Chita, Ela agora é bacana Chita, chitinha, chitão... Pano popular de algodão, na melhor tradição brasileira. Florido, alegre, colorido. Lembra infância no interior, festa junina, colcha de cama e colo de mãe. | ||
A chita sempre foi pau pra toda obra: forro de colchão, toalha de mesa, cortina, vestido... Polivalente, feminina, resistente, tem a alma simples das coisas baratas usadas pelo povo. E, agora, ganha também a sofisticação que lhe emprestam os designers e a moda. Pois é, quem diria, a chita está em voga.
No início de 2005, em São Paulo, o lançamento de um livro consagrou-a definitivamente, contando a saga de suas origens, reconstituindo sua história e as infindáveis formas como vem sendo usada ao longo dos tempos. Que Chita Bacana é o nome da publicação idealizada por Renata Mellão e Renato Imbroisi. Com texto de Maria Emília Kubrusly, ensaio fotográfico de Lena Trindade e ampla pesquisa histórica e iconográfica, ele foi editado pela instituição A Casa, casa-museu do objeto brasileiro.
Ainda neste ano, duas exposições
- uma no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, e que agora está percorrendo o país, e outra a ser realizada no Sesc Belenzinho, na capital paulista - mostram as infinitas possibilidades do pano, desde seu uso em manifestações inspiradas no nosso mais autêntico folclore, até seu emprego como matéria-prima de famosos estilistas da moda nacional, como Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Marcelo Sommer, Karla Giroto e Ronaldo Fraga, entre outros. É a valorização do nosso patrimônio cultural e sua entronização no lugar de honra que sempre lhe foi devido.
Ela vem de longe
Os ancestrais da nossa chita são nativos da Índia e já eram populares naquelas plagas quando, em março de 1492, Vasco da Gama aportou no país, mais precisamente em Calcutá. Tecidos de algodão, estampados com motivos de flores, folhas, arabescos e desenhos geométricos: uma das religiões locais, o islamismo, proibia a representação de figuras humanas. Eram chamados de chint, pinta ou mancha no idioma hindi, (derivado do sânscrito), e de chit, na região meridional da Índia, onde se fala a língua marata. Levados para Portugal, de lá ganharam toda a Europa, encantando e transformando-se em objetos do desejo de ingleses, franceses e holandeses.
Enquanto Portugal e Espanha preocupavam-se apenas em comercializar os ditos "indianos" (indians, em inglês; indiennes, em francês), os demais europeus lançaram-se não apenas na busca de suas próprias rotas para chegar às Índias, mas também iniciaram a fabricação de panos similares.
Trazida também para o Brasil pelos portugueses, a chita serviu como moeda de troca na época da escravatura. O algodão - a base da chita - era velho conhecido dos nossos índios antes mesmo da chegada de Cabral: com instrumentos rudimentares, eles o fiavam, teciam e pintavam, usando-o em redes e em faixas.
Tanto a cultura do algodão quanto as manufaturas de têxteis (que surgiram nas proximidades dos algodoais) adotaram a rota dos principais produtos de exportação nos diferentes ciclos da economia brasileira. Primeiro na Colônia, depois no Império e, por fim, na República. Durante o ciclo da cana, o algodão floresceu no Nordeste, berço também da tecelagem rudimentar para consumo doméstico, que, estima-se, tenha começado por volta de 1530 na Bahia e em Pernambuco. Em Minas, as manufaturas domésticas de tecidos aparecem durante o ciclo da mineração, no início dos anos de 1700, mas só se desenvolvem comercialmente depois de finda a corrida do ouro: antes, era proibida na capitania qualquer atividade econômica não ligada à mineração. Esgotadas as jazidas, fez-se necessário encontrar outras atividades produtivas, além da necessidade do abastecimento da população local, isolada no interior pela grande distância dos portos e pelas montanhas. No final do século 18, o desenvolvimento da tecelagem mineira foi significativo: "Nessa época, o tingimento com pigmentos naturais e a estamparia de tecidos já eram praticados, mas em pequena escala: surgiam as 'avós' da chita brasileira".
No livro Que Chita Bacana você ficará conhecendo toda a parentada da nossa chita, chamada de chitinha quando suas flores são miúdas e delicadas, de chita se sua estamparia exibe flores de tamanho médio, e de chitão quando se "caracteriza pelas estampas florais bem grandes, em cores vivas, com traços de grafite delineando contornos, e que cobrem toda a trama do tecido engomado". Essa trama levemente aberta, essa tela - que fez os franceses apelidarem-na de toile peinte, isto é, tela pintada - é muito semelhante ao que nós, no Brasil, chamamos de morim.
Do povo e para o povo
Ao longo dos anos, a produção brasileira de chita vestiu a gente do povo, como os habitantes das zonas rurais, onde era característica das festas populares. Também nas periferias das cidades, o pano confeccionava a vestimenta dos trabalhadores braçais e a "roupa de brincar das crianças". Paralelamente, mantinha-se - e, de certa forma, ainda se mantém - como matéria-prima de primeira para compor cenários e figurinos de nossos festejos tradicionais, aparecendo nas Festas do Divino, no bumba-meu-boi, no maracatu, no ticumbi ou Baile de Congos, nas festas juninas pelo país afora e até nos desfiles de carnaval na avenida. Nos anos 60, o chitão (chita fabricada com 1,20 metro de largura, e não apenas com 60 ou 90 centímetros) acabou sendo descoberto pelo movimento hippie, pelo tropicalismo (vestindo Gil, Caetano e Tom Zé) e até pelo "velho guerreiro" Chacrinha, então um ícone da TV nacional. Ainda nos 60, a estilista Zuzu Angel foi pioneira ao usar a chita em suas criações aplaudidas até em Nova York. Nos anos 70, a novela Gabriela - baseada na obra de Jorge Amado Gabriela, Cravo e Canela e exibida pela TV Globo - colocou em cena uma Sonia Braga descalça e vestida de chita, tal qual a descreve a imaginação do escritor nas páginas do romance. Ressuscitada esporadicamente nos anos 80 e 90 por designers de vanguarda, ela ressurge agora com a força de suas cores e de sua versatilidade, usada na moda e na decoração. "As coisas com cara brasileira", explica no livro a consultora de moda Glória Kalil, "deixaram de ser encaradas como caipiras. Passou a ser sofisticado ter outro olhar para isso. A chita faz parte do nosso imaginário e está vivendo uma recuperação. Essa recuperação tem a ver com o medo que a globalização trouxe da perda de identidade tribal, local". Se o fenômeno da globalização vem colaborando para o resgate da cultura nacional, então que viva a globalização! | ||
Por Penha Moraes |