal no Chile, na medida em que foi ratificado pelo Estado chileno e sancionado pelo o Decreto-Lei n° 11 de 2009, do Ministério de Relações Exteriores.
“Tesouros Humanos Vivos” não é um programa específico do atual governo, pois foi criado no ano de 2009, durante o primeiro mandado da Presidente da República Michelle Bachelet e continua em vigor até hoje, tendo passado por três períodos de governo sem sofrer modificações significativas, precisamente porque as suas diretrizes emanam da UNESCO.
O interesse do governo pelo artesanato é algo mais recente, ou já foram desenvolvidas outras iniciativas em períodos anteriores? Caso o interesse seja mais antigo, poderia me dizer quais foram os programas criados?
Eileen: O trabalho na esfera do artesanato foi desenvolvido por diversos governos e instituições. No ano de 2003 foi criada a Área de Artesanato, na Divisão de Cultura do Ministério de Educação, com o objetivo de se tornar referência pública para o setor de artesanato no país e trabalhar pelo seu reconhecimento, valorização e promoção. Nesse mesmo ano, com a criação de nova institucionalidade cultural, o Conselho Nacional da Cultura e das Artes tornou-se parte deste, constituindo-se no campo de ação que atualmente se foca na promoção do artesanato.
Paralelamente, o artesanato tradicional é abordado a partir de uma perspectiva patrimonial pela Seção do Patrimônio Cultural Imaterial, onde eu trabalho e que, embora não seja uma área voltada exclusivamente para o artesanato, é um foco importante do trabalho pelo fato de existirem inúmeras manifestações, muito diversas e representativas de certos territórios, principalmente os rurais. As três linhas de trabalho principais são: elaboração de dossiês e de planos de salvaguarda no âmbito do Inventário Priorizado do Patrimônio Cultural Imaterial no Chile; turismo cultural; e reconhecimentos, como “Tesouros Humanos Vivos” e “Portadores de Tradição”.
Por exemplo, na esfera do reconhecimento de Tesouros Humanos Vivos, temos as “técnicas artesanais tradicionais”, onde se situa o artesanato tradicional, especialmente a partir de uma perspectiva identitária e focada na técnica e no processo de elaboração. Dos 38 reconhecidos até hoje, oito são artesãos ou artesãs:
Artesãs de Rari (2010), Região do Maule: Os aspectos identitários do conhecimento da técnica e tradição do artesanato em tecido de crina de cavalo e o valor identitário da mesa são reconhecidos a nível local e nacional. A capacidade de sustentabilidade desta manifestação e a sua contribuição para o desenvolvimento local são fatores importantes para esse reconhecimento. Avalia-se a capacidade de articulação da comunidade para essa candidatura.
Dominga Neculmán (2011), Região de Araucanía: Mestre artesã, ceramista e tecelã, provavelmente o expoente máximo da cerâmica mapuche e uma das últimas vivas.
Alejandro González (2011), Região de Antofagasta: Destacado músico e compositor de “cuecas nortinas” e de música carnavalesca, dedicou a sua vida a essa música específica, que integra elementos andinos, aymaras - lican antay e chileno mestiço. É também artesão em pedra vulcânica.
Uberlinda Vera (2012), Região de Tarapacá: Reconhecida por preservar a tradição “pampina salitrera” de elaboração de coroas de flores em folhas de flandres, papel de seda e papel crepom, manifestação presente nos enxovais funerários de muitas culturas populares e povos indígenas de nosso país.
Arpilleristas de Lo Hermida (2012), Região Metropolitana de Santiago: Mediante a elaboração e ensino de trabalhos tipo “patchwork” com tecidos velhos, percebem um patrimônio urbano, contingente e popular, construindo um referencial estético e artístico por meio de uma técnica que é exemplo de solidariedade, dignidade e memória social.
Loceras de Pilén (2012), Região do Maule: Contam com uma tradição ceramista, representante de uma cultura produtiva e reprodutiva local, que manifesta os valores da vida rural.
Rómulo Ranquehue Marilicán (2013), Região de Aysén: Conhecido por ser um dos últimos “taberos” da Região. Desde os 15 anos dedicou-se a fazer as “tabas” - elemento principal deste jogo tradicional de tiro da Região austral. A sua fabricação permitiu-lhe preservar a tradição, dando lugar a um espaço de encontro comunitário para onde confluem outras manifestações do PCI (Patrimônio Cultural Imaterial), reforçando a identidade local.
Unión de Artesanos de Quinchamalí (2014), Biobío: Reconhecida pela elaboração de um dos artesanatos mais representativos do país, preservando a técnica, cores e formas ao longo do tempo, característica de sua localidade e que não sofreu intervenções das novas tecnologias. Além do mais, destaca-se o trabalho comunitário das artesãs.
Vocês dispõem de informações estatísticas sobre o panorama do artesanato chileno? Dados sobre volume de vendas e número de artesãos?
Eileen: A Área de Artesanato conta com um sistema de registro de artesãos e artesãs, e a informação é inserida nas Estatísticas Culturais que o CNCA e o INE (Instituto Nacional de Estadísticas) divulgam sobre “Cultura e Tempo Livre”. No informe anual de 2013, por exemplo, no Ponto 3.2. (página 168), é possível consultar estes dados:
http://www.ine.cl/canales/menu/publicaciones/calendario_de_publicaciones/pdf/cultura_tiempo_libre_informe_2013.pdf
Bárbara: A diversidade dos perfis do artesanato chileno está bem caracterizada nos registros do SIRENA (Sistema de Registro de Artesãos), a partir do qual é possível reconhecer as variáveis de gênero e população indígenas, que juntamente com as demais, definem três perfis setoriais conforme seu tipo de produção: Artesãos contemporâneos: 34,8%; Artesãos tradicionais: 41,4%; e Artesãos Indígenas: 23,8%.
Quanto às condições gerais do setor, apenas 3% dos artesãos registrados no SIRENA em 2011 contavam com uma renda mensal igual ou superior a 700 euros; enquanto que 68% recebiam 280 euros ou menos (levando em conta que para 93% destes o artesanato era seu trabalho primário) (CNCA, 2011a). De acordo com o mesmo documento, mais de 30% não pertenciam a nenhum sistema de saúde e 75% não contribuíam com nenhum sistema previdenciário.
Quanto à origem da atividade, 45,9% declaram ter iniciado a atividade por trajetória e tradição familiar e 23,2% de maneira autodidata para gerar renda; contra 5% que indicam uma instituição de ensino. Essa informalidade torna muito difícil identificar os criadores para efeitos de acesso às plataformas de difusão e comercialização, numa época em que a confecção manual de objetos passa a ser artesanal, para todos os efeitos e aos olhos de públicos e consumidores sem qualquer informação e nenhuma curadoria.
Segundo a experiência ibero-americana, a implementação de programas de artesãos é o primeiro passo para uma lei setorial que proteja e estimule a atividade.
A debilidade da infraestrutura setorial se manifesta também nos dados publicados pelo
Mapeamento das Indústrias Criativas realizado pelo CNCA (2013), onde se declaram como parte do artesanato cerca de 70.000 pessoas - sendo que o oficio criativo ocupa o terceiro lugar em número, depois dos arquitetos, urbanistas e profissionais de apoio ao design. Desse número, 69% são trabalhadores autônomos, com 59% de informalidade. Na esfera das empresas, somente é possível conhecer as que estão formalizadas e vendem, as quais representam 15% das empresas culturais, e 97% destas são microempresas cujas vendas correspondem a 1% do total. As regiões que concentram a maior quantidade de vendas são: Metropolitana, Valparaíso, Araucanía e Antofagasta.
Em 2011 o setor de artesanato contava com vendas de 83 milhões de dólares/ano, correspondendo a 1% do total das Empresas Culturais. A comercialização de produtos artesanais é feita sobretudo nas Feiras de Artesanato, que na sua maior parte são sazonais e de administração municipal.
SIRENA
·
Sistema de Registro Nacional do Artesanato, que “identifica e reconhece os que cultivam o artesanato no país, assim como as diversas manifestações presentes no território com o fim de preservar, valorizar e fomentar seu desenvolvimento”. Para fazer parte do registro, os artesãos devem se apresentar voluntariamente através do portal da
Web. Para resguardar a validação do sistema, cada postulante é avaliado a nível regional por uma comissão de especialistas, que inclui na sua maioria artesãos e organizações locais com Selo de Excelência, Mestres Artesãos premiados ou organizações já registradas. Atualmente, esse Registro é o único instrumento do Estado que permite certificar a condição de Artesão Produtor. De 2011 até 2014 foram registrados 1420 artesãos e 81 organizações de 100% das regiões do país
Há algum programa governamental de incentivo para a venda dos produtos artesanais?
Eileen: Sim. Uma das principais iniciativas neste campo foi a criação da Fundação
Artesanías de Chile, que pertence à Red Fundaciones, da Direção Sociocultural da Presidência da República, e que gerou estratégias de promoção para a produção e comercialização, mediante a compra de peças de uma rede de artesãos tradicionais que são comercializadas em suas lojas e pela internet.
Existe no Chile alguma interação entre artesanato e design? Ou ainda, entre artesanato e a indústria?
Eileen: Sim, em ambas linhas há interação. A partir do design, por exemplo, tomaram-se muitos elementos técnicos e estéticos do artesanato tradicional, para recriá-los em peças contemporâneas, como as iconografias. Ou promove-se a inovação, objetivando a comercialização.
Em termos institucionais, atualmente a Área de Artesanato, sob a égide do Departamento de Fomento das Artes e Indústrias Criativas, passa a fazer parte das chamadas “Indústrias Emergentes”, ampliando seu olhar em direção à possibilidade de instalar essa atividade, eminentemente patrimonial, dentro do universo das disciplinas culturais lucrativas, a partir de sua valorização. Igualmente, entre suas iniciativas está a concessão do “
Selo de Excelência Artesanato do Chile” para distinguir a excelência da atividade artesanal, com o objetivo de incentivar a criatividade e inovação, promover os produtos de artesanato e fortalecer seu valor cultural, social e econômico.
Na sua opinião, quais são as principais dificuldades que os artesãos chilenos enfrentam?
Eileen: Primeiro, gostaria de esclarecer que a minha opinião parte da perspectiva do artesanato tradicional, o que não representa necessariamente o artesanato mais contemporâneo. Nesse campo, acredito que as principais dificuldades detectadas são a escassez de matérias primas, porque houve uma perda significativa de vegetação nativa; também a comercialização, seja porque não contam com acesso a espaços de comercialização e a terceirização, seja por terem que competir com produtos de menor custo; e ainda a transmissão das técnicas artesanais para as novas gerações, pois em geral trata-se de trabalhos bastante sacrificados e não suficientemente rentáveis, de maneira que o interesse dos jovens e das crianças se perde.
Bárbara: As dificuldades partem da falta de reconhecimento por parte do Estado mediante um marco legal regulador do setor artesanal. Isso significa que não há diferença entre o artesão e um microempresário, nem clareza nos processos de tributação entre eles. Ao não contar com um emprego assalariado, os artesãos não contam com benefícios de saúde, proteção trabalhista, etc. A comercialização de seus produtos depende 50% dos espaços públicos, que são regulados por cada município e são esporádicos, o que dificulta as possibilidades de vendas.